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O Economista



Ramon Carvalho Silva Bazon

O Economista

SĂŁo Paulo 2013


Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Aline Benitez Revisão Priscila Loiola Diagramação Monica Rodrigues

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ B349e Bazon, Ramon Carvalho Silva O economista / Ramon Carvalho Silva Bazon. - São Paulo : Baraúna, 2012. Inclui índice ISBN 978-85-7923-375-3 1. Crônica brasileira. I. Título. 12-2339.

CDD: 869.98 CDU: 821.134.3(81)-8

13.04.12 19.04.12 034702 ________________________________________________________________

Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

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Capítulo 1 11.01.2010 – 22:25h

David Willmer tinha um apartamento simples nos arredores de Nova Iorque. Em um bairro de baixa renda, ficava o prédio cinza com aparência de mal-cuidado. A aparência não era um falso testemunho, afinal, há mais de uma década o prédio já necessitava de uma revitalização. Hoje, porém, a situação já se tornara insustentável. Até mesmo os vizinhos menos favorecidos, que moravam aos arredores, desdenhavam o edifício. Porém, essa não era exatamente a maior preocupação do morador do sétimo andar, o qual a aquelas horas da noite só pensava no telefonema que recebera mais cedo. — Preciso de um profissional para o serviço — dissera o homem de voz indecifrável. — Seu preço não é nenhum problema, sei recompensar muito bem um trabalho bem feito, e, acredite, também sei punir incompetentes. Não faça acordos que não possa cumprir — advertiu-o a voz. David já fizera mais de seis vezes serviços como os requisitados naquela tarde, não seria problema nenhum. “Dinheiro fácil”, pensara ele, antes mesmo de fechar o celular encerrando a ligação. Com um terço do dinheiro oferecido ele pagaria todas as contas atrasadas e ainda cobriria todos os custos referentes à execução do serviço. Com os outros dois terços, viveria muito bem pelos próximos meses, com baseados de qualidade, vodka de primeira e prostitutas lindas. Tal5


vez até pagasse um jantar para sua linda vizinha loira. Afinal, nada como um restaurante de estilo para embebedar uma loira de estilo. Ele olhava ela se afastar do prédio em direção ao ponto de ônibus toda manhã, esperançoso em possuí-la um dia. Seu dia chegara, pensou. Ele afastou os pensamentos abruptamente quando a campainha tocou. Desligou a televisão e encaminhou-se para a porta vagarosamente, não queria demonstrar muito interesse pelo serviço, até mesmo nessas situações as pessoas eram capazes de pechinchar por melhores preços. Colou o olho direito no olho mágico da porta e teve uma surpresa. Não havia ninguém lá. Já pensando naquele peste do oitavo andar, abriu a porta. Notou rapidamente um pacote de aparência grã-fina no chão. Olhou aos arredores à procura de observadores e pegou o pacote com firmeza. Encaminhou-se até a única mesa da casa e afastou com os cotovelos pedaços velhos de pizzas e alguns salgadinhos abertos. Correu os olhos pela caixa rapidamente e percebeu que estava muito bem lacrada. Foi necessária uma faca de cozinha e cinco minutos de resmungos para David conseguir abri-la. Encontrou mais dois pacotes e um envelope. Retirou o primeiro pacote e abriu-o com facilidade. Mal pôde acreditar. Uma linda arma com aparência cara, muitos pentes de balas e um silenciador que David nunca havia visto. — Sorte grande, meu querido, alguém poderoso quer meus serviços e parece não medir esforços para consegui-los — resmungou David para si mesmo. Notou que a segunda caixa não era tão pesada. Abriu com ainda mais velocidade e quase perdeu o ar ao ver seu interior. Ali estava a razão para muitas mortes, nenhum questionamento e uma possível chance para David dormir com sua vizinha loira ainda naquela semana. Quinze mil dólares em

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dinheiro vivo. David pegou as notas com voracidade, apenas notas de cem. “Dinheiro fácil”, pensara controlando sua vontade de gritar e atirar as notas para cima. A essa altura, quase se esquecera do envelope. Pegou-o com as duas mãos e o abriu. Apenas uma folha havia ali. “Essa é apenas uma pequena amostra de como posso te recompensar, David Willmer, e, acredite, a recompensa pelo bom serviço é pífia se comparada à punição de um serviço inacabado. Segue uma foto do alvo e instruções de como apanhá-lo. Mantenha-se com seu celular, entrarei em contato quando necessário.” David leu todo o conteúdo da carta boquiaberto. Não era apenas mais um caso de sumir com um qualquer e enterrar bem fundo. Era um serviço de periculosidade considerável, e o alvo parecia muito mais do que apenas um ninguém, como das outras vezes. Ele devia tomar muito cuidado, planejar tudo minuciosamente e não deixar espaço para falhas ou furos, rastros ou pistas. O dinheiro na caixa era mais que o combinado, ele não podia reclamar. Bastava, agora, colocar-se em ação.

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Capítulo 2 05.08.1987

O jovem Jackson acordou assustado. Era um dos pesadelos mais reais que tinha tido na vida. Levantou-se silenciosamente da cama e foi até o andar de baixo tomar um copo de água. Apesar de ter apenas sete anos, não era do tipo medroso, e não correu para a cama dos pais, sabia que era apenas um sonho e que voltaria a dormir tranquilamente depois de acalmar-se um pouco. As imagens, mesmo que obscuras, ficaram gravadas em sua mente. Ele tentava esquecê-las e ter pensamentos positivos, mas elas pareciam o assombrar. Ficou horas vendo televisão naquela noite, antes de o sono voltar. Quando estava prestes a adormecer, escutou um barulho de passos vindos da escada. Olhou por cima do ombro e reconheceu o vulto do pai, aproximando-se dele. O pai de Jackson era um homem alto, com um loiro forte nos cabelos e um azul claro como o mar nos olhos. Os traços de seu rosto eram bem másculos e os óculos grossos lhe davam um ar de bondade inigualável. Ele vestia um pijama comprido e os cabelos estavam todos bagunçados. Dirigiu-se ao filho amavelmente: — Jackson, aconteceu alguma coisa, meu filho? Você parece assustado. O pai sempre fora sensível aos acontecimentos com seus filhos, era como se Jackson tivesse duas mães para cuidarem 8


dele, porém com uma delas ainda sendo um ótimo pai e jogando futebol com ele todos os domingos. Jackson ponderou se devia contar seu sonho para o pai. Olhou bem fundo nos olhos azuis claros atrás dos grossos óculos, os quais lhe encaravam com uma bondade infinita. Então decidiu que seria desagradável contar o sonho a ele. Pensou em algo conveniente e mentiu para o pai. — Tive um pesadelo com a escola, pai. Eu não conseguia esquecê-lo e por isso vim assistir um pouco de televisão. Assistir TV sempre me dá sono — mentiu Jackson. — Talvez dormir entre papai e mamãe faça você esquecer logo esse pesadelo e adormecer mais rápido. Você tem aula amanhã, precisa estar descansado — disse seu pai, engolindo a mentira sem suspeitar de nada. “Existia algo melhor para se falar àquela hora?”, pensou Jackson. Os braços fortes do pai o carregaram escada acima carinhosamente, de um jeito que o filho jamais esqueceria. Jackson adormeceu calmamente entre os pais, pela última vez.

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Capítulo 3 17.02.2002

Quase quinze anos haviam se passado desde aquela noite, e Jackson já cursava uma faculdade de economia em Washington quando teve um sonho do mesmo tipo. Jackson sobressaltou-se na cama e pensou em como tinha sido real. Diferentemente daquela vez, quando mentira para o pai, ele adorou o que viu. O adolescente se viu assistindo a um jogo em um bar com os amigos. Estava bebendo bastante e todos gritavam com as jogadas dos Capitals, o melhor time de hockey no gelo de Washington. O time de Los Angeles pressionava, parecia inevitável uma virada. Perder em casa seria horrível para os estudantes animados. Jackson viu algumas defesas sensacionais, e então uma comemoração estonteante dos estudantes, os quais continuavam a beber um volume inacreditável de álcool. O rapaz sabia que o sonho se devia ao seu subconsciente estar completamente ligado ao jogo. Há dias ele e os amigos esperavam por isso, o qual aconteceria na noite seguida. “Tomara que seja um sinal”, pensou o garoto. Ele percebeu que não havia dormido nem uma hora sequer. Ainda era meia-noite. Bebeu um copo de água, como de costume, e não pôde deixar de relembrar com pesar, mais uma vez, aquela noite há anos, quando o pai lhe carregara para a cama após um pesadelo. Como sentia falta dele... 10


Ele se cobriu com o edredom e não demorou a dormir. Seria um grande dia o dia seguinte, precisava estar descansado. Não teve mais sonhos aquela noite, normais ou excessivamente reais como o relacionado ao jogo. Foi uma noite tranquila. Tranquilidade essa que não se repetiu no dia que veio. O dia foi agitado, e Jackson estranhou ser convidado por uma linda garota para assistir ao jogo dos Capitals em um bar. Ele não sabia se tinha estranhado mais o fato de ser o mesmo bar com o qual havia sonhado ou o fato de a linda Livia tê-lo convidado. Ele não sabia, mas estava apaixonado por ela desde o primeiro dia na faculdade. Livia sempre fora uma das mais lindas jovens de toda a universidade. Cabelos lisos, longos e louros, uma pele branca suave e de aparência macia. Os dentes perfeitos, parecendo tirados de catálogos de pasta de dentes, e um sorriso enorme e de enquadramento perfeito em seu rosto. Os olhos verdes causavam inveja nas garotas e cobiça nos rapazes. O corpo, porém, era mais alvo de olhares do que seu lindo rosto. Parecendo desenhada, tinha curvas perfeitas, e era visível que muitos a fitassem por um tempo muito acima do normal. Parecia inconcebível ela escolher aquele jovem estudante de economia, com ar muito mais de estudioso do que atlético, em vez dos enormes jogadores de futebol da universidade. Mas foi exatamente isso que aconteceu naquele dia. Jackson colocou sua melhor jaqueta e passou gel nos cabelos. Produziu-se ao máximo para impressioná-la. Sabia que não teria muitas chances como aquela. Loiro como o pai e com os olhos escuros da mãe, não era exatamente encalhado, mas sabia que muitos gostariam da chance que ele estava tendo naquela noite. Chegou muito antes do horário combinado, não daria chance para o azar. Sentou-se no balcão e bebeu uma dose de tequila. “Preciso parecer à vontade, não posso estragar”, pensou ele.

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Quando o relógio marcava dez horas da noite, ela chegou, e Jackson desejou ter tomado no mínimo três doses de tequila para se acalmar. Ela estava estonteante, não havia sequer um homem que não tivesse virado sua cabeça para assisti-la entrar. Com batom e roupas bonitas, Livia entrou e cumprimentou o nervoso adolescente. Eles conversaram bastante antes de todos os amigos chegarem. Ao fim do jogo, Jackson estava quase bêbado. Sentia um frio no estômago a cada ataque do time de Los Angeles. A vantagem dos Capitols não era nada expressiva, e com o melhor jogador contundido, precisavam de um milagre para segurar o resultado até o fim. Inacreditavelmente, o time de Washington conseguiu. Segurou o resultado, graças às brilhantes defesas de seu goleiro. E a semelhança do que ocorreu naquela noite com o sonho de Jackson da noite anterior quase lhe passou despercebido. Ele estava ocupado demais em agradar Livia e beber com os amigos.

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Capítulo 4 16.03.2003

Ao longo de meses na faculdade, Jackson teve muitos sonhos estranhos, e praticamente toda noite ele acordava e se dava conta de que era apenas um sonho. Demorou um tempo demasiadamente longo para que começasse a suspeitar do que estava realmente acontecendo. Um cético de primeira, recusava-se a acreditar no que estava se passando. Lutava contra os fatos e bolava teorias malucas para explicar a relação insistente entre os sonhos e os acontecimentos do dia seguinte. O estudante começou a estudar sobre subconscientes, mentes perturbadas e sonhos proféticos. Negava-se com todas as forças a acreditar no que estava acontecendo. Chegou até a perguntar para professores e especialistas sobre sua situação, porém sempre era motivo de risadas e descrença. Decidiu que iria ignorar, afinal não queria ser taxado de louco. Deixaria isso para depois da faculdade, precisava estudar e não faltava muito tempo para se formar. Se seu pai pudesse vê-lo se formando, ficaria muito orgulhoso. Porém, em uma noite, o sonho o deixou extremamente preocupado. Ele viu a si próprio, lendo, tarde da noite, no computador uma notícia sobre um ataque terrorista em Madri, capital da Espanha. Muitos trens haviam sido atacados. Muitas mortes e terror, a atribuição novamente ao grupo terrorista islâmico Al-Qaeda. Ele reparou que no computador um indica13


tivo mostrava a recente valorização do ouro. “Frente a mais um ataque, o mundo obviamente se sente inseguro, é difícil saber onde existe um lugar bom para se investir, logo todos investem em uma das únicas coisas que manterão seu valor frente a guerras e incertezas... o ouro. E se todos compram ouro ao mesmo tempo, sua valorização tende a ser expressiva e imediata.” Ele podia ouvir as vozes de seus professores em sua cabeça indicando o ouro como seguro e estável. Ótimo em caso de guerras. Jackson demorou horas para dormir aquela noite. Seria uma prova irrefutável para suas suspeitas sobre seus estranhos sonhos... Algo daquela magnitude não poderia ser coincidência. Acordou cedo e procurou a notícia em todos os sites que conhecia, mas não achou nada. CNN também estava calma. Apenas uns famosos bêbados, deslocamentos de tropas no Iraque e políticos velhos com suas ladainhas. “Como eu sou egoísta e otário”, pensou de repente. “Estou torcendo para acontecer um atentado. Pessoas vão morrer, famílias se separarão, só para eu provar minha teoria sobre sonhos idiotas. Em que tipo de pessoa estou me tornando? Ontem, só pensei na valorização do ouro, não pensei na vida de ninguém.” Envergonhado, Jackson procurou o número da polícia espanhola na internet e depois se viu novamente indeciso. Afinal, quem acreditaria nele? E mesmo se o fizesse, mas nada acontecesse depois, ele seria motivo de piada mais uma vez. Talvez de toda a universidade, talvez até fosse acusado de tentar gerar pânico. “Meu Deus.” Ele poderia até mesmo ser preso por fazer uma coisa dessas. Seria uma enorme vergonha para sua mãe. Apesar de distantes agora, por cursar a universidade de economia ser afastada de sua cidade natal, Jackson sempre se preocupava em orgulhar sua mãe. Se seu pai estivesse vivo, ele provavelmente saberia o que dizer. Como ele sentia falta do pai.

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Finalmente se decidiu. Foi até um telefone público, bem distante de sua casa, olhou à procura de câmeras e ligou anonimamente para a polícia espanhola, indicando um atentado nos trens. Ele sentiu urgência na voz da atendente, tinha certeza que eles estavam tentando rastrear a ligação. Falou rápido, não deu nome, nem informações sobre sua pessoa e o local da ligação. Simplesmente desligou e voltou para casa. Passou a tarde toda bem longe de notícias, estudou na biblioteca da universidade e voltou de metrô, já tarde, para casa. “Que coisa mais idiota que eu fiz”, pensou ele, entrando em casa. “Se tivesse contado a alguém seria engraçado, mas tentariam me internar num hospício.” Já era tarde quando ele ligou o computador, se dando uma última chance. Abriu o primeiro site de notícias internacional que lhe veio à memória e estancou. — Não pode ser! — disse ele em voz alta. Seus olhos se recusavam a acreditar no que viam. Ele esfregou os olhos e viu aterrorizado na tela fina do computador portátil as fotos chocantes das vítimas de um atentado em Madri serem carregadas para hospitais. Muitas pessoas estavam ensanguentadas, e trens estilhaçados também apareciam nas cenas. Ele olhava perplexo para as mesmas imagens que vira em seu sonho. — Como pode ser? Ele estava com ânsia e quase vomitou no computador. Levantou meio tonto e fechou o laptop com violência, tentando fugir das imagens. Olhou-se assustado no espelho. — Eu vi o futuro, não, não... eu sonhei com ele — disse, não acreditando nas palavras que saíam de sua boca. De repente, uma ideia aflorou em sua cabeça, e ele correu novamente para o computador portátil, ligando-o rapidamente. Entrou em outros sites confirmando as imagens, e em seguida foi para um site de mercado financeiro e ficou boquiaberto...

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