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DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL DE UMA COMUNIDADE DE ANUROS (AMPHIBIA) NO SUDOESTE DE GOIÁS, BRASIL Juciene Bertoldo da Silva1, 2, Cristino Renato da Silva3 1

Pesquisadora – Orientadora

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Curso de Ciências Biológicas – Unidade Universitária de Quirinópolis, Goiás.

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Curso de Pós-Graduação em Biologia Aplicada à Proteção da Natureza – UnU

Quirinópolis

RESUMO Estudos sobre a distribuição espacial e temporal nas comunidades de anfíbios anuros são importantes para a definição de estratégias de conservação. O presente trabalho teve como objetivo analisar a distribuição espacial e temporal das espécies de anuros de uma área na fazenda Fortaleza, município de Quirinópolis, Goiás. Os trabalhos foram realizados de maio de 2002 a abril de 2003. Foram encontradas 28 espécies de anuros, distribuídos em quatro famílias: Bufonídae (1); Hylidae (17) Leptodactylidae (9) e Microhylidae (2). A comunidade estudada apresenta distribuição temporal influenciada pela precipitação e a temperatura do ar e apresenta espécies generalistas típicas de ambientes abertos. Foram identificadas sobreposições na distribuição temporal e espacial das espécies. Anuros, Comunidades, Distribuição.

Introdução A maior diversidade de anuros ocorre na região neotropical, que conta com 43,7% das espécies conhecidas no mundo (Duellman 1988). No cerrado existem 150 espécies de anfíbios dos quais 28% são endêmicos (Klink & Machado 2005). Em diversos grupos de vertebrados foi demonstrado que a coexistência de populações, em uma mesma área é facilitada por divergência ecológica, devida em parte, a interações comportamentais interespecíficas, envolvendo organização social e distribuição espacial e temporal nas comunidades (Cardoso et al. 1989, Cardoso & Haddad 1992). Estudos sobre abundância e distribuição de espécies também tem sido enfatizados por fornecer conhecimentos básicos para pesquisas na área de ecologia, sistemática, biogeografia e biologia da conservação (Heyer et al. 1994). Entretanto, se fazem necessários mais estudos desta natureza para

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facilitar comparação com outros ambientes, ou ambientes próximos à área estudada que sofrem diferentes impactos decorrentes da atividade antrópica (Nascimento et al. 1994). O presente trabalho teve como objetivo analisar a distribuição espacial e temporal das espécies de anuros de uma localidade no município de Quirinópolis. Material e Métodos A área de estudos - O presente estudo foi desenvolvido no município de Quirinópolis (18°26’ S e 50°27’ W; 450 m de altitude), na Região Centro-Oeste do Brasil, sudoeste do Estado de Goiás. Os dados foram coletados entre o período de maio de 2002 a abril de 2003, na fazenda Fortaleza. A área de estudos selecionada era composta por vários ambientes: Lagoas Permanentes em Áreas abertas (LP); Poças Temporárias em Áreas Abertas (PT); Área de Mata Primária (AM); Brejos Permanentes em Áreas Abertas (BP); Brejos Temporários em Áreas Abertas (BT). Foram realizados ao todo 52 turnos de observação que totalizaram 216 horas de observação, e ocorreram no período noturno, entre 18 e 2 h. Análises dos dados - Para análise estatística dos dados foi utilizado o índice de correlação de Pearson. Os valores de p=0,05 foram considerados estatisticamente significativos. A densidade populacional mensal utilizada foi obtida dividindo o núme ro de indivíduos de cada população encontrados em cada campanha de campo pelo número de campanhas que ocorreram no mês. As análises de similaridade foram realizadas no programa Biodiversity. Os valores médios de precipitação, umidade relativa e temperatura do ar foram fornecidos pelo SIMEGO (Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos do Estado de Goiás). Resultados e Discussão Foram encontradas 28 espécies de anuros, distribuídos em quatro famílias: Bufonídae (1); Hylidae (17) Leptodactylidae (9) e Microhylidae (2) (Tabela 1). A predominância das famílias Hylidae e Leptodactylidae é comum na região Neotropical (Duellman & Trueb 1994) e registrado para outras localidades do Brasil (Bertoluci & Rodrigues 2002, Bastos et al. 2003, Machado et al. 1999). A estratificação vertical presente na área de estudos pode explicar o maior número de Hylidae. A maioria das espécies possui ampla distribuição geográfica, são típicos das formações de cerrado e possui várias espécies típicas de áreas antropizadas, tais como H. albopunctatus, L. fuscus, P. cuvieri, S. fuscovarius (Haddad 1998).

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Houve correlação significativa entre a média mensal de precipitação pluviométrica e a quantidade de indivíduos presentes no agregado (r=0,67; N=12; p<0,05) e entre a média mensal de temperatura do ar e a quantidade de espécies, (r=0,64; N=12; p<0,05). Entre a umidade relativa do ar e o número de espécies presentes no agregado reprodutivo não houve correlação significativa (r=0,56; N=12; p>0,05) (Figura 1). A umidade relativa do ar, chuvas e temperatura são importantes fatores abióticos para atividade reprodutiva dos anfíbios anuros (Kluge 1981). O ambiente que apresentou o maior número de espécies foi a Lagoa Permanente (LP) com 23 espécies, seguido pelas Poças Temporárias (PT) com 21 espécies. Os Brejos Temporários (BT) e os Brejos Permanentes (BP) apresentaram 9 espécies cada. Os Ambientes de Mata (AM) apresentaram o menor número de espécies (4). Segundo Crump (1971), espécies generalistas são aptas para uma maior exploração do ambiente do que as especialistas que ficam restritas a um micro-hábitat. Espécies de mata são mais especialista que aquelas de áreas abertas (Nascimento et al. 1994) o que explica em parte o baixo número de espécies de áreas fechadas na área de estudos. Segundo Cardoso et al. (1989) em áreas abertas, ao contrário de áreas de mata, o número de espécies é maior que o numero de micro-ambientes disponíveis como sítios de canto, gerando sobreposição espacial na distribuição das espécies. As espécies trepadoras (Hylidae) apresentam segregação espacial natural em relação a espécies terrestres (Bufonidae, Leptodactylidae e Microhylidae) e as diferenças na escolha do micro-hábitat permite a coexistência das espécies, algumas das quais podem se adaptar para melhor aproveitamento dos recursos (Caramaschi 1981). 450

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Precipitação (mm)

400

Umidade Relativa do Ar (%)

350

25

Número de Espécies

300

20

250

15

200 150

10

100

5

50

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0

Figura 1: Distribuição temporal das espécies de anuros e valores médios de precipitação (mm) e umidade relativa do ar (%) para o município de Quirinópolis, GO (maio de 2002 a 3


abril de 2003). Dados fornecidos pelo SIMEGO (Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos do Estado de Goiás). Tabela 1: Relação das espécies de anuros encontradas na fazenda Fortaleza. Município de Quirinópolis, GO. Junho de 2002 a maio de 2003. Ambientes: Lagoas Permanentes em Áreas abertas (LP); Poças Temporárias em Áreas Abertas (PT); Área de Mata Primária (AM); Brejos Permanentes em Áreas Abertas (BP); Brejos Temporários em Áreas Abertas (BT). 2002 Família

Espécies

Bufonidae

Bufo schneideri Dendropsophus alianeae Dendropsophus anataliasiasi Dendropsophus cruzi Dendropsophus minutus Dendropsophus nana Dendropsophus rubicundulus Dendropsophus tritaeniata Hypsiboas albopunctatus Hypsiboas multifasciatus Hypsiboas raniceps Phyllomedusa hypocondrialis Pseudis bolbodactyla Scinax fuscovarius Scinax fuscumarginatus Scinax nebulosus Scinax similis Trachycephalus venulosus Baricholos ternetzi Leptodactylus fuscus Leptodactylus labyrinthicus Leptodactylus podicipinus Leptodactylus ocellatus Phyaslaemus centralis Phyaslaemus cuvieri Phyaslaemus nattereri Pseudopaludicola saltica. Dermatonotus mueleri Elachistocleis ovalis Total de Espécies Estação

Ambientes M

Hylidae

Leptodactylidae

Microhylidae

2003

J

A

S

O

X X

J

X

X

X

N

D

X

X X

X X

X

X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

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LP, PT, BP, BT

X

LP, PT, BT LP, PT LP, PT

X

X

X

AM, LP, PT

X

X

X

LP, PT

X

X

X

X

X

X

X

LP, PT, AM X

X

X

LP

X

X

X

X

LP, BP

X

X

X

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LP, PT

X

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LP

X

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X

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X

X

X

X

X

X

LP, PT

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

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Fria e seca

X

X

LP, PT LP, PT, BP, BT

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

LP, PT

X

LP, PT

X

X 2

LP, PT, BT, BP

AM

X

1

LP, PT LP, PT, BT, BP

X

X

X X

LP, PT

X X

X

X

M A

X

X

X

X

X

X

X X

F

LP, PT X

X

J

X

X X

X

LP, PT, BP, BT

X

LP, PT, BP, BT X

X

X

PT BP, BT, PT

X

12 20 23 24 19 16

BP, BT

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Quente e chuvosa

Os agrupamentos obtidos revelaram um alto grau de sobreposição quanto ao ambiente utilizado (Figura 2 - A) que é compensado em parte pela distribuição temporal (Figura 2 - B). No entanto, o ambiente estudado oferece uma ampla variedade de micro4


hábitats e desta forma influencia na diversidade local. Situação é semelhante à encontrada em outros estudos com anuros neotropicais (Crump 1974, Cardoso et al. 1989). A

B

Figura 2: (A) Similaridade de ocupação e (B) similaridade e sobreposição temporal das espécies de anuros da Fazenda Fortaleza nos cinco ambientes amostrados. Junho de 2002 a maio de 2003. Município de Quirinópolis, GO. Conclusões A comunidade de anuros estudada apresenta distribuição temporal sazonal influenciada principalmente pela precipitação e a temperatura do ar. Apresenta espécies generalistas típicas de ambientes abertos. A sobreposição espacial e temporal das espécies estudadas indica que a distribuição espacial e temporal é um mecanismo secundário no isolamento reprodutivo. Outros estudos que investiguem as diferenças na estrutura física e temporal das vocalizações e os micro- hábitas ocupados podem esclarecer melhor a distribuição e a partilha de recursos das espécies na comunidade.

Referências Bibliográficas Bastos, R. P.; J. A. O. Motta; L. P. Lima; L. D. Guimarães. 2003. Anfíbios da Floresta Nacional de Silvânia, Estado de Goiás. Goiânia. 82p. Bertoluci, J. & M.T. Rodrigues. 2002. Utilização de habitats reprodutivos e micro-habitats de vocalização em uma taxocenose de anuros (amphibia) da Mata Atlântica do sudeste do Brasil. Papéis Avulsos de Zoologia, São Paulo, 42 (11): 287-297. C. A. Klink; R. B. Machado. 2005. A conservação do cerrado. Megadiversidade , V. 1 (1): 147-155.

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Caramaschi, U. 1981. Variação estacional, distribuição especial e alimentação de hilídeos na represa do Rio Pardo (Botucatu, SP) (Amphibia, Anura, Hylidae). Campinas. Dissertação de Mestrado (Biologia - Ecologia) – Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas . 139p. Cardoso A. J. & C. F. B. Haddad. 1992. Diversidade e turno de vocalização de anuros em comunidade neotropical. Acta Zooogica. Lilloana, v. 41,p. 93-105. Cardoso A. J.; G. V. Andrade; C. F. B. Haddad. 1989. Distribuição espacial em comunidades de anfíbios (Anura) no sudeste do Brasil. Revista Brasileira Biologia. V. 49, (1): 241-249. Crump, M. L. 1971. Quantitative analysis of the ecological distribution of a tropical herpetofauna. Occas Papirus Museu Natural History. Univ. Kansas, 3: 1-62. Crump, M. L. 1974. Reproductive strategies in a Tropical anuran community. Miscellaneous Publication of the Museum of Natural History, Univ. Kansas 61:1-68. Duellman, W. E.; L. Trueb. 1994. Biology of Amphibians . Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 670p. Duellman, W.E. 1988. Patterns of species diversity in anuran amphibians in the american tropics. Ann. Missouri Bot. Gard., 75:79-104. Haddad, C. F. B. 1998. Biodiversidade dos anfíbios no Estado de São Paulo. In: (Ed. Castro, R. M. C.) Biodiversidade do Estado de São Paulo, Brasil. São Paulo: FAPESP, p. 17-26. Heyer, W. R.; M. A. Donnelly; R. W. McDiarmid; L. C. Hayek; M. S. Foster. 1994. Measuring and monitoring biological diversity: Standard methods for amphibians. Smithsonian Institution Press, Washington, DC. Kluge, A. G. 1981. The life history, social organization and parental behavior of Hyla rosenbergi Boulenger, a nest-bluinding Gladiador frog. Misc. Publ. Museu Zoology University Mich. 160: 1-170. Machado, R. A.; P. S. Bernarde; S. A. A. Morato; L. Anjos. 1999. Análise comparada da riqueza de anuros entre duas áreas com diferentes estados de conservação no município de Londrina, Paraná, Brasil (Amphibia, Anura). Revista Brasileira de Zoologia, 16 (4): 9971004. Nascimento, L. B; A. C. Miranda; T. A. M. Balstaedt. 1994. Distribuição estacional e ocupação ambiental dos anfíbios anuros da Área de Proteção da Captação da Mutuca (Nova Lima, M.G.). Bios. Belo Horizonte. Vol. (2) 2: 5-12.

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