ANUÁRIO PUBLICISTA DA ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO MINHO. Tomo I, Ano de 2012

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O Estado, a Administração Pública e a Crise: alguns apontamentos António Cândido de Oliveira

1. Introdução

Será que nos teremos esquecido de que o Estado é um produto da acção humana que, ao longo dos tempos, não só o criou como o desenvolveu? Teremos esquecido que o Estado não se reproduz por si mesmo e que, em cada momento, precisa de pessoas (físicas) para existir? E teremos ainda esquecido de que podemos também, em cada época histórica, dar-lhe contornos diferentes? Écerto que o Estado1, depois de vários séculos de existência e de um enorme crescimento, surge como algo que nos aparece estranho, que já não controlamos. Falamos dele como quem fala de algo que nos domina. Para esta situação, contribuiu seguramente o facto de o Estado ter surgido num tempo em que não havia democracia ou, dito doutro modo, o Estado dos nossos dias começou por ser um produto da vontade do monarca e da sua corte, sendo as pessoas (população) que o integravam súbditos e não cidadãos. Quando, após o liberalismo, se começou a acreditar – ou pelo menos a afirmar – que o dono do Estado eram os cidadãos e não o monarca ou quem nele exercia o poder, o Estado já estava sedimentado e funcionava com regras que o afastavam dos cidadãos. A responsabilidade perante estes e a publicidade do que fazia não estavam na sua tradição. Nestes termos, não é de admirar que tivesse sido sempre difícil mudar a estrutura do Estado e que ele, ao mesmo tempo que foi crescendo com muita opacidade, se tivesse transformado naquilo a que já se tem denominado “o monstro”. Continuamos a ter, por via disso, muitas dificuldade em modificá-lo, pois não é fácil mexer numa estrutura complexa que tem largos milhares de organismos e algumas centenas de milhares de pessoas que nele trabalham.

1

O Estado de que aqui temos em vista é aquele que é constituído por uma população assente num território e com órgãos de poder (político, legislativo, judicial e executivo) dito soberano, sendo reconhecido como tal no âmbito internacional. Focaremos aqui de um modo particular o Estado português e a sua dimensão executiva (o denominado aparelho administrativo).


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