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LGBT

Nº 107 | Ano XXI | 2019

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Mercado de trabalho é hostil com pessoas LGBTs GABRIELA PEREIRA

Pesquisa diz que 7% das empresas não contratam homossexuais. Maioria das vagas é para faxina ou cozinha Beatriz Mendes; Gabriela Pereira

O

s efeitos da homofobia vão além da discriminação nas relações sociais. No mercado de trabalho, muitas vezes impede que travestis e transsexuais tenham emprego e renda dignos. Clayton Itoi, 25 anos, fez entrevistas de emprego por quatro anos sem ser chamado. “A gente passa nos testes de conhecimento, e na hora da entrevista, sente que a pessoa gostou de você, mas não quer te contratar porque você é gay”, conta. “Me sentia um lixo, mas tinha que seguir em frente”. Uma pesquisa feita em 2015 pela recrutadora Elancers com 10 mil empresas apontou que 7% não contratariam homossexuais de forma alguma, enquanto 10% não contratariam para determinadas funções. Muitas empresas temem ter sua imagem associada aos funcionários homossexuais. A mulher transsexual Anny Rodrigues, 24 anos, já viveu várias

situações de preconceito. “Fiz teste numa loja na 25 de Março. Me saí bem, mas quando tive que apresentar meus documentos para a contratação eles viram que legalmente eu ainda era homem. Me dispensaram na hora, dizendo que outra pessoa tinha se saído melhor no teste. Alguns dias depois, soube que os donos afirmaram que jamais contratariam alguém como eu”, lembra. Empresas que contratam pessoas trans costumam mantê-los escondidos do público, geralmente em funções de limpeza ou de cozinha. Hiuri Damasceno, 20 anos, conta que durante o tempo em que trabalhou numa loja não permitiam que ele se envolvesse em atividades mais complexas. “Eu acabava ficando com a parte de limpeza da loja, porque é isso que as mulheres fazem”. Ao pedir demissão, ouviu do chefe: “Tem que ser viado mesmo pra ficar com essas dores de cabeça”. Damasceno denunciou o assédio moral e ganhou a causa na Justiça.

BEATRIZ MENDES

Clayton se sentiu rejeitado pelas empresas, mesmo problema enfrentado pela transexual Anny Rodrigues

Segundo a psicóloga Andressa da Silva, a recusa frequente pelo mercado de trabalho pode levar a pessoa LGBT a desenvolver problemas de autoestima, ansiedade, pânico e até depressão, “Nesses casos, a primeira atitude a ser tomada é procurar ajuda em clínicas de psicologia”. Segundo a advogada Maria de

Lourdes Guimarães, embora existam leis contra a discriminação no ambiente de trabalho, não há norma específica contra a homofobia. Para a advogada, perguntas do entrevistador quanto à orientação sexual do candidato configuram homofobia. “Ele pode perguntar sobre o estado civil, mas jamais com qual gênero se relaciona”.

O portal Trans Sem Emprego, especializado na mediação entre transexuais que buscam colocação profissional e empresas de todo o território nacional, tem parceria com empresas como Atento, Google, Carrefour, entre outras. Cadastros e mais informações podem ser encontradas no site www. transempregos.com.br.

A cada 20h morre um LGBT vítima da intolerância THAMY NAKAYAMA

Amanda Miwa Cassio da Silva Almeida, 23 anos, estava no ponto de ônibus às 4h da manhã quando foi abordado por assaltantes. Ao perceberem a orientação sexual da vítima, após roubarem seus pertences os assaltantes o jogaram no chão e o espancaram com chutes nas costas. O fato ocorreu em fevereiro de 2017. Decidido a prestar queixa, no dia seguinte Cássio foi à delegacia do bairro fazer o boletim de ocorrência. Começou então outro sofrimento, uma vez que os funcionários se recusaram a registrar a ocorrência. Foi necessário percorrer várias delegacias, até conseguir. “Um escrivão chegou a dizer que não faria porque estava em

horário de almoço”, diz. O drama de Cássio se repete em todo o país no cotidiano de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Segundo o relatório do Grupo Gays da Bahia, 420 lésbicas, gays, bissexuais e transexuais morreram em 2018, vítimas da violência. Foram 320 homicídios e 100 suicídios. A cada 20 horas um LGBT morre vítima do preconceito e da intolerância. Além da violência física ocorrem também violência psicológica e social, condições em que raramente a vítima apresenta denúncia. Michael Pedro Batista da Silva, 23, ouviu de um passageiro no transporte público que “deveria jogar álcool e colocar fogo nele”, conta. “Felizmente nunca apanhei

ABDA MELO

Michael Pedro da Silva, 23 anos, e Cassio Almeida, 23 anos, vítimas de violência, torcem pela criminalização da homofobia pelo STF

na rua, mas esse episódio me fez sentir o peso da violência”. O professor Roberto Fukumaro, presidente do Fórum Mogiano LGBT, explica que em média chegam dois casos de LGBTfobia por semestre no Fórum. Na maioria das vezes, contudo, as pessoas preferem não denunciar. Isso acontece pela falta de ratificação criminal da LGBTfobia. Atualmente o STF (Supremo Tribunal Federal) está analisando os pedidos do PPS (Partido Popular Socialista) e do AGBLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) para, pelo menos, equiparar a LGBTfobia com o racismo na aplicação de penas.


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