Em torno de life time contracts

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UM PRIMEIRO BALANÇO

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permitem o acesso à habitação ou ao trabalho, fiquem subordinados à sua ideologia; desde que haja uma inclusão de relações essencialmente distintas da compra e venda na ideologia contratual construída sobre o paradigma dos contratos de execução instantânea, ou desde que haja uma exclusão de tais relações da ideologia contratual. Como as razões apresentadas para explicar tal exclusão eram cada vez menos convincentes e, por isso, cada vez mais difíceis de aceitar, houve múltiplas tentativas para reintegrar o pensamento da relação no direito dos contratos. O tempo deixa então de ser representado como uma pura e simples projecção de agora para depois, ou como um puro e simples ponto de referência para a determinação dos salários, das rendas ou dos juros, e passa a ser representado como uma realidade inquantificável — como o tempo de que as pessoas dispõem para viver; como o tempo-de-vida ou como o tempopara-a-vida. Certas actividades, como dormir, trabalhar, consumir, amar e sofrer, criam o seu próprio tempo. Criam um tempo que é próprio e que, como tempo próprio, não é fungível — não pode ser trocado por tempos diferentes, de outras actividades ou de outras coisas. O direito deverá reconhecer que o tempo-de-e-para-a-vida (life time) é a dimensão mais importante de algumas relações contratuais. Se o fizer, como deve, ficará aberto o caminho para a definição de um novo tipo de contrato. Os bens e serviços prestados estariam ligados á duração da vida de uma das partes. Em tais contratos, a duração será (terá de ser) um elemento essencial, em termos um tanto ou quanto semelhantes àqueles que se aplicavam a alguns contratos de locação da Idade Média 5.

5 O livro do Eclesiastes, 3, 1-22, representa um desvio ao uso moderno da palavra “tempo”. O texto do capítulo 3 começa com o versículo em que se diz que “Todas as coisas têm o seu tempo, e tudo o que existe debaixo dos céus tem a sua hora”, e continua com a enumeração de actividades humanas, ligando-as ao seu tempo. Cada um dos versículos começa com as palavras “Há tempo para” e o desenvolvimento esclarece que se trata do tempo e não do momento (do dia ou da hora). Com a afirmação de que “Aquilo que é já existia e aquilo que há-de ser já existiu ; Deus faz voltar de novo aquilo que já passou” (3, 15) recorda-se-nos a relatividade social do tempo. A relatividade material, essa, é desde há décadas reconhecida pelos físicos.


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