Sobre alguns temas em Walter Benjamin

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Rejane Pivetta de Oliveira

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paradigma. Nos termos benjaminianos, a tradução, ao atentar para a organização da frase, impõe nexos sintáticos que naturalizam o sentido, impedindo que se veja a diferença intransponível entre as línguas (o “muro” que as separa). Benjamin propõe um modelo de tradução em que a literalidade da sintaxe evidencie a palavra como “elemento originário do tradutor” (Ibidem, p. 115), pois é no espaço deixado entre as palavras (a “arcada”) que a verdade revela-se, de maneira insuspeitada. A realização em mais alto grau desse ideal de tradução é alcançada pelas Escrituras Sagradas, na forma da versão interlinear: Pois todos os grandes textos escritos contêm, em certa medida (...) a sua tradução virtual entre as linhas. A versão interlinear do texto sagrado é o arquétipo de toda a tradução” (Ibidem, p. 119).

O tradutor, talvez mais do que a tradução, seja a figura central do ensaio, que se soma à galeria de outras personagens do pensamento benjaminiano: o flâneur, o colecionador, a prostituta, a criança, entre outros. Na tarefa a que cada um se lança, há em comum a atitude de romper os esquematismos correntes, propor uma ordem diversa de leitura do mundo, uma nova forma de conhecê-lo. A Grande Muralha da China, nesses termos, constitui-se como alegoria epistemológica, pois procede à desconstrução das verdades artificialmente fabricadas. O narrador acumula em seu relato uma série de micronarrativas, entre elas, a história de um livro, escrito por um erudito durante a construção da muralha, no qual estabelece uma comparação entre esta e a Torre de Babel. O estudioso empenha-se em provar que a Torre falhou em seus objetivos “não pelas razões universalmente conhecidas”, pois suas investigações teriam levado à descoberta de que a ruína da Torre era devida à “fraca resistência de sua base” (KAFKA, s.d, p. 12). Na hipótese do erudito, “a Grande Muralha ofereceria, pela primeira vez na história da humanidade, uma base segura para uma nova Torre de Babel” (Ibidem). A isso, o narrador questiona: “Como podia a muralha, que nem sequer formava um círculo, mas apenas uma espécie de quarto de círculo, servir de base a uma torre? É óbvio que aquilo só podia ser entendido num sentido espiritual” (Ibidem). A analogia da muralha à Torre de Babel é apresentada na narrativa ironicamente, evidenciando a fragilidade das explicações, a distorção fantasiosa do próprio mito como um artifício de controle dos trabalhadores para que se mantenham unidos no propósito de edificação da muralha, comparável à construção de uma nova Torre de


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