Caderno de Stylus 3

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substância feminina, fora das “ousias” das “latusas” (Ibid., p. 153) produzidas pela ciência e rentáveis para o capitalismo, esses objetos que ocupam lugar do objeto a). Diante da falta do Outro, de um Outro que lhe significará o valor fálico do seu ser no desejo, a histérica se protege da angústia do indizível de sua “insubstância”, tratando de manejar a economia do gozo do corpo, sem passar pelo Outro. E mostra um real próximo ao da ciência, na medida em que, para dar-se um ser ela só irá se dedicar a jogar com a fronteira entre o simbólico e o real, no desafio com os limites do corpo. Escrevi no quadro essa “histeria capitalista”, em ruptura de vínculo social, e na que se quebra o vínculo histérico com o Um posto no lugar do Outro, como uma inversão do discurso capitalista. Se o DC faz subir ao zênite o objeto a, dominando o sujeito, a histérica dá a volta à situação, mostrando-se como sujeito mestre na cena, no curto-circuito sujeito/objeto, sem que mude nada na cadeia S1-S2, que resta desligada do sujeito. É uma réplica, mas sem promover um vínculo social; assim, essas patologias histéricas do ato não fazem vínculo social, não têm a ver com o discurso histérico, mas marcam a ruptura do vínculo com o amor do pai. Ocorreu-me que poderíamos escrever assim, porque se temos aqui o objeto a, o mais-de-gozo que domina o sujeito, que se impõe ao sujeito, se os afixarmos quando escrevemos o DH, mas tirarmos o vínculo, tiramos a flecha, a impossibilidade que um sujeito, como o Significante Mestre do sintoma histérico, por isso coloquei no lugar do vetor quebrado pontos suspensivos. O vínculo está quebrado, então o que resta? A mesma escritura do discurso capitalista, com a diferença de que a histérica faz uma inversão: se o objeto a aparece dominando o sujeito, sua ação na passagem ao ato ou no acting out, sejam anorexias, bulimias, ou outras invenções, faz subir ao zênite o sujeito e trata de dominar o objeto, coisa que não logrará, de onde o fútil e o nocivo de seu fazer, e seus retornos de excessos que não se podem dominar. É a impotência do saber; o único que está quebrado é o laço do discurso com o Outro, quer dizer, é o objeto que empurra o Sujeito a “fazer-se ser”, mas fazer-se só com o objeto, um sujeito feito com o objeto, não feito no vínculo com o Outro. Nesse lugar, onde o sujeito está farto da papinha asfixiante dos objetos com os quais o outro trata de reduzir seu desejo, sua falta, o sujeito burla o Outro, e opera diretamente com o lugar do objeto, arranjando-se só com seu corpo, separandose dos imperativos do Outro familiar, e “só com seu corpo” se safa do simbólico da linguagem e das incertezas da palavra. “Permaneço muda, nada digo, nada faço saber ao outro, e logo me fecho e é a barriga cheia”, disse uma histérica, curada de sua bulimia. Ela se diz “nascida como falante à palavra” por efeito de sua análise, mas comer “nada” é sem palavras, uma forma eficaz de fazer-se eu-mestre do corpo, no controle da privação, para esvaziar tudo o que no corpo é “carne” como objeto de gozo do Outro. Assim, no espelho, nunca se verá a perfeita realização da

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Caderno de Stylus Rio de Janeiro no. 03 p. 45-65 outubro 2014


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