Ciencia e mito wolfgang smith

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INTRODUÇÃO Ciência, de acordo com a sabedoria vigente, constitui a exata antítese de mito. Como disse Albert Einstein, em uma expressão que se tornou famosa, ela lida com “o que existe”; supostamente, portanto, mito tem a ver com “o que não existe”. Acontece, no entanto, que a questão não é assim tão simples. Em primeiro lugar, ocorre que a ciência não se refere pura e simplesmente ao “que existe”: mesmo no caso da Física – seu ramo mais preciso e sua disciplina de base –, ela se refere, no fim das contas, não à natureza como tal, mas à resposta, da parte da natureza, às estratégias dos físicos experimentais, o que se trata totalmente de outra coisa. Obviamente, isso não era compreendido nos tempos newtonianos − e até hoje raramente é admitido em nossas escolas e universidades; porém, é a própria física, na forma da teoria quântica, quem desqualifica nossa visão costumeira do que é que a física traz à luz. Gostemos ou não, a física não lida simplesmente com “o que existe”, mas, enfim, com aquilo que John Wheeler chama de “universo participativo”. Existe uma brecha, por conseguinte, entre o que a própria ciência afirma e o que geralmente se acredita ser a cosmovisão científica; em suma, a suposta cosmovisão científica se revela, no frigir dos ovos, ser ela mesma um mito. Nossa tendência, todavia, é estarmos igualmente confusos a respeito da natureza e da função do mito em si. Esquecemo-nos de que, longe de lidar simplesmente com “o que não existe”, o mito autêntico “corporifica uma aproximação mais estreita à verdade absoluta que se pode expressar em palavras”, como nota Ananda Coomaraswamy. Contudo, na prática, as duas concepções equívocas − a superestimação da ciência e a subestimação do mito − caminham juntas e valem igualmente como sinais de esclarecimento entre os “bem-informados”. Para complicar as coisas, a ciência ela mesma, como observamos, engendra os seus próprios mitos: de um tipo que gostaria de banir todos os demais e, assim fazendo, solapar não apenas a religião e a moralidade, mas com efeito toda a cultura em suas modalidades superiores. Digo isso sem denegrir no mais mínimo as conquistas autênticas da ciência: não nego nem a beleza e sublimidade de suas reais descobertas, nem o fato de que a tecnologia resultante, usada com sabedoria, pode ser um benefício para a humanidade. Falo da ciência em sua situação presente como determinante primário da cultura: o oráculo ante o qual toda a sociedade ocidental veio a se curvar, em um tipo de adoração insensata. Como não poderia ser assim, uma vez que, nos dias de hoje, poucos − um mero punhado, parece − distinguem com algum grau de clareza entre ciência e mito cientificista! A ciência, por conseqüência, transformou-se de fato em uma espécie de cavalo de Tróia: nós não sabemos o que trouxemos para dentro de nossa cidade. Seduzidos pelos milagres da tecnologia, abrimo-nos para o que supomos ser um iluminismo científico, inscientes daquilo que absorvemos; é exatamente como Cristo predisse em seu discurso apocalíptico aos discípulos, quando falou de “grandes sinais e prestígios” que podem “enganar até mesmo os eleitos”. Este tratado se ocupa, ao longo de toda a sua extensão, de “ciência e mito”. Sua função pretendida, no entanto, longe de ser “meramente acadêmica”, é eminentemente prática: o objetivo central e primário − de cada capítulo, bem como do conjunto − é quebrar o feitiço dos mitos cientificistas, seu garrote intelectual que estrangula as mentes educadas, e, com isso, possibilitar mais uma vez o acesso aos mitos perenes da humanidade. Esses são do tipo que abrem portas em vez de vedá-las, do tipo que expressam um senso do sagrado, que afinal não é nada além de um senso do Real. Ao


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