O que é Arte

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O "para nós" e a modificação da obra Vimos, na introdução, como é difícil delimitar a linha que separa os objetos artísticos dos não artísticos: isso vem em parte do fato de que essa vocação enciclopédica do "para nós" é onívora. O modelo da arte ocidental - e portanto também seus limites - foi, durante muito tempo, desde a Renascença pelo menos, o da antiguidade clássica: quanto mais próximo se estivesse do antigo, mais a "essência" artística 66 penetrava no objeto. É do fim do século XVIII para cá que a nossa concepção de arte alarga-se, conquistando, cada vez mais, terrenos novos: descobrese a arte oriental, a egípcia, a popular, a "ingênua", a africana, a oceânica, a arte industrial, os graffiti, etc. Dispor os objetos artísticos "para nós" significa fazê-los vir de outras culturas e outros tempos. É essa atitude que permite recuperar "artisticamente" a colher de pau utilitária, a máquina de costura do começo do século, a cadeira em metal desenhada por um ateliê dinamarquês ou italiano. É no questionamento dessa atitude que se encontra o gesto de Marcel Duchamp: incluir, numa exposição, um mictório. No caso de Duchamp não se trata, é claro, de valorizar o design do mictório, estetizando-o - como fazem hoje certos decoradores, ao colocar em cima da mesa, transformado em vaso de flores, o urinol de porcelana inglesa de nossas avós. Muito ao contrário, a atitude de Duchamp era, por voltas de 1915, baseada no princípio da provocação. O que chamava ready-made (objetos fabricados em série, mas desviados das funções primitivas pela sua instalação numa galeria, num museu), os mictórios, porta garrafas, rodas de bicicleta que ele impõe ao público culto, obrigam esse mesmo público


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