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RESENHAS

reza, está em quem contempla, no sujeito. Para a sociedade, isto se transfere para os elementos que a compõem, os diversos sujeitos, ainda que estes não possuam tal consciência. Assim, continua Simmel, quais são as condições para que ocorram os processos de socialização? O produto dessas condições não é um conhecimento - como no caso da natureza. É, sim, um processo prático, uma realidade. O sujeito não se encontra frente a um objeto sobre o qual vai adquirindo gradualmente uma idéia teórica. O que ocorre é que a consciência da socialização é o que imediatamente sustenta e contém o seu sentido interno, em um processo de ação recíproca. Na verdade, o que se coloca é a diferença entre a percepção engendrada por um observador externo - como a que se dá na concepção kantiana de compreensão da natureza -, e a percepção que tem que ser construída pelo sujeito da ação que, ao mesmo tempo em que articula internamente o que seja esta sociedade, participa ativamente dela. Esta percepção torna-se, portanto, condição inequívoca para que tal participação se efetive. Ou seja, o sujeito se dirige para a sociedade externa a si, movido pelo conceito de sociedade que traz embutido em seu interior, em uma relação dialógica. A partir da lógica estabelecida pelo autor sobre o que sejam os processos de sociação (Vergesellschaftung, termo criado por ele), é que se torna admissível levantarmos a questão que nos dá o título e pensar o próprio Simmel. Daí, ‘como é possível Simmel’, ou, colocando de forma mais clara: como é possível pensar os diversos aspectos da sociedade de seu tempo, tendo que, necessariamente, inserir-se nela e operar dentro dela? Na verdade, esta, imagino, deve ser uma pergunta básica para qualquer observador da vida social. Mas, pensando em finais do século XIX, nas profundas mudanças sociais e espaciais que estavam em curso com a vivência nas cidades pouco a pouco se impondo como a forma de vida predominante na sociedade, e, especialmente, nas novas maneiras de subjetivação necessárias para operar nesse mundo que se pauta por novos contornos do ‘ser’ e do ‘viver’, é espantoso que, em meio a este turbilhão de transformações, alguém – totalmente imerso nos espasmos daquela nova realidade - consiga desenvolver raciocínios tão abrangentes e precisos. É desta constatação que nasce, então, o nosso paralelo: segundo Simmel, para operarmos na vida social, precisamos observá-la ao mesmo tempo em que agimos como seus atores - mantendo, portanto, uma espécie de ‘equilíbrio’ entre os processos de observação e de ação -; da mesma forma, podemos examinar as análises simmelianas: o autor perscruta profundamente as novas formas de subjetivação

necessárias para compartilhar esta vida social urbana que emerge ao mesmo tempo em que – condição absolutamente fundamental – desenvolve a sua própria subjetividade para adequar-se a ela. Simmel, portanto, nos fala sobre uma nova subjetividade, da qual ele já faz parte, no preciso momento de sua construção. Traduz assim, no paralelo entre a sua experiência concreta e a sua teoria, o preciso equilíbrio que deve ser mantido entre ação e subjetivação. Tendo nascido em Berlim e permanecido na cidade durante a maior parte de sua vida, encontrou ali, na efervescente transição do século XIX para o XX, um ambiente propício ao desenvolvimento das suas observações da vida social e de suas ramificações. As profundas transformações nas artes, na cultura, na ciência, o nascimento da psicanálise, a teoria da relatividade, dentre outros inúmeros fatores que, neste período, fizeram eco às formas de vida em sociedade, compuseram o panorama que conduziu as reflexões do autor. Estas derivaram por caminhos insuspeitados, como a religião, as vestimentas ou a arte. Ao longo do texto que aqui abordamos, Simmel vai traçando importantes linhas de análise nessa nova subjetividade que passa a se fazer presente na vida cotidiana, voltando-se continuamente para a sua

Cena de rua em Berlin, Grosz, 1930.

nº 01 ▪ ano 1 | maio de 2010 ▪ e-metropolis

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