Redação Publicitária - Carrascoza

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A criação de inimigos Uma das técnicas de persuasão mais comuns, conforme Brown6, é que haja no discurso um inimigo a quem se combater. A criação de inimigos é um dos elementos argumentativos mais utilizados pelo discurso religioso e, igualmente, pela publicidade, o que nos mostra mais uma semelhança entre ambos. Assim como o Diabo se opõe a Deus, há sempre um adversário explícito ou oculto que a publicidade deve atacar (a sujeira, os ácaros, a falta de tempo etc). Nos discursos analisados, temos como inimigos o azar, se bem que de forma velada, no caso da corrente, e a deselegância, a atitude fora de moda, no caso do anúncio do automóvel.

O apelo à autoridade Outro recurso de grande força persuasiva, segundo Brown, encontrado tanto na publicidade como em textos de instrução religiosa, é o apelo à autoridade7. Um estratagema que remonta à Idade Média, quando as resoluções não eram comunicadas direta-mente pelos reis ou pelo Papa ao povo, sendo fundamental, então, mostrar que provinham deles para serem obedecidas. Na corrente espiritual, temos logo no exórdio a suposta autoria da mensagem atribuída ao DalaiLama, não deixando dúvidas de que provém de uma figura proeminente e deve ser levada em conta. O fato de colocar o nome do autor da mensagem no início do texto, e não no final, como assinatura, revela uma nítida consciência de quem a elaborou, visto que a partir da frase "Usufrua o amor e a culinária com abandono total", onde provavelmente terminaria a mensagem do Dalai-Lama, o discurso muda inteiramente. Já não se propõe instruções para obter sorte, mas se busca convencer o leitor de que a sorte virá somente se ele aderir à corrente. Coincidentemente, há alguns anos circulou entre nós um texto chamado "Instantes", atribuído ao escritor argentino Jorge Luis Borges, mas que se soube depois não ter sido escrito por ele. Esse texto foi inclusive reproduzido num cartão de Natal da agência DPZ e, posteriormente, utilizado como narração num comercial de calçados que recebeu o Prémio Profissionais do Ano da Rede Globo. Assim como se deu com "Instantes", a mensagem da corrente do Dalai-Lama parece ter sido forjada. A hipótese mais provável é que foi escrita por um desconhecido e que, para conferir importância a ela, colocoulhe a assinatura de uma autoridade. Na Internet, esse procedimento vem se tornando comum, culminando em casos como o da falsa carta de despedida, atribuída a Gabriel Garcia Márquez, que se espalhou pelo mundo por meio da Rede e foi desmentida com veemência por ele.

Consultando diversas obras do Dalai-Lama publicadas no Brasil e há anos na lista dos livros mais vendidos, não encontramos o referido texto, mesmo sem a parte final que propõe a-sua disseminação em troca de uma recompensa — a sorte —, o que caracteriza seu formato de corrente. Ademais, a disciplina da meditação como caminho para alcançar a felicidade e a filosofia da compaixão propostas e praticadas pelo Dalai-


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