Impensável - Yara Prado Miguel

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Yara Prado Miguel

Impensável Muitas vidas, uma só história

1ª Edição, Suzano - 2017


Copyright © 2017 Editora Estalo ISBN: 9788594013002 Todos os direitos reservados. Produção Editorial Editora - Yara Prado Miguel Revisão - Samara Santos Diagramação e capa - Yara Prado Miguel Imagens da capa - Pixabay, Jannoon028, Freepik

Editora Estalo Rua Antonio Pecegueiro, 133 Suzano - SP - CEP: 08655-430 Site: www.editoraestalo.com


“It’s never that bad” Lullaby - Nickelback

Tradução livre: “Nunca é tão ruim assim”



Prólogo

Quando você é criança, tem todo um futuro pela frente e faz milhões de planos para ele. Com cinco anos, meu plano era crescer e ser mãe. Aos oito era ser professora. Aos onze, médica. Com quinze, atriz multimilionária. Aos dezessete, redatora de alguma revista famosa. A realidade vai te mostrando que sonhar não é o bastante e que muita coisa que acontece, na verdade nunca te passou pela cabeça. É estranho como isso acontece aos poucos e sem que você note. Quando percebe, está em uma realidade completamente diferente daquela que você planejava. O plano de ser redatora em alguma revista famosa chegou perto quando entrei na faculdade de Publicidade e Propaganda, foi adiado quando só consegui o estágio em uma empresa de eletrodomésticos e depois enterrado quando o estágio terminou e fui efetivada. Fora da casa dos pais desde o primeiro ano da faculdade, eu precisava pagar contas e não podia recusar um emprego que me proporcionasse o suficiente, talvez até mais. E nem era tão ruim, apenas não era meu sonho. Outra idealização da minha infância era o namorado perfeito. É ridículo, mas compreensível, tendo em vista que todas as revistas, novelas, livros, filmes e séries incitam isso. Que você vai encontrar o seu príncipe encantado e viver feliz para sempre. Não é de se espantar que eu tenha desistido dessa história quando Laura e Lucas – tão perfeitos juntos que até mesmo os no-


mes combinavam – terminaram o namoro mais fofo que eu já tinha visto, alguns meses depois de concluírem o ensino médio. Sem o meu príncipe encantado, me contentei com Breno, um rapaz normal que me fazia feliz. Tanto que comecei a cogitar que teria ao menos o “felizes para sempre” com ele. Fui atrevida, voltei a sonhar. As circunstâncias mudaram... Breno se transformou... Laura foi para longe... Lucas voltou... O sonho virou pesadelo... Como disse, algumas coisas que acontecem são totalmente impensáveis.

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Capítulo 01

− Esqueci meu celular na sua casa. – Breno falou. po já.

Olhei o aparelho na mesa da cozinha. Tinha visto há um tem− Está aqui. – falei. − Preciso dele.

Olhei as pessoas em volta da mesa. Laura, Heitor, Joyce e Nathan. Eu não queria sair de casa agora e deixá-los ali. Queria ficar com eles. − Não sei se consigo ir agora. – falei por fim. − Marcela, eu preciso do meu celular. Vou passar a noite aqui. − Levo mais tarde. dada.

− Marcela. – sua voz se tornou mais baixa e fiquei incomo− O que? − Quero o meu celular. − Depois eu levo. – desliguei o aparelho e coloquei no bolso. Meu coração dava pulos ao caminhar de volta para a mesa. − Está tudo bem? – Laura perguntou quando me aproximei.


− Sim. − Tem certeza? – Heitor me olhou com mais atenção. − Está tudo bem. – insisti e vi Laura dar um cutucão na perna do namorado. Heitor fez uma careta e ficou quieto. Laura me olhou com aquela cara de quem sabe que estou mentindo e quer conversar sozinha depois. Por sorte, ou não, isso não seria possível tão cedo. − Vocês estão com tudo pronto mesmo? – perguntei. − Sim. – Laura voltou a sorrir. − Tem certeza que não precisam de mais nada? – insisti. − Nathan vai nos levar ao aeroporto. Joyce vai dar uma olhada no meu apartamento algumas vezes por semana. Você vai cuidar da casa da Laura. Acho que não precisamos de mais nada. – Heitor explicou. − Qualquer coisa é só falar. – ofereci. − Eu sei. – Laura sorriu e me olhou com carinho. Meu celular voltou a vibrar no bolso e tentei ignorar, porém não consegui me concentrar na conversa. Só conseguia pensar em como Breno ficaria irritado com a minha atitude. − Quer conversar? – Laura perguntou quarenta minutos depois, quando Joyce e Nathan foram embora. − Estou bem. – repeti. − Não, não está. – minha amiga sorriu de forma triste. − Não quero falar sobre isso. − Vai ser uma droga estar em outro estado sabendo que você não está bem. – falou baixinho e me abraçou. Encostei a cabeça em seu ombro.

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− Vou ficar bem. – sorri – Eu sempre fico. − Eu sei. – Laura sorriu também – Só gostaria que falasse o que está acontecendo. − Não está acontecendo nada. Só estou cansada. – para ajudar na mentira, fingi um bocejo. − Vou fingir que acredito. – Laura me soltou e olhou para a cozinha – Vou chamar o Heitor. − Que horas vocês vão sair? − Daqui quarenta minutos. Só o tempo de ir para casa e encontrar com o Nathan. Concordei e fiquei na porta, olhando o céu escuro. Laura costuma dizer que isso a acalma, então estou tentando colocar isso no meu dia-a-dia também. Os dois retornaram pouco tempo depois, de mãos dadas. Sorri e pensei em como parecia simples, fácil e incrível o relacionamento deles. Parece uma entrega tão única e verdadeira que é quase inacreditável. Se eu não acompanhasse ao vivo todo o desenrolar daqueles dois, não acreditaria em como se dão bem. − Você não parece bem. – Heitor falou. − Você parece bem intrometido hoje. – respondi, brincando e falando sério ao mesmo tempo. − É ansiedade. – Laura sorriu – Ele vai conhecer meus tios. − Eles são uns amores. – falei. − Tenho certeza que sim. – Heitor concordou e abraçou Laura pela cintura. − É estranho pensar que agora estou indo passar um tempo na casa de alguns parentes em Recife enquanto faço cursos da faculdade. – deu risada – É algo que eu não imaginava fazer. − A vida é cheia de surpresas. – falei, dando de ombros.

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− Algumas são ótimas. – Laura completou. − Estamos com o horário apertado... – Heitor lembrou. − Boa viagem. – abri os braços para abraçar os dois. Era a segunda vez que eu me despedia de verdade de Laura naquela porta. A primeira foi quando ela passou alguns meses aqui depois do incidente. Olhei sua mão esquerda, onde apenas uma parte da cicatriz era visível saindo por baixo da manga da blusa. Acho que Laura pensou o mesmo, pois olhou a mão e depois sorriu para mim. − Nós já fizemos isso antes. – falou com a voz emocionada. − Sim. – olhei para Heitor e continuei – Mas agora você está melhor acompanhada. Observei enquanto entravam, mas Laura não ligou o carro. Abriu a porta, desceu e correu até onde eu estava. − Olha... Se for o Breno que estiver te atormentando... Me fala, tá? Estou devendo um tapa na cara por você. – sorriu e encolheu os ombros. − Eu aviso se precisar. – dei risada. − Okay. – piscou e voltou para o carro, desta vez realmente indo embora. Entrei em casa, fechei a porta e encostei-me à madeira, de olhos fechados. Breno está complicando minha vida, porém o que eu posso fazer? É quem ele é agora. Instável, irritado e explosivo. Meu celular ainda tocando era a prova disso. Tirei o aparelho do bolso, vi a foto de Breno e tive vontade de chorar. Como chegamos até aqui? Como tudo desandou tão rapidamente? Devolvi o celular ao bolso, peguei o dele e as chaves. Fechei a casa, entrei no carro e dirigi até o hospital. Já passava das onze da noite e eu estava cansada, irritada e desiludida. Nem mesmo liguei o rádio. Só queria entregar o celular e voltar para minha cama.

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As enfermeiras, recepcionistas e médicos já me conheciam e passei por todos sem problemas. Duas delas até me indicaram para onde Breno tinha passado. Segui por onde elas mandaram e entrei em um corredor vazio, exceto por um rapaz encostado na parede, de olhos fechados e mãos nos bolsos da calça jeans. Ao me aproximar vi lágrimas escorrendo pelo seu rosto e acabei diminuindo os passos para meus saltos fazerem menos barulho. Não adiantou. Ele abriu os olhos e nossos olhares se encontraram por dois segundos, tempo suficiente para complicar o momento. − Marcela. – ele falou. Senti o desconforto crescer quando ouvi meu nome sendo pronunciado daquela forma, como se eu fosse tudo aquilo que faltava para que algo ficasse ainda pior. Quase como a cereja de um grande e horroroso bolo com gosto de terra. Busquei novamente seus olhos e me pareceram mais verdes do que lembrava. Ou talvez fosse apenas um contraste com seu rosto vermelho. Fui incapaz de me conter e dei uma olhada geral nele. Não nos víamos há mais ou menos seis ou sete anos, porém era visível que algo tinha dado muito errado na vida dele. Estava mais magro e parecia uns oito anos mais velho do que realmente era. − Lucas. – falei, por fim. Tentei soar calma e não dar indícios de que iria xingá-lo, como era meu costume. Ele desviou o olhar e senti que fui mal interpretada. Não soube o que dizer depois disso. Perguntar se ele estava bem era uma completa idiotice, a resposta era óbvia. E qualquer outra coisa que eu falasse soaria falsa. O ruim é que o silêncio era constrangedor. − Marcela! – Breno falou, aparecendo de um quarto qualquer. Olhei em sua direção, esperando ver fúria ou indignação, mas encontrei alívio e surpresa. Estava todo de branco, o jaleco aberto e o cabelo cacheado bagunçado. Seu um metro e oitenta faziam o corredor parecer bai-

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xo. Os olhos azuis brilhavam e ele sorria tão abertamente que me senti mal por ter ficado brava com ele, por questionar nosso relacionamento e sua instabilidade. − Você veio. – sorriu ainda mais. − Falei que viria. – tirei o celular do bolso e estendi o braço. Breno pegou o aparelho e me puxou para um beijo rápido. Quando me soltou, sorriu, guardou o celular no bolso e deu um beijo na minha testa. − Está brava comigo? – perguntou, ainda me segurando pela cintura. − Não. – sussurrei. − Ótimo. – me soltou – Fiquei preocupado quando você não atendeu mais minhas ligações. − Estava com o pessoal em casa. – lembrei. − É claro. – concordou e olhou para outro corredor – Tenho que ir. Obrigado. – sorriu antes de se afastar. Olhei para o lado. Lucas estava observando Breno ir embora. − Namorado? – perguntou, ainda sem olhar para mim. − Sim. – concordei, também observando Breno desaparecer no corredor. − Ela... – Lucas começou, mas não terminou. Pensei um instante se eu devia responder a pergunta não feita dele, que não parecia bem e saber como ela estava poderia não ajudar. Porém ele queria saber, até tentou perguntar... Suspirei. − Ela está bem. Namora. Estuda. Trabalha. Atualmente, está viajando. – dei de ombros. − Fico feliz. – deu um pequeno sorriso ao cruzar o olhar com o meu, pareceu sincero.

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− Eu também. − Imagino. – concordou e depois deu outro sorriso, desta vez um pouco mais travesso e menos simpático – Você ainda a protege do mundo? − Ela não precisa mais disso. − Ela nos dá orgulho, não é? – tirou as mãos dos bolsos e pareceu não saber o que fazer com elas, então as devolveu. − À mim, sim. – não pude deixar de alfinetá-lo. − À mim também. – ele insistiu. − Você sequer sabia como ela estava! − Já me orgulhava antes. − Acho que vou embora. – falei, tentando não perder a paciência. Lucas tinha histórico de me tirar do sério. Virei dois corredores antes de sentir alguém segurando meu braço. Pensei que fosse Breno, por isso não o puxei, mas quando olhei para trás, lá estava Lucas. Olhei de seu rosto para a mão em meu braço e ele entendeu o recado. Deu dois passos para trás e me soltou. − Podemos... – engoliu em seco – Comer alguma coisa? − O quê? – arregalei os olhos. − Comer. – repetiu. co?

− Você está me chamando para comer? – ele tinha ficado lou− Estamos em um hospital, isso não é como um encontro. − Isso é loucura.

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− Tem razão. – Lucas ficou irritado com as minhas palavras, seus olhos demonstraram isso – É loucura. Retiro o que eu disse. – virou e saiu andando. Balancei a cabeça, incrédula. Laura ficaria chocada quando eu contasse. Virei para o outro lado e recomecei minha caminhada. − Vocês se conhecem? – perguntou uma das enfermeiras que tinha me mostrado para onde ir quando entrei. − Quem? − Aquele rapaz. – apontou para onde Lucas tinha ido – Vocês se conhecem? − Sim. Ele namorou minha amiga por um tempo. – dei de ombros. − Coitado... – suspirou – Estou até preocupada com ele. − Por quê? – cruzei os braços. − A situação não está boa... – alguma coisa fez um som agudo dentro de uma sala ao lado e ela foi ver o que era e não terminou de me dizer o que acontecia com Lucas. Suspirei, revirei os olhos e dei meia volta. Eu sabia o caminho, sabia muito bem para onde estava indo e ainda não tinha ideia de como tinha me convencido a fazer isso, mas eu iria comer alguma coisa na companhia do Lucas.

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