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Breve olhar sobre o passado e o futuro
Novos tempos pedem novas habilidades e competências, que não podem ser desenvolvidas apenas pela escola, mas, sim, por instâncias diversas e ao longo de um processo constante e contínuo, que não está circunscrito à vida escolar. Diante da complexidade do ser humano e do mundo atual, é essencial compreender que o aprimoramento de habilidades e competências e a busca por soluções não pode ocorrer de maneira única ou isolada.
Nesse contexto, será abordada a importância da aproximação entre escolas e famílias, seus desafios e possíveis encaminhamentos e como uma relação de parceria e cooperação pode ser eficaz. Isso não significa concordância absoluta ou convergência em todos os assuntos, mas, ao contrário, a possibilidade de lidar com a diversidade de ideias, posicionamentos e perspectivas e integrá-las, buscando soluções e horizontes inéditos. As principais inquietações das famílias quanto à educação dos filhos, sejam crianças ou jovens, e a ânsia por serem bem-sucedidas neste papel também serão discutidas mais à frente.
Breve olhar sobre o passado e o futuro
Sabe-se que a futurologia, ou o estudo do porvir, é uma atividade sempre dinâmica. Raramente se consegue prever com exatidão como será a vida em um futuro distante. Isso porque, como o ser humano é complexo e o futuro depende das escolhas e oportunidades de bilhões de pessoas, a história tem saltos, mudanças abruptas e repentinas que alteram tudo o que se entendia como certo até um dado momento.
A questão é que, se tempos atrás o período de 1 ano era considerado curto prazo e o período de 10 anos era tido como longo prazo, hoje este horizonte temporal é visto de outra maneira. Tentar fazer previsões para 5 anos tornou-se difícil, especialmente quando se tem pela frente grandes desafios e perspectivas de mudanças climáticas, tecnológicas, sociais e tantas outras a serem equacionadas em escala local e global.
Aliás, um dos fatores que tira a pessoa do eixo é justamente isso: a anomia, expressão usada pelos estudiosos de ciências sociais
e comportamentais que se refere à dificuldade que se sente hoje de entender o mundo, de saber para onde se está indo, o que fazer com a vida e como pautar as escolhas, desde as mais simples até as mais complexas. Uma sensação de bagunça, vertigem, confusão, desordem é o que caracteriza períodos de anomia.
Esse cenário já foi vivido diversas vezes na história, dentre as quais é possível destacar a Revolução Industrial (1760-1840), que promoveu na Europa intensas mudanças nos séculos XVIII e XIX, ocasionadas pelas transformações no modo de produzir, comercializar e se relacionar. O trabalho de confecção de peças de vestuário, maquinário e tantos outros, que eram em sua maioria feitos à mão, passou a ser fabricado em larga escala. A vida preponderantemente campestre foi sendo pouco a pouco modificada pela ocupação das cidades, que passavam a oferecer melhores salários e oportunidades.
Essas mudanças não aconteceram de forma suave, bem ao contrário. Há relatos de manifestações diretas e boicotes indiretos às máquinas, que eram tidas como inimigas do modo natural de ser e viver. Medidas numéricas, contabilidade, cálculos “frios” passaram a integrar algo que até então pertencia ao campo da natureza, do singular, do humano. Até então, trabalhava-se até o final da tarde ou até o pôr do sol, mas com o surgimento do relógio que fazia a marcação do tempo de modo mecânico, a jornada diária passou a ser ampliada e controlada pelas horas. Na Suíça, por exemplo, muitas pessoas festejaram a criação dos primeiros relógios, mas outras protestaram por entenderem que a invenção era um dos sinais da exploração do proletariado na época.
A Segunda Revolução Industrial ocorreu no período entre a segunda metade do século XIX até meados do XX, com a chegada da Segunda Grande Guerra (1939-1945). O uso de energias como a elétrica e a petrolífera deu impulso a uma intensificação das produções fabris, elevando os lucros e potencializando o alcance de grandes corporações. Novos ritmos de trabalho, novas profissões e novos estilos de vida começaram a surgir. Grandes magazines na
Europa passaram a vender, além de itens de necessidade, aquilo que não era essencial, mas que rapidamente se tornava desejado pelas pessoas, especialmente por meio de ações mais intensas de propaganda e marketing.
A terceira onda de revoluções industriais deu-se a partir de meados do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, até recentemente, e é conhecida também como Revolução Técnico-Científica-Informacional. Indústrias foram reinventadas, aprimoradas, novas tecnologias passaram a ser incorporadas à produção, estoque, controles, vendas e entregas. O desenvolvimento científico foi largamente aplicado em melhorias das mais diversas áreas, da medicina à fabricação de carros, móveis e eletrodomésticos.
Não é mera coincidência que períodos de guerras sejam seguidos por revoluções tecnológicas, fabris e científicas. O desejo de conquistar novos territórios ou a necessidade de se defender dos invasores podem gerar mudanças intensas em áreas diversas, não apenas às ligadas especificamente à guerra. Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a criação de uma série de máquinas para facilitar a vida doméstica foi impulsionada pela chegada das mulheres ao ambiente de trabalho, seja para atraí-las de volta ao lar, seja para facilitar a vida de famílias em que apenas as mulheres cuidavam dos filhos por terem perdido os maridos nos combates.
Como é possível notar, mudanças não trazem sempre aspectos negativos. Aliás, a roda da vida não para e com ela sempre há luz e sombra, perdas e ganhos, e é preciso educar o olhar para enxergar para além das dificuldades e dores de cada tempo histórico. Ver a vida em perspectiva permite às famílias, por exemplo, encontrar alguma serenidade e sabedoria para educar os filhos de modo a inspirá-los a se apropriarem de seu futuro de forma protagonista. Se eles crescem vendo os pais6 sendo resistentes às
6 O termo “pais” neste capítulo refere-se a pai e mãe e também aos adultos responsáveis pela criança ou jovem.
mudanças ou ressentidos pelo que ocorre na vida, é mais provável que adotem essa mesma postura diante dos desafios, o que pode culminar em apatia e atitude evitativa, que é o contrário da proatividade e da autorresponsabilidade.
As mudanças são contínuas, não cessam. Estamos diante da Quarta Revolução Industrial e nos sentimos perplexos com o cenário à nossa frente. A pandemia da Covid-19 acelerou exponencialmente uma série de mudanças que já estavam acontecendo em diversos setores da vida.
Por exemplo, a digitalização do mundo, que traz uma série de novidades ao dia a dia das pessoas, foi intensificada. Muitos gestores que antes torciam o nariz para a ideia de terem seus colaboradores trabalhando de casa, o famoso home office, tiveram que se adaptar e aprender não somente a delegar, confiar, manter laços, mas também aprender, eles próprios, a lidar com a tecnologia.
Passados os primeiros meses de adaptação a essa nova realidade, não foram poucas as pessoas que perceberam que há também vantagens em trabalhar de casa, desde a possibilidade de ter uma alimentação mais saudável até o ganho do tempo que antes era necessário para o deslocamento até o local de trabalho. Nesse modelo, a convivência com a família também se intensificou, trazendo em alguns casos estresse, mas também alegria, carinho, conforto e pertencimento, que não raro andavam deixados de lado na vida acelerada, intensa, competitiva e exigente que todos viviam até então.
Não há dúvidas de que em muitas atividades profissionais o home office, parcial ou total, será mantido, por motivos econômicos, pela praticidade ou por preferência. Essa realidade exigirá dos pais maior capacidade de auto-organização e administração do tempo, revisão de sua liderança no lar e atenção especial ao equilíbrio emocional. Não é fácil organizar a própria rotina de trabalho e a rotina escolar dos filhos, lidar com o convívio mais próximo com o cônjuge ou parceiros de moradia e equilibrar a alta exposição em telas de toda a família com a saúde
mental. Nesse novo normal que está em construção, o trabalho de psicólogos, filósofos e todo tipo de profissionais de saúde física e mental podem contribuir para o entendimento da nova realidade e para o desenvolvimento da capacidade de adaptação a esse momento.
Se os filhos não forem educados a dividir as tarefas do lar, se forem criados de forma mimada e superprotegida, com os pais ou familiares fazendo suas tarefas e lições escolares por eles, resolvendo seus conflitos e dificuldades por dó ou para evitar que se sintam frustrados caso alguma coisa não saia como imaginaram, é possível que mais adiante ocorra algo muito grave a que um dos mais renomados historiadores da atualidade chama de “dispensabilidade”.
O historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari é autor de alguns dos livros mais lidos nos últimos anos, entre os quais Sapiens, uma breve história da humanidade, Homo Deus e 21 lições para o século 21. Nesta última obra, ele chega a prever que se uma pessoa não for capaz de desenvolver seu autoconhecimento, encontrar seu equilíbrio emocional, manter sua saúde mental, encontrar seu propósito e realizar escolhas autênticas, com uma postura de autonomia, ela tem grandes chances de se tornar dispensável. Harari explica que essa percepção vale do ponto de vista econômico, pois uma pessoa acomodada teria pouco a oferecer a um mercado exigente e dinâmico, que não tem tempo para profissionais pouco engajados, pouco motivados ou pouco dispostos a mudar e se adaptar, e também do ponto de vista social, uma vez que, sem ter muito a oferecer além da capacidade de jogar bem os videogames da época, maratonar a série preferida ou mandar mensagens pelas redes sociais, uma pessoa com pouco conteúdo e capacidade de conexão e resiliência comprometida pode ter muitas dificuldades.
Por isso, desenvolver as competências socioemocionais é essencial, justamente para se manter ativo e proativo diante da vida, permitindo-se ir além do temor ao futuro, ao tomar o futuro nas mãos. A esse tema voltaremos mais adiante.