Revista Cidade Verde 166

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CLAU PUBLIC


UDINO CIDADE


Índice Capa

À espera de um milagre

5. Editorial 08. Páginas Verdes Luiz Felipe Pondé concede entrevista à jornalista Cláudia Brandão 14. Palavra do leitor 22. A política pede reforma 26. O futuro da Previdência nos Estados 30. Diagnóstico mais rápido para AIDS 36. Indústria

Articulistas 15

Jeane Melo

08

Páginas Verdes Luiz Felipe Pondé

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Sonegação e corrupção andam juntas

42

A bebida que conquistou o Brasil

COLUNAS

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38. Cuidado com a “pelada” do fim de semana

13. Cidadeverde.com Yala Sena

58. Caminhada pela paz

20. Ponto de Vista Elivaldo Barbosa

64. Presença do 2º BEC no Piauí garantiu a realização de obras no Estado

35. Tecnologia Marcos Sávio

66. De volta ao pódio

62. Economia e Negócios Por Jordana Cury

68. Viagem que cabe no bolso

84. Passeio Cultural Eneas Barros

76. Empreendedorismo

86. Perfil Péricles Mendel

78. Rock, hambúrguer, churrasco e cerveja

19

Zózimo Tavares

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Cecília Mendes


foto Manuel Soares

A fila da agonia Poucas coisas trazem tanta alegria à vida de uma família quanto o nascimento de um bebê. É como um sopro de vida que vem para garantir a continuidade dos pais ao longo das próximas gerações. Da mesma forma, e na mesma intensidade, nada pode ser mais doloroso do que assistir, impotente, à morte da criança tão desejada e esperada ao longo de nove meses. Como descreve o compositor Chico Buarque na música Pedaço de Mim: “a saudade é o revés do parto; a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Este é o sentimento dos pais piauienses que perderam seus filhos, ainda bebês, porque eles não tiveram acesso a uma cirurgia fundamental para garantir-lhes a sobrevivência. São as crianças nascidas com cardiopatia congênita grave, uma má formação no coração que, se não for operada a tempo, leva à morte do paciente. O Piauí já chegou a realizar essa cirurgia no passado pelo Sistema Único de Saúde, mas com a defasagem na tabela de pagamento dos procedimentos do SUS, os hospitais deixaram de operar os bebês com cardiopatia. Hoje, eles têm que entrar para um cadastro nacional e aguardar na fila de espera para realizarem o Tratamento Fora de Domicílio (TFD). O problema é que a burocracia é lenta e anda em descompasso com a pressa de quem luta para sobreviver. A taxa de sucesso da cirurgia para corrigir a cardiopatia congênita é alta quando realizada em tempo hábil, mas não é o que vem acontecendo no estado. Do ano passado até agora, dezesseis bebês morreram na fila de espera pelo tratamento que não chegou a tempo. A questão é grave e merece uma atenção diferenciada por parte dos

gestores públicos de saúde. Assunto abordado em profundidade na reportagem de capa desta edição, assinada pelas jornalistas Caroline Oliveira e Jordana Cury, que conversaram com pais e especialistas para escrever o texto que o leitor irá encontrar a partir da página 48. Outro tema que merece destaque nesta edição é o alto volume de recursos desviados com a sonegação fiscal, dinheiro que deveria ser pago regularmente pelos contribuintes para atender as necessidades do país, dos estados e dos municípios. Nos últimos cinco anos, os fiscais conseguiram recuperar R$ 1 bilhão desviados no Piauí. A sonegação anda de mãos dadas com a corrupção, como prega a campanha desenvolvida pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal. Quando alguém deixa de pagar a sua parte, sobrecarrega os outros que estão contribuindo regularmente. A má aplicação dos recursos públicos não é justificativa para sonegar. O que deve ser feito é o acompanhamento das contas do governo por meio dos órgãos de controle externo e da própria sociedade. A boa notícia vem do esporte e, mais uma vez, trazida pela judoca Sarah Menezes, que ganhou medalha de prata no Grand Prix do México, e subiu quinze pontos no ranking mundial. Atualmente, Sarah luta em uma nova categoria de peso, a de 52 kg, e já começou a reagir, mostrando os primeiros resultados positivos. O Piauí inteiro torce para que ela continue a conquistar novas medalhas e a subir novos degraus no pódio. Cláudia Brandão Editora-chefe

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HOUS PUBLIC


SE D1 CIDADE


Entrevista POR CLÁUDIA BRANDÃO

Luiz Felipe Pondé

claudiabrandao@cidadeverde.com

Filosofia Corajosa Luiz Felipe Pondé é filósofo, escritor, ensaísta e um dos pensadores mais importantes da atualidade no Brasil. Colunista do jornal Folha de São Paulo, é autor de vários livros, entre eles o Filosofia para Corajosos, no qual propõe que as pessoas comecem a pensar com a própria cabeça, sem seguir modismos ou tendências. Irônico e desconcertantemente sincero, ele esteve recentemente em Teresina como convidado do Salão do Livro do Piauí, quando concedeu a seguinte entrevista para a Revista Cidade Verde.

RCV – Na atual conjuntura política brasileira, ainda se pode falar em ideologia de esquerda e de direita? LFP – Eu acho que ainda sim, mas

com um monte de aspas. Sem entrar no mérito de que esses termos são historicamente muito carregados, confusos. No cenário específico do Brasil, podemos identificar um grupo de direita relacionado ao Bolsonaro, por exemplo, com figuras que pregam certa nostalgia da ditadura, que têm um discurso equivocado do tipo: “os militares eram super-honestos”. Ainda no espectro da chamada direita, há um discurso mais próximo de uma direita liberal, que defende a sociedade de mercado. Ou seja, 8 | 25 DE JUNHO, 2017 | REVISTA CIDADE VERDE

foto Roberta Aline

O filósofo e professor Luiz Felipe Pondé desconstrói mitos e desfia uma fina ironia sobre os assuntos mais complexos da sociedade contemporânea.


é direita, mas não tem nada a ver com Bolsonaro. São representados, por exemplo, pelo partido novo que está aparecendo, ou grupos como o MBL [Movimento Brasil Livre], o Vem Pra Rua, grupos que foram muito ativos no impeachment da Dilma e que também têm aparecido em universidades e em grupo de profissionais liberais jovens, em fóruns. São pessoas que são favoráveis a um estado menor, à sociedade de mercado, mas que não têm nada a ver com a direita do Bolsonaro. Agora, a esquerda tem um grupo ao redor do PT, ou do que sobrou do PT, que é um grupo de defesa estatista, a favor de políticas que tornam o Estado inchado, que deem dinheiro para a população, com vocação burocratizante. E há também uma esquerda que se acha mais pura, que eu identificaria com o PSOL, o PSTU. Então, eu acho que ainda dá para falar nisso no Brasil, até para limpar um pouco a discussão e deixar os personagens um pouco no lugar.

RCV – A população vive hoje um desencanto com a política. Isso não leva ao risco de um descrédito generalizado, provocando o afastamento das pessoas do debate crítico e proporcionando o surgimento dos “salvadores da pátria”? LFP – As últimas pesquisas realiza-

das nos Estados Unidos mostram que, na verdade, a maior parte das pessoas não está interessada em política e nunca esteve. Isso é um mito construído principalmente em sala de aula por filósofos e jornalistas que, estes sim, se interes-

Eu acho que quanto mais o Brasil esquecer da política e deixar Brasília se afundar, melhor vai ser pra nós.

sam pelo assunto. A maioria das pessoas vota quando tem alguma coisa muito aguda em jogo, aí elas se ocupam. Normalmente, quando há crise econômica, porque o bolso é o órgão mais sensível dos eleitores. E as pessoas, geralmente, não se informam. Elas vão em busca de discursos que concordem com elas ou com a visão de mundo que elas têm. Outra coisa: o profissional que é mais voltado para a política costuma ter uma percepção de mundo e acha que quem não concorda com ele está equivocado, é um estúpido, alienado. A maior parte dos intelectuais acha o povo absolutamente ignorante, incapaz. Os votos normalmente são feitos a toque de caixa. Se a situação econômica fica muito ruim, como no caso do Brasil atualmente, as pessoas ficam mais atentas, mas agora elas já estão demonstrando certo cansaço e isso tem a ver com o fato de muita gente estar percebendo que política custa caro.

RCV – E o que se pode esperar diante de um cenário como esse? LFP – A gente está começando a

ultrapassar a ideia de que a política é um debate entre o bem e o mal. Quando as pessoas vão pra rua, os políticos ficam com medo, que nem a Dilma, que prometeu mundos e fundos em 2013. E ali nem era um movimento contra ela ainda. Mas a manifestação popular nas ruas não impede que as pessoas votem em candidatos péssimos. O fato de as pessoas se manifestarem publicamente não significa que elas estão com maior consciência política, mas apenas que estão mais irritadas com alguma coisa especificamente. E essa irritação pode fazer com que elas votem em qualquer populista. O que a gente está, paulatinamente, descobrindo nas últimas décadas é que a democracia é um regime meio randômico. Não existe essa regra de que, quanto mais educado, melhor o voto. Pessoas com PHD fazem escolhas extremamente estúpidas. Para fazer uma analogia, na primeira metade do século XX, o voto popular ajudou Hitler a chegar aonde ele chegou. E a Alemanha era o país, talvez, com o maior nível educacional da época. Isso não significa também que pessoas com baixa educação garantam uma boa escolha. Não há garantia. As pessoas votam a partir de interesses próprios. Agora, não há dúvida de que quando você tem certa dilapidação do aparelho político profissional, há o risco de aparecer aventureiros, que são políticos profissionais, REVISTA CIDADE VERDE | 25 DE JUNHO, 2017 | 9


aqueles que sabem mexer com o bem e com o mal. Veja o caso do Temer e do PMDB. Se ele não cair e passar as reformas que ele tenta passar, ele vai ser um dos presidentes da República mais importantes que o Brasil teve no regime pós-ditadura. Um vai ser o Fernando Henrique, que arrumou a ditadura; o Lula vai ser esquecido, como um caudilho que distribuiu dinheiro, e o Temer vai ser lembrado como o cara que conseguiu enfrentar a reforma trabalhista e a da previdência.

RCV – Na sua opinião, a política brasileira, hoje, é mais drama ou comédia? LFP – (Risos) A política é sempre

um drama, principalmente quando a gente acredita nela e depende dela. Quando você começa a perceber que quanto menos você depende da política, melhor fica, aí ela vira comédia. Mas, no Brasil, ainda é um drama. Talvez a gente comece a perceber que as relações imediatas que a gente tem no trabalho e no dia a dia são mais importantes do que o que vem de Brasília. Quanto mais você espera da política, mais miserável você está, provavelmente. Quanto menos você espera dela, maior rede de sobrevivência você tem. A sobrevivência das pessoas está na economia, não na política, a menos que elas sejam muito pobres.

RCV – É possível cultivar uma ética individual do cidadão quando a ética nacional está em frangalhos? LFP – Acho que sim, porque parte dessa ética em frangalhos que a gente vê hoje na política tem muito

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Chapeuzinho Vermelho nunca produziu riqueza, quem produz riqueza é capitalismo selvagem, sempre foi assim.

a ver com o comportamento individual dos brasileiros. Nós somos seres cordiais para o bem e para o mal. A gente privatiza o público, é informal em momentos que deveria ser formal, costuma achar que quem é muito certinho tem problema, então, essa cordialidade brasileira deixa a gente muito relaxado. Veja a linguagem cordial das delações: “Ah! você me dá R$ 3 milhões? A sua sogra melhorou?”. É um vocabulário que parece uma conversa entre amigos e, na verdade, os caras estão mexendo com dinheiro público, loteando o Estado. Você pode procurar ter uma vida minimamente honesta, apesar de ter governantes meio ladrões. Mas é claro que um panteão como esse desestimula. Eu acho que quanto mais o Brasil esquecer da política e deixar Brasília se afundar, melhor vai ser pra nós.

RCV – O indivíduo consegue alcançar um bem-estar pessoal

quando o meio à sua volta está em crise econômica, política e social? LFP – Eu acho que se o meio social

estiver muito miserável, com pessoas à sua volta sofrendo e passando fome, você só consegue viver bem se virar uma besta. Você teria que blindar tudo a sua volta e isso fica muito ruim. Como os antigos diziam: “ou você cuida dos pobres ou os pobres cuidarão de você”, o que significa que eles vão invadir sua casa e tomar tudo que é seu. Então, não dá para viver se há uma enorme população ao seu redor na miséria. Tem muita gente que vive assim, mas vive blindando, fingindo que a realidade não existe. As melhores sociedades do mundo, com menos violência, são aquelas onde você tem distribuição de riqueza um pouco mais regular. Quando as diferenças são muito grandes, fica difícil. Acho que, nos últimos tempos, a gente tem demonstrado até certa sabedoria no Brasil. Brasília está desmanchando e a gente continua vivendo.

RCV – Por que o crescimento material no mundo não foi acompanhado, na mesma proporção, pelo aumento da felicidade pessoal? LFP – Porque a espécie sapiens nun-

ca vai ser feliz. A gente é feliz de vez em quando, daí acaba. Às vezes, a gente identifica a felicidade quando ela já passou, quando tem saudade. Sabe aquela frase das avós: “eu era feliz e não sabia”? Inclusive, porque essa ideia de felicidade individual é muito nova na evolução da espécie, que tem mais ou menos cem mil anos. Essa ideia de felicidade indivi-


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