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TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS

COLUNISTA

//TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS FELIPE MENDES

General Manager Latam da GFK

SE CONSELHO FOSSE BOM... EU TERIA UM NO MEU E-COMMERCE?

Oditado “se conselho fosse bom, não se dava, se vendia” nasceu muito antes das startups ou scale-ups, mas segue sendo bastante utilizado. Pensando nas empresas de e-commerce, eu acho necessário propor uma atualização: “um bom conselho é algo que custa, mas que vale cada real investido”.

Estou falando aqui dos conselhos consultivos, que estão cada dia mais presentes no cenário empresarial, em especial os vindos de empresas de tecnologia, os quais são formados por profissionais de diversas fontes de relacionamento: investidores, amigos do fundador, potenciais clientes, pessoas com conhecimento técnico ou com acesso à captação de recursos financeiros.

A importância do mandato

Entre esses conselhos, há poucos que são formados a partir de algo que julgo fundamental: um mandato. O mandato, nesse caso, não tem nada a ver com política, mas sim com o conceito de “o que fomos chamados para fazer”. Exemplos de mandato podem ser “preparar a empresa para entrada de um venture capital”, “realizar o update tecnológico de nossa plataforma para escalar”, “conquistar e manter clientes grandes para acelerar crescimento”, ou aquilo que mais fizer sentido para o momento da sua empresa.

Como você pode imaginar, de acordo com o mandato, o grupo de conselheiros deve ter formação específica e complementar à dos gestores ou líderes da empresa. Igualmente importante, esse mandato precisa ter um prazo esperado para sua realização. Com isso, a cada novo mandato, um novo grupo de conselheiros pode ser atraído, pois novas competências poderão ser exigidas. Há casos, no entanto, em que o grupo é tão bem formado em termos de diversidade de competências, que dois ou três mandatos podem ser realizados com o mesmo grupo, o qual vai crescendo e utilizando o potencial de cada membro de maneira diferente.

O número de conselheiros também pode derivar do mandato, de acordo com a sua complexidade e necessidade de expertise, mas também com a responsabilidade que for atribuída ao conselho e, em muitos casos, à composição acionária da empresa. Há conselhos formados para efetivamente tomarem

Atuou em empresas de bens de consumo, como Phillip Morris, Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México, até a posição de Diretor de Marketing. Em consultorias de data analytics, como a GfK, vem liderando empresas e unidades de negócio desde 2008, especializando-se em realizar processos de turnaround comercial, operacional e financeiro, bem como integração de empresas adquiridas. Felipe é membro do YPO (Young Presidents Organization) desde 2014 e atua em Conselhos de Empresas e Associações, além de palestrante frequente em eventos de tecnologia, varejo e comércio eletrônico, sendo investidor de startups nesses segmentos.

decisões de investimento dos recursos e, nesses casos, é normal que os investidores e os fundadores tenham um peso maior no voto do que o dos outros conselheiros. Há outros, com caráter apenas consultivo, nos quais as decisões seguem sendo tomadas pelo fundador e, portanto, pode haver vários conselheiros, sem que isso se torne um problema para a gestão do negócio.

A “agenda” alinhada ao mandato

Definido o mandato, os perfis dos conselheiros e a quantidade, vem a definição da agenda e da cadência das reuniões: que assuntos serão discutidos, com que frequência, por quanto tempo e na presença de quem? Há empresas que trazem funcionários de nível operacional para a reunião, pois isso ajuda a melhorar a qualidade técnica da discussão, de leitura, os quais pautam cada um dos tópicos da agenda, para que o tempo dos conselheiros seja investido na discussão. Há outras, porém, que enviam uma atualização básica do negócio (financeira e principais KPIs), além de avanços em relação à minuta da reunião anterior, para que o foco da discussão seja no futuro.

Em relação aos assuntos, além daqueles diretamente conectados ao mandato, há empresas que permitem em suas reuniões um momento para que os conselheiros tragam assuntos que julgam relevantes. Cito como exemplos toda a discussão sobre ESG, a promoção da diversidade (DEI), gestão de talentos, segurança cibernética, plano de prevenção e gestão de crises, desenho organizacional para o futuro, desenvolvimento de cultura digital e outros tantos.

enquanto há outras que preferem ter a liberdade para discutir abertamente os assuntos e poder criticar os caminhos atuais, o que é mais fácil de se fazer com menos pessoas da empresa na sala.

Em relação ao formato da reunião, há empresas que enviam bastante material prévio Esses assuntos, se julgados pertinentes pelos outros membros do conselho, passarão a fazer parte da agenda do conselho e serão endereçados. No entanto, foco é tudo em uma empresa, por isso é muito importante ter uma discussão rigorosa sobre a adoção de novos assuntos, baseada na pergunta “o quanto trazer esse assunto ao conselho

ajudará na execução do nosso mandato?”. Se a resposta for negativa, o assunto poderá ainda ser trabalhado, mas diretamente pela gestão, sem ocupar tempo do conselho.

Outputs vs outcomes

Outro ponto essencial para a gestão da efetividade do conselho é a definição de quais serão as métricas de sucesso. Há uma discussão entre métricas relacionadas a outputs e a outcomes, que parece meio teórica, mas não é.

Os outputs podem ser definidos como métricas relacionadas aos projetos ou atividades que são concluídos ou implementados, como “lançamos a versão 2.0 em tempo e 85% dos clientes a estão usando”. Já os outcomes têm a ver com a resposta do mercado para aquele lançamento: “queríamos melhorar o engajamento com nossa solução na versão 2.0 e percebemos um incremento no uso da plataforma de oito minutos por dia, entre os clientes que o estão utilizando”. Como você pode perceber, ambos são importantes, mas os outputs quase sempre podem ficar no nível dos gestores da empresa, enquanto os outcomes são invariavelmente “assunto do conselho”.

Algo que caminha em sentido similar é a gestão do backlog de projetos, ou seja, a lista de projetos a serem realizados nos próximos meses. No geral, o conselho quer e precisa saber sobre o backlog de problemas que ainda precisam ser resolvidos, não de projetos, os quais são responsabilidade dos gestores. Parece sutil a diferença, mas não é.

Para ilustrá-la, imagine que um problema mapeado pelos gestores e discutido com o conselho seja o tal “baixo engajamento dos usuários”, que mencionamos acima. O conselho sabe que isso impede o crescimento das vendas e, portanto, precisa de atenção imediata. Uma boa reunião de conselho teria uma discussão profunda sobre “que outros problemas estão sendo atacados pelo time de gestão?”, para que os conselheiros pudessem ajudar na priorização e no investimento de recursos. Depois de definida a prioridade de “problemas a se resolver primeiro”, os gestores definiriam a prioridade de “projetos para se resolver o problema”, algo absolutamente irrelevante para o conselho.

Como você pôde perceber até agora, a principal função do conselho é guiar o time de gestão no direcionamento mais efetivo dos três recursos mais preciosos em uma empresa: o dinheiro, o tempo da equipe e a atenção dos líderes sêniores. Essa análise deve ser feita à luz do mandato do conselho, mas também colaborando e apoiando o time de gestores em suas limitações de recurso, sejam os três acima, ou mesmo de conhecimento ou relacionamento.

O alinhamento de objetivos e recompensas

Há outro elemento crítico, que não discutimos até agora, mas que tem altíssimo impacto na formação e na gestão do conselho: a remuneração dos conselheiros.

Há distintas formas que se adequam ao estágio da empresa, às suas fontes de capital, mas também ao mandato. Algumas empresas menores não conseguem pagar a hora de conselheiros experientes e, portanto, oferecem parte do equity, o qual poderá se traduzir em ganhos expressivos no momento da venda da empresa ou em novas rodadas de investimentos. Outras empresas apresentam um valor fixo menor, porém um bônus de acordo com o atingimento dos outcomes. Há modelos clássicos e simplificados de valores pagos por reunião assistida pelo conselheiro.

Seja qual for a sua decisão, é preciso ter consciência de que incentivos financeiros definem o comportamento, ou como dizem os americanos “you get what you pay” (você obtém de acordo com o que paga). A combinação do mandato e do outcome principal deve definir a remuneração do conselho, mas isso é tão poderoso, que muitas vezes não pode ser interrompido.

Para simplificar, imagine que você traz um time de conselheiros com um mandato onde o outcome é uma nova rodada de investimento de pelo menos R$ 5 milhões, por até 25% da empresa (ou seja, um valuation de R$ 20 milhões), que seja fechado no prazo de até 18 meses. Você promete remunerá-los com 1% do valor da empresa na venda, o que os faz imaginar ganhar R$ 200 mil.

No entanto, imagine que no 16º mês apareça um fundo oferecendo R$ 4,5 milhões de investimento, porém avaliando a empresa em R$ 19 milhões. Você, como dono da empresa, pode dizer que esse não era o mandato e que não aceitará a proposta, pois o mínimo eram R$ 20 milhões de valuation e R$ 5 milhões de investimento, certo? É fato, mas... imagine como ficará a motivação do conselheiro, sabendo que deixou de ganhar R$ 190 mil naquele momento? A pressão pode ser grande para que o time de gestão aceite a proposta, gerando um conflito.

Mas vamos imaginar que você conseguiu convencer os conselheiros de que era melhor não receber aquele investimento. Na próxima reunião de conselho, no entanto, você diz que “precisa seguir investindo na experiência do usuário para reduzir o churn, mas que, para isso, precisará reduzir o investimento em aquisição de novos clientes”. Os conselheiros poderão entrar novamente em conflito, afirmando que a sua proposta não está colaborando para o atingimento do mandato, que é conseguir o investimento nos próximos 60 dias, pois quanto mais clientes, maior o valuation da empresa. Conflito à vista!

Afinal, encaro ou não o desafio de montar um conselho?

Com a redução no ritmo de crescimento da venda online e a onda de demissões observada em algumas empresas de sucesso do mercado brasileiro, imagino que o seu travesseiro deve ter escutado a maior parte das suas dúvidas (me especializo na vertical em que sou reconhecido? Agrego serviços financeiros? É hora de buscar um sócio estratégico?).

Um bom conselho consultivo pode ser um excelente aliado, melhorando sua resolução de problemas e a busca de alternativas, através do compartilhamento de experiências e outros recursos. Para isso, se faz necessário o investimento de tempo e dinheiro em sua formação, muito provavelmente buscando empresas especializadas nessa tarefa, mas também preparando e alinhando todos os líderes da sua empresa para o mandato e o nível de influência que o conselho terá.

Em minha experiência como conselheiro, vi diversos empreendedores se beneficiarem muito do processo, acelerando o desenvolvimento da sua empresa, mas também tornando os conselheiros verdadeiros embaixadores da marca no mercado. Infelizmente, também vi casos menos efetivos e espero que este texto sirva para que sua empresa faça parte do primeiro grupo.

Como disse no início desse texto, “um bom conselho é algo que custa, mas que vale cada real investido”.

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