Quem trabalha com mulheres em situação de violência percebe semelhança dessa descrição com as mulheres atendidas. Há um estranhamento, um incômodo quando, ao oferecer a possibilidade de sair da violência, a mulher “escolhe” ficar. Também não é novidade se ouvir: ela gosta de apanhar, se não gostasse deixava o cara, separava. Nesse ponto, vozes feministas se levantam: mulher não gosta de apanhar. E justificam o machismo de Freud na construção do “masoquismo feminino”. Nesse contexto, os textos de Menezes (2012) e Kehl (2008) refutaram essa afirmação, pois apontam que o masoquismo feminino não tem nada a ver com um masoquismo ‘natural’ das mulheres, ou seja, que esta tem prazer em sofrer e que esse conceito foi construído num momento histórico que influenciou uma definição equivocada. Pelo contrário, o masoquismo feminino não se refere às mulheres, pois trata-se de uma posição que pode ser assumida por homens e mulheres, considerando o que significa o termo feminilidade, na teoria psicanalítica. Além do que, a submissão, o assujeitamento, a humilhação, que caracterizam o masoquismo, bem semelhante ao que caracteriza mulheres que insistem em relações mediadas pela violência, não se dão pelo prazer da dor, mas pelo prazer em que viver a dor vale a pena. É esse prazer, esse desejo, que precisa ser esclarecido, entendido e não negado. Não cabe aqui uma discussão teórica a partir do que ainda se desenvolve nas teorias psicanalíticas sobre feminino, feminilidade, mulheres, “masoquismo feminino” (BIRMAN, 2002; FREUD, 1924/2007, 1931/2000, 1933/2000; KEHL, 2008; LAURENT, 2012; MENEZES, 2012). Para a reflexão que se propõe este estudo, cabe verificar que os pressupostos psicanalíticos apresentam uma questão rechaçada pelas feministas, o que foi inicialmente conceituado como “masoquismo feminino”, como algo que não considera as questões históricas e sociais. Todavia, as teorias psicanalíticas aprofundam essa discussão, consideram a influência do patriarcado e do feminismo e apresentam uma forma de entender o fenômeno. Assim, o argumento usado para rechaçar essas teorias, nesse contexto, perde o sentido. Dessa forma, defende-se que o entendimento do sentido de permanecer na situação de violência, considerando as teorias psicanalíticas, pode ser incorporado às políticas de assistência/atendimento às mulheres, pelo menos para atentar que, nesse contexto da violência contra as mulheres,
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