Migrantes sulistas: caminhadas e aprendizados na região acreana

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para onde tem lugar. E a pessoa nesta condição vira gado.52

O que dizer desta fala? Apesar de não ser novidade, sempre que autoridades fazem revelações como essas do senhor Carbone, ficamos sobressaltados. No caso dessa, não, pois só confirma três coisas: a primeira, que o Incra nunca planejou colonização com o pessoal do Sul; a segunda, que pessoas foram jogadas de improviso onde lhes coubessem, “questão de improviso, nada planejado”; e terceira, que pessoas nessa condição “viram gado” e não expropriadores e jagunços. Ou podem até virar, já que a falta de uma política fundiária séria e democrática propicia a marginalidade, embora este não tenha sido o caso. Via de regra, todos os colonos assentados trataram de cuidar de seus lotes. No que diz respeito aos trabalhadores rurais trazidos por grandes fazendeiros para trabalharem como peões, sejam eles de gado ou de lavoura, alguns se envolveram ou foram envolvidos em conflitos. Outros atuaram mera força de trabalho no Centro-Sul e aqui. Ludibriados por seus patrões e sonhando com um pedaço de terra própria, os migrantes deram suas forças e de seus filhos, na esperança de que um dia a promessa feita pelo patrão, de que, uma vez formadas suas fazendas, dar-lhes-ia um pedaço de terra, se concretizasse. Alguns trabalhadores conseguiram, graças a seus esforços e ao baixo preço das terras no Acre, comprar uma pequena área. Outros, não conseguiram, ou conseguiram e venderam, passando a engrossar o exército de desempregados nas periferias das cidades acreanas. Apesar das revelações um tanto duras do senhor Carbone, constitui-se em uma realidade a de que, se tivessem sido ouvidas e analisadas por mais pessoas ou, quem sabe, se alguém tivesse presenciado as situações enfrentadas pelos pretendentes de terra, provavelmente teria havido mais ação e menos discriminação por parte dos governos estadual e federal. Ocorre que a miséria é fato e, por isso, deve ser escondida, ainda que, por conta de se ocultar tal situação ou por mascará-la, os filhos e netos de migrantes do Centro-Sul ainda sofram com o preconceito homogeneizador, que governos, instituições públicas e boa parte de uma sociedade 52 - VARADOURO. Seringueiro não vira colono paranaense. Rio Branco, v.2, p. 18, dez. 1981.


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