Caderno Emília Nº 0

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e bruscamente pode fazer saltar coisas que comumente, por hábito, na aceitação cotidiana, não veríamos ou veríamos menos”. Agora, se o humor é dessacralização, destruição de dogmas e certezas estabelecidas e aparentemente irremovíveis, evidentemente, ele, em seu gesto iconoclasta e denunciante, gera incômodo, mal-estar, desestabilização, perturbação. Esse gesto transgressor é fácil de perceber em textos paródicos e satíricos, em que o objeto a ser revisado ante a lupa do humor é a literatura ou outros textos da cultura, ou mesmo as relações humanas. No entanto, que tipo de transgressão é essa que leva a cabo o humor absurdo, esse humor das “férias mentais”, da evasão, esse jogo de humor e o caos intelectual… Como reafirmando o dito pelo narrador de Gógol em O Nariz, Chesterton afirma: “O humor absurdo pode ser descrito como um humor que, por um momento, renunciou a qualquer conexão com o engenho. É um humor que abandona qualquer tentativa de justificativa intelectual e não se limita a zombar da incongruência de algum acidente ou farsa, como subproduto da vida real, mas extrai e aproveita por si mesmo. Jabberwocky3 não é uma paródia de nada; os Jumblies4 não são uma sátira de ninguém; trata-se da loucura pela loucura, como a arte pela arte, ou mais especificamente, a beleza pela beleza; e não servem a nenhum propósito social, salvo, talvez, o de proporcionar um momento de evasão”.

Alheio às definições e classificações, alheio aos bons e maus propósitos, a esses esquemas intelectuais aos quais nos aferramos com desespero, a evasão do humor absurdo, no entanto, não faz nada além de os colocar em evidência, fazendo-os cambalear na sua orgulhosa e inquestionável “verdade”. Como ressalta Eduardo Stilman, o humor “é uma subversão profunda e definitiva, porque pretende nos abrir os cárceres herméticos, que são aqueles de nossa mente. E à cabeça desta magna

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3. Criatura fantástica criada por Lewis Carroll no famoso poema “Alice através do espelho”. 4. Personagens imaginárias criadas por Edward Lear em seus poemas “The Jumblies”, publicado em 1871 em Nonsense Songs, Stories, Botany and Alphabets.


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