Projétil Edição 83 Nov Dez-2014

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Editorial

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2

O

Carta do leitor

principal critério para definirmos as pautas dessa edição do Projétil foi o estabelecimento da cidade como eixo central das matérias. Tal concepção já vinha sendo desenvolvida pela turma desde o semestre anterior, quando diferentes espaços de Campo Grande foram objetos de uma pesquisa jornalística. Agora, com o conhecimento acumulado e em busca de um diferencial, pudemos abrir o leque de opções e explorar novas ideias, mas ainda mantendo o mesmo contexto. O processo de produção – pauta, apuração, redação e edição – foi inteiramente orientado pelos princípios éticos e técnicos jornalísticos, com matérias construídas à luz das balizas dos direitos humanos fundamentais. É nosso dever ressaltar a importância do compromisso ético essencial do jornalismo desde o seu mais simples formato, fazendo parte não somente do processo integral da equipe, mas também da consciênciade cada estudante e futuro profissional. Apesar das chamadas “pautas frias”, a equipe tentou colocar os temas das matérias da maneira mais pertinente possível à noção de atualidade. Entre pautas que caíram e mudanças de abordagem dos assuntos, o processo de apuração e contato com fontes pessoais e documentais não foi de todo simples. Temas como a literatura em Campo Grande e animais silvestres no meio urbano sofreram com a dificuldade de acesso às fontes e as equipes responsáveis pela Rodoviária Antiga e pela Feira Central precisaram de muita dedicação para o estabelecimento da confiança repórter-fonte. Os temas abordados no jornal estão propriamente ligados à ação do poder público, da sociedade e do cidadão. Ocupando as páginas iniciais, a rodoviária antiga é apresentada em uma grande reportagem que procura resgatar suas peculiaridades e reafirmar seu lugar como ícone da história da cidade. Um caderno fotográfico sobre as condições atuais da antiga ferrovia e uma entrevista de perfil com seu mais antigo funcionário aposentado também compõem essa necessidade de preservação das memórias da capital. Na esfera cultural, há matérias sobre artes plásticas, teatro e literatura campo-grandenses. A reportagem sobre o projeto “Movimente-se” também traz destaque à área de saúde e comportamento, e evidencia a carência de divulgação e de investimento em mais atividades como esse projeto. Outros temas, como o leitor poderá apreciar, convergem para o eixo central cidade-cidadania. São temas que exigem a atuação dos três entes constitucionais – o Estado, a sociedade e o cidadão. Ao evidenciá-los, queremos justamente chamar a atenção para essa responsabilidade. Ainda em tempo, com 14 anos de história, o jornal laboratório Projétil passou a ser uma exigência das diretrizes curriculares. Usualmente com 24 páginas, o primeiro impresso produzido pela turma foi rodado com um aumento de páginas, totalizando 32. Fechamos a edição no mês comemorativo de 25 anos do curso de Jornalismo e esperamos que consiga cumprir com seu objetivo e expectativas. Desejamos a você, leitor, que essa experiência possa ser tão enriquecedora quanto foi para a equipefazer parte da produção e memória desse jornal.

Na época, para um estudante como eu, mal iniciado nos mistérios da profissão, que também não sabia nada vezes nada a respeito das coisas da vida, fazer um jornal-laboratório parecia algo tão extraordinário quanto separar o átomo. Eu tinha acabado de entrar em uma redação, como repórter do extinto “Diário da Serra”. Até então eu havia sido entregador de jornal, lavador de autopeças, montador de móveis e auxiliar de escritório, isto é, nada parecido com qualquer coisa ligada ao jornalismo. Assim, a profissão parecia extremamente difícil e o futuro muito nebuloso. O principal e imenso obstáculo saltou-me aos olhos desde o começo: a censura impressionante, abrangente e asfixiante em que sobrevivia a imprensa de Mato Grosso do Sul. Cheguei a ter três matérias censuradas em um único dia, uma atrás da outra. Os jornais viviam quase exclusivamente de anunciantes privados poderosos e repasses do poder público. Portanto tudo o que fosse contrário a esses dois pilares – em especial assuntos desabonadores para o governo do Estado e a prefeitura – era imediatamente colocado na geladeira, revirado, contestado e, se possível, abandonado. Às vezes se podia escapar a esse sistema de controle, muitas vezes, não. A frustração era uma constante. Nesse cenário, o jornal-laboratório do nosso curso surgiu como uma válvula de escape para os assuntos que foram expulsos da im-

AsAs matérias veiculadas matérias veiculadasnão não representam necessariamente representam necessariamente aa opinião opinião da UFMS dedirigentes, seus dirigentes, da UFMS ou de ou seus nem da nem da totalidade da turma. totalidade da turma.

www.ufms.br/jornalismo

Rubens Valente Repórter – Folha de São Paulo Sucursal de Brasília

Nota da editora: O jornalista Rubens Valente integrou a primeira turma do curso de Jornalismo da UFMS. A equipe do Projétil edição 83 agradece suas contribuições e reflexões sobre a importância do jornalismo. Bárbara de Almeida

Boa leitura! Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Produzido pelos acadêmicos e acadêmicas do 4º semestre de Jornalismo, sob orientação dos professores Edson Silva (Edição II e Redação Jornalística IV), José Márcio Licerre (Planejamento Gráfico III) e Katarini Miguel (Legislação e Ética em Jornalismo). Editora-chefe: Bruna Fioroni. Editores de Diagramação: Bruna Fioroni, Fernanda Nogueira, Iago Porfírio e Lauro Burke. Capa e foto de capa: Fernanda Nogueira. Produção: Alexandre Kenji, Andressa Oliveira, Bárbara Cavalcanti, Bruna Fioroni, Caroline Carvalho, Erika Rodrigues, Estevan Oelke, Fernanda Nogueira, Gabriela Galvão, Gabriella Fernandes, Géshica Rodrigues, Gilberto Britez, Gisllane Leite, Hélio Lima, Helton Oliveira, Iago Porfírio, Iasmim Amiden, Isabela Domingues, Isabela Hisatomi, Ítalo Nemer, Jacqueline Gonçalo, Júlia Beatriz de Freitas, Júlia Paz, Laura Fagundes, Lauro Burke, Layane Karrú, Letícia Ávila, Luana Moura, Neize Borges, Nicolle Ignacio, Pedro Baasch, Renan Zacarias, Stefanny Veiga, Vitor Ilis e Vivian Campos. Correspondência: Jornal Projétil – Curso de Jornalismo – Centro de Ciências Humanas e Sociais – Cidade Universitária s/n – CEP 79070-900 – Campo Grande, MS. Fone (67) 3345-7607 – E-mail: projetil@ufms.br. Edson Silva (Professor de Edição II e Redação Jornalística IV) – Fone: (67) 9217-8018 – E-mail: eseiva@terra.com.br. Bruna Fioroni (Editora-chefe) – Fone: (67) 9605-1018 – E-mail: bruna_mfioroni@hotmail.com. Tiragem: 5000 exemplares.

prensa tanto pela censura quanto pela auto-censura. Assim fizemos, com todos os acertos e todos os erros inerentes ao ofício. Olhando em retrospecto, porém, creio que fizemos menos do que seria possível. Não fomos suficientemente corajosos e arrojados para a possibilidade que se abriu. Deveríamos ter esticado mais a corda; apontado mais o dedo para os poderosos; ter sido menos precavidos; mais autênticos nas nossas convicções, ainda que não tivéssemos plena certeza a respeito delas; menos reféns de técnicas jornalísticas que nos davam um chão seguro porém ilusório; mais atrevidos na escrita; menos temerosos de que o céu caísse na nossa cabeça; mais abertos à experimentação. E principalmente mais radicais na investigação jornalística. Sei que, contra tudo isso, enfrentávamos enormes dificuldades, principalmente a falta de tempo, pois todos trabalhavam durante o dia e estudavam à noite. Mas isso não poderia ter sido a desculpa que acabou sendo. Claro que não me envergonho e creio que nenhum de nós se envergonha do resultado final, mas quando se chega a 25 anos de vida está na hora de um balanço honesto que aponte para o futuro, procurando fugir dos erros do passado.


Perseverança

Fotos: Fernanda Nogueira

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Rodô Resiste O prédio da Rodoviária Antiga assistiu de perto o desenvolvimento da capital sul mato-grossense. Dos personagens que passaram ali, muitos tiveram sua importância para a história do lugar, mas poucos foram os que ficaram. Sobre os resistentes recaem os olhares preconceituosos da sociedade. Assim, o que fora um grande centro comercial está reduzido a um boteco aqui, uma loja lá e muitas portas fechadas... Já a rodoviária em si, tornou-se o passageiro perdido, que não sabe pra onde ir. Fernanda Nogueira Jacqueline Gonçalo Nicolle Ignacio “Bem vindo a Campo Grande” “Welcome to Campo Grande” Com uma placa bilíngue de agência de turismo, o Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu parece esperar por passageiros, que não vão mais chegar. Desativado no dia 31 de Janeiro de 2010, o prédio que fora até então ponto de encontros, chega-

cercado pelas Ruas Dom Aquino, Joaquim das e partidas continua apenas como centro Nabuco, Barão do Rio Branco e Vasconcecomercial. Com o tempo e o descaso dos los Fernandes, o préórgãos públicos, o dio é o centro de uma espaço que outrora Comerciantes vizinhança que ainda representara a privive a espera de turismeira parada de continuam convivendo tas, rodeado por homuitos que chegacom os problemas que téis, brechós, lanchovam a Campo netes e o prédio dos Grande se tornou ali existem Correios. No terminal um legado esquecijá pulsou o coração do e estigmatizado da cidade. pela população ingrata. Hoje, com muitas promessas e pouLocalizado na área central da capital,

cos destinos, a Rodoviária Antiga ou simplesmente Rodô, como é conhecida, carrega a fama de ponto de tráfico de drogas e prostituição. Lugar mal falado. O que muitos esquecem é que comerciantes continuam convivendo com os problemas que ali existem e, por teimosia ou apego, ainda fazem do terminal sua principal fonte de renda. Convidamos o leitor a fazer uma viagem por parte da história da cidade de Campo Grande. O bilhete é a percepção, escolha a sua poltrona.


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A rodoviária saiu do prédio, mas ainda há lojas expondo produtos que tornam as viagens mais confortáveis

Primeira Parada – 06h45 Enquanto a cidade começa a acordar, às sete da manhã, a Rodoviária dorme. Os corredores vazios contrastam com o início de movimento lá fora. Os trabalhadores que frequentam o entorno já começaram sua rotina, alguns até circulam pelo edifício e passam pelas poucas lanchonetes do prédio que dão para as movimentadas Ruas Barão do Rio Branco e Dom Aquino. No espaço, nenhum comércio está aberto além da padaria que tem a porta entreaberta, por onde escapa um delicioso cheiro de pão saindo do forno. Colocar os pés neste lugar é entrar em um baú de histórias. Por onde se caminha e olha, há lembranças de uma época distante. Os letreiros, os luminosos, as fachadas preservam os anos 70 e 80, com cores fortes e letras grandes. De repente o ruído de portas de metal sendo abertas interrompe esta viagem de sentidos, a loja localizada pela placa que diz “Rua – II, Quadra – F, Bloco – C” acaba de acordar. Um senhor usando calça jeans e camisa pólo, equilibra seus óculos no nariz enquanto pendura as mochilas na parte de cima e dos lados das portas. Mamede Fernandes Amorim, 62 anos, é um comerciante de estatura mediana, calvo, com tatuagem de escorpião meio apagada no antebraço direito. Há

quanto observa item por item. 25 anos está na rodoviária. Mamede então assume seu lugar ao – Eu comecei trabalhando de emlado do aparelho de som antigo, dá o pregado, isso aqui foi um começo. Trabalhando e fazendo economia, aí, gra- play na rancheira e pega o jornal do dia ças a Deus, eu consegui comprar a loja. para ler. Rapidamente o som ecoa por todo Com olhar desconfiado, Mamede fala como quem quer se livrar logo da corredor. A relojoaria Oriente, oposta à conversa. Se parar pra reparar, dentro loja de Mamede também já subiu as porda loja tem um quartinho que, apesar tas, mas o senhor alto de cabelos brandele não mencionar, sugere que ali não cos, responsável pelo lugar está sentado no canteiro de flores arestá só o seu sustento, tificiais no meio do cormas o seu lar. redor. Um pouco mais – Eu não pago à direita, a lanchonete aluguel, isso aqui é meu. Na Rodô desde Kituttis – de onde emaE o que a gente quer é 1989, Mamede na um suave aroma de que aqui venha a melavanda do produto de lhorar, eu tenho fé que passou de limpeza – está quase a vai melhorar. E eu tô funcionário a pleno funcionamento, as aqui, não vou sair. cadeiras e mesas plásticas Passando o olhar proprietário da de cor laranja com toapelos produtos dentro loja lha xadrez contrastam da loja Magno Presencom o lugar acinzentado. tes – esse é o nome Andréia, a funcionária do exposto no banner desestabelecimento, reserva botado pelo tempo – seu lugar em uma mesa e sintoniza a ráos antigos CD’s do Roberto Carlos se misturam aos óculos de sol espelhados. dio em uma estação que toca sertanejo universitário. Ela acende seu cigarro e esTudo está muito bem organizado e preservado. Os óculos são modelos anti- pera por clientes. Conferindo o relógio, gos que, há anos, eram as últimas ten- já passa das 9h30 da manhã. O sol arde lá fora, mas a sensação é que não mudou dências da estação. O espaço é consideravelmente grande, mas a quantidade de em nada a temperatura ali. O vento corta produtos colocados à venda faz dele um os corredores sem dó e faz as pessoas cruzarem os braços pra tentar se aquecer. tanto apertado, embora não seja nada que impeça o cliente de caminhar en- Alguns rostos diferentes começam a sur-

gir, mas eles não têm a rodoviária como destino, e sim o outro lado da rua. Seus olhares não vagam pelo lugar, nem olham para os lados, o que veem é apenas o caminho à sua frente, provavelmente a cabeça pensando nos mil afazeres do dia. Todos parecem não se importar com a velha Rodô, exceto quem ainda trabalha e depende dela.

Segunda parada – 14h20 Depois do meio-dia a única coisa que muda é a hora. Algumas poucas lojas se juntam àquelas que abriam logo cedo. Mototaxistas estão sentados em frente à Kituttis fazendo uma pausa no trabalho. Alguns senhores jogam cartas nas calçadas, outros jogam bilhar nos bares e mulheres sentam à beira do balcão com garrafas de cerveja. Parte dos estabelecimentos ainda vendem artigos muito procurados para viagens de longa e curta duração. Anúncios oferecem uma quantidade considerável de produtos como mochilas, camisetas, fones de ouvido, fotografia 3x4, rádios de pilha, malas, óculos, roupas de banho nos modelos conhecidos como “vintage”, que parecem estar no estoque desde 1998 e até mesmo giletes e brinquedos. Também se pode encontrar uma variedade de CD’s. Se você busca algum


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Dono da Subcultura Records, uma loja de CD’s e vinis, Pietro viu na Rodô um espaço para desenvolver a cultura na cidade

artista que não está mais no auge da care coloca um deles para tocar. Limpanreira, a Rodoviária Antiga, certamente, do os discos de decoração e colocané o lugar para encontrar raridades. Se do alguns CD’s e livros no lugar, Pietro procura algum clássico do sertanejo raiz fala da rodoviária. ou do flashback vá até a Magno Pre– Há muitos anos que eu vinha sentes; se está atrás de vinis, clássicos do pensando assim: “pô, aquele prédio porock e preciosidades da música nacioderia virar uma espécie de galeria, uma nal a Subcultura Records é o lugar mais coisa legal assim.” adequado, nada de “iPod” ou “mp3” e Pietro faz parte dos novos comersim o bom e velho tocador de CD’s, a ciantes da Rodô, aqueles que acreditam não ser que queira comprar um no potencial cultural do prédio. “pendrive” gravado, item que também – Antes de ser a rodoviária, já era é oferecido por ambas as lojas. um prédio histórico. Era um prédio que A Subcultura já existia há muito Records é um dos mais tempo, isso eu comércios abertos na não sabia. Me conPietro faz parte dos calçada que dá para taram. novos comerciantes da a Rua Dom Aquino. O tipo de estaNas prateleiras estão Rodô, aqueles que belecimento mais CD’s, DVD’s, livros, frequentado na roacreditam no potencial quadrinhos e jogos doviária são os bacultural do prédio que já pertenceram a res. A sensação ao outras pessoas. Um passar pela frente sebo. O casal Pietro desses espaços é a de Luigi e Yasmin Santiago, que são os dovoltar alguns anos no tempo, graças à nos, recebem calorosamente aqueles que decoração que, ao que tudo indica, nunentram na loja. ca foi modificada. Os bancos redonOs discos de vinil que não funciodos próximos às bancadas, o fliperama, nam mais participam da decoração, as as paredes azulejadas, o cheiro de café, paredes são ilustradas com quadros dicachaça e pão na chapa. Digno de um vertidos e as estantes estão abarrotadas cenário de novela de época. A única com verdadeiras relíquias, como um coisa que o difere da ficção, é que alguBanco Imobiliário dos anos 80 e quamas pessoas não consomem e apenas drinhos que não são mais produzidos conversam. À tarde, o movimento nos – sendo, assim, uma ótima pedida para bares no interior do prédio é ainda mais aqueles que querem completar suas coescasso. Porém, o mesmo não pode ser leções. Os preços também chamam a dito daqueles que ficam na beira das atenção, totalmente acessíveis. calçadas. Ali existem as rodas de homens Yasmin tira alguns vinis das caixas conversando, bebendo e rindo.

Na linha do tempo Tudo começou no dia 7 de janeiro de 1973, quando a edição de nº 6102 do jornal Correio do Estado foi divulgada. Enquanto liam notícias do dia, os leitores ficaram sabendo que em uma semana, em 14 de janeiro de 1973, a “Estação Rodoviária de Campo Grande” iniciaria suas atividades em sua instalação própria, na rua Joaquim Nabuco. A informação estava contida no Decreto número 3.682, estabelecido por Antônio Mendes Canale, prefeito da cidade na época. Dito e feito. A rodoviária, que recebeu o nome de “Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu” – em homenagem ao empresário da família Laburu que idealizou a construção do imóvel – começou a funcionar na data marcada. Durante 37 anos os ônibus com destino a cidades de Mato Grosso do Sul e de outros estados brasileiros fizeram do local um palco onde incontáveis histórias se desenrolaram. O terminal rodoviário foi, por quase quatro décadas, ponto de encontros e despedidas, além de um dos espaços mais movimentados de Campo Grande por se tratar, também, de um centro comercial. Mas as coisas mudaram. Em 31 de janeiro de 2010 o prédio localizado no quadrilátero formado pelas ruas Joaquim Nabuco, Barão do Rio Branco, Dom Aquino e Vasconcelos Fernandes deixou de desempenhar a função de rodoviária. Sem o fluxo de

viajantes, a queda no movimento acarretou no fechamento de lojas e restaurantes. O que antes era um dos pontos mais frequentados, tornou-se um espaço de pouca concentração de pessoas. No entanto, isso não significa que a Rodoviária Antiga passou a ser um lugar completamente vazio. Há insistentes. Lanchonete Kituttis, bar do Gerson, salão de beleza Sigma, relojoaria Oriente e loja Magno Presentes, bem como outros estabelecimentos, estão lá para provar isso. Mas os comerciantes não são os únicos que trazem visibilidade ao local. Com o objetivo de resgatar o que o prédio representou no passado, foi organizado o evento conhecido como “Luz na Rodô”, nos dias 19 e 20 de julho de 2013. Foram expostos nos amplos corredores trabalhos feitos por artistas do Estado e, além disso, a realização de um desfile de moda. Devido à repercussão, o “Luz na Rodô” ganhou sua segunda edição em 25 e 26 de julho de 2014. Outros eventos também são realizados pela administração, por comerciantes e pelo coletivo “T’amo na rodoviária”. Apesar das comemorações, o destino do prédio ainda é incerto. Promessas de que haverá reformas são divulgadas, isso, no entanto, não abala as esperanças daqueles que ainda batem ponto todos os dias na Rodô.


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A cara da rodô

– O movimento na rodoviária não é mais o mesmo, né? Por que o No corredor de frente à antiga para- salão insiste em ficar aqui? – Porque eu tenho minha clientela, da de ônibus a luz do sol quase é suficiennão é aquela que tinha antes. O movite para torná-lo iluminado, ainda assim mento diminuiu sim, dos passageiros que lâmpadas estão acesas. ‘cê diz, né?’. Na Muitas lojas estão feépoca que tinha o chadas e com aspecto ônibus aí era tudo de empoeiradas, ao de bom, eu não tiolhá-las sente-se a nenha tempo nem pra cessidade de dar uma almoçar de tanto mão de tinta, tal qual que eu trabalhava, uma maquiagem. O era uma loucura. Preta salão de beleza Sigma – O que a seresiste ao tempo, o lenhora acha que devetreiro apagado e o piso ria ser feito aqui? quadriculado demonstram o que parece – Ah, eu acho que tinha que abrir todas ser um dos lugares mais antigos dali. Sentadas em antigas cadeiras de ca- essas portas aí porque precisa. Trazer o pobeleireiros, três mulheres assistem a uma vão pra cá pra trabalhar, tem tanto espaço TV de tubo sintonizada no SBT. Está bom aí, um prédio bom pra reabrir. Estilo o passando alguma novela mexicana du- camelô, aqui merecia ser igual, tem espaço, blada. Na cadeira em frente a um dos por que não? Aos poucos ela se solta, o clima sauespelhos está uma mulher de longos cadosista toma conta do pequeno espaço belos encaracolados e presos em um ao relembrar o passado. Ela conta que penteado despretensioso. Preta, como em tempos de glória da rodoviária, o gosta de ser chamada, usa batom versalão ficava com as suas dez cadeiras ocumelho e uma blusa pink. Desembarcou ali em 1978, vinda padas, não é difícil de imaginar quando de São Paulo. Campo Grande era para se nota seus olhos brilhando a cada palaser apenas um lugar que viera conhecer, vra, foi construído um amor mais forte até do que o próprio prédio. mas acabou se tornando seu lar. – Aqui são todos amigos? – A senhora trabalha aqui desde o – Aqui é família, minha família. Não começo de tudo? falei pra você que eu vim de São Paulo – Vim pra passear, gostei daqui e pra conhecer e fiquei?! Aqui é o primeiro estou até hoje. Não saí daqui nem vou lugar que eu trabalhei e eu vou ficar. Sou a sair. Só estou esperando que melhore, que voltem as coisas boas pra cá por- história desse lugar. Cheguei aqui em 78, faz a conta pra você ver. que a gente merece.

“Aqui é família, minha família”

O baixo movimento permite que Andreia, funcionária da lanchonete, realize as atividade do dia-a-dia, como assistir televisão

Fim da sessão

Preta, que se diz “a história do lugar”, representa também seu presente: alegre e esperançoso

Inaugurado em 1977, o Cine Center foi um dos pontos mais frequentados por famílias e grupos de amigos na cidade. Com o passar dos anos, o foco do cinema mudou. As telas que um dia transmitiram filmes como "Os Trapalhões no Planeta dos Macacos" se voltaram para as produções eróticas, em 1992. No entanto, a queda no movimento gerou dívidas e, como não conseguia

mais se manter, o encerramento de suas atividades foi inevitável. No dia 14 de março de 2013, aqueles que costumavam assistir aos filmes encontraram no local faixas interditando a entrada. Mais de um ano se passou, mas quem visita o segundo piso da Rodoviária Antiga ainda verá o letreiro onde está exposto o nome que um dia aquele lugar possuiu e, se subir as escadas, encontrará as portas de vidro trancadas.


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Próxima parada: segundo piso Se na década de 70 o segundo andar do prédio abrigava dois dos principais cinemas da cidade – o Cine Center e o Cine Plaza – hoje hospeda muitos ninhos de pombos e alguns estabelecimentos que passam a maior parte do tempo fechados. A rampa de acesso ao piso superior é bastante íngreme. As ilustrações dispostas nas paredes dão a impressão a quem sobe de estar fazendo uma verdadeira viagem no tempo. O caminho dá para uma bifurcação, à direita o acesso para um corredor claro onde se pode avistar um escritório de contabilidade; à esquerda um corredor escuro no qual se vê a placa do antigo Cine Center. A iluminação é precária e, se no térreo há uma disputa de rádios, o silêncio do segundo piso praticamente grita que aquele está abandonado. Os corredores mais escuros estão forrados por penas de pombos. Ao respirar fundo, se percebe que não é somente a sujeira dos pássaros que cobre o piso e, devido à intensidade daquele odor, provavelmente não foram apenas as aves que fizeram daquele chão o seu banheiro. O silêncio pesado, o cheiro desagradável e a impressão de abandono não são os únicos detalhes que diferenciam o térreo do segundo piso, a quantidade de portas abertas é um deles. Pela manhã há um escritório de contabilidade funcionando e a tarde abre um escritório de design para fazer companhia. Todos os outros portões continuam fechados. Alguns preservam as pinturas clássicas, outros, indicando o início de uma nova era, expõem desenhos

Arquitetura original de 1973 e grafite andam juntos, divididos entre o passado e o presente, no segundo piso do prédio e mensagens diversas, revelando o quão autêntica e bela a arte do grafite consegue ser. Parte da arquitetura original do local ficou representada nas fachadas dos cinemas e na parede azulejada que cobre, com um padrão em verde e laranja, toda a extensão do Bloco B.

Hambúrguer na chapa e batata frita alimentam a noite na Rodô, graças aos carrinhos de lanche que ali foram instalados

Fora da rota

centos de pão para cachorro-quente, o que faz parecer que o movimento São seis da tarde. A Rodô vai fechanno local é agitado. Para quem costudo suas portas e voltando à inércia. Um mava passar na Av. Afonso Pena antes alvoroço do lado de fora na Rua Joada reforma, a imagem dos trailers não quim Nabuco é sinal de que ainda tem é estranha. Os pequenos comércios que muita gente acordada. Cadeiras de plástise encontram ali são os mesmos que co vão surgindo espalhaum dia ocuparam váridas pela antiga plataforos pontos da avenida. ma do terminal urbano, A rodoviária é a A rodoviária é a nova onde um dia passageiros nova rota para aqueles esperavam pelos ônibus. localização das que comiam o x-tudo Ali estão os “dolanchonetes que ficavam no Carlinhos ou no gueiros”, carrinhos de lanCome-Come lanches. no canteiro central da che onde é possível degusDiferente do cenário tar cachorro-quente, sanduarborizado da Avenida Av. Afonso Pena íches, porções e o “bifão”, tão movimentada, o cliprato que vem acompama no Terminal é abanhado por arroz, mandioca e salada. Um fado e a fumaça que sai das chapas escompleto prato feito. palha o calor e o cheiro do hambúrNos trailers os funcionários se prepaguer pelo ambiente. ram para a noite, enquanto os atendentes E assim o dia acaba na rodoviária, passam pano nas mesas na espera de freguecom um copo de suco ou cerveja e uma ses. Nas cozinhas apertadas os cozinheiros porção de batata frita, enquanto outros limpam as alfaces e esquentam as chapas. personagens se preparam para fazer a O trailer do Baiano é o primeiro a trama do lugar durante a madrugada, abrir. Um carro para na calçada e o dono mas essa é outra história. da lanchonete tira do bagageiro alguns


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O Ponto O corredor onde estão localizadas a lanchonete Kituttis, o salão Sigma e a loja Magno Presentes fica para trás. O cheiro de pão emanado pela padaria e a rampa de acesso ao segundo piso também se perdem na caminhada e, seguindo um pouco mais à frente, alcança-se a região onde estão situados os bares que ainda residem no prédio. Vira-se à direita, em direção a um dos portões de acesso à Rua Joaquim Nabuco. Lojas fechadas cercam o trajeto até a calçada, mas a saída da Rodô não é o destino procurado. À esquerda, o que os olhos encontram é um dos poucos estabelecimentos com portas abertas naquela área do interior do prédio, um bar. Ao entrar, os cartazes com propagandas de cerveja pregados nas paredes chamam a atenção, há mesas de plástico amarelas dispostas pelo corredor apertado e bancos elevados em torno do balcão, este ocupa a maior parte do espaço. Do outro lado está Gerson, dono do negócio. Os fios de cabelo esbranquiçados ressaltam entre os demais e rugas em seu rosto assumem a forma de um arco quando ele abre um sorriso a quem está chegando. Sua simpatia torna o ambiente receptivo e ele serve cachaça àqueles que já se encontram no local. Mas não são todos que estão bebendo. Sentada em um dos bancos, ela olha para os lados em busca de clientes. À sua frente, no balcão, apenas uma garrafa de Coca-Cola com água gela-

Rosa trabalha na Rodoviária Antiga há 25 anos e só pensa em parar quando se aposentar

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da. É só o que se permite beber durante o expediente. Rosângela dos Santos Gonçalves, ou simplesmente Rosa, passa todas as manhãs ali. A Rodoviária Antiga é de onde tira seu sustento há mais de 25 anos, permitindo que criasse os quatro filhos. – Eu posso ser prostituta, mas eu sou gente, sou um ser humano, sou mãe. Formei e criei minha família sozinha, foi muito difícil, mas eu venci. Mas sua história vai além da batalha como profissional do sexo. Sem titubear, Rosa começa a contar sobre os caminhos que a levaram até a Rodô. Mineira, deixou Guaxupé ainda pequena com a família. Campo Grande lhes parecia um bom lugar para tentar uma vida melhor. – Mas como a senhora começou a trabalhar assim? – Eu fui estuprada né. Meu estupro gerou um filho... e aí minha mãe me tocou pra fora. Ela falou: “Ou você faz o aborto ou sai , eu não quero uma filha puta dentro de casa”. As palavras apenas saem como num texto ensaiado, mas no fundo dos seus olhos se percebe a dor que dizê-las lhe causa. – Depois eu encontrei um dentista que me ajudou e... Na verdade, foi ele quem me levou pra prostituição. E aí eu comecei a trabalhar com isso e criei meu filho, tive mais três filhos. Antes de chegar à Rodoviária, Rosa trabalhava na Avenida Costa e Silva a noite. Mas a violência começou a tornar a batalha, como ela se refere, muito arris-

cada. Foi então que mudou seu ponto para a Rodô e trocou o turno, a partir daquele momento só trabalharia de dia. – Antes era bom né, agora... Deus me livre. Tá difícil pra ganhar dinheiro aqui, o movimento anda muito parado, não fizeram nada pra revitalizar e voltar o pessoal pra cá né. – Porque a senhora ainda continua nessa vida? – Ah... Eu acostumei batalhar por mim mesma. Não consigo viver às custas de ninguém, sabe? Nossa, como me incomoda. Eu pago meu INSS, pago meu benefício e logo vou me aposentar. Hora que me aposentar eu paro. Faltam três longos anos para que Rosa, enfim, possa se dedicar exclusivamente à família. O descanso será a benção que sempre pediu, poder olhar para si mesma e se cuidar. – O trabalho te trouxe algum problema de saúde? – Trouxe depressão. Tomo remédio controlado, tomo remédio pra dormir e desse jeito eu vou levando. Com as pernas balançando freneticamente, devido a falta dos remédios, ela toma o último gole de sua água. nandas.nogueira@hotmail.com jacquelineap.goncalo@gmail.com nicolle.ignacio@gmail.com


Gerações

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Labor com Sabor Há 89 anos, a Feira Central de Campo Grande reúne culinária, trabalho, cultura e família Gisllane Leite Layane Karrú Letícia Ávila

Gisllane Leite

ferramentas, dentre outros. Separadas do ambiente culinário, as lojas de roupas, esculA Feira Central de Campo Grande turas e outros produsurgiu com a associação dos imigrantes tos ficam em pequejaponeses, em 1925. Desde a sua fundanos blocos, divididos ção, já passou por vários endereços, como em quatro seções. a Avenida Afonso Pena, as ruas Calógeras, Uma loja do lado da Antônio Maria Coelho, Padre João Crippa outra: mochilas e e Abrão Júlio Rahe e, por fim, foi bolsas de mão, camitransferida, em 2004, para a Esplanada setas, vestidos, calças, Ferroviária, onde hoje é conhecida como meias-calças, moda Feirona. Muitos feirantes acompanharam íntima, livros religioessa mudança. Seus filhos e netos fizeram sos e best sellers, parte seguindo essa tradição. capinhas pra celulares, Para quem chega à feira pela rua 14 artigos de decorade Julho, de cara, vê o monumento gição, brinquedos gante de um chawan (tigela de sobá), com para meninos, meni4,5 metros de altura. Os hashis de madeira nas, onças, jacarés e levantam o macarrão japonês como se aloutros elementos da guém os segurasse. Os fios amarelos caem natureza entalhados suavemente dentro da enorme tigela branna madeira ou moca, com adornos e pinturas orientais. O delados em argila, principal prato da Feira Central virou uma panos de prato e tantas coisas mais. escultura em homenagem à cultura e a imiEm uma dessas lojas, o feirante gração japonesa, feita em 2009 pelo artista Lucas Barbosa, 17 anos, trabalha venplástico Cleir. dendo artigos para O telhado seeletrônicos, como gue o estilo oriental, capinhas de celular colorido em amaree outros adereços. lo com laterais verIniciou suas ativimelhas e outras codades na Feira de berturas em azul. A Rua com 13 anos, estrutura de cores vijunto com a famíbrantes conta ainda lia. Acompanhou a com um Torii vermePatrícia Yoza transição da Feira lho, portão tradiciopara a Esplanada nal japonês, uma das Ferroviária e gosta muitas referências ao do novo lugar, mas diz que poderia país nipônico dentro da Feira Central. melhorar. “Investisse e colocasse, por exemplo, um ar condicionado”. PensaAs variedades da Feira tivo, Lucas diz que o número de turisA Feira Central tem 28 restaurantes, tas estrangeiros na Feira é cada vez mai120 bancas e 199 lojas. Cerca de 10 mil or. “Tenho cliente de Miami. Já vi ruspessoas passam por ela diariamente, seso aqui, um monte de gente, tudo quangundo a presidente da Afecetur, Alvira to é tipo que você possa pensar”, conAppel. É dividida em duas partes, sendo a ta o feirante. área da alimentação, com sobarias, pasteA rua principal é dividida por um canlarias, dentre outros, e a área dos importateiro com grama e plantas de jardim, com dos, com armarinhos, artesanato, lojas de

Gisllane Leite

“A feira é o nosso ganha-pão”

os dois lados de restaurantes e barraquinhas. Caminhando pela Feira, dá pra sentir os mais diversos aromas de todas as opções culinárias. Bancas com bolos enfeitados, coloridos e cobertos de chantilly. Frutas e verduras sobre uma mesa retangular, traçando um degradê de cores. Sucos naturais

Acima: Escultura de sobá na Feira Central em homenagem à imigração japonesa Abaixo: Barraca da Aparecida está na terceira geração de feirantes


Gerações

balhar na ferrovia. Depois migraram para a agricultura”, explica. Quando os avós de Patrícia fundaram a Barraca da Aparecida na Feira de Rua, a situação era muito diferente, conta a feirante. “Na época dos meus avós não tinha torneira; a água que era usada pra cozinhar era levada em barril. As comidas eram armazenadas em isopores; hoje em dia, é tudo em freezer, câmara fria. A gente tem máquina de lavar louça pra sair tudo esterilizado, tem esgoto. Teve uma época que nem tinha esgoto no começo. A diferença é visível. A gente tem que fazer curso de manipulação [de alimentos] de dois em dois anos. É um restaurante”. Com a mudança da feira para a Esplanada Ferroviária, os feirantes tiveram que se adaptar às leis trabalhistas. “Na época em que era na rua, tudo era diferente. Você pegava gente para trabalhar 24 horas; não tinha problema, não tinha esse negócio de lei trabalhista, não tinha que registrar... Eram só duas vezes por semana. Era tudo diferente. Com o passar dos anos, as coisas foram mudando”, disse Patrícia. Trabalhar na Feira envolve dedicação e abnegação por parte dos envolvidos. Por ter começado ainda criança, Patrícia fala que algumas fases de sua juventude não foram vividas. “Eu não sei o que é farrear, não sei o que é ir para ‘disco’. A minha vida sempre foi em função disso aqui”, desabafa. Aos finais de semana, enquanto para a maioria da população a feira é uma opção de diversão, para os feirantes o trabalho é redobrado e o lazer fica em segundo plano. “Você tem que abrir mão da vida social, aniversários, festas e casamentos aos finais de semana. Os dias de folgas nossos são os dias que as pessoas estão trabalhando, que são segunda e terça-feira”, conta ela. Atualmente, além dos funcionários contratados, cinco pessoas da família trabalham na Barraca da Aparecida, dando continuidade à tradição das gerações passadas. Porém, tudo indica que esse quaLetícia Ávila

Arquivo: Família Yoza

Letícia Ávila

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10

Patrícia Yoza, 37 anos, trabalha na Feira desde os 9 anos: “A minha vida sempre foi em função disso aqui” dos em suas várias estampas e cores enfeitam e iluminam o ambiente. Um pouco aglomerado e apertado.s, os ambientes se confundem. Dedicação, trabalho e renda Entre os restaurantes, se encontra a Barraca da Aparecida. No cardápio, tem sobá, espetinho, pastel, picanha na chapa, peixe, entre outros pratos. A Barraca está na terceira geração de feirantes. Patrícia Cris Ireijo Yoza, 37 anos, trabalha na Feira desde os 9 anos junto com sua família. Seus avós vieram da Ilha de Okinawa, no Japão, durante a Primeira Guerra Mundial. “Muitos imigrantes vieram para traGisllane Leite

rais, “refresquinhos”, doces de todos os gostos e formas, até iguarias japonesas. Dono de uma banca de doces, Francisco Pleutim, 35 anos, trabalha na Feira há 17 anos. Em sua banca, é possível encontrar espetinhos de morango – cobertos por chocolate – e de marshmallows, taças com creme de chocolate e também docinhos e frutas exóticas, como damascos no açúcar. Todas essas opções ficam na frente dos restaurantes; sobarias, tapiocarias, pastelarias, comida árabe. Sobá, yakisoba, yakimeshi, tempurá, espetinho, peixe, pastel, tapioca, shawarma, acarajé. Com uma decoração oriental, os globos de luz colori-

Diariamente, em média, 10 mil pessoas passam pela Feira Central, segundo a presidente da Afecetur, Alvira Appel

Acima: Patrícia (no centro) e sua mãe (com a neta no colo) na antiga Feira de Rua na década de 90 Abaixo: Patrícia e sua mãe na Feira Central dro vai mudar. Patrícia não acredita que seus filhos pretendem dar sequência ao restaurante. “Daqui para frente, a tendência é mudar. Meus filhos, por exemplo, dificilmente vão tocar a feira. Eles estão se formando, na nossa época a gente não tinha esse privilégio, tinha que ajudar os pais senão a gente passava fome. Hoje em dia nossos filhos não trabalham; vem ajudar de vez em quando, mas não é aquela coisa obrigatória”. A Feira Central é uma fonte de inspiração e renda para a família, é o lugar onde eles passam a maior parte do tempo, cresceram e estabeleceram relações de trabalho, amizade e respeito. “A feira é o nosso ganha-pão. Se eu não tiver a feira, eu não pago a escola deles, eu não pago as contas, e aí, desestrutura tudo. Se a gente deixar a feira cair, desestrutura a família inteira”, ressalta Patrícia.

le.lele.avilla@hotmail.com layanekarru@hotmail.com gisllaneleite@carismarketing..com.br


Imigração

Fotos: Isabela Hisatomi

11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

“Isso aqui é o paraíso” José Thomaz reproduz o pensamento do pai sobre o Brasil. Nascido no Líbano, veio para Campo Grande com 9 anos de idade e hoje, com quase 90, e com um belo sorriso no rosto, se sente satisfeito por estar aqui. O comerciante conta que antes de abrir a lanchonete Thomaz Lanches, em 1978, localizada na rua 7 de Setembro, já foi dono de bar e até de sapataria. Enquanto o ambiente é coberto pelo aroma das tradicionais esfihas servidas no local, o libanês compartilha a sua trajetória, desde sua chegada, seu trabalho como comerciante, sua lanchonete e vida na capital do Mato Grosso do Sul. Andressa Oliveira Isabela Hisatomi Vitor Ilis Projétil: Sabemos que o senhor chegou ao Brasil com apenas 9 anos. Que recordações tem daquele tempo? José Thomaz: Ah, recordação

minha é muito rara. A casa que nós moramos serve de base porque eu vejo a fotografia da casa. Ah, pobrezinha! Nós éramos muito pobres, mas eu não tenho lembrança de querer voltar para lá. Aqui não tinha nada, era uma casa ali e outra aqui. Então, papai falava: ‘Isso aqui é o paraíso’. E, de fato é. O país melhor do mundo é esse, é o Brasil.

Projétil: O senhor tem uma irmã que vive no Rio de Janeiro, onde já morou por seis anos. Por que escolheu-viver em Campo Grande, podendo morar em uma das maiores cidades do Brasil? José Thomaz: Prefiro aqui. Aqui é outro povo. Lá no Rio tem muito malandro. Você é dono de si, você tem que mandar em você. Você tem que

saber o que faz. Projétil: Por isso o senhor prefere Campo Grande? José Thomaz: Me satisfaz ficar aqui. Eu revejo meus amigos, conversar, relembrar de algumas coisas, é muito bacana. Projétil: Durante uma entrevista concedida para acadêmicas de


Imigração

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Jornalismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) no semestre passado, o senhor disse que nunca voltou para o Líbano. Nunca teve vontade de voltar ao seu país de origem? José Thomaz: Eu não tinha vontade porque eu não conhecia, nunca conheci. Eu vim de lá com nove anos. Lembrei alguma coisa, mas lembrar o que? Não tem nada! Alegria? Aniversário? Não fazíamos nada, não tínhamos dinheiro para nada. Passei a conhecer a vizinhança aqui e fui, graças a Deus, fazendo amizade e crescendo. Projétil: Qual era o sustento dos seus pais quando chegaram aqui? Vocês passaram por dificuldade financeira? José Thomaz: Não. Mas também não tínhamos dinheiro para nada. Se quisesse comprar um sapato era ‘espera um pouco, espera um pouco’. Porque nós viemos e eram cinco filhos mais a minha mãe para viver dependendo. Então a gente comia pelo menos arroz e feijão. Projétil: Enquanto o senhor crescia houve algum tipo de preconceito por causa de sua nacionalidade? José Thomaz: Não, só alegria! Eu sou um cara muito alegre, era mais alegre ainda. Hoje a idade me tomou um pouco disso aí. Mas eu convivi com os amigos, quando criança, com todo o respeito. Todos me respeitavam na época de criança e até hoje. Projétil: O senhor vai completar 90 anos, não é? Ao todo serão 81 anos aqui no Brasil. O que o senhor acha de todas as mudanças que aconteceram nesses anos? José Thomaz: Meu pai falava e eu falo, porque eu ouvia falar. Porque eu sei que igual ao Brasil não existe. Agora só nota uma coisa, uma diferença: precisa ter uma lei mais severa para esses bandidos, para os ladrões e essas coisas. Tem que ter uma lei mais severa. Se nós copiamos muita coisa dos Estados Unidos, porque que não copia essa lei? Tudo que a gente faz aqui é cópia dos Estados Unidos. Aí ia melhorar um pouquinho. Projétil: O senhor tem seis 6 filhos. Como é a sua relação com eles?

comércio seu, não tem que ser alugado. José Thomaz: Ah, é tão bom que melhor que tem. Eles são como se fosse Fazer na Av. Bom Pastor, ali no Villas a minha família. Esses funcionários, e eu vou te falar uma coisa. Ali no Villas clientes nosso, dá até gosto de estar toda Boas. Boas, um queria comprar um terreno e Projétil: Durante todos esses anos hora aqui. fazer uma casa, porque eu moro lá faz com a lanchonete, existe alguma experiProjétil: E quando o senhor está tempo. Aí foram comprando, ência como comerciante que marcou o aqui, tem sempre esse movimento bom comprando. Nós todos, eu e minha senhor? Algum comportamento, atitumulher, e os filhos. Todos no Villas Boas. que a gente pode ver hoje? de, ou alguma situação em que o senhor José Thomaz: Você quer ver Você quer visitar um filho seu, um neto, se lembre bem? você não atravessa a movimento bom mesmo é amanhã José Thomaz: O que eu tenho Zahran. Eu falei [sábado]. A tarde fica lotado aqui. É ‘poxa vida, que gostoso. Mas é o que a gente sempre falado de uma lembrança que eu tenho quando comecei. Eu não sei prazer a gente tem fala: o atendimento. Freguês quer ser fazer salgado, até hoje não sei. E a né, de viver uma bem atendido. Atende bem que você Marina, minha companheira, minha cativa. Ele volta, ele recomenda, indica. vida assim’. mulher, mãe dos meus filhos... Falei: Projétil: O seu estabelecimento é Projétil: O Bem, você me ajuda a fazer salgado? senhor já teve uma conhecido como local de confiança ao sapataria e um bar. cliente, já que não há comandas. O Ela aprendeu a fazer esfiha. Falei: Então nós vamos mudar o sistema. De onde surgiu a senhor se recorda de algum caso em que Aí tirei o que era bebida de álcool da ideia de ter uma algum cliente saiu sem pagar, ou mentiu prateleira e passamos fazer pastel, na hora de acertar a conta? sapataria? esfiha, com ela fazendo. Aí o cara José Thomaz: Ninguém nunca José Thovinha: ‘Me dá uma cerveja’. ‘Não roubou aqui. Chega freguês, ele pega um maz: Eu não tinha trabalhamos com cerveja’. Aí um cara pratinho e serve, vai lá no caixa e fala: di-nheiro. Eu tinha um amigo que ele um dia ficou bravo comigo: ‘Como ‘Oh, três salgados e um refrigerante’. fazia conserto, era empregado de uma um comércio desse não trabalha com Ninguém confere e é uma plena sapataria. Eu falei para ele assim: cerveja?’. ‘Nós somos crentes’. ‘Ah, tá’. confiança que nós depositamos nos ‘vamos montar uma sapataria de O cara mudou de cor, falava: clientes, o cara se sente bem. Já aconteceu sócio’. Aí ele falou: ‘ah Zé, eu não ‘Desculpa, desculpa’. isso. Mas o cara que faz uma vez eu acho tenho dinheiro’. Eu falei: ‘eu sei que você não tem, eu também não tenho. que ele fica pensando: ‘Ah, ele não merece’, aí não faz mais. E o negócio foi crescendo, e vinha um: Projétil: Visto que a sua lanchonete ‘você precisa de sapateiro?’, ‘preciso’, cresceu tanto, porque o senhor optou ‘pode colocar ali’. Cresceu tanto aquilo oliveirasilva.andressa@gmail.com por não se criar uma franquia? ali, tinha 20 e poucos funcionários. Aí isahisatomi@yahoo.com José Thomaz: Nós estamos a foi me estressando que chegou a ponto vitorilis@hotmail.com de não poder entrar. Mas olha, eu não caminho disso, mas tem que ser o aguentei mais entrar na sapataria, eu me sentia mal. Projétil: Para quem vendeu sapatos e bebidas alcoólicas, como foi o processo de mudança de área de trabalho? Por que o senhor resolveu ter uma lanchonete de comida árabe? José Thomaz: Mas pera aí! Deixa eu te falar que isso tudo aqui era nosso, do meu pai. Eu abri, eu tive muitos comércios. Esses dias eu comecei a enumerar o tanto de atividades que eu tive, 16 tipos de comércio. Então eu inventava. Até despachante, tudo. Então, eu que inventava serviço para mim. E quando tava dando prejuízo, e não dava sustento, eu mudava de ramo. Projétil: Como é sua Da esquerda para a direita José Thomaz Filho, o neto Henrique relação com os funcionários? Thomaz, a filha Cristina Thomaz e José Thomaz José Thomaz: Ah, é a

“Freguês quer ser bem atendido. Atende bem que você cativa. Ele volta, ele recomenda, indica.”


Memória

Fotos: Iago Porfírio

13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

O baú do Elizeu A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil completou 100 anos da sua chegada a Campo Grande. Um dos ferroviários aposentados mais antigos conta sua trajetória e abre o baú de suas recordações para viajar no tempo e mostrar sua identidade. Iago Porfírio O passado conserva-se com a memória, sobrevive com a lembrança e prepara o futuro para as novas gerações, e isto só é possível graças aos velhos. É o que se observa no livro Memória e Sociedade: Lembranças de velhos, de Ecléa Bosi. Bosi faz um estudo do processo de envelhecimento e da condição social da velhice, tendo esta uma função social: quando o homem vivido já não tem uma participação ativa na sociedade, resta-lhe a função de lembrar. A estrada de ferro Noroeste do

Brasil (NOB) chega a Campo Grande em 14 de outubro de 1914. A NOB tinha como missão ligar o então estado de Mato Grosso ao sudeste do país e também com as zonas de fronteira. Contar sua história e o desenvolvimento histórico-cultural, econômico e social com profundidade só é possível para quem viveu de perto um período importante para Mato Grosso do Sul. Elizeu Pereira da Silva, 83 anos, é ferroviário aposentado, um dos mais antigos dentre os que ainda guardam a memória da estrada de ferro no Estado.

A entrevista é feita na sala de estar da casa de Elizeu. Ele me recebe, abotoando a camisa. Pede para aguardálo no corredor que dá acesso à casa, perto da sala onde aconteceu a conversa, enquanto vai buscar a chave da porta. Ao entrar, Rosa Maria Ribeiro da Silva, sua mulher, comenta que ele não está bem da memória, “anda esquecido”. No entanto, bastou a primeira pergunta para que Elizeu embarcasse na comitiva da memória e viajasse no tempo de sua infância. – Nasci em Piraputanga (MS). Depois, meu pai veio embora pra

Campo Grande. Aí acabei de me criar aqui, com três pra quatro anos. Engravatado, com camisa branca e calça jeans, era assim que Elizeu ia ao colégio. Na adolescência, gostava de brincar com os colegas, mas também aprendeu a trabalhar desde cedo. Era o ano de 1945, a Segunda Guerra Mundial havia chegado ao fim. Elizeu estava com 16 anos quando acompanhou de perto a chegada dos militares da Força Expedicionária Brasileira. Nessa época, trabalhava como carregador de mala dos passageiros. Sua expressão muda ao lembrar o que via: – Quando chegava o trem de pas-


Memória sageiro, chegava muita gente aleijada, sem perna, sem braço.

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14 O trem da vida não freou para Elizeu, ou muito menos fez curvas: – Ai, vim embora. Um engenheiro falou: você é um rapaz muito esforçado, você vai voltar pro seu serviço pesado de novo.

A primeira estação Elizeu segue nos trilhos da sua memória e conta do dia em que o pai lhe fez um convite para trabalhar na ferroDos trilhos para a plataforma via. “Eu me virava quando era Trabalhou por mais quatro anos rapazinho. Trabalhei em bar, restauran“no serviço pesado”. Sempre com gente antes de pegar no pesado”. tileza, reservava cabine para passageiPõe a mão na cabeça, como quem ros. Em especial para uma moça que faz um esforço para lembrar, até que fazia questão de fazer essa reserva com diz: ele. – Aí meu pai falou: ô, você vai tra– Foi ela quem avisou lá o diretor balhar num serviço pesado. Falei: tá da estação de Bauru. Falou que tinha bem, não tem problema, eu trabalho um rapaz muito esforçado, muito atenno serviço pesado. cioso, que atendia direito as pessoas. Elizeu começou a trabalhar na Elizeu para por uns segundos: ferrovia em 1953, aos 22 anos. Ten– Não tô mais alembrado. do que interromper seus estudos em Entre um vagão e outro da lemSidrolândia, ele pega o bilhete que brança, lhe desperta um silêncio. Não dá passagem para um novo camibasta muito tempo para soar o apito nho: o caminho dos trilhos, e segue da recordação. para Campo Grande. Começa no – Quando eu trabalhava na ferro“serviço pesado”, como seu pai havia, levantava três da manhã e ia fazer via dito. ronda, andava 20 quilômetros. Depois – Não era brinquedo. Naquela épovoltava e ainda levava boias pros ferca, pegava dormento, era pesado e tinha roviários. que aguentar. Com o seu bom atendimento e o Levantar dormentes era serviço elogio que recebera em Bauru (SP), é para mais de uma pessoa. Pesando convidado a exercer o cargo de bilheem torno de 75 quilos, atravessavam teiro na estação a via ferra para fixar de Campo os trilhos. Elizeu Grande, uma aceitou com satisfapróxima estação ção. E conta, com “Quando chegava o que marcaria sua sorriso no rosto, a trem de passageiro, passagem pela conversa que teve ferrovia. Essa foi com o pai: chegava muita gente a função que – Meu pai peraleijada, sem perna, exerceu com guntou se eu queria sem braço” mais satisfação: trabalhar na ferrovia, – Ah, pedepois passaria pro guei muito coserviço leve. Antes nhecimento de disso, eu tinha um várias pessoas, vixe, Maria! pouco de estudo. Uma dessas pessoas foi o ex-senaDebruçado com parte do corpo dor Ramez Tebet. sobre o sofá, à vontade, ele se levanta e – Vendia muita passagem pra ele. coloca as duas mãos sobre o ombro – Daí prá cá foi indo, muitos coem sinal de simulação para me mostrar nhecidos, pessoas que já se foram. como carregava dormentes. Elizeu conta com orgulho e olhar Assim Elizeu foi trilhando o cacentrado da confiança que tinham nele. minho de sua vida. Foi transferido Recebia dinheiro dos trens que vinham para a construção da estação de Ponde Bauru, Corumbá e Ponta Porã: ta Porã, que ligava Campo Grande ao – Juntava todo dinheiro e entregaParaguai. O Ramal de Ponta Porã serva pro tesoureiro, que era quem tomaviria como uma ferrovia entre dois va conta. Conferia tudim e somava. O mundos para Elizeu. É nessa época, chefe tinha muita confiança em mim. em 1954, que ele se casa com Rosa Numa conversa descontraída na Maria Ribeiro da Silva, com quem sala de estar de sua casa, Elizeu me vive até hoje.

Elizeu diz ter ficado abalado com a desativação do trem de passageiro em 1996 mostra um calendário personalizado com fotos das estações ferroviárias de Mato Grosso do Sul. Ganhou de lembrança de um ex-ferroviário. Aponta, com o dedo, a foto da estação de Campo Grande e da Maria Fumaça. – Trabalhei muitos anos no tempo da Maria Fumaça. – No tempo quando eu era guri ainda era a Maria Fumaça, depois veio o óleo diesel. Nas vias da lembrança – O senhor guarda algum objeto de quando trabalhava na ferrovia? – Não. – Nem um bilhete? Um quepe? – Não, não guardei. – E a carteira de ferroviário? – Ah, essa eu guardei – vai até o quarto e volta trazendo a carteira. O documento de identidade de ferroviário que Elizeu guarda até hoje é de 1967. – Por que ainda guarda essa carteirinha? – Guardo como lembrança – responde, mirando com orgulho o documento. Lembrança de velho: “Os objetos afloram saudade, envelhecem conosco e nos dão a pacífica impressão de continuidade”, como destaca Bosi no seu

estudo sobre a velhice. Muito sensível, me mostra cada detalhe da casa, que foi construída em 1939: o forro, que continua o mesmo; o piso, que foi trocado uma só vez. Me conta onde funcionava cada cômodo da residência, parte da sala era a cozinha. Na parede, duas fotografias de sua filha mais nova. – Ganhei essa casa da ferrovia. O ferroviário mais antigo que trabalhava tinha direito a uma casa. Então eu peguei essa casa aqui da Noroeste. Viajando pelos trilhos, Elizeu embarcava no trem com a família: – Pegava as crianças, guardava a cabine e viajava pra Bauru. Hoje, Elizeu percorre outros caminhos, não mais dos trilhos. Cuidadoso com a saúde, faz caminhada sempre que pode. Tem saudades da Ferrovia e da Maria Fumaça. Guarda nos vagões da lembrança tudo o que viveu quando era ferroviário. Aposentado? Que nada! Agora ele ocupa outra função: lembrar e contar o que viveu, o que permite ao leitor viajar no tempo.

iagoporfiriojor@gmail.com


Encarte Especial da Edição nº 83 - Ano 21 - Nov-Dez / 2014 Cidade

Texto e edição: Bruna Fioroni, Lauro Burke e Luana Moura

Fotos: Bruna Fioroni

O outro lado dos trilhos

O Festival Nacional de Teatro trouxe a Campo Grande diferentes linguagens, vindas de diversos cantos do país.

Os trens que chegavam a Campo Grande pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil trouxeram na carga a prosperidade para um povo que, hoje, precisa de incentivo para continuar a reconhecer a importância histórico-cultural de tal patrimônio.


O outro lado dos trilhos

A

chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi decisiva na história de Campo Grande e na sua consolidação como capital de um, até então, futuro Mato Grosso do Sul. O trem, que saía de Bauru com destino a Corumbá e ligava o Brasil aos países vizinhos Paraguai e Bolívia, trouxe o desenvolvimento e colocou a cidade na rota do crescimento. Em comemoração aos 100 anos da inauguração da NOB (Noroeste do Brasil), o Projétil fez um percurso pelo Complexo Ferroviário, acompanhado por João Henrique dos Santos, chefe da Divisão Técnica do IPHAN (Instituto do Patrimônio His-

tórico e Artístico Nacional), com o objetivo de destacar a importância de preservar a memória da ferrovia no Estado. Inaugurada em 14 de outubro de 1914, a NOB transformou a vida dos campo-grandenses. Após a retirada dos trilhos, resultado da privatização na década de 90, a ferrovia como transporte de passageiros foi extinta completamente em 2004 e tombada pelo IPHAN em 2009.

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16

Rua poss feitu

O Complexo Ferroviário abrange a Estação Ferroviária, o Armazém galpões, oficinas, trilhos, a Casa da Rotunda e a Vila dos Ferroviário

Na restauração, é fundamental deixar claro a parte original e a substituída, como por exemplo a escada francesa da Estação


17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

O outro lado dos trilhos

a principal da Vila dos Ferroviários, sui diretriz própria no plano da Preura de revitalização do centro

Cultural, os

Trem da NOB em exposição

A caixa d’água da antiga NOB ainda permanece em meio às casas da rua 14 de Julho

Casa da Rotunda: onde a locomotiva gira em torno de seu eixo para a realização da manutenção. O local nunca passou por nenhuma obra e está em péssimas condições atualmente. Com o projeto do Parque da Esplanada, poderia tornar-se um espaço para teatro ou até mesmo cinema.

A ferrovia foi tombada em nível nacional devido a sua significativa participação na integração nacional e na delimitação das fronteiras. O objetivo de um tombamento é preservar os patrimônios, sejam eles em qualquer esfera, para que assim haja maior fiscalização em relação à depredação e descaracterização de tais bens. O IPHAN trabalha diariamente com a mobilização da população. João Henrique acredita que o campograndense não tem ligação com seus patrimônios, “não sabe sua identidade”. Muitos, ainda, não sabem onde fica o Complexo Ferroviário. Ele diz ainda que há bastante resistência dos moradores às intervenções de tombamento e que as pichações na parte externa dos prédios são frequentes. “É de responsabilidade de todos, inclusive dos cidadãos, de cuidar e preservar os patrimônios”, esclarece. A Estação e o Armazém Cultural foram restaurados no final de 2011, além da construção de um novo anfiteatro, atualmente destinado à realização de eventos. Ainda está prevista a implantação de um Centro de Documentação e Referência da antiga Noroeste do Brasil e a criação do Parque da Esplanada, para integrar a Orla Morena com a Orla Ferroviária. De acordo com João Henrique, o projeto desenvolvido pela Prefeitura Municipal já está em processo de captação de recursos. “Estamos lutando para que o recurso saia ou então uma parceria público-privada. Vários entes privados poderiam investir nesse local e gerar turismo”, explica. A preocupação maior dentro desse projeto de revitalização é a Casa da Rotunda.


O outro lado dos trilhos

“O campo-grandense não tem essa ligação com seus patrimônios, não sabe sua identidade” João Henrique dos Santos

O Complexo Ferroviário, atualmente, é um ambiente muito contrastante. A parte mais exposta aos olhos do público, devido a sua localização próxima à Feira Central, foi restaurada há poucos anos, possui segurança 24 horas nas partes internas e é utilizada para a realização de eventos. A rua Dr. Ferreira também passou por um procedimento de revitalização recentemente, porém, já apresenta algumas marcas do des-

caso, principalmente pichações. A Casa da Rotunda, apesar dos projetos que estão em desenvolvimento, está em estado precário, encontrando-se em completo abandono. Alguns imóveis que fazem parte do patrimônio federal fugiram do controle da concessionária que administra os trilhos atualmente. A vontade de preservar existe, no entanto, a conservação de toda a estrutura ainda é falha.


19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Cinema

A lenda do trem fantasma Géshica Rodrigues Stefanny Veiga Vivian Campos

do, o reflexo e luz bem forte, era igual a um trem só que não tinha o barulho e não tinha o trem mesmo, só aquela luz”, relembra o ex-ferroviário.

Em 1943, Sebastião de Souza Sonho se torna realidade Brandão, Tião Cururueiro, nasceu na Tudo começou com uma entrevisbeira do Rio Paraguai, próximo a ta feita por uma funcionária da FundaLadário-MS. Vindo de uma família simção de Cultura de Ladário. Interessada ples e ribeirinha aprendeu os costumes nas suas histórias propôs que ele particulturais pantaneiros desde cedo, tais cipasse do processo seletivo “Revelancomo a fabricação de violas de cocho do Brasis”. Houve diversos inscritos, e as danças e músicas no ritmo de Siriri mas do Centro-Oeste somente Tião foi e Cururu , tradições que mantém até selecionado. hoje. A convite dos organizadores, SeTião trabalhou em diversas ativibastião foi encamidades: bilheteiro nhado para fazer de circo, caminhoaulas de áudio-vineiro, peão de “Ele tinha uma sual, com duração boiadeiro, maqui20 dias na UERJ nista de barco e feraparência de um trem de (Universidade Esroviário. Foram 19 mesmo, muito tadual do Rio de anos dedicados à Janeiro). O curso essa última profisparecido, o reflexo e foi intensivo e ensão que gerou luz bem volveu temas de grandes momentos áudio, fotografia, e histórias. Uma forte, era igual a um manuseio de delas rendeu uma trem, só que não câmeras e produinesperada aventura para o aposentinha o barulho e não ções de roteiros. curso que eles tado que aos 70 tinha o trem mesmo, “O dão te deixa pronanos, teve a oporsó aquela luz” to pra dirigir qualtunidade de dirigir, quer curta, longa produzir e atuar ou meia-metraem um curtagem.Você pode metragem que será depois, se quiser, fazer até um longalançado em novembro desse ano. metragem. Lá eles ensinaram todas as A iniciativa se deu por meio do áreas, são 35 professores todos cineasprojeto “Revelando Brasis”, organizatas”, afirma. da pelo Instituto Marlin Azul. – criada há 13 anos, em Vitória-ES, é uma orInício e andamento do filme ganização responsável por promover O curta tem duração de 15 minuprojetos de formação, produção e ditos e foi produzido com auxílio da cifusão do áudiovisual em parceria com neasta Beatriz Lindenberg. De início, o organizações públicas, privadas e instifilme tinha 12 roteiros que foram retuições sociais – e patrocinada pela duzidos devido a algumas circunstânPetrobrás. Através desse incentivo, Tião cias, outra modificação foi no local de teve a chance de contar a lenda do gravação. Tião havia pensado na pró“Trem Fantasma”, que amedrontou pria estação ferroviária onde o “Trem muitos moradores da região e ferroviFantasma” aparecia, que era entre a Esários da época. “Ele tinha uma aparêntação Agente Inocêncio até o Posto 50, cia de um trem mesmo, muito pareci-

Arquivo: Instituto Marlim-Azul

Aos 70 anos, aposentado dirige curta-metragem que conta a história de lenda esquecida por 37 anos cuja oportunidade foi oferecida pelo projeto “Revelando Brasis”

Tião Cururueiro, na gravação do curta e, ao fundo, suas violas de cocho na região de Porto Esperança, distrito de Corumbá-MS. Mas hoje o local pertence à América Latina Logística (ALL), que não demonstrou interesse em ceder o espaço para as gravações. Tião conta que precisou procurar outro local semelhante para ser o cenário e a melhor opção que encontrou foi na Bolívia. “Procurei a ferrovia de lá, que tinha um ponto que desse para imitar uma aparência com o lugar da época. Se eu fosse fazer o filme no lugar de origem, seria uma invasão, então eu não quis ter problema com ninguém, essa foi minha decisão”, esclarece. No filme os personagens são todos atores voluntários. “Tudo conhecido nosso, companheiros, filhos de colegas que trabalharam lá na ferrovia”, diz o aposentado. Os principais protagonistas são: o Sebastião e sua esposa Terezinha, que mostra o local onde moravam, na beira da estrada. O João

e o Geraldo, companheiros de serviço da época. “Tem outros figurantes que aparecem. Na parte cultural, tem mais de 20, por que o filme é baseado na história da ferrovia e na cultura do pantanal, que é o Siriri e o Cururu”, comenta. Depois de editado e pronto, a divulgação inicial do filme será na praça pública de Ladário-MS. A prefeitura do município distribuirá cópias em DVD para órgãos culturais do Estado e da região do Centro-Oeste. E também estará disponível no site: www.revelandoosbrasis.com.br. A intenção é que seja exibido em rede nacional, no Canal Futura.

geshica@hotmail.com stefanny254@hotmail.com vivian.cs16@gmail.com


Iasmim Amiden

Artes Plásticas

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20

Ana além das ruas

Conhecida por seu ateliê e intervenções artísticas em Campo Grande, Ana Ruas encontrou no universo da arte a possibilidade de tratar de diferentes assuntos e de transformar o olhar rotineiro das pessoas Iasmim Amiden Isabela Domingues Júlia Paz Casada com Alexandre, mãe de Helena e Gabriel, a carismática e entusiasmada Ana Ruas se emociona ao falar sobre sua obra de vida. Gaúcha, nascida em Machadinho e criada em São João da Urtiga, conheceu tinta aos oito anos. Relata o papel de sua mãe como fator determinante de incentivo a sua atual carreira. Teresinha de Lourdes, professora alfabetizadora, soube conduzir o gosto da pequena Ana pela arte, esticava grandes pedaços de algodão na mesa e emprestava seus cadernos para ela pintar. Aos 15 anos fez aulas

e sorri, demonstrando imensa gratide pintura com uma freira, aos 17 endão à cidade que lhe abriu as portas. trou na faculdade de Artes Visuais em Passo Fundo e formou-se em bachaA cidade relado e licenciatura. Há 15 anos se deparava com consEm 1996, veio visitar uma amiga truções tipicamente hoe acabou se envolvenrizontais que lhe fascido com a capital sul“Eu acredito que navam pelo fato de pomato-grossense em oficinas e exposições. a arte não fala de der observar uma linha horizonte que diviConta que este foi um arte, a arte trata do dia as construções e o dos motivos que a lede assuntos” céu. Faz uma leitura da varam trazer seu “procapital que se modifica jeto de vida” à cidade. com o tempo. Hoje se vê inserida em Decidiu ficar ao perceber que aqui era uma cidade que passa por processo um lugar de oportunidades e que pode verticalização. Encanta-se agora deria fazer a diferença com seu trabacom o céu recortado por linhas vertilho, valorizando e estimulando a procais que transformam também seu dução regional. Ana mira o horizonte

processo de criação. Muito “espaçosa” e apaixonada por paredes, Ana Ruas reflete a partir de sua arte sobre diversos pontos da cidade – viadutos, edifícios, muros de escolas e residenciais – a paixão pela pintura poética em locais atípicos e que, algumas vezes, se direciona para a intervenção urbana na Cidade Morena. Provoca novas leituras do cotidiano, por parte dos transeuntes, modifica a relação destes com os espaços, renova as características da capital. Sua pintura nos viadutos trouxe um olhar mais apurado para a beleza campo-grandense e formou um elo entre o nome de Ana e a cidade. Entre 2002 e 2003 decidiu levar a arte para os bairros e assim criou um de


Artes Plásticas

seus projetos, Cor das Ruas, que ofereceu 53 oficinas em 53 bairros e envolveu 720 adolescentes. “Meu objetivo é através de pequenas atividades, de pequenos momentos, que eles consigam enxergar poesia, que no dia-a-dia existem certas singularidades que é o que dá sentido à vida”, declara a artista. O que a instiga a tocar projetos como esse é o poder transformador da arte. Seus olhos se enchem de lágrimas ao contar que sua maior recompensa é poder mexer de forma positiva na vida das pessoas que participam e que isso a motiva a continuar. O trabalho Como arte educadora, vê em seus projetos a importância de educar o olhar, principalmente das crianças, que serão “os contadores da história desse trabalho no futuro”. Tem como propósito acabar com os estereótipos, “as casinhas e arvorezinhas”, o “carimbo mental” provocado pela era visual tecnológica. Acredita no desenho como revelação da visão do ambiente exposto e no exercício do olhar poético sobre o mundo que bombardeia a sociedade de imagens como uma forma de mostrar a essas pessoas, nas entrelinhas de suas produções, o que as tornam diferente uma das outras. O brilho no olhar da artista encanta quando fala sobre seu trabalho. “Eu acredito que a arte não fala de arte, a arte trata de assuntos”, declara que como uma poesia, trabalha com metáforas, sua desenvoltura em obras e projetos cultu-

rais e sociais deixa clara a influência direta de Ana na cidade. Dialogando frequentemente com a arquitetura, utilizando pintura como linguagem e a alvenaria como suporte. Aprimora seu trabalho artístico na busca de espaço para seu olhar inusitado, na percepção das sutilezas do cotidiano. Faz referência a Chico Anysio quando se lembra de sua observação direta e constante aos elementos da cidade, “O Chico Anysio era perguntado como ele criava os personagens, e ele falava: ‘Se eu fosse dentista, prestaria atenção nas dentaduras. Se eu fosse um pedreiro, estaria observando as paredes. Se eu sou comediante tenho que prestar atenção nos trejeitos’.” Ri ao dizer que decora os lugares e sabe quais as árvores que estão floridas porque a cidade é sua principal fonte e o espaço é seu principal assunto. Ao discorrer sobre inspirações artísticas, põe as mãos sobre a cabeça, olha para as árvores através da janela e brinca: “Eu não sou uma artista zen”. Considera seu trabalho fruto de muita pesquisa e discernimento sobre o que faz. – Você certamente não é uma artista acomodada... Ana exalta e responde: – Não existe espaço para o artista acomodado, que não se informa e não escreve a respeito de sua obra. Tem que escrever a respeito. No momento que você verbaliza, que você escreve, passa a conhecer mais seu trabalho.

do país. Ao narrar da história de seu ateliê, escorrem lágrimas de orgulho sobre casos de reconhecimento de seu trabalho como função social e poder transfor mador na vida das pessoas. Olha para cima e agradece pela saúde que lhe põe de pé todos os dias, retira da zona de conforto e lhe provoca anseios por fazer de um sonho próprio o incentivo de sonhos alheios.

iasmim.amiden@yahoo.com.br isabelaallaman@hotmail.com juliapaz.ufms@yahoo.com.br

Iasmim Amiden

Ana e Rubén Darío discutem técnicas artísticas durante oficina

O ateliê No desejo de construir um espaço que suprisse sua vontade de oferecer projetos educativos e expor seu trabalho, surgiu a ideia do ateliê. Durante um ano e quatro meses, o ambiente foi ganhando forma, atualmente a artista se orgulha da dimensão que isto se resultou. Os olhos reluzentes traduzem o amor pelo local que desperta o olhar atento do outro, que completa suas obras. Apresenta-o como sua segunda casa e faz uma calorosa recepção aos visitantes, que embarcam num passeio ricamente cultural entre quatro paredes. – Porque construiu o ateliê em Campo Grande? – Por que em São Paulo? Seria só mais um lugar. As pessoas estão percebendo que não é só no Rio e em São Paulo que as coisas acontecem, existem seres pensantes em qualquer lugar do mundo. Então a gente tem que fazer a diferença. Aberto para o público, o ateliê disponibiliza lugar para oficinas, o café filosófico e as palestras de diversas vertentes. Recebe desde a dona de casa até o empresário. Tem por objetivo social suprir a carência de formação, de cultura, aproximando as pessoas e desmistificando os artistas, tirando-os de um pedestal. Acredita na diferença que a inserção de tal espaço na capital produz para a valorização da prática artística no Estado e em seu reconhecimento em outros lugares Júlia Paz

Júlia Paz

21 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Ateliê Ana Ruas oferece oficina para artistas do interior do Estado


Literatura

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 22

A lírica de Campo Grande Alexandre Kenji Caroline Carvalho Estevan Oelke Renan Zacarias Campo Grande, aos olhos das escritoras Sandra Andrade e Marina Callejas, é uma grande fonte de inspiração. Autoras dos livros Campo Grande, Cidade Morena e Álbum Comemorativo de Aniversário da 14 de Julho, respectivamente, elas se ocupam em contar a história da capital de maneira não convencional. Duranteo bate-papo, ocorrido em uma cafeteria, elas contam quais foram suas pretensões artísticas e as dificuldades, diante do cenário literário de Campo Grande. Sandra Andrade é a primeira a chegar no local marcado, não demorando a dizer que Manoel de Barros é uma das suas maiores inspirações literárias, por compartilhar com ele o mesmo amor pela natureza. Seu livro, uma adaptação da história campo-grandense para o público infantil, já foi adotado por escolas do Brasil todo, justamente por fugir do modelo didático comum que, segundo ela, é inapropriado para crianças. “É uma coisa chata de ler, aquele livro grosso, eles se atém muito nas datas e não conseguem, por exemplo, despertar o interesse da criança”.

Fotos: Renan Zacarias

Sandra Andrade e Marina Callejas procuram maneiras inovadoras de contar a história da Capital

Escritoras falam sobre a importância da Capital nas suas obras Como opinaria Marina instantes depois, já se juntando ao papo, as crianças realmente necessitam de um material diferenciado para estimular a curiosidade, dizendo que sentiu muita falta desse tipo de incentivo na educação de seus filhos. “No final das contas quem acabava improvisando eram os professores”. Como escritora, ela também não mediu esforços para narrar artisticamente a história da cidade, dessa vez partindo para o lado da fotografia

“[o livros didático] é uma coisa chata de ler, aquele livro grosso, eles se atém muito nas datas e não conseguem, por exemplo, despertar o interesse da criança” Sandra Andrade

Sendo assim, optou por montar um álbum fotográfico sobre a Rua 14 de Julho. Mesmo sem experiência literária: era seu primeiro livro, nascido de um trabalho acadêmico, e com número limitado de exemplares, ele recebeu grande repercussão e foi o principal responsável pela comemoração do centenário da importante rua. “O que mais valeu pra mim nesse trabalho foi porque ninguém estava falando (sobre o centenário). Se eu não tivesse feito, não haveria comemoração”.

“O que mais valeu pra mim nesse trabalho foi por que ninguém estava falando. Se eu não tivesse feito, não haveria comemoração.” Marina Callejas

Dificuldades e soluções Apesar das conquistas, as escritoras tiveram que ser perseverantes para enfrentarem os diversos obstáculos. Com mais de 15 livros no currículo, Sandra não tem vergonha de admitir que enfrenta contratempos até hoje, desde o desinteresse de colegas escritores de prestigiarem seu trabalho até a dificuldade de encontrar algum artista que aceitasse ilustrar seu livro. “Era um não na minha cara. Eu pensava que o pessoal não tinha noção, pois era a história da capital e iria circular por todo Brasil”, comenta. Enquanto Marina afirma que a dificuldade está no meio literário. “As pessoas que já estão estabelecidas não possuem muito interesse em aceitar coisas novas mesmo. E aí o que vem novo acaba ficando marginalizado ou não é muito valorizado, e as pessoas têm que ir batalhando pelo espaço”, explica. A busca por alternativas de financiamento da publicação é a principal dificuldade para escritores experientes e novatos, de acordo com o que foi apresentado pelas entrevistadas. A saída é procurar apoio de instituições públicas como o FIC (Fundo de Investimentos Culturais) e editais que patrocinam a produção cultural. renanzacarias@hotmail.com aleanzoukenji@gmail.com


Teatro

23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Palcos Morenos Bárbara Cavalcanti

zoom. Subindo a rua 26, na esquina com a Rui Barbosa, está embutido dentro do Colégio MACE o Teatro Fernanda Montenegro. È quieto, quase imperceptível e esquecido entre os outros teatros e veste o uniforme do Colégio – o que pode ser basicamente a causa de sua

artistas se referem a ele como aconchegante, pela proximidade que ele proporciona ao ator com o público. Como o Glauce Rocha, é principalmente popular entre os fotógrafos por causa do espaço entre o palco e as cadeiras. Assim, o durante o espetáculo, sem interromper ninguém, o fotógrafo pode encostar a barriga no palco e tirar foto da sombra do olho da atriz, se quiser, sem

invisibilidade. O Teatro Dom Bosco é seu companheiro mais íntimo, em termos de popularidade. Além de ser sede de eventos do colégio e da universidade, são apenas algumas apresentações de fora que sobem em seu palco. Quase um burguês. Mas em termos de negligência, nenhum ganha do Teatro do Paço Municipal, ou Teatro José Octavio Guizzo. A

Fotos: Divulgação / Arte: Bárbara Cavalcanti

Em certa ocasião uma frase foi jogada numa roda de tereré, que atiçou entre umas sete pessoas uma discussão fervorosa sobre os teatros da capital e suas características. “O melhor lugar de se apresentar é no Teatro Glauce Rocha” “O quê?! Você está louco! O melhor teatro de se apresentar é o Aracy!” “Me respeita” Um teatro tem uma personalidade, por mais que o prédio físico não pense, sinta ou aja, literalmente. Mas suas características marcantes fazem dele um companheiro na trajetória teatral do ator que sobe em seu palco e do espectador sentado na platéia. Na capital, existem sete teatros, ao todo. Teoricamente, todo cidadão de Campo Grande já teve de pisar ao menos uma vez no Teatro Glauce Rocha, por causa de formaturas ou eventos gratuitos oferecidos pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), tal como o show da Orquestra de Violões. Subir no palco espaçoso causa um pouco de vertigem a qualquer artista. Além de peças teatrais, também já recebeu de musicais a shows de rock. É o intelectual entre seus companheiros, primeiramente por causa da idade acompanhado desse convívio misturado com gente que não assiste teatro, gente que não é de teatro e gente que sonha em subir naquele palco única e exclusivamente para atuar. O Teatro Prosa, localizado no Sesc Horto é aquele cara de fora. Faz e não faz parte da cidade ao mesmo tempo, pois tem iguais espalhados por todo o país. Mas ganhou o coração de todos por ter apresentações gratuitas. No entando é um teatro triste, pois se sente sem identidade própria. Todo mundo

que vai assitir uma peça lá diz: “Vou lá no SESC”. Então ela vai assistir um espetáculo no Serviço Social do Comércio? Não, é no Teatro Prosa, que fica no SESC Horto. Mas ele sofre calado. O Teatro Aracy Balabanian, na Rua 26 de Agosto, é robusto e charmoso como a atriz que leva seu nome. Alguns

prefeitura o fechou há um bom tempo e até hoje não tem previsão de ser reaberto. Bem, há muitos “mistérios” ao redor desse teatro, mas está escrito na cara que a reabertura dele deve ter sumido entre as infinitas montanhas da burocracia municipal. O Centro Cultural Rubens Gil de Camilo é o mais eclético dos sete. Como seu nome mesmo diz, não é apenas um teatro, reside também exposições, saraus, entre outros. Sua morada é no Parque dos Poderes e recepciona seu maior público quando vem algum comediante de fora. O bate boca sobre onde seria o melhor lugar de se apresentar, continuava energeticamente. Na verdade, as experiências pessoais era o que formava o argumento. Assim como amigos tentam determinar quem entre eles tem o melhor amigo, ou irmão mais velho, enquanto o simples fato de serem eleitos os melhores já é o determinante. Por fim, alguém na roda levantou e gritou: “Gente, vocês estão esquecendo da Barão!” Silêncio por alguns segundos, seguido por leves acenos de cabeça, indicando uma concordância razoável. Os teatros da capital podem ter fortes personalidades. Mas ainda existe um grupo marginalizado, que também serve de palco teatral. O calçadão da Rua Barão do Rio Branco, a Afonso Pena, a Praça Ary Coelho, as Orlas, o Armazém Cultural e o Camelódromo – estes também, vez por outra, se transformam em palcos morenos. cavalcanti-barbara@hotmail.com


Cultura

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CIDADE MORENA GANHA ESPAÇO CULTURAL EM 2015 Neize Borges

Sesc transforma Cine Campo Grande em centro cultural com teatro e cinema alternativo

O antigo Cine Campo Grande passa por reformas para se adaptar aos padrões do Sesc Neize Borges O Sesc-MS investiu na aquisição do antigo cine Campo Grande, com a finalidade de transformar o local em um Centro Cultural, incluindo espaço para teatro e cinema alternativo. Com o negócio, o Sesc visualiza a oportunidade de criar novos ambientes para o desenvolvimento das atividades culturais na Capital, segundo explicações da diretora regional, Regina Ferro. A atuação do Sesc em Campo Grande tem sido com o intuito de fomentar e disseminar a cultura e a recreação, o que está em suas diretrizes e em sua missão. Com a aquisição do espaço deve acontecer uma centralização para esses espetáculos e as atividades culturais já desenvolvidas, reunindo as programações culturais em um só local. Com

atividades em andamento para o centro da cidade até final de 2015, o Sesc informa, através da diretoria, que as mesmas terão baixo custo, com ingressos chegando a custar no máximo R$20. Já estão sendo oferecidas à população em 2014, programações com entrada franca para que seja um incentivo a mais para o sulmato-grossense aderir às atividades de cultura e principalmente freqüentar o teatro local, não deixando de prestigiar também a programação dos projetos de circuito nacional como: Palco Giratório, Sonora Brasil, Concertos Sesc dentre outros. Alternativo O cinema alternativo já funciona no Sesc em São Paulo com boa aceitação pelo público e a expectativa é que aqui, seja bem aceito. O futuro Centro Cultural na região central da Capital, está

sendo aguardado pelo público jovem, leitores e os amantes do teatro e cinema, a cidade cresce rápido e as unidades existentes já não satisfazem a procura, nem há espaço para as produções locais de teatro que é uma modalidade que faz falta na Capital, afinal tem um enorme público sedento dessas atividades sem muita divulgação para os espetáculos. Sesc nos bairros Um projeto cultural semelhante ao previsto para 2015 está sendo desenvolvido no Sesc-Lageado, que oferece várias oficinas e cursos para a população carente, incluindo cinco grandes bairros da região, Parque do Lageado, Dom Antonio Barbosa, Jardim Colorado, Parque do Sol, Vespasiano Martins, José Teruel Filho, também conhecido como

“Cidade de Deus”. “Com todo o estudo feito sobre a região, a partir de 2011 começamos a desenvolver a cultura, principalmente nas três linguagens que tínhamos: dança, música e o teatro. Na dança, balé clássico e baby class, para as crianças de 5, 6 e 7 anos; música, cordas e sopro, ou seja, violão e flauta e o teatro. Mudamos a vocação da unidade para que já em 2014 pudéssemos atender esse grupo”. diz o gerente da unidade Sesc-Lageado, Luciano Barbosa de Campos. “Em 2014 reformamos o espaço e temos o desafio de transfor mar a unidade SescLageado em um Centro Cultural de excelência”, complementa Campos. neizeborges@gmail.com


Gabriella Fernandes

25 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Qualidade de vida

Corpo e mente em Mo vi men to Elizabeth, Edna Borges e dona Edita praticando aula de ginástica

Gabriela Galvão Gabriella Fernandes Pedro Baasch Edita de Rezende, 78 anos, rosto sorridente e postura ereta, chega a dar inveja. Intitulada pela professora de educação física Carolina Salles de “porta-voz” do Projeto Movimente-se no Belmar Fidalgo, é um exemplo de que a prática da atividade física não tem idade. Ela nem se recorda de quando começou a praticar, lembra apenas que o Belmar era muito diferente do que é agora. Nessa época, ela frequentava lá apenas para caminhar, ainda não havia aulas. Segundo Edita, um belo dia, uma professora a abordou perguntando se gostava de ginástica e ela então a ajudou juntar alguns alunos para a prática. “Apareceu uma professora que chama Clarice e ela me olhou e disse assim: você faz ginástica? Eu falei assim: toda vida, desde criança. E ela me pediu pra ajudar a catar aluna aqui no Belmar , e comecei a catar aluna, aluna, aluna”. Confessa que de início ficou apreensiva de como seria a aula, já que como ela chamou as pessoas, se

Numa sociedade marcada pela correria, relatos de quem dedica algumas horas de seus dias para a atividade física mostram como a prática garante qualidade de vida

sua vida. Ela começou a prática física sentia responsável, mas após o término ficou aliviada. “Peguei uma profes- há quase um ano, estava parada desde a época da universidade. sora tão boa, que não me envergo“Minha última tentativa pra eu ver nhou”, conta ela. Atualmente, Edita se a minha saúde voltava, sabe? E grafrequenta o Belmar Fidalgo, localizaças a Deus, além do peso que dimido na região central de Campo Grannui, e todo o resto é um conjunto de de, duas vezes ao dia, pela manhã e à coisas, né? O organismo todo funciotarde, fazendo ora ginástica ora pilates, na maravilhosamente além de ainda camibem. É só mudar a nhar. “Essa aula dá “O remédio alimentação e exercímuita saúde, não premaior é atividade cio, né? E era o que cisa tá tomando reeu não fazia, agora eu médio. O remédio física” cuido de mim, tô maior é atividade físibem, tô em paz.”, reca.”, ela afirma sorriEdita de Rezende lata Edna entusiasdente. mada. Ela gostou tanAcompanhando to que trouxe sua uma das aulas que irmã, Elizabeth Correa Borges para acontece no Belmar nas quadras de bastambém se exercitar. quete, vê-se adolescentes, jovens, seElizabeth relata que já havia frenhoras, todos em busca de qualidade quentado o Belmar, só que o objetide vida. Carolina Salles, afirma que as vo era trazer o neto para brincar, agomudanças que ocorrem ali não são só ra a meta é outra. “Eu quero perder físicas, mas também psicológicas. peso, quem não quer, né?”, afirma ela empolgada com seu primeiro dia. Mudança de vida Edna Borges, uma senhora de idade, aluna do projeto que intitula-se Cidade privilegiada “uma das mais novas ali presentes”, O Parque dos Poderes, localizado também relata a mudança ocorrida em na Região Norte da cidade também é

um local de prática de atividade física, como ciclismo, caminhada e corrida. Daniel Jansen, 32 anos, personal trainer, pratica triatlo há três anos, e é no Parque dos Poderes que ele inicia mais um de seus treinos. Ele conta que a prática do triatlo trouxe grandes mudanças em sua vida: “Eu comecei a regrar a alimentação, as saídas, tipo baladas, essas coisas, eu comecei a controlar. Não que eu não tenha vida social, mas eu controlo justamente pra poder fazer o treino, porque é bem intenso”, relata Daniel. Para o personal e praticante do triatlo, Campo Grande é uma cidade privilegiada em locais para a prática de atividade física. Ele cita diversas praças e parques da cidade como áreas adequadas para a prática: Orla Morena, Parque das Nações Indígenas, Belmar Fidalgo e muitos outros. Já para o seu esporte, o triatlo, considera um pouco mais complicado por conta da parte aquática. “O único problema nosso aqui pro triatlo, é a parte de natação, que a gente tem que fazer em piscina, o que dá uma certa desvantagem quando a competição é em litoral, é em mar, ai nisso a gente acaba per


Qualidade de vida Gabriela Galvão

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Mudanças Físicas e Psicológicas Carolina Salles é professora do projeto Movimente-se da Prefeitura Municipal de Campo Grande desde 2006. Atua na Fundação de Esporte e dá aulas de ginástica na Praça Belmar Fidalgo na Região Central de Campo Grande e no Parque Jacques da Luz, na Região Sul da cidade. Mesmo não sendo uma atividade paga, o projeto tem um público fixo, ficha de controle e acompanhamento nutricional.

Daniel, triatleta, pratica ciclismo no Parque dos Poderes dendo, mas pra corrida e ciclismo é excelente.” Ele diz que viu crescer ao longo dos últimos três anos a prática de exercícios. “O movimento desses três anos que tô treinando no Parque dos Poderes aumentou muito”, relata o personal

Daniel, apontando o crescimento vivenciado do ciclismo e a corrida no local que treina.

Projétil – Você trabalha no projeto há quanto tempo? Carolina – Desde 2006. Projétil – E você vê alguma diferença entre trabalhar com esse público específico? Carolina – Sim, elas são mais calorosas, mais carentes de atividades. Porque lá [na academia] o cara paga pra fazer, e no máximo é quinze por sala, vinte por sala. Aqui em média é de 60, 50, 80. Aí, em dia de aulões, têm 400 pessoas. Projétil – O público é fixo? Carolina – É, em cada polo tem um público fixo. A gente até tem turma, tem Whats [Whatsapp: aplicativo de mensagens] tem tudo. Projétil – Existe controle ou ficha dos alunos? Carolina – Tem uma fichinha delas, com nome, telefone. E tem avaliação física ali na UCDB [referindo-se ao quiosque dentro do Belmar], que é parceira e tem também a nutrição, só que a nutrição é nossa, da Funesp, só para as pessoas que fazem ginástica.

gabriela.galvao.martins@hotmail.com gabriella.pm5@gmail.com pedrobaasch@gmail.com

Pedro Baasch

Movimente-se A sociedade contemporânea vem nos últimos anos tentando resgatar a qualidade de vida, perdida pela eterna correria com as muitas horas nos empregos, as refeições desreguladas e as poucas horas de sono. Esses fatores acabaram por gerar problemas de saúde na população como obesidade, problemas no coração, de pressão, diabetes, dentre tantas outras doenças. Essa busca pela qualidade de vida passou a acontecer não somente através de iniciativas individuais de um ou outro, como buscar um nutricionista, procurar uma academia ou começar a caminhar. Os governantes tiveram que acrescentar dentre as medidas buscando a cidadania, propostas que incentivem o esporte, construindo parques, ciclovias e praças. De acordo com a Prefeitura Municipal de Campo Grande, a Fundação de Esporte (Funesp) desenvolve alguns projetos de atividades físicas, como o Movimente-se. O objetivo é incentivar a prática em diversas regiões da cidade, contando com profissionais de educação física formados, contratados pela prefeitura. Ele oferece aulas de ginástica, pilates, yoga, hidroginástica e dança de salão de forma gratuita à população. O Movimente-se não acontece somente na região central da cidade, está presente em 28 pólos da capital, dentre eles: Orla Morena, Praça do Papa, Praça Belmar Fidalgo, Parque Ayrton Senna, Parque Jacques da Luz, Parque Tarsila do Amaral, Parque Sóter, Conjunto União-Praça Central, Praça Cophafarma, Parque Linear do Cabaça, Paróquia Nossa Senhora Aparecida, Centro Olímpico Vila Nasser e Seinthra. Para mais informações: www.pmcg.ms.gov.br/funesp (67) 3314-3971

Dona Edita, uma das frequentadoras assíduas do Projeto Movimente-se no Belmar Fidalgo


Fotos: Hélio Lima

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Comportamento

Ciclismo como opção de mobilidade

Hélio Lima Helton Oliveira Fim de tarde, céu acinzentado. O fluxo de trânsito na Av. Afonso Pena estava enlouquecedor, caótico. Três anos atrás foi construída na avenida uma ciclovia com extensão de 9,83 km. Essa ciclovia se estende desde a praça Newton Cavalcante até o Parque Estadual do Prosa. Pessoas vão de lá para cá, com pressa, já que o dia de trabalho no centro da cidade chega ao fim. No calçadão, próximo à agência do Banco Bradesco, no cruzamento da Av. Afonso Pena com a Av. Calógeras, algumas pessoas estão sentadas, tomando garapa, bebida extraída da cana de açúcar, serve como hidratante na recuperação muscular, além de fortalecer o sistema imunológico. Munidos dessa energia, trabalhadores encontram forças para voltarem às suas casas em bairros distantes do centro de Campo Grande. Mesmo com o serviço de transporte público, muitas pessoas optam por vir ao centro da cidade em bi-

Primeiras impressões cicletas. É uma alternativa barata, e Pouco após iniciar o trajeto que após a construção das ciclovias, rumo ao bairro das Moreninhas, me se tornou viável à população. Fui deparo com um ponto negativo que conferir o que se passa no caminho é a falta de sinalização para quem de quem vem ao centro todos os vem do sentido bairro centro, pois dias. No meu roteiro saí da Moraembora estivesse da dos Baís, localizano sentido contrád a n a Av. A f o n s o rio, presenciei ciPena, até a entrada do “O ciclista deve clistas que pareciBairro das Moreninhas, um dos mais fazer de tudo para am desorientados com o deslocapopulosos da cidade. ser visto” mento do percurFica claro que a cultuso da ciclovia nara do ciclismo está quele trecho. crescendo na cidade, Demilson Boaventura O asfalto da quando me deparo via se encontra em com vários trabalhabom estado, proporcionando boa dores fazendo o trajeto para suas velocidade, o que exige atenção do casas de bicicleta. Segundo o venciclista. Ao meu lado, pessoas a dedor Alexandro da Silva, ciclista todo vapor, indo e vindo. Um dehá um ano e oito meses, o número les é João Barbosa, 56 anos, que trade pessoas aderindo a essa alternabalha como segurança em um mertiva de transporte e lazer, vem aucado. Quando parado em um sinamentando de maneira expressiva leiro, me aproximei e lhe fiz algunos últimos tempos. “Campo Granmas perguntas. Simpático, me atende tem uma boa estrutura, existem deu. Segundo ele, a ciclovia facilialguns problemas, mas já é algo tou muito seu o deslocamento , porconsiderável”, diz.

que antes tinha que dividir espaço com os carros, o que sempre é um perigo. Atenção constante Sinceramente, não é uma sensação segura. Carros indo a mais de 60 quilômetros por hora ao meu lado. Em alguns sinaleiros, o perigo é perceptível, pedalando pela Av. Fábio Zahran, a ação tem que ser rápida como nos cruzamentos com as ruas Henrique Vasquez, e Av. Salgado Filho, que embora bem sinalizadas, merecem toda atenção. Demilson Boaventura, praticante do ciclismo há mais de 20 anos, diz que o ciclista deve fazer de tudo para ser visto, por isso o equipamento de segurança é tão necessário. Em Campo Grande desde 1997, ele considera que o respeito dos motoristas melhorou, pelo fato do aumento do número de ciclistas, mas por outro lado, o crescimento da cidade, trouxe um cenário caótico, com o aumento do fluxo de veículos, o que faz com o que o risco seja constante.


Comportamento

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ques. Durante o percurso, após a altura O fluxo no local é grande e requer do Parque de Exposições Laucídio muita atenção, os motoristas que pude Coelho, notei que o mato tomava conpresenciar respeitavam os ciclistas, emta de várias calçadas, e fazia com que bora a ação tivesse que ser rápida. Em os pedestres tivessem que ir para o meio entrevista recente, o prefeito Gilmar da ciclovia. Fato que traz perigo, tanto Olarte afirmou ao site Capital News ao ciclista, quanto ao pedestre. que será construído um viaduto no loEm outras ciclovias, como da Av. cal, o que proporcionaria mais tranDuque de Caxias, e principalmente na quilidade e segurança, tanto para moregião do Parque Ecológico do Sóter, toristas, ciclistas e pedestres. é comum vermos skatistas dividindo espaço com pedestres e ciclistas. Após Sobe e desce o Atacado Assaí, na altura do bairro Passando à rotaIpiranga, um pontória, o lema é subir e to perigoso, pois descer. Assim como metade da via esta“Em questão de em toda ciclovia, o va coberta por área tempo, dependendo da asfalto está em boas de uma obra recondições. O percurdistância e do cente. Pedaços de so pela Av. Gury Marvidro e pedras no percurso, a bike pode ques é tranquilo, até meio da via. Esses após a rodoviária, levar vantagem detritos podem onde uma situação principalmente sobre causar furos de merece atenção: a pneus e até quedas. o ônibus” ciclovia fica um pouQuinze minuco afastada da avenitos de percurso e já da e em volta existem estou no cruzamenJefferson Bononi muitas árvores, duto com a Av. rante a noite, o local é Manoel da Costa mal iluminado e proLima, local bem sinalizado, sem propenso a assaltos. Genesi de Lima, 54 blemas para atravessar a via. Chegananos, moradora do Bairro Moreninhas, do à Av. Costa e Silva, é a hora de acee que faz o trajeto diariamente, diz que lerar as pedaladas. O asfalto tem ótima ali é um local complicado. Ela ressalta aderência, o que faz com a bicicleta peque procura andar em grupo, e só até gue embalo. O próximo ponto é a rodeterminado horário, por receio do lotatória da Coca Cola, onde morre a Av. cal. Ela também contou que já viu aciCosta e Silva, e começa a Av. Gury Mardentes entre ciclistas e pedestres, ao dividirem a ciclovia. Após meia hora de percurso, o vento começa a ficar mais forte, o céu Sustentabilidadade avermelhado, a chuva estava a caminho. sobre duas rodas O fluxo de veículos não diminui, ao menos até chegar ao Ter minal Guaicurus. Através da lei n° 5.177, de Logo após, vem o cruzamento 28 de dezembro de 2012, foi com a Av. Guaicurus, avenida que, aliinstituído o Plano de ás, não tem ciclovia e isso é um dos Ciclovias no Município de principais pedidos das pessoas que Campo Grande, com o intuimoram na região e que utilizam a bicito de estruturar as vias de cleta como seu meio de transporte ou transporte alternativas, tralazer. A prefeitura promete construir zendo segurança aos usuáriuma ciclovia no local ainda para os próos. A cidade, hoje, conta com ximos meses, conforme foi divulgado aproximadamente 80 km enno Dia Mundial Sem Carro, celebrado tre ciclovias, ciclo-faixas e em 22 de setembro. calçadas compartilhadas, Continuando o trajeto rumo ao ocupando o 4º lugar no Bairro das Moreninhas, não tenho tanranking de cidades com vias tas pessoas no horizonte. Não que esdestinadas às duas rodas. teja perigoso, mas os terrenos baldios ao lado me fazem redobrar a atenção.

Ciclovia da Av. Costa e Silva, em frente à Univesidade Federal de Mato Grosso do Sul Em conversas com pedestres e com motoristas durante o percurso, soube que o fator impeditivo de fazê-los pegar a bicicleta e ir à rua, é a segurança, o medo de assaltos. Felizmente a via é rápida, e mesmo com a condição adversa, algumas pessoas fazem caminhada. Após uma longa subida, estou no fim da ciclovia. Atravesso a rua e adentro por dois quarteirões no bairro. Deparome com uma imagem totalmente oposta ao que vivi até o momento dessa experiência, vejo ruas esburacadas e com espaço reduzido, o que se torna perigoso para usuários de veículos menores como a bicicleta. Confiro meu relógio, e me surpreende o tempo que levei. Apenas 45 minutos, em horário de pico da cidade. Quem anda de ônibus leva mais tempo, e ainda enfrenta superlotações nos veículos. De carro ou moto o trajeto gira em torno de 20 a 25 minutos. Depois do fim da linha, passei a entender mais sobre a questão da mobilidade urbana, e dos ganhos que se pode ter utilizando este meio de locomoção. Alexandre da Silva frisou várias vezes durante nosso bate-papo que o ganho na qualidade de vida é gigantesco. Consegui entendê-lo após concluir o percurso. A sensação de ter me deslocado do centro ao bairro Moreninhas sem passar pelo

estressedo transporte público ou do caos do trânsito da cidade, me trazia sensação de leveza e bem-estar para o corpo e a mente. Antes de encerrar ainda converso com Jefferson Bononi, 28 anos, autônomo, que foi trabalhar de bicicleta por praticamente dois anos. “Em questão de tempo, dependendo da distância e do percurso a bike pode levar vantagem principalmente sobre o ônibus. No percurso de 10 km em horário de pico, que fazia para ir ao trabalho, eu economizava 20 minutos usando a bicicleta como meu transporte” conta. A bicicleta tem proporcionado agilidade e rapidez, graças às ciclovias, que hoje já têm uma extensão 80 quilômetros em nossa Capital, com promessa da prefeitura para estender a 200 quilômetros em médio prazo. Simples, fácil de usar e com custo atrativo, esse meio tem se tornado tendência, porém, deve-se ter conhecimento das leis de trânsito, pois os ciclistas estão mais expostos a acidentes. Segundo dados divulgados pelo Detran no final de setembro, o número de mortes de ciclistas aumentou 62%, se comparado com o ano de 2013. Isso mostra que é importante ter consciência do que se faz sobre duas rodas.

hxlxc@hotmail.com heltondrc@hotmail.com


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Trânsito

AGRESSIVIDADE NO TRÂNSITO Gilberto Britez Road rage é o termo adotado para o fenômeno da violência no trânsito, conhecido no ocidente e em parte do oriente em decorrência de um comportamento agressivo. Este é um tema que exige atenção da população e das autoridades, já que reflete diretamente na vida da população, formada por condutores, passageiros e pedestres. Campo Grande conta com uma das maiores frotas de veículos do país. Segundo o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito), a capital é a décima em quantidade de carros, possui 251.840 automóveis (dez/2013) para 832.352 habitantes, resultando numa média de 1 automóvel para 3,31 habitantes. À medida em que a frota de veículos na capital cresce, aumentam os problemas enfrentados no trânsito. Estudos apontam que é comum, em algum momento da vida do condutor, cometer deslizes. Quando se torna freqüente, é uma questão de saúde pública e passa a ser tema de diversas publicações, de road rage. Os motoristas agressivos tendem a acreditar que sua perícia em condução está num nível superior à dos demais e acreditam não estar contribuindo para o caos do trânsito. O Dr. Leon James, professor de psicologia da Universidade do Havaí que se especializou em stress no trânsito, separa em três níveis este comportamento: Impaciência: não parar diante de placas ou sinais vermelhos, andar com velocidade acima do permitido, bloquear cruzamentos. São comportamentos que geram aversão aos outros condutores, e oferecem os menores riscos entre os três grupos. Luta de forças: impedir outros condutores de realizar conversões e mudança de faixa, bem como sair de outras vias, usar de gestos obscenos ou xingamentos para ameaçar outros condutores, ignorar a distância de segurança do condutor à frente e laterais. Negligência: duelos, velocidades muito altas, fechadas, andar em zigue-zague sem sinalização, dirigir entorpecido ou alcoolizado, bem como os crimes que se

Gilberto Britez

Com uma das maiores frotas do país, Campo Grande está na mira do road rage

Impaciência, luta de forças e negligência são comportamentos que caracterizam o Road Rage Trânsito). A primeira fase para adquirir utilizam do trânsito como atropelamenCNH (Carteira Nacional de Habilitação) é tos e assaltos. É o último nível de o exame psicotécnico, que avalia a saúde agressividade. mental do indiví“O trânsito é o duo. Só é reprovamaior campo das relao sujeito que ções humanas, pois é Motoristas agressivos do apresenta alguma onde você convive tendem a acreditar anor malidade. com diversas pessoas, Este comportaas quais a maioria você que sua perícia em mento agressivo não conhece, enfrenta, condução está num nível não é constatado demonstrando toda a no exame, geralsua agressividade”, diz superior a dos demais mente ele só apaJoão Vítor Guimarães, rece numa circunspsicólogo, especialista tância estressante. em violência no trânsito. Para Guimarães, “a auto-estima Segundo João Vítor, para mudar esse baixa gera violência”. Desenvolver a quadro, uma das possibilidades para a diconfiança do futuro condutor pode minuição desta violência é trabalhar a percontribuir para a formação de sua sonalidade dos condutores em sua formapersonalidade e isto deve ser desenção. As auto-escolas preparam os futuros volvido nas auto escolas e no ensino condutores apenas para serem aprovados médio. nos exames do Detran (Departamento de

Políticas públicas Mato Grosso do Sul é pioneiro na implantação do projeto “Trânsito na Escola: Formação do Jovem Condutor”, em que os alunos do ensino médio, a partir do segundo ano, têm aulas de educação no trânsito até o terceiro ano, preparando-os para o exame teórico assim que completarem 18 anos. Para Guimarães esta é uma boa iniciativa que pode reduzir a violência no Trânsito, ele sugere que além da educação de trãnsito no ensino médio, haja também uma política que incentive o condutor pelo seu bom comportamento e não só o puna por mau comportamento. Incentivos como descontos para aqueles que não foram multados durante o ano, pagarem em dia os tributos como IPVA, licenciamento e seguro. bfgilberto@gmail.com


Relig ião Religião

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Perpétuo Socorro é líder mundial na celebração de novenas Fotos: Ítalo Nemer

Igreja da Capital passa à frente até mesmo do maior Santuário do mundo dedicado à Nossa Senhora, localizado nas Filipinas

Ítalo Nemer O Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de Campo Grande, recentemente, tornou-se o lugar santo que mais realiza novenas no mundo. Essa conquista é fruto do crescimento no número de fiéis e devotos vindos de todos os lados da cidade que lotam a igreja às quartas-feiras. Com celebrações de hora em hora – das 6h às 23h –, ininterruptamente, são realizadas 18 novenas que reúnem aproximadamente 25 mil pessoas. Destaque por ultrapassar o maior e mais visitado Santuário do mundo dedicado a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, localizado em Manila, capital das Filipinas, que realiza 14 novenas às quartas-feiras para mais de 100 mil pessoas, o Santuário de Campo Grande também está à frente de outras importantes igrejas do Brasil, como a de Curitiba, com 17 celebrações; de Goiânia com 16; e de Belém do Pará com 15.

mesmo os novos horários continuam cheios”, comemora. Ele revela ser uma tamanha responsabilidade assumir o comando de uma Igreja tão importante. “Sermos o Santuário que mais celebra novenas no mundo é uma ótima conquista, algo que faz bem aos devotos, à cidade e ao Estado. Por isso, é uma grande responsabilidade cuidar de uma Igreja com essa dimensão toda.”

Presente aos fiéis Até o mês de agosto eram celebradas 17 novenas por quarta-feira, mas em virtude do aniversário de 73 anos de inauguração da Igreja e em busca de atender em grande parte à procura dos estudantes, o reitor do Santuário decidiu disponibilizar o horário das 23 horas como um presente aos fiéis. “Esse horário é voltado principalmente para os que trabalham o dia todo e estudam a noite”, reforça. Em uma das “Cartas de agradecimento” que são enviadas por e-mail ou entregues na secretaria da Igreja e lidas sempre O reitor do Santuário da capital sulao fim de cada celebração, um devoto anômato-grossense, Dirson nimo, de 21 anos, revelou ter a vida completaGonçalves, ordenado padre há 11 anos, semmente modificada após “Sermos o pre se manteve ligado a passar a frequentar a Nossa Senhora, e desde Santuário que mais novena das 23 horas. que assumiu o comanconta que estucelebra novenas no da emEleuma do da Igreja em 2011 universidamundo é uma ótima de próxima ao Santuáimplantou cinco novos horários. Ele explica que conquista, algo que rio e o trânsito causado o aumento na quantidapela chegada e saída dos faz bem aos fiéis o incomodava, até de de celebrações fortaleceu ainda mais a reza devotos, à cidade e que decidiu aceitar o semanal e diz estar imconvite de uma amiga ao Estado” e participar pela primeipressionado e feliz com a busca cada vez maior ra vez. “Vi muitos jodas pessoas pela novena. vens da mesma faculdaDirson Gonçalves de onde estudo. Quan“Logo que cheguei percebi a grande do começou a novena busca das pessoas pela devoção e que altodos rezavam com muita fé e senti uma energia muito forte. Comecei a chorar e guns horários ainda estavam vagos, por isso aos poucos fomos aumentando. Alminha amiga me levou para bem pertinho gumas pessoas tinham medo que dimido quadro da Santa e senti uma paz muito grande, somente olhando nos olhos dela. nuísse a quantidade de devotos, mas até

Depois daquele dia nunca mais parei de ir às novenas”, diz um trecho da carta, que termina com os dizeres: “Agora eu também sou um devoto eternamente agradecido”. A novena Conforme explica o padre Dirson Gonçalves, a novena é uma tradição que vem desde 1927, teve início nos Estados Unidos e é realizada na quarta-feira, pois os padres decidiram colocar uma celebração no meio da semana, para que além da missa de domingo, as pessoas pudessem ter um momento diferente com Nossa Senhora. “A missa tem seu formato único no mundo inteiro. Já a novena é algo do povo, onde as pessoas que cantam que rezam e que fazem a novena”, explica o padre. O fato de ser feita em nove dias ou nove quartas-feiras é porque três vezes a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) é igual a nove. “E são nesses nove dias que o devoto faz o propósito de rezar por alguma graça”, complementa. O Santuário de Campo Grande A Igreja da Capital dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi fundada em 1938 pelo então Bispo de Corumbá, Dom Vicente Priante, no bairro Amambaí, onde a construção foi feita por engenheiros militares e seguia a linha da ferrovia. Construída em terreno cedido pela Prefeitura Municipal, a inauguração da Igreja aconteceu no dia 3 de agosto de 1941. italo_nemer@hotmail.com


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Meio ambiente

Campo-grandenses dividem espaço urbano com animais silvestres Júlia Beatriz de Freitas Laura Fagundes Muitos turistas e pessoas que vêm morar em Campo Grande notam com surpresa que a cidade é uma capital diferenciada no quesito meio ambiente. Diferente de grandes metrópoles, a “Cidade Morena” conta com uma exuberante área verde que a caracteriza como a cidade mais arborizada do país segundo o Censo de Entorno do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2012. Além da flora, não se pode deixar de perceber a marcante presença de animais silvestres que vivem no meio urbano. Araras, capivaras, tucanos e até macacos já fazem parte do cotidiano dos moradores da cidade que, em sua maioria, se sentem privilegiados pelo contato tão próximo com a natureza. Embora a relação entre o ser humano e a fauna nativa ser considerada harmoniosa, há certa frequência em ocorrências de acidentes com os animais, apresentando riscos ao ecossistema e fazendo surgir a necessidade de ações conscientizadoras para a população de campo-grandense. Consequências Após casos cada vez mais frequentes de atropelamentos de capivaras, por exemplo, a solução proposta pelo Major Edinilson Queiroz, biólogo da PMA (Polícia Militar Ambiental) há 18 anos, é a maior sinalização nas áreas de movimentação animal. Segundo ele, a abertura de avenidas em parques lineares em que se deixa uma área larga de vegetação levou à frequência destes acidentes que são perigosos também para as pessoas. O biólogo ressalta que a cidade não foi “invadida” pelas capivaras e por outros animais da região. “Já havia esses animais lá. Às vezes eram chácaras,

Júlia Beatriz de Freitas

Capital sul-matogrossense é privilegiada por conviver diariamente com animais da floresta, mas há necessidade de ações para evitar acidentes e desequilíbrio ambiental

Turistas e moradores têm contato próximo com capivaras no Parque das Nações Indígenas tres, Silvia endossa o coro do major ao e quando fazem esse parque linear, endizer que as áreas de maior incidência tão você tem esse risco de atropelamende atropelamentos to”, esclarece. A precisam de sinalizaatenção do transeções específicas para unte deve ser redoevitar acidentes. “Sibrada durante o peCerca de seis animais nalização no trânsiríodo da noite. por dia são to, nos lugares que a Apesar da ocoencaminhados para o gente já conhece, rrência de casos de onde essa fauna araras que se acidenCentro de existe, principaltam em contato com Reabilitação mente pelas capi-vaa fiação elétrica, as ras. Está tendo muiaves silvestres se ta evasão ali no adaptaram consideravelmente bem ao meio urbano. A bi- Lago do Amor, onde fica um monte de óloga Maria Silvia Gervásio conta que, gente e na beira do lago não tem nenhuma sinalização”, explica. com o passar do tempo, as aves perderam o receio de se movimentar em granAlimentação des avenidas e lugares urbanizados da Algumas espécies são casos de micidade. Já no caso dos animais terres-

gração para a cidade, como a Arara Canindé, ave que começou a migrar dos arredores desde o começo do século em busca de alimentos e encontrou em Campo Grande espaços com a vegetação adequada. Edinilson explica as principais causas deste deslocamento. “Tem áreas verdes, mesmo de lazer, com a vegetação atrativa e com alimentos para esses animais. Então vai escasseando também nas áreas vizinhas pelo desmatamento das fazendas, às vezes ilegais. Então você vai diminuindo esse alimento e o animal vai adentrando o perímetro urbano”. O Parque das Nações Indígenas e o Parque Estadual do Prosa são exemplos de áreas de lazer da cidade com grande presença da fauna silvestre. Os dois especialistas também ressaltaram a importância da não intervenção humana na alimentação destes animais a fim de evitar um desequilíbrio ambiental e afetar a cadeia alimentar natural das espécies. “Você cria uma relação de dependência e então a fauna silvestre acaba ficando uma coisa meio domesticada. O que não é interessante, não é isso que a gente busca”, diz Silvia. Os animais feridos recolhidos pela PMA, uma média de seis por dia, são encaminhados para o CRAS (Centro de Reabilitação de Animais Silvestres), localizado no Parque Estadual do Prosa, para tratamento e reintrodução ao habitat natural. Um dos casos mais inusitados de aparição foi o surgimento de uma onça-parda em um condomínio da cidade no dia 29 de setembro. O animal foi capturado e encaminhado para o CRAS para reabilitação. juliabofsv@gmail.com lafoliv@hotmail.com


Opinião

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Erika Rodrigues

A cidade e a cidadania

Erika Rodrigues Em um rápido passeio pelas ruas do centro de Campo Grande não é difícil perceber as dificuldades enfrentadas todos os dias pela população. A cidade favorece a circulação de automóveis e motocicletas. No entanto, há pouca segurança para pedestres, que não contam com passarelas em trechos movimentados. A única alternativa de transporte público é o ônibus, que é caro e não oferece conforto aos passageiros. Mas será que a construção de uma cidade melhor é função apenas do poder público? A falta de consciência política e o descaso com a coisa pública afetam diretamente a vida de todos. Jogar lixo no chão, não respeitar a faixa de pedestres, não ceder o assento para uma grávida são atitudes que demonstram o desrespeito ao espaço coletivo. A cidadania depende do envolvimento de toda a sociedade, consciente e organizada em busca do bem comum.

ência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos. Com cerca de 80 km de ciclovias, a cidade não possui bicicletários, obrigando os ciclistas a amarrarem as bicicletas nos postes, árvores ou placas. Além disso, nas principais ruas do centro há longos trechos onde o ciclista tem que disputar espaço com os carros, um desafio muito perigoso. As ciclovias e o transporte público são usados, em sua maioria, apenas por pessoas que não possuem alternativa. Segundo informações do Denatran, de junho de 2014, Campo Grande tinha uma população estimada de 843.120 habitantes e uma frota de 495.173 veículos, que está crescendo a cada ano. Isso significa mais de um veículo para cada duas pessoas. Bons exemplos de administração do transporte público não faltam no Brasil e em outras parte do mundo. Curitiba tem obtido melhores resultados contando com uma RIT (Rede Integrada de Transportes), com 465 linhas de ônibus urbanas e terminais de transMobilidade urbana bordo/conexão em diversos bairros e Em Campo Grande, não é incoem municípios da Região Metropolitamum ver pessoas correndo para atrana, além de canaletas vessar a rua, mesexclusivas para a cirmo na faixa de culação de ônibus. pedestres, pois os Está em fase de liciA educação para semáforos, ao que tação a implantação tudo indica, são de metrô na cidade. cidadania é um pensados apenas Em Barcelona, importante para os automóEspanha, que possui veis. Para um idomeio de um milhão e seisso ou portador de centos mil habitantransformação necessidades espetes, há um sistema social e formação ciais o desafio é de transporte públiainda maior. É co denominado de uma cultura possível encontrar Transportes Metroverdadeiramente calçadas sem repolitanos de Barcepluralista e baixamento para lona (TMB), comcadei-rantes e com posto por metrô, democrática o piso tátil irregutrens suburbanos e lar. Apenas alguregionais, veículos mas partes dos leves sobre trilhos passeios se adequaram à Lei Federal (bondes elétricos), ônibus urbanos e tu10.098, de 19 de dezembro de 2000, rísticos, funiculares e táxis. que estabelece normas gerais e critérios Em nossa capital, a superlotação, a básicos para a promoção da acessibililentidão e o alto valor das passagens dade das pessoas portadoras de deficitornam o transporte público pouco

atraente. Campo Grande tem a sétima tarifa mais cara do país, apesar de ser a 16º capital em população. As faixas exclusivas para ônibus e o aumento da frota nos locais e horários de maior fluxo, poderiam incentivar a população a trocar o veículo particular pelos meios de transporte mais limpos. Cidadania e sociedade A promoção da cidadania também depende da sociedade. As vagas destinadas a idosos e portadores de deficiência são frequentemente ocupadas indevidamente. As desculpas são variadas, a exemplo de argumentos como: “Eu já volto, são só cinco minutinhos”. Nem as áreas de lazer públicas são poupadas. Nos parques da cidade é comum ver a depredação do patrimônio público. Placas, lixeiras, banheiros construídos com o dinheiro do contribuinte são destruídos. Na Orla Morena, inaugurada em 2010, moradores reclamam da quantidade de sujeira e garrafas quebradas espalhadas pelo trajeto. Se não depende apenas do poder público, qual seria a solução para tornarmos a cidade mais agradável? O exercício da cidadania está relacionado à educação recebida no seio da família, no ambiente escolar, através dos meios de comunicação e espaços de convivência social. Nestes espaços, cada cidadão pode se tornar agente na busca pela garantia dos direitos fundamentais e sociais. Esta formação multidisciplinar para a cidadania deve ser garantida através da universalização do acesso à escola e a garantia de um ensino público gratuito e de qualidade. Devem ser criados espaços para participação popular na vida política, com a valorização da diversidade e da cultura. A educação para cidadania é um importante meio de transformação social e formação de uma cultura verdadeiramente pluralista e democrática.

erikkasrodrigues@yahoo.com.br


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