E book pnap v0 3

Page 1

capa

1


Gest達o Municipal | UNIRIO | PNAP

2


Gest達o Municipal

3


4

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Informações bibliograficas


Indice

5


Gest達o Municipal | UNIRIO | PNAP

6


DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA: ANÁLISE DO PROGRAMA GPH SOROCABA Autora: Larissa Tannus Gallep Coautora: Fabiana M.V. Saboia S. Navarro

RESUMO A intenção neste trabalho é analisar uma plítica pública (focada no jovem LGBT de Sorocaba (SP), iniciada em 2013 pela Secretaria de Desenvolvimento Social, por intermédio da Coordenadoria da Juventude do município paulista, que tem como objetivo o respeito, a tolerância e o fortalecimento dos vínculos familiares. O GPH Sorocaba, grupo de apoio a pais de homossexuais e transexuais, e de jovens LGBT, realiza um trabalho pioneiro, valorizando a diversidade sexual e de gênero, o empoderamento desses jovens, e o respeito e o amor entre pais e filhos.

Palavras-chave: Políticas públicas. Juventude. Tolerância. Sexualidade. Igualdade.

7


O artigo apresenta uma análise de uma política pública para a juventude (PPJ), criada a partir de janeiro de 2013 em Sorocaba (SP), com foco na valorização da diversidade sexual e de gênero, na tolerância entre os grupos juvenis, e no fortalecimento dos vínculos familiares. O programa GPH – Sorocaba (Grupo de Apoio a Pais de Homossexuais e Transexuais e Jovens LGBT) é um espaço para o acolhimento de pais e mães, e também de jovens, que vivem um drama familiar pela dificuldade do processo de aceitação de um filho homossexual ou transexual. Durante as reuniões do projeto, os jovens podem trocar informações e experiências, conversar sobre os mitos e as verdades relativas à homossexualidade, falar sobre a relação que têm em casa e compartilhar as angústias e os receios.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1 Sobre o perfil sexual da população brasileira Quando o assunto é homossexualidade ou transexualidade, no mundo todo os pensamentos que nos vêm à cabeça ainda hoje, são, infelizmente, sobre os incontáveis casos de injustiça, de violência, de preconceito, que se estabelecem pela ignorância de grande parte da população, e pela omissão, pela falta de legislações e de políticas públicas sobre o assunto. As relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo receberam, ao longo dos séculos, variadas denominações, até chegarmos a um conceito do que atualmente chamamos de homossexualidade1. 1 Até o século XIX, a palavra mais utilizada para designar as relações entre pessoas do mesmo sexo era Sodomia. Sodomia – do latim Sodoma, originário do hebraico sedham (incêndio, fogo). HECKLER, Evaldo et

8

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

1 INTRODUÇÃO


No Brasil, mesmo havendo a descriminalização da homossexualidade, a não aceitação e a punição aos então chamados sodomitas pelo sistema penal continuou ainda por um longo tempo. A polícia tornou-se responsável por zelar pela moral e pelos bons costumes da sociedade brasileira naquela época. Anos mais tarde, com o desenvolvimento das teorias positivistas, a ciência avançou e a sociedade começou a se transformar.

2.2 Os avanços no Brasil Apesar da discriminação sofrida por homossexuais e transexuais no Brasil, é impossível não reconhecer os avanços sobre este tema nas últimas duas décadas. Relembrando que até poucos anos atrás a homossexualidade era considerada doença mental, e que foi excluída desse rol somente em 15 de dezembro de 1973 (por decisão da American Psychiatric Association), por outro lado, desde 1991, a Anistia Internacional considera violação dos direitos humanos a proibição da homossexualidade; e este quadro vem – mesmo a passo de formiga – avançando. No Brasil existem alguns marcos históricos importantes. O primeiro registro oficial, em cartório, de união estável entre homossexuais, ocorreu em 17 de junho de 2003, em São Paulo. A determinação para que os cartórios de todo o Brasil realizassem tanto a conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo para casamento, quanto o casamento diretamente, data de 16 de maio de 2013, e foi tomada com base na decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar a união estável al. Dicionário morfológico da língua portuguesa. Rio Grande do Sul: UNISINOS, 1984. S.V, 5 v. Sodoma – cidade principal entre as cinco existentes na planície próxima ao Rio Jordão e ao Mar Morto. Destruída por Deus com uma chuva de fogo e enxofre, pelas suas iniquidades (Cf. Gênesis, 13, 13; 18, 20; 19, 24).

9


Considerando estas mudanças, identificamos a importância das políticas públicas para a concretização dos direitos dos homossexuais, auxiliando na diminuição da intolerância que persiste na sociedade brasileira e auxiliando na construção de medidas que levem ao respeito à dignidade dos homossexuais. É importante lembrarmos que, atualmente, em plena época de campanhas presidenciais (setembro de 2014), um dos principais assuntos discutidos em programas de TV, planos de governo e debates são leis em prol da população LGBT. Entretanto, as bancadas religiosas, principalmente a evangélica, ainda se mostram contra muitas das propostas que há anos são exigidas pela sociedade, como a criminalização da homofobia, por exemplo.

2.3 Sorocaba e as políticas públicas LGBT Atualmente o Brasil e o mundo vivem um “boom demográfico” referente a uma “onda jovem”. Hoje existem mais de 50 milhões de jovens no país, cerca de 26% do total da população; e 3,5 bilhões no mundo - 50% da população mundial. O município paulista de Sorocaba também vive esse momento, possuindo, em 2014, cerca de 160 mil jovens entre 15 e 29 anos, número que representa aproximadamente um terço da sua população. 2

10

Fonte: Agência Câmara de Notícias, 26 jun. 2003.

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

homoafetiva no Seminário Nacional de Políticas Afirmativas e Direitos da Comunidade GLBT, promovido em 2003, pela Comissão de Direitos Humanos e pela Ouvidoria-Geral, quando uma das medidas aprovadas foi a criação de uma Frente Parlamentar para a aprovação dos projetos de defesa dos homossexuais2.


A cidade, localizada no interior de São Paulo, tornou-se referência no país em 2005 ao criar uma das primeiras Secretarias Municipais de Juventude, e ao estimular a formação de um Conselho Municipal do Jovem (Comjov)3. Hoje Sorocaba possui uma Coordenadoria Municipal da Juventude, locada na Secretaria de Desenvolvimento Social, que realiza, articula e incentiva políticas públicas voltadas para o jovem. Nos últimos anos, os jovens passaram a ter visibilidade e prioridade nas agendas e fóruns nacionais e internacionais, assim como participação nos debates sobre políticas para as juventudes, que vêm sendo assumidos também por organizações e movimentos de e para jovens. Em relatório recentemente divulgado pelo Painel de Alto Nível das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento pós-2015, a juventude é colocada como uma prioridade transversal, e os jovens, como atores importantes no cenário de parcerias globais para a implementação dos novos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio4.

3 O Comjov visa a promoção da cidadania dos jovens e é constituído por 48 conselheiros. A diretoria é composta por 1/3 de representantes de entidades e de grupos sociais que atuam com a juventude em Sorocaba, 1/3 formado por representantes do Poder Público e 1/3 por jovens de 16 a 29 anos que são escolhidos por sorteio. 4 Em setembro de 2000, 189 nações firmaram um compromisso para combater a extrema pobreza e outros males da sociedade. Esta promessa acabou se concretizando nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que deverão ser alcançados até 2015. Em setembro de 2010, o mundo renovou o compromisso para acelerar o progresso em direção ao cumprimento desses objetivos.

11


A valorização da diversidade e da tolerância: Políticas Públicas para população LGBT no Brasil – Nunca se teve tanto, e o que há é praticamente nada O processo de formulação e implementação de políticas públicas de combate à homofobia e de promoção da cidadania e dos direitos humanos da população é destaque atualmente na agenda mundial de política dos direitos sexuais. Isto foi observado nos debates produzidos em eventos como o “Diálogo Latino-Americano sobre Sexualidade e Geopolítica”, realizado em 2009, no Rio de Janeiro (Corrêa e Parker, 2011), e no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) no Projeto de Resolução 17/2011, intitulado “Direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero”, em resposta ao aumento da visibilidade da violência homofóbica no mundo. Entretanto, segundo pesquisa coordenada pelo professor Marcos Garcia e pelas professoras Viviane Mendonça e Kelen Leite – todos docentes do Departamento de Ciências Humanas e Educação da UFSCar de Sorocaba – em 2012, a situação da homofobia nesta região paulista era tão grave quanto em outros grandes municípios brasileiros. Realizada por meio de questionário padronizado, aplicado a 350 pessoas durante a Parada do Orgulho LGBT de Sorocaba daquele ano, seus resultados preliminares indicavam que aproximadamente duas em cada três pessoas que se identificam como LGBT na cidade já tinham sido agredidas verbalmente devido a isso; que uma em cada seis já tinha sido agredida fisicamente pelo mesmo motivo; que uma em cada vinte tinha sofrido agressão sexual devido à sua sexualidade. Segundo Garcia, tais resultados não tinham diferença significativa em relação àqueles obtidos em pesquisas semelhantes realizadas em para-

12

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

2.4 Análise de dados


das de outros grandes municípios brasileiros, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Por este motivo, em 2013, o poder público, através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, reconheceu a necessidade de assumir um papel ativo no combate à homofobia, começando por criar estratégias de auxílio ao jovem LGBT sorocabano. O Governo Municipal de Sorocaba começou por auxiliar no fortalecimento dos vínculos familiares, muitas vezes cortados pelo preconceito dentro dos lares onde existe um filho homossexual ou transexual. Em abril de 2013 nasceu, numa iniciativa até então inédita de um poder público municipal brasileiro, o Grupo de Apoio a Pais de Homossexuais e Transexuais e Jovens LGBT de Sorocaba (GPH – Sorocaba). Um espaço para o acolhimento de pais e mães, que vivem o drama familiar pela dificuldade do processo de aceitação de um filho LGBT, e também destes jovens. No início de sua implantação (em um processo que durou 12 meses) acompanhado pessoalmente por Edith Modesto5, fundadora e presidente da ONG Grupo de Pais de Homossexuais (GPH – São Paulo) e do Grupo Purpurina (SP), foi estabelecido que os participantes, nas reuniões mensais, trocassem informações e experiências, conversassem sobre os mitos e as verdades relativas à homossexualidade, falassem sobre a relação que tinham em casa e compartilhassem as angústias e os receios. Para WL, jovem homossexual integrante do grupo, o GPH é um ambiente principalmente acolhedor, com interlocutores capazes de dialogar, ouvir e planejar conjuntamente projetos sociais. “Estávamos acostumados a viver na clandestinidade devido ao preconceito, à discriminação e até 5 Doutora em Linguística Geral e Semiótica Greimasiana pela USP, e terapeuta especializada no assunto.

13


O GPH – Grupo de Pais de Homossexuais, criado por Modesto em São Paulo, e no qual o GPH de Sorocaba é baseado e inspirado, foi a primeira ONG brasileira fundada para acolher pais que desconfiam ter ou que sabem ter filhos homossexuais.
O intuito dessa organização é suprir a falta de um ambiente seguro e acolhedor onde pais e mães possam trocar informações e experiências sobre seus filhos e se solidarizem durante o difícil processo de aceitação. Edith Modesto descobriu, em 1992, que o caçula de seus sete filhos era homossexual. Desesperada, sentindo-se só e completamente sem informação sobre como agir, ela procurou outra mãe que estivesse passando pela mesma situação para conversar – e não encontrou. Em 1997, a Dra. Edith Modesto então começou sua pesquisa sobre “diversidade de orientação sexual”, e formou um pequeno grupo de mães de homossexuais para que estas tivessem o que ela não teve: informação e parceria. Foi assim que nasceu o GPH. Tempos depois nasceu também o Projeto Purpurina (PP), pensado pelos pais do GPH. 
Esse grupo é composto por jovens coordenadores, com o apoio desses pais. Nos encontros mensais do Purpurina, pratica-se o “protagonismo juvenil”, onde os próprios jovens escolhem os assuntos de seu interesse e coordenam a reunião, monitorados por especialistas.

14

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

mesmo ao medo de não sermos bem recebidos em determinados lugares”, relatou. Para ele, a iniciativa pioneira da Prefeitura de Sorocaba é uma política pública inteligente e interessante. “Com certeza numa sociedade cada vez mais globalizada e multicultural, entender vozes e desejos tão difusos é algo difícil, e um elemento essencial para que o poder público entregue um resultado social com qualidade para uma sociedade tão diversificada em valores”, declarou.


Diagnóstico do contexto de vulnerabilidade O trabalho do GPH em Sorocaba é focado e desenvolvido com base em informações levantadas com a comunidade local e a experiência do Governo Municipal em trabalhos realizados com a população jovem. Uma das situações percebidas nas reuniões do GPH Sorocaba, por exemplo, é que muitos jovens LGBT, por conta de problemas com a família e falta de autoestima, são muito carentes e sensíveis, ficando extremamente vulneráveis a envolvimentos pouco recomendáveis com outros jovens, ou até pessoas mais velhas. Com base nesses casos e em alguns testemunhos, deliberou-se que um dos trabalhos das reuniões para jovens do GPH Sorocaba é focar no aumento da autoestima desses meninos e meninas. Os objetivos específicos do projeto são escolhidos com muito cuidado, e podem ser, por exemplo: aproximação entre pais e filhos LGBT; socialização; autoaceitação, divulgação da prática do uso de preservativos e de exames de sangue periódicos; valorização do respeito a si próprio e ao próximo; lutar contra preconceito dentro e fora dos grupos LGBT; estímulo ao trabalho: possibilidade e crença em um futuro feliz e próspero; e outros. “A ajuda que tive do meu pai foi importante para seguir em frente. O homossexual sempre precisa mostrar que é bom em alguma coisa para que a opção sexual fique em segundo plano. Precisamos mudar essa ideia”, relatou um dos participantes do grupo que não quis se identificar. Em 2013, o GPH Sorocaba recebeu cerca de 100 jovens e 60 pais em 10 reuniões realizadas durante o ano. Já em 2014, até o mês de agosto o programa tinha realizado sete reuniões, encontros com a presença de cerca de 60 jovens e 25 pais e mães.

15


Exemplo de boa prática em Política Pública As cidades paulistas de Salto, Barueri e Presidente Prudente já iniciaram ou estudam iniciar projetos com as juventudes LGBT, inspirados pela iniciativa de Sorocaba. Da mesma forma, o SESC Sorocaba, após conhecer o projeto, apoia-o hoje, e é parceiro do Grupo Diversidade (grupo formado por jovens sorocabanos há 6 anos, e que discute os temas pertinentes aos homossexuais, com jovens LGBT e heterossexuais).

Capacitação para professores das redes municipal e estadual e de profissionais da área da assistência social que trabalham com adolescentes e jovens Pensando em aumentar as redes de discussão sobre o tema e atingir mais jovens e mais famílias, a Secretaria de Desenvolvimento Social realizou, em agosto de 2014, a Semana da Cidadania, visando oportunizar a reflexão da população sorocabana sobre diversas questões sociais, entre elas o bullying e a homofobia. Uma das atividades propostas e realizadas com grande êxito foram as oficinas de “Promoção, Respeito e Valorização das Diversidades Étnico Raciais e de Orientações Sexuais e Identidades de Gênero”, ministradas pela especialista Edith Modesto. Realizada pela Coordenadoria da Juventude, o objetivo da ação foi o de capacitar professores das redes municipal e estadual, além de profissionais de entidades que trabalham com jovens e adolescentes (ONGs), e do SESC local. Durante o treinamento, os participantes puderam aprender como colaborar no enfrentamento da violência sexista, étnico racial e homofóbica nas escolas, tratando sobre os tipos de preconceito e de bullying e suas consequências; e conheceram dados

16

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

2.5 Resultados


sobre a atual situação do nosso País, em relação a este tema, procurando pensar, de forma conjunta, em soluções para que as escolas e entidades possam ser aliadas e parceiras na luta contra o preconceito e a discriminação. A iniciativa deu frutos, e muitas outras instituições já se interessaram em levar estas oficinas para que seus funcionários possam ser capacitados e espalhem a ideia de tolerância, respeito e amor.

3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observado o trabalho de mais de um ano de programa, podemos concluir que políticas públicas simples, feitas para jovens, são difíceis de avaliar. Tendo em vista que a juventude é uma etapa em que se realizam importantes escolhas, que irão repercutir durante a vida, os altos índices de rotatividade, evasão e abandono de atividades convivem com a necessidade de experimentação inerente a essa faixa etária. Outra dificuldade para a medição dos resultados deste programa é que esta ação não é voltada somente para os jovens, mas também para pais e mães, que muitas vezes não querem se identificar ou participar de pesquisas. Por isso, é uma política pública que exige respeito pela privacidade de seus participantes. Segundo a Coordenação do Programa, muitas vezes é possível acompanhar as famílias; outras vezes, apenas pais estão presentes; ou os filhos estão sozinhos. Sendo assim, os resultados aparecem timidamente. Mas aos pouco vão sendo notados, e, quando são finalmente demonstrados, surpreendem pela força como atuam nas vidas de seus atores. Jovens têm sido empoderados pelo projeto, adotando, no momento em que se aceitam como homossexuais e conseguem conversar sobre o assunto com suas famílias, atitudes de grande importância em suas vi-

17


Pais e mães também têm tido interesse em participar de capacitações e palestras do COAS – O Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/ AIDS) da Secretaria da Saúde de Sorocaba (SES), programa que tem 20 anos de existência e é referência em todo o país. Desta forma incentivam nos filhos o uso de preservativos, e deixam de ter certos preconceitos e de acreditar em alguns mitos sobre o relacionamento homossexual. Por outro lado, em Sorocaba o Programa também se apresenta como uma forma simples e barata para a discussão do assunto e o auxílio à população. Em seu primeiro ano de existência foram gastos apenas R$ 7.000,00 (sete mil reais), quantia que, em grande parte, foi usada na transferência de técnica e no acompanhamento feito uma vez por mês pela Dra. Edith Modesto para a formação das rodas de conversa. Desta forma é possível afirmar que qualquer cidade que o deseje, pode formar e gerir um projeto como este, facilmente. Em 2014, funcionários públicos da Secretaria de Desenvolvimento Social foram também capacitados no assunto em curso de extensão na USP (SP), para que pudessem continuar com o projeto e colaborar, em suas rodas de conversa, de maneira cada vez mais capacitada, eficaz e atrativa para os jovens. Durante as oficinas realizadas para professores e demais funcionários na Semana da Cidadania, pais que participam do grupo exclusivo do GPH para esse segmento também puderam se capacitar para ajudar no desenvolvimento do seu grupo e repassar essas informações

18

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

das pessoais, como assiduidade nos estudos ou procura por um plano de carreira em que se sintam felizes e realizados. Ao mesmo tempo, eles se empoderam quando adotam uma postura menos carente e mais segura, procurando por parceiros mais maduros, que queiram relações afetivas duradouras, cuidando-se e se amando, e assim se protegendo contra doenças sexualmente transmissíveis.


para outros grupos da sociedade. Em linhas gerais, o GPH Sorocaba tem o objetivo de disseminar informação e discussão sobre esta temática, pois é claro, para todos os seus participantes, que quanto mais se falar, mais se discutir e mais informações coerentes e corretas sobre a homossexualidade e transexulidade forem passadas para frente, menos ignorância haverá, e menos discriminação, preconceito, violência e intolerância. O segredo do Programa está na comunicação e na disseminação das informações adequadas. E, é claro, no amor das relações familiares, que precisam ser fortalecidas também pelo diálogo proposto pelo programa. Por isso, o lema do GPH Sorocaba é “O Amor Sempre Vence”. E essa ideia precisa começar a crescer dentro de casa.

19


ALVES, L. S. A. O programa nacional de direitos humanos. Revista Jurídica Consulex, Brasília-DF, ano VI, n. 131, p. 10-15, 30 jun. 2002. ANTUNES, C. A força do arco-íris. Revista Veja, São Paulo-SP, a. 36, n. 25, ed. 1808, p. 72-81, 25 jun. de 2003. ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 51, 2003, p. 7-10. BENTO, Berenice. A (re)invenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. BERNARDES, B.; VERA E SILVA, A. A hora da verdade. Revista Primeira Leitura, n.12, fev. 2003, p. 92-101. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SDH). Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília, 2009a. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SDH). Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília, 2009b. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SDH). Anais da Conferência de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – GLBT. Direitos humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cidadania GLTB. Brasília, 2008a. BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLBT e promoção da cidadania homossexual. Brasília, 2008b. BUCCI, M. P. D. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos. Disponível em: <http//www .dhnet.org.br/direitos/textos/ politicapublica/mariadallari.htm> Acesso em: 01 jul. de 2003. CÉLIO, P. Entrevista concedida ao Mundo Bom. Disponível em: <http://www. mundobom. com.br> Acesso em: 01 jul. de 2003. CICONELLO, Alexandre; PIVATO, Luciana; FRIGO, Darci. Programa de Direitos Humanos: efetivar direitos e combater desigualdades. Revista Direitos Humanos, n. 04, dez./2009, p. 6-12. CITELI, Maria Teresa. A pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais no Brasil (1990-2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC, 2005. DIAS, M. B. União entre homossexuais. Revista Jurídica Consulex, Brasília-DF, ano VI, n. 136, p. 50-51, 15 set. 2002.

20

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FARAH, Marta Ferreira Santos. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, volume 12, nº 1, 2004, p. 47-71. FARIAS, J. A homossexualidade e o preconceito na cidade de Rio Claro. Disponível em: http://www.jaimefariasweb.hpg.ig.com.br/links.htm Acesso em: 21 ago. 2002. FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e políticas públicas, nº 21, 2000, p. 211-259. MELLO, Luiz. Novas famílias: conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. MOTT, L. O que você deve saber sobre homossexualidade. Salvador, BA: Grupo Gay da Bahia, 2002. (5 mil exemplares) OTTOSSON, Daniel. Homofobia de Estado. Un estudio mundial de las leyes que prohíben la actividad sexual con consentimiento entre personas adultas. Un informe de ILGA. Asociación Internacional de lesbianas y gays, 2007. PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA. Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. PETCHESKY, Rosalind. Políticas de derechos sexuales a través de países y culturas: marcos conceptuales y campos minados. In: PARKER, Richard, PETCHESKY, Rosalind; SEMBER, Robert (Eds.). Políticas sobre sexualidad – reportes desde las líneas del frente. México: Sexyality Policy Watch, 2008, p. 9-26. SILVA, L. R. Políticas públicas. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/setores/ juventude/ ecmj8txtpoliticapublica.d oc> Acesso em: 07 jul. 2003. TOURAINE, Alain. Igualdade e diversidade: o sujeito democrático. Trad. Modesto Florenzano . Bauru – SP: Edusc, 1998. AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/ internet/agencia> Acesso em: 01 jul. de 2003. Sites: http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/456455/a-homofobia-na-regiao-de-soro caba -e-seu-enfrentamento

21


Gest達o Municipal | UNIRIO | PNAP

22


EDUCACÃO INFANTIL Autora: Mariana Guimarães1 Coautora: Joyce Andrade Braga2

RESUMO Este estudo enfatiza a importância de compreender a criança como sujeito de direito, e a creche e a pré-escola como instituições onde acontecem as atividades da educação infantil. Tem por objetivo uma análise sucinta da evolução da infância em seus aspectos globais, das políticas públicas de educação implantadas após a promulgação da Constituição Federal e das legislações em vigor, bem como das mudanças de paradigmas exigidas dos atores envolvidos na gestão da educação infantil nos municípios. Destaca o cuidar e o educar como elementos indissociáveis nessa etapa. Aponta a educação infantil como fenômeno recente e adota a perspectiva de sua análise baseada em critérios de qualidade e nas contribuições das áreas pedagógica, da neurociência, do social. Ao final, debate os principais desafios para a expansão da educação infantil em direção à universalização e na direção estabelecida e apontada: democrática, ética e inclusiva.

Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Direito. Política Pública. 1 Bacharel em Direito pela Fundação Educacional D.André Arcoverde, pós-graduanda pela Universidade do Rio de Janeiro. Programa CEAD – UNIRIO. 2 Professora Orientadora é Pós-Graduanda em Gestão Econômica e Viabilidade de Empreendimentos na Universidade Católica de Salvador, Assistente Social graduada na Universidade Castelo Branco, servidora pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro/RJ.

23


Enquanto muitos países conseguiram a universalização do atendimento escolar nos séculos XIX e XX, aqui a democratização do acesso à escola não está resolvido em nenhuma das suas etapas. É inegável que as decisões governamentais nos últimos trinta anos se mobilizaram para que os direitos da criança fossem assegurados com absoluta prioridade. Os avanços legais e a qualidade e a riqueza de substrato teórico produzido pelos órgãos vinculados ao Ministério da Educação são indiscutíveis. Sabemos, porém, que essa produção, apesar de ampla e de fácil acesso, não é, em sua grande maioria, conhecida pelos gestores e profissionais envolvidos. No que concerne à criança, a instituição de educação infantil que a acolhe é um local onde se quer apurado o gosto de ouvir e o desejo de aprender. E as relações nesses espaços coletivos precisam ser autênticas, ricas de significado e de experiências.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1

Educação infantil e legislação “Porque se um pai de família pode dizer que educando seu filho, o mais ele fará, um estadista pode dizer que educando seu povo, o mais ele fará” (Buarque, 2011)1.

O Brasil é o país do futuro. O futuro depende do crescimento econômico; logo, o progresso da indústria nacional logrado na década de 60 nos traria um futuro brilhante. No entanto, “sonho de futuro sem ação no presente é ficção, alienação e projeção irresponsável”2. O país começou 1 BUARQUE, Cristovam. A revolução republicana na educação - Ensino de qualidade para todos, p. 143. 2

24

PNPI - Plano nacional pela primeira infância, 2010, p. 14.

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

1 INTRODUÇÃO


seu crescimento econômico, mas viu crescerem mais ainda as barreiras entre as classes sociais. [...] O berço da desigualdade está na desigualdade do berço. O caminho rumo ao futuro desigual começa quando nascem as crianças. “Algumas comem, outras não; algumas vão cedo para a escola, outras não” [...] (Buarque, 2011)3.

A escola, em vez de promover coesão social e oportunizar crescimento e desenvolvimento, é a primeira instituição a abrir as portas da desigualdade. Sem que a educação se torne uma política de Estado que se sobreponha a mandatos, partidos e políticos, não alcançaremos “uma educação que crie o único capital necessário para o desenvolvimento no século XXI: o capital conhecimento” (Buarque, 2011)4. Até os anos 70, os pequenos estavam a cargo apenas dos seus genitores. “Quem pariu Mateus que o embale” – essa era maneira como a sociedade entendia a educação e o cuidado da criança, cabendo principalmente à mãe o desempenho da tarefa. As políticas educacionais voltadas às crianças de zero a seis anos defendiam a educação compensatória, típica das políticas residualistas. Era preciso contrapesar as carências culturais e defasagens características das camadas populares. O nascimento das creches e pré-escolas realizou-se a partir de uma ótica assistencial. O cuidar, social e filantrópico, de foco higienista, era reservado às crianças mais pobres, e mantido pelas entidades filantrópicas; o educar, como experiência intelectual, destinava-se às classes mais abastadas, e se realizava em instituições privadas. No entanto, as transformações demográficas, econômicas e cultu3

BUARQUE, Cristovam. Op.cit. p. 10.

4

Ibidem.

25


Medidas de garantia de recursos destinados a tornar os pais mais aptos ao emprego, assim como intervenções precoces e bem focalizadas podem melhorar as oportunidades das crianças no decorrer de sua vida e promover coesão social (Relatório UNESCO)5.

As décadas de 80 e 90 são marcadas por uma agenda de reformas no que se refere à ação social do Estado. A educação e o cuidado com a criança pequena, que até 1998 não constituiu dever do Estado, passa “a ser um capítulo das políticas públicas, suscitando reivindicações, disputas e negociações por concepções e recursos entre atores sociais.” (Rosemberg, 2012)6.

5 Relatório UNESCO, p. 32. Segundo apresentação do relatório, este é o estudo mais abrangente no campo das políticas de educação e cuidado para a criança de zero a seis anos, já realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 6 ROSEMBERG, Fúlvia. Educação infantil e políticas públicas. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. p. 15.

26

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

rais reformularam a sociedade e suas demandas. Casais com dupla renda, lares monoparentais, crescente participação das mulheres na população economicamente ativa impõem o reconhecimento de uma interface entre as necessidades da criança, dos pais e do mercado de trabalho. No campo social constata-se que programas de transferência de renda precisam estar atrelados a programas que promovam reinserção social para efetivamente equalizar a redistribuição de ativos.


2.2 A Constituição Federal - marco de um novo olhar político, pedagógico e social Em meio a tantos direitos sociais, a Constituição Federal promulgada em 1988 instituiu legalmente a educação infantil. Ali se lê que ao Estado compete oferecer às crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos de idade, matrícula em escola pública, gratuita e de qualidade, igualdade de acesso, permanência e pleno aproveitamento das oportunidades de aprendizagem (grifo nosso). “A criança até então compreendida como objeto de tutela passa a sujeito de direito” (Nunes, 2013)7. A incorporação das creches e pré-escolas aos sistemas de ensino acarreta uma mudança de paradigma: a indissociabilidade do cuidar e do educar inserida em um processo pedagógico que se inicia com o nascimento. Reconhece-se a função sociopolítica da educação infantil, cujo objetivo é atender às especificidades das crianças e iniciar a formação necessária para que todas as pessoas possam exercer sua cidadania. A infância é reconhecida como um período da vida no qual a criança constitui seu modo de ser e de ver o mundo, e a educação infantil é nomeada como a primeira etapa da educação básica. Sua finalidade é o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade. Temos então uma concepção de criança como um sujeito singular, sem que seja possível dissociar suas dimensões cognitivas, afetivas e culturais. A compreensão interdisciplinar dessa fase e das particularidades do sujeito infantil impõe a adoção de uma política de educação e cuidado da primeira infância, com a análise de per si dos diferentes atores e do cumprimento da lei, mas principalmente da escola que se deseja ofertar.

7 NUNES, Maria Fernanda; LEITE FILHO, Aristeo Gonçalves Leite. Op. cit., p.70. In: KRAMER, Sonia; NUNES, Maria Fernanda; CARVALHO, Maria Cristina (orgs.). Educação infantil- formação e responsabilidade. Campinas, São Paulo: Papirus Editora, 2013, p.70.

27


Crianças e a educação infantil A infância é o tempo das silenciosas preparações (Péguy)8.

A concepção do ser criança e da infância, fora do espaço doméstico, em espaços coletivos - tais como creches, escolas e jardins de infância - onde os pequenos compartilham experiências com coetâneos, sob a responsabilidade de um adulto – é produto da idade contemporânea. “Em nossa caminhada para extensão da condição de cidadania a subgrupos humanos, as crianças constituem um dos últimos grupos (se não o último) a terem direitos reconhecidos” (Bobbio, 1992 apud Rosemberg, 2012)9. A criança já foi considerada incapaz para manifestar a sua vontade; e a infância, um tempo em que a idade é insuficiente para reflexão. A ciência social, ao alçar a infância à condição de objeto e tratá-la como construção social, permitiu, aos poucos, a inauguração de um novo conceito: a criança é um ser único e completo, ainda que em crescimento e desenvolvimento. Uma vez afirmada como campo de saber, a criança ganha na sociologia o status de ator social, que se expressa com e nos seus pares; e a instituição de educação infantil é o locus que, por excelência, deve permear e permitir o contato entre eles. A concepção de criança como sujeito social e histórico, cidadão que contribui e influencia o seu entorno, dá à educação uma nova perspectiva. Embora dependente do adulto, a criança é um ser capaz de interagir, social e culturalmente, desde bebê. A interação pressupõe as dimensões cognitiva e afetiva, bem como o plano psíquico e o fisiológico. Com base em Wallon e Vygotsky, conclui-se que o ser humano se constitui na relação com o outro, e que a capacidade de conhecer e aprender resulta das trocas entre o sujeito e o meio. É através dessa inserção e interação 8

Charles Péguy (1873-1914), poeta e escritor francês. Fonte: PNPI, Op. cit., p.15.

9

ROSEMBERG, Fúlvia. Op. cit., p. 22.

28

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

2.3


com os seus pares e adultos que as crianças tomam posse da cultura em que estão mergulhadas e, concomitantemente, a ressignificam. Mais importante do que perguntar como a criança se comporta no meio social é perguntar como o meio social age sobre a criança para criar nela as funções superiores de origem e natureza sociais (Vygotsky, 1989)10. Essa visão de criança como ser competente é reforçada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil11 quando a colocam como centro do planejamento curricular, o seu processo de desenvolvimento como orientador das propostas pedagógicas, e a interação e a brincadeira como eixos norteadores das práticas pedagógicas. A singularidade da criança é o que deve orientar as práticas. A brincadeira permite que a criança entre em contato com seus desejos e sentimentos, dê espaço às suas fantasias, teste suas habilidades físicas e psíquicas. É principalmente através dessa experiência que a criança troca pontos de vista diferentes e inicia a difícil arte da convivência.

2.4

Mas por que a educação infantil é importante?

A intervenção deliberada em programas educacionais de qualidade, além de cumprir um dever ético e político, favorece a formação de cidadãos economicamente ativos, beneficiando principalmente as famílias de baixa renda ou de baixo nível de escolaridade. Recursos destinados à primeira infância resultam em investimentos de alto retorno social, cultural e econômico, porque propiciam o desenvolvimento de uma sociedade democrática e igualitária, e representam aumento de ganho financeiro fu10 SIGARDO, Angel Pino. O social e o cultural na obra de Vygotsky, 2000. As diretrizes curriculares para a educação infantil foram revistas e estão atualizadas pela resolução CNE/CEB n. 5/2009 fundamentada no Parecer CNE/CEB n. 20/2009. 11 As diretrizes curriculares para a educação infantil foram revistas e estão atualizadas pela resolução CNE/CEB n. 5/2009 fundamentada no Parecer CNE/CEB n. 20/2009.

29


Mas, pensar a educação infantil como compromisso ético e político requer pensar a criança na perspectiva de sua singularidade, e a infância como tempo genuíno de ser criança. A concepção de que a aprendizagem se inicia já com o nascimento tem importância e desdobramento muito maior do que se supunha. Os primeiros anos são importantes porque é neste período que se formam com maior velocidade as sinapses (conexão entre os neurônios formando uma espécie de ponte) responsáveis por definir a capacidade, a habilidade e o potencial intelectual e social da pessoa13. A neurociência descobriu que estímulos adequados criam e fortalecem conexões. “Uma produção maior dessas pontes dependerá dos estímulos externos. É aí que entra o papel dos pais e educadores.” (Antônio Góis 2004 apud Carvalho, 2012)14. Embora não se possa ignorar a herança genética, a importância das experiências nos primeiros anos aparece como determinante: Ainda que a inteligência do indivíduo dependa, pela interação entre as células neuronais, do desenvolvimento biológico, somente as mediações que o individuo sofre em suas interações com o meio ambiente onde está inserido é que permitirão expandir essa inteligência em todo o seu potencial. (Fonseca, 1988, apud Carvalho, F., 2011)15.

12

Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, 2006, p. 26.

13

PNPI. Op. cit., p. 38.

14 CARVALHO, Silvia Pereira de. Os primeiros anos são para sempre. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Op. cit., p. 84.. 15 CARVALHO, Fernanda Antoniolo Hammes de. Neurociencias e educação: uma articulação necessária na formação docente.

30

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

turo. A inclusão socioeconômica reduz gastos posteriores em programas sociais. A corroborar, pesquisas apontam que as crianças que recebem uma educação infantil de boa qualidade apresentam melhores resultados na educação escolar12.


A aprendizagem como fenômeno complexo e constante de construção dos saberes se revela na maneira pela qual o individuo processa e elabora as informações oriundas do meio. E os sentimentos também influenciam a aprendizagem. A alegria e fatores como motivação e interesse são condições inafastáveis para qualquer tipo de aprendizado. “A tese de Wallon que coloca a afetividade, corpo e mente com o mesmo grau de importância talvez seja uma das maiores contribuições desse estudioso à reflexão sobre o desenvolvimento infantil” (Camões, 2013)16. Se a infância se beneficia dos novos conhecimentos e direitos conquistados, é certo que sofre os reveses de ser filha de seu tempo. “A importância de instituições educacionais na vida das crianças, particularmente das pequeninas, pode escapar aos adultos que têm autonomia de locomoção, que têm liberdade de ir e vir” (Rosemberg, 2012)17. Às crianças, de um modo geral, são reservados dois espaços: o privado, representado por suas casas, e o público, na figura dos estabelecimentos de educação infantil. Para a educação das crianças é preciso pensar no espaço da pré-escola e da creche: deve ser local adequado a propiciar aos pequenos as experiências de liberdade, ludicidade e fantasia inerentes à sua etapa de vida, sob pena de torná-las seres cativos da escola. Não há, e é bom que assim o seja, um padrão de organização – mobiliário, brinquedos – que, uma vez listado e verificado, dê à instituição um selo de qualidade. Como decorrência do seu processo de desenvolvimento, a criança conquista paulatinamente sua autonomia. Essa conquista pode ser percebida pela busca e pelo desejo de movimento. E essa busca de autonomia 16 CAMÕES, Maria Clara; TOLEDO, Leonor Pio Borges de; RONCARATI, Mariana. Infância, tempos e espaços: tecendo ideias. In: KRAMER (orgs) Op. cit., p. 272. 17 ROSEMBERG, Fúlvia. Políticas e práticas na creche. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Op.cit., p. 21.

31


2.5

O que é ter qualidade na educação “Os saberes são conquistados quando os atores têm acesso ao conhecimento, às praticas sociais e culturais e a reflexão partilhada. Receber formação de qualidade e repensar as práticas nas instituições é direito dos profissionais e das crianças (Kramer et al.)”19.

A qualidade é conceito que muda e sofre constantes mutações conforme o momento histórico e social. É também dependente de diversos fatores, como o sistema de crenças e as tradições dos grupos que compõem a sociedade. Para a educação infantil em especial, a forma como a sociedade define os direitos da mulher e a responsabilidade coletiva pela educação das crianças pequenas são, sem dúvida, fatores preponderantes20. Mas, mesmo sendo um conceito relativo, é possível discutir alguns elementos aptos a qualificar as instituições e a educação ofertada. A conjugação de três elementos é apontada para aferir a qualidade de serviço oferecida pelas instituições de cuidados não parentais: baixa proporção de número de adultos e crianças, profissional com bom nível de formação e especialização, e ambientes estimulantes21. 18 BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. p. 15. 19

KRAMER, Sonia. Op. cit,. p. 24.

20

BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da qualidade na educação infantil, p. 13.

21

Síntese sobre cuidados na infância - Educação e cuidados na primeira infância, p, i.

32

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

deve ser percebida pela escola como uma característica desejável e saudável. É preciso ter a observação e a escuta afinadas para a propositura de atividades e ajustes constantes do planejamento. “As crianças quando expostas a uma gama ampliada de possibilidades interativas têm seu universo pessoal de significado ampliado, desde que se encontrem em contextos coletivos de qualidade”18.


A avaliação que acontece nesta etapa singular não obedece a padrões rígidos. É ferramenta para a observação constante e crítica do desenvolvimento da criança e do seu comportamento em grupo e individualmente.“Portanto a qualidade da educação infantil tem a ver com: acreditar na criança, conhecer como ela pensa, propor desafios que a faça (sic) avançar [...]” (Carvalho, 2012)22. A escola, da mesma maneira que transforma, coopera para a manutenção da ordem vigente. A educação infantil precisa, enfim, acolher a diversidade e pluralidade cultural de seus alunos sob pena de que a escola seja um lugar estranho que não os reconhece, nem tampouco os seus saberes e os de sua família. O direito à diversidade se concretiza pelo reconhecimento das diferenças e das diferentes formas de se expressar. O respeito, aceitação e curiosidade por essas diferenças, que em primeira instância são formas genuínas de cultura – portanto nem melhores nem piores do que aquelas detidas pelos profissionais do suposto saber – é o primeiro passo para convidar a criança para uma longa estada no universo escolar. Não menos importante para o alcance de um sistema educacional de qualidade é que as instâncias responsáveis pela gestão respeitem a legislação vigente23.

2.6 Plano Nacional de Educação – instrumento para guiar a educação O Estado é responsável por instituir a garantia do direito à educação, mas, sem dúvida, o município é o grande guardião da infância, aquele que fomenta e mobiliza os recursos necessários para assegurar o cumprimento desse direito. Caso as políticas públicas adotadas pelos entes municipais não incorporem tal garantia, a infância nasce letra morta. O novo Plano Nacional de Educação em vigor - Lei 13005/14 22

Idem, p. 96

23

Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Op. cit., p.10.

33


A vigência do plano - 10 anos a partir da data de sua publicação - eleva-o ao patamar de plano de Estado. A universalização da educação infantil é louvável: assim as políticas públicas avançam, porque, mesmo trabalhando por números e estatísticas que demonstrem resultados positivos, importa a essas políticas as pessoas que representam os índices alcançados. O plano em vigor determina que os entes federativos em regime de cooperação se adequem à legislação, elaborando, aprovando ou adequando os planos estaduais, distritais e municipais em consonância com as suas diretrizes e metas. Trata-se, pois, de exigência legal. A maior tarefa do município com a educação infantil está em materializar a expansão do atendimento às crianças de zero a cinco anos de idade em escolas e creches. “Na Educação Infantil, por exemplo, 44% das crianças de 0 a 3 anos estão em creches no quartil mais rico da população, contra apenas 16,2% das crianças das famílias mais pobres”24. Ao caráter ambíguo da educação, constituindo-se sujeito e objeto de mudança, acrescente-se o reconhecimento de sua função social, que se realiza principalmente pela inclusão dos grupos historicamente excluídos ou desfavorecidos. O PNE, através de suas estratégias, costura as questões sociais e educativas de forma a ser um instrumento eficaz na superação das desigualdades educacionais e também sociais. Entre as principais estratégias está a observação das peculiaridades locais no atendimento e 24

34

Anuário Brasileiro da Educação Básica, 2014, p.10.

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

tem diretrizes, metas e estratégias ambiciosas, porque objetiva expandir a educação com qualidade. A meta primeira é a universalização, com implantação, até 2016, da educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade, e ampliação da oferta de educação infantil em creches, de forma a atender, no mínimo, a 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos.


expansão da educação infantil. O levantamento periódico da demanda por creche para as crianças de até 3 (três) anos também constitui ferramenta para verificar-se o atendimento e planejar-se a oferta. O PNE tem diretrizes expressas, portanto a observância de suas determinações se faz obrigatória por todo e qualquer ente, setor público ou privado incumbido de promover, para a educação, acesso e oferta. A universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade do ensino e a valorização dos seus profissionais são fatores imprescindíveis ao País que deseje uma educação republicana e de qualidade. O plano é acompanhado de estratégias ou objetivos indispensáveis à sua realização. Além disso, enfatiza a preservação das especificidades da educação infantil e a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem o avanço das pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem. Assim temos que o aporte das ciências, os novos conhecimentos sobre a infância e a legislação são saberes intrínsecos, primordiais e exigíveis a todos os atores da educação, não importa em que arena eles atuem. Em até um ano após a publicação do PNE os municípios deverão adequar ou elaborar seus planos, cuja efetividade se comprovará na medida em que se planeje a educação para o cidadão que vive naquele território e que se assumam compromissos para garantir o direito tutelado. Os relógios já iniciaram a contagem do tempo.

3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As conquistas da educação infantil são recentes, e é preciso ainda romper com velhos paradigmas. A oferta de vagas aquém da demanda, problema que se pretende resolver em face do novo Plano de Educação

35


De acordo com o plano em vigor, os municípios possuem como bússola 17 (dezessete) estratégias para universalizar a educação infantil na pré-escola e ampliar de forma crescente a sua oferta de creches. O passo primeiro é a posse do cenário em que as crianças se encontram. A questão crucial é romper com os conceitos tradicionais e absorver os novos conhecimentos e a abordagem multissetorial que o assunto exige. Dentre os muitos desafios para a educação infantil está a construção da nova identidade do corpo docente: mais do que indagar qual é a sua função, é preciso saber que lugar deverá ocupar, que é diferente daquele que lhe vem sendo atribuído. Não há como conceber escolas e gestores que não se debrucem sobre o novo plano, que não o esmiúcem e não dialoguem sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Muitos são os enfrentamentos e mudanças a serem dirimidos pelo município na implantação de uma Política de Educação Infantil, que, dentro do sistema federativo, deve ser prioridade dos municípios com apoio dos Estados e da União; porém, a expansão desta política coube por lei ao ente com menor capacidade de arrecadação. Assim, todo o arcabouço legal construído para a educação infantil, embora de indiscutível valor, não garante que as decisões políticas sejam transformadas em ação. O fato de o poder municipal estar mais próximo do cidadão é que deve determinar maior transparência, monitoramento eficaz e assegurar a qualidade dos serviços prestados.

36

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

vigente, é permeada por uma nova visão da criança, do conhecimento e do saber que cuida e educa. Sem essa visão, os municípios dificilmente incorporarão o espírito da lei e a universalização pautada na qualidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCAÇÃO BÁSICA 2014.Todos pela Educação. São Paulo, Moderna, 2014. Disponível em:<http://www.moderna.com.br/lumis /portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8A8A824614522A01462512381317E1>. Acesso em 06/06/2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10/05/2014. BRASIL. Lei 13.0005, de 25 de junho de 20014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_ 03/_Ato20112014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso em 30/06/2014. BRASIL. Ministério da Educação. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade. São Paulo. ISBN, 2012. Disponível em: < http://www.ceert.org.br/arquivos/EDUCA_%20 INFANTIL_FINAL.pdf> Acesso em 01/07/2014. BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Ministério da Educação. Brasília, 2009. Disponível em: < http://portal.mec. gov.br/ dmdocuments/ indic_qualit_educ_infantil.pdf>. Acesso em 01/07/2014. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. Volume1. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_ infraestr.pdf>. Acesso em 03/03/2014. BRASIL. Ministério da Educação. Ministério da Educação – Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica, Brasília, 2009. Resolução nº 05 de 17 de dezembro de 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content &id=12992:diretrizes-para-a-educacao-basica. Acesso em 01/04/2014. BUARQUE, Cristovam. A revolução republicana na educação - Ensino de qualidade para todos. São Paulo, Moderna, 2011. Disponível em: <http://www.moderna.com. br/lumis/ portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A7A83CB34572A4A01345BC3DF0F41 56>. Acesso em 02/03/2014. CARVALHO, Fernanda Antoniolo Hammes. Neurociências e educação: uma articulação necessária na formação docente. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tes/ v8n3/12. pdf>. Acesso em 20/05/2014. KRAMER, Sonia; NUNES, Maria Fernanda; CARVALHO; Maria Cristina (orgs.). Educação infantil – formação e responsabilidade. Campinas, São Paulo: Papirus Editora, 2013. REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA. PNPI - Plano Nacional Pela Primeira Infância – proposta elaborada pele Rede Nacional Primeira Infância com ampla participação social. Brasília, 2010. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/wp-content/ uploads/

37


SIGARDO, Angel Pinto. O social e o cultural na obra de Vigotski, 2000. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a03v2171.pdf>. Acesso em 06/06/2014. SÍNTESE sobre cuidados na infância- educação e cuidados na primeira infância. Enciclopédia sobre o desenvolvimento na Primeira Infância, 2011, p. i. Disponível em: <http:// www.enciclopedia-crianca.com/pt-pt/inicio.html>. Acesso em 20/03/2014. UNESCO. Relatório UNESCO. Educação e Cuidado na Primeira Infância: grandes desafios. Brasília: UNESCO, Brasil OCDE, Ministério da Saúde, 2002. Disponível em <http:// unesdoc.unesco.org/images/0013/001362/136283por.pdf>. Acesso em 09/05/ 2014.

38

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

PPNI-resumido.pdf>. Acesso em 01/04/2014.


GOVERNO ELETRÔNICO E TRANSPARÊNCIA: DESDOBRAMENTOS SOBRE PUBLICIDADE E CONTROLE EXTERNO DAS CONTAS PÚBLICAS MUNICIPAIS Marcio Cedenilla dos Santos1 Maria Cláudia Santos da Cruz2

RESUMO Este trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem dos conceitos de governo eletrônico e de transparência governamental, tendo como fonte literatura variada, em especial aquela de livre acesso, inclusive na internet: artigos, livros, websites governamentais e leis referentes ao tema. O método da pesquisa é descritivo e analítico. Através de uma revisão de literatura, fez-se um levantamento, objetivando determinar o atual estadiamento dos serviços eletrônicos, disponibilizados pelas diferentes esferas do poder executivo – municípios, estados e união federal e buscou-se: a) trazer conhecimento sobre os principais serviços públicos disponibilizados eletronicamente, bem como os de maior demanda por parte da população; b) demonstrar as principais ferramentas eletrônicas de tecnologia da informação e da comunicação, disponíveis atualmente para assegurar o controle das contas públicas municipais, realizadas de maneira universal; c) promover um levantamento das principais normas legais vigentes, bem como explorar sua doutrina, correlacionando os temas governo eletrônico, lei da transparência, lei de acesso à informação; 1 Graduação em Odontologia, UFRJ e Medicina Veterinária, UFF. Curso de Especialização em Gestão Pública Municipal, Programa CEAD – UNIRIO. 2 Especialista em Gestão Pública e Recursos Humanos pela UCAM. Graduação em Administração de Empresas, CELSO LISBOA, Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso, do Programa Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO.

39


Palavras-chave: Governo eletrônico. E-government. Transparência governamental. Controle externo. Tecnologia da informação e comunicação.

1. INTRODUÇÃO O contínuo processo de informatização – que norteia a formação das “sociedades em rede”, caracterizada pelo uso intensivo da via digital, em superação às estruturas administrativas hierarquizadas e verticalizadas – atrelado aos avanços das áreas relacionadas à tecnologia da informação e da comunicação, levou à adesão dos diferentes tipos de governo ao processo de introdução, desenvolvimento e aperfeiçoamento do governo eletrônico, bem como contribuiu para consolidar os conceitos relacionados a este. Vive-se atualmente um progresso contínuo e cumulativo na utilização das novas tecnologias de informação (ROVER, 2009). Por outro lado, a internet figura como protagonista desse cenário, atuando como via de busca de informações, serviços, comunicação, realização de transações (comércio eletrônico), compartilhamento de ideias e de conhecimento, entre outros, sendo um dos alicerces para a formação do e-gov3. Associada a isso existe a problemática indissociável da não inclusão digital como principal elemento opositor desse processo. Outro ponto importante é a recente mudança do papel de cada cidadão, chamado “cidadão governante”, no âmbito do controle dos gastos públicos, de acesso à informação e a demais atos da vida política do 3 E-government (Tradução, Governo eletrônico).

40

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

e, de maneira complementar, analisar o atual nível de adesão dos diversos tipos de governo, no que tange ao cumprimento destas leis.


governo. Assim, o desenvolvimento das tecnologias de informação tem dado à sociedade, nas últimas décadas, um poder de ação antes jamais pensado e geralmente entregue a monopólios, em sua grande maioria estatais (ROVER, 2001, p. 247, citado por ROVER, 2009). O governo eletrônico disponibiliza uma série de ferramentas de tecnologia de informação, fundamental na prática na transparência dos gastos públicos. Além disso, as diversas esferas governamentais – municipal, estadual e federal – utilizam e exploram ao máximo, e cada vez mais, essas ferramentas, objetivando dinamizar e estreitar as relações com os diversos entes – pessoa física e jurídica – em todas as atividades (como pagamento de impostos, constituição de empresas e exposição pública) respeitando a normatização atual de seus balanços e gastos. Considerando a legislação vigente sobre Governo Eletrônico, Transparência Governamental e Controle externo, é importante ressaltar a evolução do controle externo, desempenhado em sua plenitude pelos órgãos com competência legal, bem como pelo cidadão comum no legítimo exercício de seus direitos políticos; e, finalmente, conclui-se que o dever de controlar deve ser pactuado junto com a administração pública em favor de toda a sociedade.

2.

REFERENCIAL TEÓRICO

2.1

Aspectos conceituais do governo eletrônico O governo eletrônico representa uma infraestrutura de comunica-

ção entre os mais variados tipos de interlocutores, como órgãos públicos (intra e intergovernamental), governo e governados (cidadão ou empresa), que utilizam, muitas vezes, um espaço midiático de contato e interação para realizar seus objetivos. Essa comunicação é construída no ambiente

41


Para LIMA (2005) e ROVER (2009), o governo eletrônico se divide em 3 categorias: G2G (Government-to-Government), que envolve compras ou transações entre governos; G2B (Government-to-Business) constituído pela relação entre governo e fornecedores; e G2C (Government-to-Citizens), que promove a relação entre governo e cidadãos. As duas primeiras categorias são responsáveis pela maioria de investimentos feitos. Assim, a infraestrutura tecnológica, considerada a base de suporte para a implantação do e-gov, é composta, de maneira geral, por toda arquitetura física voltada para esta finalidade: rede de comunicação interna e externa (cabeamento, rede sem fio, provedores de internet, prestadoras de serviço de telefonia em banda larga de dados), unidades de trabalho de hardware (computadores e periféricos) e os diversos tipos de softwares utilizados nas rotinas administrativas e no sistema interno.

1.2

Histórico e legislação associada ao e-gov, acesso à informação e transparência governamental

A criação do transistor, em 1947, representou o marco de partida da revolução tecnológica da informação que mais tarde, e durante os 40 anos seguintes, viria a se consolidar, perpetuando-se através dos sistemáticos avanços no campo da informática, com desdobramentos sobre todas as áreas do conhecimento humano. O marco histórico mundial para o alcance do e-gov ocorreu em agosto de 1993, com o lançamento do Mosaic®4, primeiro Brower que permitiu uma navegação fácil pela web. O 4 Primeiro Navegador WWW e cliente Gopher, foi o primeiro navegador a rodar no Windows (além do UNIX), que abriu a web para o público em geral. Desenvolvido no National Center for Supercomputing Applications (NCSA) a partir de 1992, lançado em 1993 e extinto em 27 de janeiro de 1997. (Fonte: Wikipédia).

42

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

virtual, geralmente sob a forma de uma página eletrônica, acessada via domínio inserido na internet.


1º Fórum Global sobre Reinvenção do Governo, realizado na cidade de Washington, com a representação de 45 países, foi o evento que lançou as bases ideológicas e formais deste tipo de governo (VIEIRA, 2010). O modelo de e-gov adotado no Brasil – que, iniciado em 2000, na gestão de FHC (DINIZ, 2009), começou com a criação, no âmbito federal, do programa Governo Eletrônico Brasileiro, e tem como diretriz transformar as relações entre governo e cidadãos, empresas e indústrias e, também, as relações intragovernamentais entre si – tornou a administração mais eficiente e democratizou o acesso à informação. Em 20 de setembro de 2000, por iniciativa do Ministério do Planejamento, é lançada a Proposta de Política de Governo Eletrônico, evidenciando a intenção do governo federal de potencializar esforços em favor do então processo corrente de informatização dos serviços públicos, até mesmo como estabelecimento e formalização de linhas de ação, diretrizes (participação cidadã, melhoria do gerenciamento interno do Estado e integração com parceiros e fornecedores) e metas. Segundo MORA (2005), em um levantamento realizado em 2000, o portal federal Rede Governo já dispunha de 629 serviços e 3.500 informações. Em 30 de junho de 2005 é publicado o Decreto nº 5.482 (uma emblemática ferramenta legal dentro da administração pública federal) sobre a construção do Portal da Transparência5 do poder executivo federal, sob gestão da Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo desse Portal é veicular dados e informações detalhadas sobre a execução orçamentária e financeira da União. Com isso, o governo brasileiro promoveu uma mudança na visão que tinha do cidadão, tido agora como um agente proativo e detentor de seus direitos e cidadania, na sua amplitude. Nesse contexto, a inclusão digital fomenta o processo de estabelecimento do governo eletrônico, através de políticas de promoção. Outro aspecto importante, dentro da estratégia do e-gov, é a racionalização de recursos – ou seja: o investimento 5 Disponível em: <www.transparencia.gov.br >. Acesso em: 04 de agosto de 2014.

43


No Brasil, o direito de acesso à informação pública está previsto na Constituição Federal, no inciso XXXIII do Capítulo I – dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – que dispõe: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Por outro lado, com a instituição do princípio da transparência, através do Art. 5, incisos XXXIII, XXXIV, LXXII da Constituição Federal, ficam garantidos: o direito ao recebimento de informações de interesse particular, coletivo ou geral, o direito de petição e obtenção de certidões, e o “habeas data”. É dever dos municípios a disponibilização das contas públicas para exame, apreciação e controle do contribuinte. A LRF6 (Lei complementar nº. 101, criada em 4 de maio de 2000) tem o objetivo de promover maior controle sobre gastos feitos pelas administrações estaduais e municipais, vinculando-os sempre à capacidade de arrecadação tributária destes entes, evitando endividamento e gastos descontrolados, que ocorriam sistematicamente em seguidas administrações irresponsáveis. Esta lei institui o regime de gestão fiscal responsável, regulamentando os Arts. 163, 165 e 169 da Constituição Federal (BRAGA, 6 Lei de Responsabilidade Fiscal.

44

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

em suporte técnico e ferramentas de tecnologia da informação se justifica pelos benefícios e ganhos que trazem, com elevação do nível dos serviços prestados, muitas vezes gerando ganhos de receita, pela desburocratização desses serviços. Para ROVER (2009), atualmente há um debate muito importante sobre os aspectos jurídicos do chamado governo eletrônico.


2005). Tal regime obriga o envio, aos órgãos de controle externo – Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios – de balanços detalhados das contas públicas, que serão submetidos à aprovação – ou não – destes. Em caso de rejeição dos gastos, instaura-se uma investigação movida pelo poder executivo, a qual pode resultar em sanções administrativas, como multa ou inelegibilidade eleitoral do responsável. A LAI7 (Lei nº 12.527, criada em 18 de novembro de 2011) tem o propósito de regulamentar o direito fundamental de acesso dos cidadãos às informações públicas, exercido em conformidade aos princípios básicos da administração pública, e com diretrizes ancoradas na publicidade como preceito; o sigilo será exceção na divulgação de informações de interesse público, na utilização dos meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação, no fomento da cultura da transparência e no controle social no âmbito do ente público. Os dispositivos da lei são aplicáveis aos três poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 1.3

Estadiamento atual dos governos no contexto do e-gov

Existe grande variedade quanto a parâmetros que podem ser utilizados para análise de governos eletrônicos, sendo o estudo dos websites governamentais – quanto à quantidade e variedade de serviços, informações, documentos públicos e demais variáveis, nas relações entre governo e contribuinte (pessoa física e jurídica) – uma forma bastante eficiente de construir um diagnóstico de estadiamento do processo de digitalização dos diferentes níveis e tipos de governo. Por outro lado, o próprio conceito de e-gov, para a ONU (Organização das Nações Unidas), refere-se à utilização da internet e da Word Wide Web, oferecendo disponibilidade de informações governamentais e serviços aos cidadãos, sendo este tipo de governo situado no campo das relações intraorganizacionais, envolven7 Lei de Acesso à Informação. Disponível em: <www.acessoainformacao.gov.br >. Acesso em: 04 de agosto de 2014. 45


O modelo de governo eletrônico brasileiro apresentou, nos primeiros anos, um padrão de queda em vários aspectos de desenvolvimento. Segundo dados da ONU, de acordo com estudos realizados para medir o grau de desenvolvimento do e-gov em diversos países, em 2001 o Brasil ocupava a 18ª posição (LIMA, 2005 e VIEIRA, 2010) entre 190 países analisados quanto ao desenvolvimento de políticas de e-gov, estando em 1º lugar em relação aos países da América latina. Em 2004, também segundo a ONU, passou a ocupar a 41ª posição entre 191 países analisados, estando em 4º lugar em relação aos países da América latina (PRADO, 2004); em 2005, ocupou a 45ª posição, segundo o mesmo estudo. Por outro lado, em seu estudo mais recente (publicado em 2014), através do exame de desenvolvimento do governo eletrônico, a ONU classificou o Brasil como 57º no ranking mundial de líderes de e-government, tendo EGDI8 de 0.6008; foi, por isso, classificado, como de elevado (“High”) EGDI, e de crescimento moderado (“Upper Middle”), já que apresentou evolução em duas posições, em relação ao ranking (Rk)9 de 2012; de acordo com o ranking dos 20 melhores países em EGDI, nas Américas (Figura 1), o Brasil ficou atrás do Uruguai (EGDI 0.7420; Rk 26º; subiu 24) , do Chile (EGDI 0.7122; Rk 33º; subiu 6), da Argentina (EGDI 0.6306; Rk 46º; subiu 10), da Colômbia (EGDI 0.6173; Rk 50º; caiu 7) e até mesmo Costa Rica (EGDI 0.6061; Rk 54º; subiu 23), além dos Estados Unidos (EGDI 0.8748; Rk 7º; caiu 2) e do Canadá (EGDI 0.8418; Rk 11º; =). O EGDI (Figura 2) é calculado pelo índice de serviços online (OSI), pelo índice de infraestrutura de comunicação (TII) e pelo índice de capital humano (HCI). De maneira geral, estes índices buscarão quantificar a dis8 Índice de Desenvolvimento de Governo Eletrônico. 9 Ranking (Rk). 46

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

do a coordenação e implementação de políticas e prestação de serviços (PRADO, 2004).


ponibilidade de serviços online pelos governos, o suporte em infraestrutura de comunicação e a qualidade do material humano disponível no país analisado. Vale aqui destacar o exemplo de Austrália (EGDI 0.9103; Rk 2º; subiu 10) e Cingapura (EGDI 0.9076; Rk 3º; subiu 7), que apresentaram expressivo crescimento no EGDI nos últimos dois anos; e também o da Coreia (EGDI 0.9462; Rk 1º; =), objeto de análise, espelho e modelo para toda e qualquer nação que tenha, como objetivo final, a implantação do e-government em um nível de excelência plena, e obtendo como produto todos os benefícios citados na implantação deste tipo de governo.

Figura 1 – United Nations E-Government Survey 2014 – Cap. 1 – Tab. 1.4.

47


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Figura 2 – United Nations E-Government Survey 2014 – Cap. 1 – Fig. 1.1.

É inquestionável a expressiva evolução, no modelo brasileiro de e-gov, dos diferentes tipos de serviços e suas variáveis, disponibilizadas pelo ente público, ao longo das últimas duas décadas, considerando-se que, em 1996, apenas 6% das declarações de imposto de renda eram enviadas pela internet, mas, em 2004, elas chegaram a 97% (PRADO, 2004). Contudo, o processo de digitalização do Estado não se tem mostrado igual em todas as regiões e municípios brasileiros: percebe-se que ainda hoje existem muitos municípios (geralmente de pequeno porte) que sequer têm sítio eletrônico disponibilizado. Esse quadro parece ser mais grave na região Norte do Brasil, onde muitos fatores dificultam a implantação do modelo digital do Estado, algumas vezes por (des)interesse político, outras simplesmente pelas dificuldades de infraestrutura daquela região. 1.4

Principais tipos de portais governamentais, e ferramentas de Tecnologia de Informação disponibilizadas nestes

Os diferentes tipos de portais eletrônicos do governo podem ser divididos em grupos distintos, levando-se em conta: a) características fun-

48


cionais e estruturais, ou seja, as atribuições e motivo para sua existência, como se deu o processo de estruturação e arquitetura do portal; e b) quais ferramentas de TI foram inseridas objetivando otimizar seu funcionamento e atingir com excelência as atribuições de competência da administração pública. Existem portais criados para atender a demandas por serviços e informações inerentes ao próprio ente público criador (institucional). Este é o modelo adotado pelas diversas representações da administração direta e indireta, ministérios, secretarias, governos estaduais e municipais, órgãos governamentais, institutos, autarquias, agências e empresas públicas, estendendo-se também aos órgãos do poder legislativo e judiciário. De maneira geral, disponibiliza-se uma série de informações de cunho funcional do órgão do governo em questão, com o objetivo didático de instruir o visitante quanto a características, atribuições, histórico, endereços de localização, telefones de contato e estrutura de governo ou de administração. Também são ofertados ao visitante “links” e “banners”, construídos sob o “layout” de “Acesso à Informação” e “Portal da Transparência”, com vistas a suprir informações como balanço econômico, orçamentário, financeiro (contas públicas), processos licitatórios vigentes, legislação, diário oficial, e documentação, relacionadas à normatização que trata do assunto. Estas informações são disponibilizadas na forma de arquivos para “download” ou no formato eletrônico, criado a partir de informações fornecidas pelo próprio usuário e de acordo com o que se quer pesquisar. Segundo KUMAR E COLABORADORES (2007), citados por DAMIAN (2013), o objetivo principal dos sites de e-gov é ser utilizado com frequência pelos cidadãos, a fim de obterem informações, interagir e realizar transações com o governo. Existem portais construídos a partir de parcerias intergovernamentais, geralmente sob gestão estadual, que incluem até mesmo órgãos privados, os quais apresentam, como ideia central, a realização de diferen49


de Minas Gerais, o programa Minas Interativa criou, em 2011, a Unidade de Atendimento Integrado16 (UAI), com foco na desburocratização dos serviços públicos e do atendimento aos usuários, reunindo, em um mesmo espaço, vários órgãos e entidades, num modelo semelhante ao do 10 Disponível em: <http://www.poupatempo.sp.gov.br>. Acesso em: 18 de agosto de 2014. 11 Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo. 12 Disponível em: <http://www.rj.gov.br/web/poupatemporj>. Acesso em: 18 de agosto de 2014. 13 Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro. 14 Disponível em: <http://www.tudofacil.rs.gov.br>. Acesso em: 18 de agosto de 2014. 15 Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul. 16 Disponível em: <www.mg.gov.br/governomg/portal/m/governomg/acesso-rapido/ 10652-uai/10652/5 309>. Acesso em: 18 de agosto de 2014.

50

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

tes tipos de serviços em um único ambiente físico, onde o primeiro contato do usuário se dá via portal, com disponibilização de diversas ferramentas de TI (como formulários eletrônicos de solicitação de serviço, ou arquivo referente a este, disponível para “download” via “links”, e “banners” encontrados na página principal), além de fornecimento de informações necessárias para a prestação desses serviços, com posterior conclusão do atendimento no ambiente físico. É o caso do Programa Poupatempo10, criado pelo governo de São Paulo em 1996, e administrado pela Prodesp11 (DAMIAN, 2013), que oferece ao cidadão, em um mesmo local, mais de 400 serviços de natureza pública como, por exemplo, emissão de carteira de identidade, atestado de antecedentes criminais e carteira profissional. Outro exemplo bastante expressivo é Rio Poupa Tempo12: criado pelo governo do Rio de Janeiro em 2009, nos moldes do programa paulista, e coordenado pela Jucerja13, atualmente conta com 40 entidades parceiras que realizam cerca de 400 diferentes tipos de serviços públicos. Muitos outros exemplos semelhantes a estes desfilam ao longo dos estados da federação: o TudoFácil Eletrônico14 do Estado do Rio Grande do Sul, considerado pioneiro nas ações de e-gov no Brasil, com atividades iniciadas há mais de 30 anos por meio da Procergs15, e que atualmente disponibiliza mais de 700 informações e serviços com (DAMIAN, 2013); no Estado


Poupatempo paulista. Existe um terceiro tipo de portal de governo eletrônico, criado especificamente para dar publicidade aos gastos públicos e prover acesso às informações que devem ser de domínio coletivo. Nesse modelo surge o Portal da Transparência do Governo Federal, que representa um paradigma de cumprimento da legislação: trata de transparência governamental e de acesso à informação, persistindo ainda como modelo para o desenvolvimento de sítios com foco no controle externo. Outro relevante exemplo é o ComprasNet17, disponível no portal de compras governamentais da União, primeiro sítio criado para divulgar avisos e editais das modalidades de licitação do governo federal através do sistema de divulgação eletrônica de compras (RIBEIRO (2008); figura, assim, como modelo norteador de toda forma de contratação firmada junto ao poder público, sendo replicado inúmeras vezes nos diversos níveis de governo. Em pesquisa realizada em junho de 2014 pela CGU18, municípios com mais de 100 mil habitantes no Estado do Rio de Janeiro (excetuando o município do Rio de Janeiro), Belford Roxo, Itaboraí e Nova Friburgo não apresentaram nem mesmo Portal da Transparência; por outro lado, o município de Resende apresentou LAI regulamentada; e, como o município de Niterói, página de acesso à informação construída. Segundo DO NASCIMENTO (2012), em pesquisa realizada com 399 municípios do Estado do Paraná, observou-se que 81,25% dos municípios com 50.000 ou mais habitantes disponibilizam RGF (Relatório de Gestão Fiscal) e RREO (Relatório Resumido de Execução Orçamentária), contidos na LRF, em suas páginas eletrônicas; o índice cai para 29,43% quando se trata de municípios com menos de 50.000 habitantes, evidenciando, assim, que os governos municipais têm muito que fazer e avançar nesse sentido. 17 Disponível em: <http://www.comprasgovernamentais.gov.br/>. Acesso em: 24 de agosto de 2014. 18 Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/PrevencaodaCorrupcao/BrasilTransparente/MapaTranspare ncia/Municipios/RJ.pdf>. Acesso em: 24 de agosto de 2014.

51


Atores governamentais e mecanismos legais responsáveis pelo controle dos gastos públicos

O controle externo, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado”. O controle externo popular refere-se a todo tipo de mecanismo que possibilita observar a plena regularidade da administração pública, promovida pelo sujeito passivo de sua atuação, e em respeito a requisitos e princípios (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), com objetivo de evitar atos lesivos à coletividade. A própria Constituição Federal, em seu Art. 31, §3º, determina a disposição das contas públicas municipais a qualquer contribuinte, durante 60 dias por ano, para apreciação e questionamento de legitimidade, nos termos da lei. O Tribunal de Contas é o principal órgão autônomo de controle externo, responsável por fiscalizar e analisar contas e gastos públicos de seus jurisdicionados, com espectro de fiscalização sobre os gastos dos Poderes Executivo, Judiciário e do próprio Legislativo. O Ministério Público (MP) e o Poder Judiciário, no exercício de suas atribuições legais, são entidades que atuam em articulação com os Tribunais de Contas, e algumas vezes realizam investigações próprias – principalmente o MP. Também acolhem representações dos Tribunais de Contas, fruto das fiscalizações que executam; quando há indícios de irregularidades na execução e prestação das contas públicas, tais fatos são encaminhados ao poder judiciário, materializados na forma de processo judicial. Nesse contexto, vale destacar a relevante contribuição da Lei Nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção), que promoveu as ações e trabalhos do MP a instrumento legal tipificador dos crimes de improbidade administrativa, com responsabilização de seus autores, elen-

52

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

2.5


cando diversas formas de sanções, como suspensão de direitos políticos19. Todo cidadão pode figurar como ator fiscalizador do erário público, através do exercício do “controle social”, mediante denúncia levada às ouvidorias dos órgãos de controle externo, Tribunais de Contas e Ministério Público, ou àquelas dos órgãos de controle interno e correição, como as Controladorias, que têm por função atuar na prevenção e combate à corrupção dos servidores públicos. Nesse contexto, a implantação do governo eletrônico em sua plenitude atua como fenômeno potencializador de toda forma de controle social. O Relatório de Gestão Fiscal, instituído pela LRF, é um importante instrumento legal. Utilizado pelos principais órgãos de controle externo, contém informações que se referem à contemplação das metas ficais e dos limites de que trata a LRF. A Constituição Federal, em seu Art. 165, §3º, exige do Poder Executivo, no prazo de 30 dias após o encerramento de cada exercício bimestral, a publicação do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO). A própria LRF estabelece normas para elaboração e publicação deste relatório, de cuja produção também tratam os Tribunais de Contas. Por fim, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei orçamentária anual (LOA) e o Plano Plurianual (PPA), representam os principais dispositivos normativos utilizados pelos órgãos de fiscalização e controle, nas auditorias de contas públicas, na medida em que contêm dados e informações que obrigatoriamente devem ser divulgados pela administração pública.

19 MPRJ obtém suspensão de direitos políticos de ex-secretários de Maricá. Disponível em: <http://www .mprj.mp.br/web/internet/home/-/detalhe-noticia/visualizar/3201;jsessionid=aPIIXwCxCFD25OwincitC Gwo.node2>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.

53


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conceitos de governo eletrônico, transparência governamental e acesso à informação formam uma rede de cooperação dentro da administração pública moderna. Este trabalho procurou demonstrar as recentes mudanças que os governos têm apresentado: a implantação deste novo modelo de gestão, nas relações com seus usuários – no que se refere a prestação de serviços, publicidade de atos e contas públicas, e documentos de tutela coletiva – constitui uma importante ferramenta de aprofundamento da democracia, onde transparência plena é requisito fundamental. Além disso, voltou-se para o atual estadiamento de implantação do e-gov nos diferentes níveis de governo existentes no Brasil, sob o paradigma de uma nova forma de gestão pública; e procurou trazer conhecimento sobre os principais dispositivos legais, e sobre os atores de controle externo, envolvidos nestes assuntos. Concluindo, pode-se afirmar que o modelo de governo eletrônico, que representa um fenômeno contemporâneo e progressivo, favorável ao relacionamento entre Estado e cidadão, garante direitos e facilita acessos, norteando assim os caminhos futuros da gestão governamental: e possibilita, cada vez mais, a transparência dos atos da Administração Pública.

54

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

3


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Marconi Augusto Fernandes de Castro. Transparência na gestão fiscal dos municípios mineiros: teoria, prática e jurisprudência. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Edição Nº 02 de 2005 - Ano XXIII. Disponível em: http:// 200.198.41.151:8081/tribunal_contas/2005/02/-sumario?next=4. Acesso em: 13 de nov. de 2013. BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.482, de 30 de junho de 2005. BRASIL. Decreto-Lei nº 7.724, Regulamenta a Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000. DAMIAN, Ieda Pelógia Martins; MERLO, Edgard Monforte. Uma análise dos sites de governos eletrônicos no Brasil sob a ótica dos usuários dos serviços e sua satisfação. Revista de Administração Pública, v. 47, n. 4, p. 877 a 899, 2013. Disponível em < http://bibliote cadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9624>. Acesso em: 13 de nov. de 2013. DO NASCIMENTO, Cristiano. Transparência na divulgação da contabilidade pública municipal paranaense no ambiente da internet. Disponível em: <http://www. anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2012/APB/ Tema%2001/2012_ APB1440.pdf>. Acesso em: 13 de nov. de 2013. LIMA, Norma da Costa Siqueira Lima. Governo eletrônico, uma nova relação entre cidadão e governo. Monografia Curso de Pós Graduação UCAM. Rio de Janeiro-RJ, 2005. MORA, Mônica. Governo eletrônico e aspectos fiscais: a experiência brasileira. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. ONU. United Nations E-Government Survey 2014. Cap. 1. Disponível em: http:// unpan3.un.org/egovkb/Reports/UN-E-Government-Survey-2014. Acesso em: 02 de Ago. de 2014. PRADO, Otávio. Governo eletrônico e transparência: a publicização das contas públicas das capitais brasileiras. Dissertação de Mestrado em Administração Pública e Governo, EAESP. São Paulo, 2004. Disponível em: < http://bibliotecadigita l.fgv.br/ dspace/handle/10438/2432>. Acesso em: 13 de nov. de 2013. ROVER, Aires J. Introdução ao governo eletrônico. Revista Democracia Digital e

55


56

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Governo Eletrônico, v. 1, n. 1, 2009. Disponível em <http://www.buscalegis.ccj. ufsc. br/revistas/ind ex.php/observatoriodoegov/article/viewArticle/30883>. Acesso em: 05 de jul. de 2014.


~

IMPACTOS DA CRIACÃO DO NOVO PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS NA BUSCA PELA FORMACÃO CONTINUADA PELOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE NÍVEL MÉDIO E SUPERIOR DE VALENCA-RJ

~

~

Rafael Silva Pereira1 Osilene Maria de Sá e Silva da Cruz2

RESUMO O presente estudo tem o objetivo de investigar a eficácia do incentivo à busca de formação continuada pelos servidores dos níveis médio e superior do Município de Valença, Rio de Janeiro, motivada pela mudança da metodologia de progressão funcional, realizada pela implantação do Novo Plano de Cargos e Salários, no fim de 2011. O estudo foi dividido em três etapas. Na primeira, qualitativa, foi feita pesquisa bibliográfica das publicações de referência relativas ao tema, com o objetivo de formar o arcabouço teórico necessário às análises a serem realizadas. Na segunda, também qualitativa, foi realizada pesquisa documental, promovendo comparação entre os mecanismos de progressão funcional contidos nos Planos de Cargos e Salários de 1999 e de 2011, este implantado em substituição ao anterior. Na terceira, quantitativa, um questionário estruturado foi aplicado a 41 servidores municipais, objetivando mensurar o histórico de seu interesse pela formação continuada e sua percepção do Novo Plano de Cargos e Salários e sua eficácia. Os resultados obtidos foram divididos em duas partes. A primeira, descritiva, demonstrou que não houve relevante incremento no interesse dos servidores municipais pela formação continuada com a implantação da nova metodologia. A segunda, explicati1 Tecnólogo em Gestão Pública pela Universidade Severino Sombra, 2012. Especialização em Gestão Pública Municipal, Programa CEAD – UNIRIO, 2014. 2 Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP), Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso, do Programa Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO.

57


Palavras-chave: Administração pública. Desenvolvimento de pessoas. Plano de cargos e salários. Progressão funcional. Formação continuada.

1

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2011, foi aprovado o Novo Plano de Cargos e Salários dos servidores municipais de Valença-RJ, que trouxe substancial reformulação aos critérios para progressão salarial, fortemente fundamentada na formação continuada dos servidores. Embora os profissionais das carreiras da Educação não estejam incluídos no Novo Plano, porque contam com Plano de Carreira próprio, a Lei Complementar nº 151/2011 abarca, pelo menos, 60% dos servidores de nível médio e superior da Administração Direta do Município. Contudo, apesar do claro interesse do legislador em incentivar a formação continuada dos servidores municipais com o Novo Plano, e, por conseguinte, ampliar os níveis de eficiência e eficácia da administração municipal, os limites percentuais de Progressão Salarial do Novo Plano são substancialmente inferiores aos existentes no Plano de Cargos e Salários anterior. O presente trabalho avaliará a eficácia do Novo Plano de Cargos e Salários quanto ao incentivo à formação continuada dos servidores municipais de Valença/RJ – uma vez que não há, até o momento, levantamento formal sobre os níveis de formação dos servidores de Valença – e se estes extrapolam o mínimo requerido para seus cargos.

58

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

va, demonstrou que os primeiros resultados decorrem da percepção dos servidores municipais de que os mecanismos de progressão funcional da nova metodologia implantada não são suficientes para incentivar seu interesse pela formação continuada. Os resultados demonstram que a eficácia da nova metodologia deve ser mantida em estrita observação para fundamentar futuras, e necessárias, alterações na legislação vigente.


Assim sendo, o trabalho fornecerá subsídios para o acompanhamento do impacto do Novo Plano no interesse pela formação continuada dos servidores municipais, ao longo dos anos, e para a possível formulação de novas políticas de Recursos Humanos na Organização. No campo teórico, evidenciará os efeitos da elaboração de políticas eficazes, ou não, de Recursos Humanos no desenvolvimento dos servidores e da Administração Pública.

2.

REFERENCIAL TEÓRICO

As mudanças socioeconômicas ocorridas ao redor do mundo nas últimas décadas, em especial após o início do processo de globalização da economia, conduziram as organizações, principalmente as privadas, à necessidade de rever e reconsiderar suas políticas de gestão de pessoas (CRUZ, 2004). Com o avanço da dinâmica dos mercados e a complexidade das organizações, percebeu-se a relação simbiótica existente no binômio “Organização x Pessoas”, como salienta Chiavenato (1999): [...] as organizações são constituídas de pessoas e dependem delas para atingir seus objetivos e cumprir suas missões. E para as pessoas, as organizações constituem o meio pelo qual elas podem alcançar vários objetivos pessoais com um mínimo de tempo, esforço e conflito. (CHIAVENATO, 1999, p. 5).

Ante tal constatação, desenvolveram-se novas funções que, relacionadas à gestão de pessoas, englobam análise, descrição e desenho dos cargos, recrutamento e seleção de pessoal, administração de cargos e salários, e treinamento e desenvolvimento de pessoal (CHIAVENATO, 1999), tema que será abordado na próxima seção.

59


O novo cenário mundial, mais complexo e competitivo, tem exigido das organizações o desenvolvimento de seus capitais humanos e intelectuais, como elementos estratégicos necessários à sua capacidade de inovação e manutenção de sua posição no mercado (KAPLAN e NORTON, 1992). O chamado capital intelectual, responsável em grande parte pela capacidade de inovação e competitividades das organizações, passou a compor, junto com outros elementos, um conjunto de características das organizações que são, ao mesmo tempo, de grande relevância para o mercado e de difícil mensuração objetiva. Por volta do final dos anos 70, essas características passaram a ser denominadas ativos intangíveis; elas englobam propriedades da organização que não são palpáveis mas produzem valor, geralmente de difícil mensuração, como capital intelectual, imagem frente aos clientes, posição de mercado, capacidade de inovação etc. (KAPLAN e NORTON, 1992). O contexto mundial pós-globalização e a internet evidenciaram o conceito de ativos intangíveis com o surgimento de organizações globais de tecnologia, cujo valor de mercado supera, em muito, a soma de seu capital contábil, salientando a expressiva valorização de seu capital intelectual, capacidade de inovação etc. (PEREIRA e PEREIRA, 2012).

2.2

Desenvolvimento de pessoas na Administração Pública

No Brasil, um dos marcos da mudança do paradigma socioeconômico mundial foi a Reforma Administrativa do Estado Brasileiro, que preconiza a ruptura com o modelo burocrático, tornando o Estado mais flexível e suas respostas à sociedade mais ágeis, eficazes e efetivas (BRESSER PEREIRA e SPINK, 2005). A agilidade e a assertividade esperadas das ações estatais fizeram com que as Organizações Públicas passassem a exigir mão de obra mais qualificada, reclamando, cada vez mais, pessoas com conhecimentos e habilidades multidisciplinares, capazes de apresentar respostas à altura da

60

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

2.1 Desenvolvimento de pessoas como ferramenta estratégica da organização


complexidade das novas demandas feitas ao Estado (GRANJA, 2010). Diante de tal necessidade, a Administração Pública começou a elaborar ações de incentivo à capacitação e à formação continuada de seus quadros funcionais (CRUZ, 2004), na busca pela ampliação do nível de qualificação de suas ações e do fortalecimento de seu capital intelectual (KAPLAN e NORTON, 1992). Um dos principais entraves a esta modernização na gestão de pessoas no setor público é a pequena flexibilidade que os limites legais lhe permitem. Como alternativa a esta limitação, algumas organizações públicas iniciaram um processo de reestruturação dos Planos de Cargos e Salários, dispositivos tipicamente tradicionais de remuneração, com a inserção de incentivos à formação continuada dos servidores (SANTOS, 2010). Em Valença-RJ, tal reformulação ocorreu no início de 2012, com a implantação de um Novo Plano de Cargos e Salários (VALENÇA, 2011), voltado para o incentivo à formação continuada, em substituição ao anterior, de 1999, que priorizava o tempo de serviço (VALENÇA, 1999).

3.

OS PLANOS DE CARGOS E SALÁRIOS DE VALENÇA

O ano de 1999 foi um marco no avanço das legislações funcionais no Município de Valença, com a edição das Leis Complementares nºs 27, Plano de Cargos e Salários – PCS, e 28, Estatuto dos Servidores, que regulamentam toda a temática funcional no Município, sendo elaborado, posteriormente (em 2007), o Plano de Cargos e Salários próprio das carreiras do Magistério.

3.1

O primeiro Plano de Cargos e Salários

A Lei Complementar nº 27, de 28 de setembro de 1999, instituiu, no Município de Valença, no interior do Estado do Rio de Janeiro, seu primeiro Plano de Cargos e Salários para os servidores do Poder executivo. A Lei Complementar distribuiu os cargos efetivos em classes, sé61


O servidor estaria apto a pleitear a Promoção quando completasse pelo menos dois anos de efetivo exercício em determinada classe, e desde que houvesse vaga disponível na classe pleiteada. Deveria ainda, além de obter desempenho satisfatório em prova de conhecimento em relação às atribuições do cargo ocupado, ter-se submetido a avaliações semestrais de mérito, realizadas por seu superior imediato, considerando, dentre seus dezesseis critérios distintos, iniciativa, disciplina, produtividade e interesse por treinamento e aperfeiçoamento (VALENÇA, 1999,Arts. 9º ao 16). A Promoção, viável uma única vez na carreira, representaria acréscimo de 7% (sete por cento) aos vencimentos do servidor. Para pleitear a Progressão Horizontal, o servidor deveria atender aos mesmos critérios da promoção. Porém, a quantidade de servidores beneficiados não dependeria da existência de vagas: seria limitada a “dois terços (2/3) dos ocupantes de cada classe” no período estipulado para a avaliação (VALENÇA, 1999, Arts. 17 a 19). Cada Progressão representaria acréscimo de 3% (três por cento) nos vencimentos do servidor. Considerando esses valores, em vinte e dois anos de serviço o servidor poderia ter seus vencimentos aumentados em até 30,5%, podendo o acréscimo chegar a 71% se houvesse também promoção. Embora não haja critérios objetivos para a avaliação de mérito do servidor – o que permite deturpação por uma chefia mal intencionada – observa-se no dispositivo o embrião do incentivo à formação continuada.

3.2

O novo Plano de Cargos e Salários Em novembro de 2011, foi aprovado o Novo Plano de Cargos e

3 Note-se que, para efeito de distinção entre os conceitos, utilizamos “Progressão”, em maiúscula, quando tratamos do instituto contido na Lei e “progressão”, em minúscula, quando falamos em termos gerais de avanço, evolução. O mesmo ocorre com “Plano” e “Promoção”.

62

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

ries de classes e grupos ocupacionais; e, a partir de tais definições, determinou os mecanismos de Promoção e Progressão Horizontal3 dos servidores, sendo o primeiro a “elevação do servidor à classe imediatamente superior àquela a que pertence” (VALENÇA, 1999, Art. 9º) e o segundo, “o deslocamento na referência horizontal do vencimento do servidor” (VALENÇA, 1999, Art. 17).


Salários dos servidores municipais de Valença-RJ, Lei Complementar nº 151/2011, objetivando sanar as inconsistências do Plano de Cargos e Salários anterior, já defasado e obsoleto. A nova legislação reformulou o sistema de progressão salarial, que, desconsiderando o tempo de serviço, e elencando novos critérios, fundamentava-se na formação continuada do servidor, tendo definido critérios objetivos e que deixam pouca (ou nenhuma) margem para interpretações dúbias. De acordo com a nova legislação, o servidor efetivo pode requerer a Progressão a qualquer tempo, desde que apresente comprovante da escolaridade exigida para a Progressão, conforme tabela própria, sendo o avanço dos vencimentos limitado a 18% (dezoito por cento) (VALENÇA, 2011, Art. 11). Porém, embora traga elementos que tornam mais clara e objetiva a progressão salarial, a nova legislação põe o limite da progressão salarial do servidor em um patamar muito abaixo daquele que existia anteriormente, isto é, desconsiderando a formação pregressa do servidor, aquela adquirida antes do seu ingresso nos quadros funcionais do Município – o que contraria o interesse de incrementar o Capital Intelectual da administração do Município, por não valorizar o servidor que já ingressa no serviço fazendo aportes a tal ativo intangível. Se, por um lado, a nova Lei visa, evidentemente, fomentar a melhoria da qualidade da Administração Pública com o incremento de seu capital intelectual, por outro lado o limite de progressão salarial de 18%, muito baixo se comparado aos possíveis 30% da legislação anterior, pode funcionar como desestimulante para o servidor e, paradoxalmente, prejudicar a Administração Pública Municipal. A contradição exposta representa um diapasão de efeitos diametralmente opostos e mutuamente anuladores – incentivos objetivos à formação continuada, porém com um limite percentual baixo de progressão salarial - merecendo especial acompanhamento e rotineiras aferições para que se possam elaborar ações que sustentem a eficácia do Plano de Cargos e Salários.

63


METODOLOGIA UTILIZADA

A pesquisa realizada, de metodologia quantitativa e objetivos descritivo-explicativos, presta-se, em um primeiro momento, a identificar a ocorrência do fenômeno suposto e, em seguida, a elencar possíveis razões para a sua ocorrência (ZANELLA, 2012). Como preparação ao levantamento dos dados, foi realizada pesquisa bibliográfica e documental, visando formar arcabouço teórico e contextual para melhor embasar a análise. Por fim, foi adotada a pesquisa por levantamento, aplicando-se o questionário estruturado à amostra representativa do universo alvo e analisando-se os dados coletados por meio de métodos matemáticos e estatísticos, visando extrapolá-los para o todo (ZANELLA, 2012). O questionário de pesquisa conteve dez questões objetivas, divididas em dois grupos. O primeiro busca identificar a relação do cargo ocupado pelo servidor com seu nível de escolaridade; e o segundo é destinado a identificar a percepção e o conhecimento dos servidores sobre os mecanismos de progressão funcional. O universo alvo totaliza 504 servidores; a amostra representativa foi estipulada em 20% deste total, embora a adesão dos servidores municipais tenha sido baixa, e este número não tenha sido atingido. A pesquisa foi realizada junto aos servidores municipais de Valença entre os dias 07 de julho e 03 de setembro de 2014. Distribuíram-se 120 formulários e foram obtidas 41 respostas válidas. Em decorrência da baixa adesão dos servidores municipais à pesquisa, a margem de erro foi de 14,5%, calculada pela metodologia de margem de erro com correção de população finita (DOANE e SEWARD, 2008), e com intervalo de confiança fixado em 95%.

5.

ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS A baixa adesão dos servidores municipais à pesquisa comprome-

64

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

4


teu os resultados, impedindo a estratificação de algumas análises. A alta resistência dos servidores a essa pesquisa pode ser listada como objeto de estudos futuros, que contemplem suas implicações e origens sociopolíticas e culturais, mas que fugiriam ao escopo deste estudo, se aqui exploradas. Embora, na amostra, a proporção entre servidores estáveis e outros em estágio probatório seja distinta da mesma proporção contida no universo estudado, tal diferença mantém-se dentro da margem de erro aplicada ao estudo, pelo que a estratificação foi levada a cabo.

5.1

Interesse pela formação continuada

O formulário de pesquisa solicitou que os participantes declarassem a escolaridade que possuíam, que adquiriram ou de que estavam em aquisição em três momentos distintos ao longo de sua vida funcional: ao ingressar no serviço público; em 31 de dezembro de 2011 – último dia de vigência da Lei Complementar nº 27/1999; e após 1º de janeiro de 2012 – primeiro dia de vigência da Lei Complementar nº 151/2011. Desta forma, foi possível proceder a duas análises: quantos servidores possuíam formação superior à exigida pelo nível do cargo em cada um dos três momentos e quantos servidores efetivamente incrementaram sua formação após o ingresso no serviço público. Quanto a este aspecto, apurou-se que 56,1% dos participantes ingressaram no serviço público municipal com escolaridade superior à mínima exigida pelo nível do cargo. Em 31 de dezembro de 2011, este percentual era de 63,4%; e, a partir de 1º de janeiro de 2012, passou a ser de 70,7%. A progressão observada, da ordem de 7,3 pontos percentuais em cada salto, demonstra que o Novo Plano de Cargos e Salários não provocou alteração significativa no padrão de aumento de escolaridade dos servidores. Em seguida, aferiu-se que, entre o ingresso no serviço municipal e 31 de dezembro de 2011, 12,2% dos participantes da pesquisa buscaram uma nova formação. No período após 1º de janeiro de 2012, este número subiu para 19,5%, sendo que 75% do número de interessados na formação 65


Por fim, constatou-se que, dos servidores que ingressaram no serviço municipal com formação superior à mínima exigida, 8,7% buscaram pelo menos uma nova formação até 31 de dezembro de 2011; e 17,4% também buscaram pelo menos uma nova formação após 1º de janeiro de 2012. Sob o aspecto do interesse pela formação continuada, considerando os dados auferidos e a margem de erro do estudo, observa-se que os avanços promovidos pela Lei Complementar nº 151/2011 foram muito pouco expressivos; contudo, os servidores recentes, ou seja, aqueles em estágio probatório, são mais sensíveis aos incentivos ofertados.

5.2 Percepções sobre a formação continuada e o Plano de Cargos e Salários A segunda parte do questionário aplicado continha questões sobre a percepção pessoal dos servidores participantes em relação à temática da formação continuada e à eficácia dos mecanismos de progressão apresentados na Lei Complementar nº 151/2011. Após uma breve explanação sobre o tema, foi pedido que os participantes atribuíssem valores de 1 a 5 à importância que davam à progressão continuada na melhoria do seu desempenho profissional e à progressão funcional como incentivador da formação continuada, não sendo observada divergência relevante entre as respostas dos servidores em estágio probatório e aquelas dos estáveis, quando aplicada a margem de erro. Quanto à importância da formação continuada, 73,2% dos participantes atribuíram-lhe o valor máximo de importância, não tendo sido conferidos valores 1 e 2 a nenhum item do questionário respondido. Sobre a importância que dão à progressão funcional como incentivador do interesse dos servidores pela formação continuada, embora tenha havido respostas com valores mais baixos (1 e 2), 68,3% dos participantes atribuíram o valor máximo (5) à questão. 66

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

continuada são servidores em estágio probatório, o que sugere que este grupo apresenta maior interesse pela formação continuada.


Foi solicitado que os participantes informassem seu nível de conhecimento sobre os mecanismos de progressão funcional da Lei Complementar nº 151/2011: a maior concentração dos resultados ficou nas opções “Tenho uma noção básica” e “Conheço” (29,3% e 41,5% dos participantes, respectivamente). Por fim, questionados sobre serem suficientes os mecanismos de progressão funcional contidos na Lei Complementar nº 151/2011 para incentivar a busca da formação continuada pelos servidores municipais, a concentração dos resultados recaiu sobre a opção “Pouco suficiente” (58,5% dos participantes), embora tenha havido abstenções (7,3% dos participantes).

5.3

Discussão dos resultados

Como demonstrado, a implantação do Novo Plano de Cargos e Salários dos Servidores do Município de Valença, através da Lei Complementar nº 151/2011, provocou ligeiro aumento no interesse dos servidores pela formação continuada, sendo verificada maior sensibilidade ao tema nos servidores em estágio probatório do que nos servidores já estáveis. Ao analisar as respostas relacionadas à percepção dos servidores quanto à importância da formação continuada para o desempenho profissional, e da progressão funcional como incentivador da formação continuada, foi possível observar que a opinião predominante entre os participantes é que a formação continuada tem alta importância no desempenho profissional do servidor (87,8% dos participantes) e que a progressão funcional é um incentivador relevante do interesse pela formação continuada (80,5% dos participantes). Quanto ao questionamento sobre o conhecimento dos participantes em relação aos mecanismos de progressão funcional contidos na Lei Complementar nº 151/2011, restou evidenciado que esse nível de conhecimento é bem distribuído na escala, com cerca de 50% dos participantes apresentando nível alto de conhecimento. Contudo, a percepção de que tais mecanismos são insuficientes para incentivar a busca pela formação continuada é expressivamente alta (na ordem de 78%).

67


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exponencial avanço na complexidade das organizações públicas e privadas ao longo do século XX levou ao desenvolvimento de novos conceitos administrativos e a novas concepções teóricas e práticas na gestão de recursos da organização. Um desses novos conceitos é o dos ativos intangíveis, ou seja, elementos que agregam valor financeiro à organização, mas que não podem ser objetivamente mensurados ou contabilizados, como sua posição no mercado, capacidade de inovação, capital intelectual etc. A percepção da importância e a crescente valorização do capital intelectual das organizações levaram à necessidade de rever os mecanismos de gestão de pessoas, em especial quanto ao desenvolvimento de pessoas nas organizações, por meio de incentivos à formação continuada dos funcionários. A crescente necessidade de aumentar a eficiência e a eficácia das ações das organizações públicas levou algumas destas instituições a adotar mecanismos de desenvolvimento de pessoas semelhantes aos da administração privada, embora o processo seja feito de forma bastante lenta e com as devidas ressalvas legais. No final de 2011, o Município de Valença – RJ deu um passo importante nesse sentido, implantando um Plano de Cargos e Salários cujos mecanismos de progressão funcional (melhorias salariais) alicerçavam-se fortemente na formação continuada como critério objetivo de progressão, em substituição ao Plano de Cargos e Salários anterior, de 1999, no qual a progressão funcional fundamentava-se no tempo de serviço e em critérios diversos e subjetivos. Após serem analisados e comparados os Planos de Cargos e Salários do Município de Valença (o antigo e o novo), e analisados os dados da pesquisa com os servidores, restou claro que a nova legislação não produziu os efeitos pretendidos pelo legislador. A eficácia da modernidade trazida pela Lei Complementar nº 151/2011 ao fundamentar a progressão funcional apenas na formação continuada, embasada em critérios objetivos, em detrimento ao modelo

68

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

6


anterior, fundamentado no tempo de serviço e em critérios diversos e subjetivos, foi prejudicada pela limitação, imposta pelo mesmo ordenamento, à progressão salarial máxima permitida ao servidor municipal. A progressão que antes ocorreria em médio e longo prazo passou a ser possibilitada, virtualmente, a qualquer momento. Contudo, o servidor que antes vislumbrava a possibilidade de aumentar seus vencimentos em cerca de 30% teve esta progressão limitada a 18%. A influência negativa do limite no interesse pela formação continuada ficou evidenciada quando 78% dos participantes declararam considerar os mecanismos de progressão funcional contidos na nova legislação como pouco ou nada suficientes para incentivar a formação continuada. Fica assim justificado o fato de o interesse pela formação continuada entre os servidores municipais praticamente não ter sofrido alterações com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 151/2011, conforme evidenciado na subseção 5.1 – Interesse pela formação continuada. Conclui-se, de todo o exposto, que, embora os mecanismos de progressão funcional contidos na Lei Complementar nº 151/2011 sejam modernos, alinhados com os novos conceitos de desenvolvimento de pessoas como fomentador de eficiência e eficácia na gestão e aumento nos ativos intangíveis da organização, os limites de progressão, substancialmente inferiores àqueles do Plano de Cargos e Salários anterior – Lei Complementar nº 28/1999, impactam negativa e profundamente sobre sua eficácia. Ainda que o presente estudo não tenha a pretensão de ser, categoricamente, a palavra final sobre o tema, resta evidenciado que a eficácia dos mecanismos de progressão funcional da Lei Complementar nº 151/2011 devem ser mantidos em constante observação, análise e avaliação, com o objetivo de formar um repositório de informações capaz de fundamentar futuras, e necessárias, revisões e reformulações nos mecanismos existentes que objetivam o aumento de sua eficácia.

69


BRESSER PEREIRA, L. C.; SPINK, P. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. CRUZ, P. N. D. Desenvolvimento de pessoas no setor público: novo modelo de gestão. SEGeT - Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2004. Disponível em: <http://www.aedb.br/seget/artigos04/44_artigo-aedb.doc>. Acesso em: 03 jun 2014. DOANE, D. P.; SEWARD, L. E. Estatística aplicada à administração e economia. 1. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2008. GRANJA, S. I. B. Elaboração e avaliação de projetos. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC, [Brasília]: CAPES: UAB, 2010. KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. Tha balanced scorecard – Measures that drive performance. Harvard Business Review, v. 70, n. 1, 1992. PEREIRA, R. S.; PEREIRA, P. C. Aplicação e adequação do Ballanced Scorecard à Administração Pública. In: USS Anais da II Jornada Severino Sombra - Sociedade e Sustentabilidade: O Desafio do Uso das Novas Tecnologias no Cotidiano. Vassouras: USS, 2012. SANTOS, A. R. D. Sistemas de remuneração, justiça e suporte organizacional. In: CAMÕES, M. R. D. S.; PANTOJA, M. J.; BERGUE, S. T. Gestão de pessoas: bases teóricas e experiências no setor público. Brasília: ENAP, 2010. VALENÇA. Lei Complementar nº 151, de 23 de novembro de 2011. Institui o Novo Plano de Cargos e Salários dos Servidores Públicos do Município de Valença, Valença, 2011. VALENÇA. Lei Complementar nº 27, de 28 de setembro de 1999. Institui o Plano de Cargos e Salários dos Servidores Municipais,Valença-RJ, 1999. ZANELLA, L. C. H. Metodologia de estudo e de pesquisa em administração. 2. ed. reimp. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.

70

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


~

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL – POSSIBILIDADES E LIMITES DE SUA APLICACÃO NA GESTÃO MUNICIPAL: UM ESTUDO DE CASO, Autora: Tamíris de Figueiredo Soares1 Coautor: Leonardo da Silva Morais2

RESUMO Este artigo busca analisar as importantes mudanças que a Lei de Responsabilidade Fiscal, implementada em 2000, trouxe para o âmbito da gestão municipal – as novas possibilidades e limites determinados para o processo de gastos públicos. A análise está voltada, sobretudo, para uma discussão sobre as dificuldades encontradas pelos municípios, no sentido de cumprir as exigências fiscais estabelecidas pela legislação. Para evidenciar o problema, foi realizado um estudo de caso no município de Ibiúna, em São Paulo. A pesquisa tem por objetivo apresentar as dificuldades do gerenciamento financeiro para atendimento da LRF na cidade paulista. Os resultados mostram essas dificuldades em relação às contas do governo e também a necessidade de quebra de paradigma, com exigência de novas práticas para o sucesso na administração. Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal. Gestão Pública Municipal. Orçamento Municipal.

1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Sorocaba, SP. Especializada em Responsabilidade Contratual pela USP, SP. Curso de Especialização em Gestão Pública Municipal, Programa CEAD - UNIRIO. 2 Mestre em Gestão e Estratégia pela UFRRJ. Orientador de Trabalho de Conclusão de Curso do Programa Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO.

71


A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) trouxe importante contribuição, incrementando a receita própria municipal e o melhor aproveitamento destes recursos em favor da população, estabelecendo novas regras para a disciplina fiscal e garantindo um bom nível de transparência nas ações. Neste artigo analisamos, fundamentalmente, a adaptação da lei no âmbito da administração municipal e as dificuldades enfrentadas por seus gestores. Abordaram-se os aspectos da LRF e a sua abrangência, seguindo para uma análise da importância da lei na esfera municipal, em especial no local escolhido para embasar este artigo – o município de Ibiúna, situado nas proximidades da região oeste da Grande São Paulo. Dessa forma, chegou-se ao problema enfocado: o município de Ibiúna/SP tem alcançado o equilíbrio fiscal nas últimas gestões? A pesquisa tem por objetivo apresentar as dificuldades do gerenciamento financeiro para atendimento da LRF, a partir da experiência da cidade de Ibiúna/SP. Para esse estudo utilizou-se a pesquisa bibliográfica, para consulta à LRF em sua versão original; e buscou-se, também, uma série de análises realizadas por pesquisadores do assunto que vêm se debruçando sobre o tema desde a época da discussão da lei, nos fins da década de 90. A hipótese inicial foi a de que os representantes da cidade paulista não têm conseguido êxito no equilíbrio fiscal por diferentes motivos, que foram analisados ao longo do trabalho. Coube, portanto, verificar a eficiência dos resultados gerados pela criação da LRF. Observou-se como seus efeitos têm influenciado, concretamente, mudanças nas atitudes de administradores e legisladores municipais; e, ainda, como estes têm lidado com as exigências da lei, a fim de apresentar, de acordo com a base teórica, caminhos a serem seguidos para maior êxito na aplicação da lei.

72

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

1 INTRODUÇÃO


Entretanto, justamente por sua relevância, a aplicação da LRF enfrenta desafios. Em quatorze anos de vigência, é possível afirmar que a lógica fiscal determinada pela lei levou a um forçoso e longo período de transição, no qual a maioria dos municípios brasileiros ainda está envolvida. Essa transição se explica pelas dificuldades em conciliar o rigor da LRF com as pesadas demandas socioeconômicas que sobrecarregam os municípios cujos recursos financeiros são limitados; e, também, pela necessidade de superação de vícios de ordem política, resultantes de uma longa tradição clientelista e paternalista, que faz com que, em uma infinidade de situações, se ultrapasse forçosamente, e comprometendo seriamente, os esforços de ordenação fiscal e orçamentária. Assim, considerou-se que o sucesso da LRF está ligado ao enfrentamento e à resolução de dois problemas: o estrangulamento financeiro da maioria dos pequenos e médios municípios do país, e o imperativo de se construírem novas relações políticas pelas quais se possa estabelecer um jogo de poder que não signifique a explosão das contas públicas.

2

REFERENCIAL TEÓRICO

Após a leitura de diferentes autores, sintetizamos o conceito de Administração Pública como todo o aparelhamento do Estado pré-ordenado à realização das atividades públicas; ou seja, é o conjunto de agentes, pessoas físicas e jurídicas, incumbidos legalmente de gerir o patrimônio público, na intenção de atender às necessidades da coletividade e de promover o bem-estar de todos. Em sentido subjetivo, Di Pietro (2005) define a Administração Pública como sendo o “conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado (DI PIETRO, 2005, p. 59-61). Os preceitos legais a serem observados na gestão dos recursos públicos – que servem de orientação para a elaboração de novas normas e também para a condução do trabalho do Administrador Público – en-

73


Como forma de assegurar probidade e transparência na gestão das coisas públicas, a CF/1988, em seu artigo 37, consagra normas básicas regentes da Administração Pública, direta e indireta, e proclama os princípios constitucionais essenciais voltados a ela, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Elaborada com o intuito de complementar os artigos de 163 a 169 da CF/1988, que se referem às normas das finanças públicas, e para dar eficácia a dispositivos da Carta Magna, inclusive àqueles princípios basilares da Administração Pública, é que a LRF foi editada. Segundo Marcuzzo e Freitas (2004), o diploma legal está assentado sobre três premissas básicas: planejamento, transparência e, por fim, responsabilização dos governos ímprobos. Além disso, deve trazer uma mudança cultural no trato da coisa pública, já que estabelece normas orientadoras das finanças públicas e punições aos administradores que não mantiverem o equilíbrio de suas contas. No presente artigo direcionamos o estudo à administração no âmbito municipal. Neste tocante, Guedes (2010) destaca que o Chefe do Poder Executivo Municipal assume cargo de gestor-mor local, cumulando as funções de político e de administrador, das quais lhe resultam poderes e responsabilidades que se relacionam com dois objetivos distintos: atender às demandas da sociedade e zelar pela continuidade da instituição – no caso, o Município. A Lei despertou nos administradores a necessidade de informações mais complexas, e ressaltou a importância do Poder Legislativo, dos Tribunais de Contas, do Sistema de Controle Interno dos Poderes e do Ministério Público como partes responsáveis na fiscalização no cumprimento das normas da LRF. Já em relação aos cidadãos, o referido diploma criou terreno fértil para implantação de uma nova cultura gerencial na gestão pública; e incentiva o exercício da cidadania, já que propicia a participação do contribuinte 74

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

contram amparo e origem na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/1988).


no processo de acompanhamento da aplicação dos recursos públicos e da efetiva avaliação dos seus resultados.

3.

LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

3.1

Histórico e funções

Em vigor desde 04 de maio de 2000, a Lei Complementar 101 (LRF), que complementou a Lei nº 10.028 de 19 de outubro de 2.000, tem como escopo estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Teve origem na necessidade de regulamentação da CF/1988, na parte de Tributação e do Orçamento (Título VI), cujo segundo capítulo traça normas gerais de finanças públicas que devem ser observadas pelas três esferas do Poder Público: Federal, Estadual e Municipal. Portanto, a LRF veio para melhorar a administração das contas públicas, abrangendo todos os níveis de governo; e obrigou os governantes a terem compromisso com o orçamento e com as metas, que devem ser apresentadas e aprovadas pelo respectivo Poder Legislativo. É forçoso ressaltar que a LRF não substituiu nem revogou a Lei 4.320/64, que dá diretrizes normativas às finanças públicas do país, já que essas leis possuem objetivos distintos: esta se destina às normas gerais para elaboração e controle dos orçamentos e balanços, ao passo que a LRF estabelece normas de finanças públicas voltadas especificamente para a responsabilidade na gestão fiscal. Contudo, no caso de ocorrer algum conflito entre ambas, deve prevalecer o disciplinado na LRF, pois, além de ser uma Lei Complementar, também é mais recente. De início, já podemos destacar três pontos que são tratados de forma diferente em relação à Lei 4.320/64: os conceitos de dívida fundada, de empresa estatal e de classificações orçamentárias.

75


Dentre os pontos principais da lei destacamos, como ponto de partida, o planejamento. Através dele são estabelecidas as regras do “jogo” da gestão fiscal, sendo criadas novas funções para a lei de diretrizes orçamentárias (LDO), cuja discussão e elaboração deverão contar com a participação popular, inclusive em audiências públicas, assegurando maior transparência à gestão governamental. O planejamento resulta na elaboração das Leis do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual, já adotadas pela CF/88, e que deverão ser seguidos pelos anexos, os quais permitirão melhor acompanhamento e discussão do seu conteúdo. A Lei do Plano Plurianual (PPA) tem por objetivo planejar as ações governamentais que tenham caráter estratégico, político e de longo prazo. É o instrumento que evidencia o programa de trabalho do governo e no qual se enfatizam as políticas, as diretrizes e as ações programadas a longo prazo, além dos respectivos objetivos a serem alcançados e justificados efetivamente. No primeiro semestre de cada ano é elaborada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tendo como objetivo estabelecer as regras gerais para o orçamento do ano seguinte, bem como as metas e prioridades da administração pública que se encontram contempladas no PPA; são acompanhadas por um anexo de metas fiscais relativas a receita, despesas, resultado nominal e primário, e o montante da dívida pública para o exercício a que se referem e para os dois anos seguintes. A transparência será alcançada por meio do conhecimento e da participação social, assim como pela ampla publicidade que deve cercar 76

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Pensando nos Municípios, a LRF reforçou os princípios federativos, para que os governantes das cidades não tenham de prestar contas sobre atos ao governo federal e sim a seu respectivo legislativo, ou seja, à comunidade que os elegeu. Sendo assim, a função de fiscalizar os atos do poder executivo transferiu-se para os vereadores e para a própria comunidade, fato que se reveste de grande importância, pois obriga à transparência da gestão e reafirma a forma federativa do país.


todos os atos e fatos administrativos, principalmente naqueles sensíveis à arrecadação de receitas e à realização de despesas. Por fim, as correções de desvio requerem adoção de medidas que eliminem os fatores que lhes tenham dado causa, para que os itens voltem a se situar nos parâmetros traçados e almejados. 3.2.

Os alicerces da LRF

3.2.1 Transparência e responsabilidade fiscal A transparência é tida como mecanismo de controle social, porque está ligada ao mandamento de escrituração e consolidação das contas públicas e da necessidade de se manter relatórios sobre planejamento, gastos e retornos, elaborados pelo próprio gestor público, além da obrigatoriedade de ampla divulgação de todos os atos administrativos enquanto voltados para a gestão do dinheiro público. Por meio da transparência, o cidadão terá à sua disposição as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo durante todo o exercício, todo o seu mandato, tanto no âmbito do respectivo Poder Legislativo como no do órgão técnico responsável por sua elaboração. Quanto à responsabilidade, podemos destacá-la como sendo o dever maior de todo e qualquer administrador público, a quem cabe arrecadar o máximo permitido em lei e gastar apenas até o limite do que foi arrecadado. A previsão e arrecadação são tão importantes que vêm destacadas expressamente no art. 11 da LRF como requisitos fundamentais de responsabilidade na gestão fiscal. Neste ponto – é de rigor frisar – é essa responsabilidade que confere mais uma importante característica à LRF: a de ser um instrumento garantidor do exercício pleno da democracia, já que obriga a usar os gastos com total responsabilidade e a liberar o acesso às informações sobre a utilização dos recursos.

77


Para assegurarmos a efetividade deste binômio, necessária se faz a presença de um terceiro item, abordado por Khair (2000, p. 39-42): um rigoroso controle, a ser facilitado pela criação de novos relatórios de acompanhamento da gestão fiscal, os quais, além da obrigatoriedade de publicação, deverão estar disponibilizados na internet, aumentando a transparência das despesas públicas, dando aos cidadãos livre acesso ao conhecimento das receitas e despesas realizadas. O controle é, assim, aprimorado pela qualidade das informações, exigindo uma ação fiscalizadora mais efetiva e contínua dos Tribunais de Contas, do Legislativo e dos próprios cidadãos. Esse controle é exercido interna e externamente através do Poder Legislativo, dos Tribunais de Contas dos Estados e do povo em geral (ZIVIANI, 2004). A LRF, art. 67, cria mecanismo de controle na forma de Conselho de Gestão Fiscal, que tem a competência de harmonizar e coordenar os entes federativos, disseminar boas práticas fiscais, adotar normas de consolidação das contas públicas, divulgar estudos e análises. 3.2.3 Penalidades As autoridades responsáveis pelo cumprimento das regras contidas na LRF estão sujeitas às sanções previstas no Código Penal, da Lei nº 10.028 de 19 de outubro de 2.000 (Lei de Crimes Fiscais) e do Decreto-Lei nº 201 de 1.967 e outras, todas mencionadas no referido diploma legal. Os governos e órgãos da administração pública que não cumprirem o previsto na LRF podem ser prejudicados, pois terão suspensas as transferências voluntárias, as garantias e a contratação de operações de crédito. Dessa forma, o processo administrativo e as informações obtidas através dos dispositivos de transparências serão de fundamental importância para se iniciar a responsabilização dos agentes públicos que ferirem algum artigo da LRF. Esse processo administrativo é regido por leis próprias, conforme bem disciplina o texto constitucional brasileiro, onde

78

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

3.2.2 Mecanismos de controle


é garantida a autonomia administrativa aos Municípios, para servidores estatutários ou celetistas. A lei diz, também, que é considerado crime de responsabilidade contra a lei orçamentária o fato de o administrador público deixar de propor a LDO, ou elaborá-la sem atender aos requisitos legais; e também o de deixar de expedir ato determinando o corte automático de despesas nos casos e nas condições estabelecidos em lei. Por todos esses aspectos, a LRF é um grande avanço para o saneamento eficaz das finanças da União, dos Estados e dos Municípios; é-o, de igual forma, para a realização de um ajuste fiscal definitivo, indispensável ao crescimento econômico sustentável, à geração de renda e ao bem estar social. 3.3

Condições políticas para o cumprimento da LRF

Para cumprimento da LRF, a Administração Municipal deve instaurar um processo transparente de prestação de contas, tanto para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) quanto para a população que tem participação ativa em todos os processos de formação e vinculação da despesa pública. Após o cumprimento da vigência de prazos e prestação de contas, cabe ao TCE concluir seu trabalho através de aprovação ou de indicação de divergências da administração. Para que o Poder Executivo cumpra com eficiência a LRF, o TCE estabelece, especificamente, alguns cuidados a serem tomados. Tais cautelas implicam no estabelecimento de condições políticas para fixar, efetivamente, medidas que garantam a aplicação da legislação fiscal. Caso contrário, persistirá o desequilíbrio das contas públicas.

79


4.1

A cidade de Ibiúna/SP

O acidentado percurso da aplicação da LRF na cidade de Ibiúna/SP é, em nosso entender, de muita relevância: processos semelhantes ocorrem em número extremamente elevado de cidades por todo o país, e uma análise sobre o caso específico das contas ibiunenses permite estabelecer um recorte significativo a respeito do conflituoso processo de construção do ordenamento fiscal nas administrações municipais. A cidade de Ibiúna, com pouco mais de 70.000 habitantes, está situada na área de influência regional sorocabana e, ao mesmo tempo, geograficamente próxima da área oeste da grande São Paulo. O município possui características fortemente interioranas, e tem uma economia sustentada pela produção agrícola. Entre as décadas de 80 e 90, Ibiúna/SP viveu um período de prosperidade econômica, com uma produção horticultora escoada para o mercado paulistano. Entretanto a partir de uma série de dificuldades advindas do Plano Real a cidade passou a enfrentar um processo de crise econômica que persiste até os dias atuais. Neste cenário socioeconômico marcado pela estagnação da economia, pela dificuldade em garantir níveis razoáveis de emprego para os segmentos economicamente ativos da população e, simultaneamente, por uma explosão demográfica que fez a população crescer exponencialmente nas últimas duas décadas, o executivo municipal coloca-se como o maior empregador da cidade; e as contas municipais, especialmente aquelas relativas à folha de pagamento dos funcionários, estão permanentemente em desequilíbrio. 4.2

Dificuldades do município paulista As sucessivas administrações encontram, assim, dificuldades con-

80

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

4. CONTAS PÚBLICAS E IMPASSES POLÍTICOS E ADMINISTRATIVOS


cretas para atender às determinações da LRF. Tanto a gestão atual quanto a anterior têm problemas com as contas do município e são alvo de questionamento e denúncias sobre o uso indevido de verbas e sobre o não atendimento às exigências da legislação fiscal. As dificuldades financeiras do município, asfixiado por dívidas enormes e completa perda de credibilidade junto às instâncias que tradicionalmente fornecem crédito às administrações públicas, são potencializadas, está claro, pelo problema econômico estrutural; mas é preciso admitir que a má gerência financeira e os indícios de vultosos desvios de verbas públicas são, em larga medida, responsáveis pelo caos das finanças municipais. Dados do Sistema FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), relativo à gestão fiscal dos municípios brasileiros no ano-base de 2011, fornecem uma dimensão da problemática situação financeira e socioeconômica da cidade. Figura 1 - IFDM 2011 Estadual IFDM Consolidado UF 392º 393º 394º 395º 396º 397º 398º 399º 400º

Município

0.7336 0.7335

SP Corumbataí SP São Joaquim da Barra 0.7333 SP Planalto 0.7321 SP Ibiúna 0.7321 SP Cabrália Paulista 0.7315 SP Promissão 0.7307 SP Jambeiro 0.7303 SP Bernardino de Campos 0.7302 SP Rubinéia Fonte: FIRJAN (2011)

No Índice Desenvolvimento Municipal (IFDM), Ibiúna/RJ ocupava o número 1.112 em um total de 3.824 dos municípios. Para efeito de análise de cinco pontos essenciais (custo da dívida, gasto com pessoal, liquidez, receita própria, investimentos), o ranking estabeleceu alguns quesitos, aos quais foram atribuídos valores numéricos.

81


RESULTADOS DA PESQUISA

A condução dos processos financeiros está muito submetida ao jogo político local: alguns poucos grupos de poder disputam ferrenhamente o controle do executivo municipal. Demonstra-se esta situação1, por exemplo, na disputa política que marcou a apreciação das contas de 2008 da Prefeitura. Essas contas, que mostraram um déficit de aproximadamente 3,1 milhões de reais, tiveram parecer favorável do TCE de São Paulo, mas foram recusadas pela Câmara Municipal de Ibiúna. Os vereadores alegaram que a administração 2004-2008 deixou uma dívida em torno de R$ 35 milhões, além de sólidas indicações de irregularidades na administração dos recursos públicos; e que, assim, a recusa das contas se fazia imperiosa. Embora esses dados sejam indiscutivelmente verdadeiros, é também correto afirmar que a gestão 2009-2012 apresentou uma administração financeira de resultado preocupante. Temos, portanto, que a condução de uma gerência financeira eficiente reside na superação de certas questões cruciais, que se centram no equacionamento da problemática econômica. A cidade não dispõe, no contexto atual, de setores produtivos prósperos, e apresenta enormes demandas sociais, muito precariamente enfrentadas por um poder público tecnicamente falido, e cujos recursos financeiros estão exauridos. A classe política ibiunense argumenta que é quase impraticável alcançar equilíbrio fiscal enquanto a prefeitura continuar sendo a maior empregadora da cidade; e que, em tal cenário, há pouco que fazer frente à estagnação econômica. Mas, em que pese o fato incontestável de que, de fato, o executivo municipal realmente cumpre o citado papel, é preciso reconhecer as inúmeras distorções que essa situação apresenta. Cabe, necessariamente, aos grupos políticos locais cumprir seu papel de articuladores de políticas públicas efetivas, e buscar o desenvolvimento de mecanismos de estímulo ao empreendedorismo econômico, único caminho possível para romper com a estagnação das atividades produtivas no município. Somente assim será possível construir uma nova realidade para superar os impasses do demorado processo de adaptação imposto pela entrada em cena das determinações da LRF. 1 As informações e dados comentados foram retirados da imprensa local, em especial do jornal Voz de Ibiúna e do site mantido pela Câmara Municipal de Ibiúna.

82

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

5


6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A LRF é de fundamental importância, uma vez que por ela impõem-se regras para a adequação de despesas e dívidas públicas, objetivando mantê-las em níveis compatíveis com as receitas geradas, além de conceder à sociedade o exercício direto da cidadania, no controle dos recursos públicos; e, por fim, dando maior transparência à gestão pública. O limite ao gasto público deve ser estabelecido dentro de parâmetros plausíveis, em que se considerem as finalidades da despesa, a maneira como ela foi contraída e as consequências que gerará para a sociedade e a economia. O equilíbrio financeiro-orçamentário não pode ser tomado como um fim em si mesmo. Conforme os dados apresentados, a pesquisa revelou que, por diferentes motivos, o município de Ibiúna/SP apresenta dificuldades para realização do equilíbrio fiscal conforme preconiza a LRF, sendo assim mantida a hipótese inicial. Acredita-se que a cidade paulista seja um exemplo claro de dificuldades em relação ao cumprimento da legislação vigente. Assim, é possível afirmar que o objetivo da LRF é justamente aumentar a transparência na gestão do gasto público, permitindo que os mecanismos de mercado e o processo político sirvam como instrumentos de controle e possível punição dos governantes que não agirem de maneira correta. A LRF criou dispositivos de freio e controle do passivo financeiro, impondo limites, prazos, punições fiscais e penalidades, regras essas que anteriormente não existiam, o que levava ao mau uso do erário público e à impunidade. Então, tem-se que, apesar das restrições contidas na LRF, e, ainda, das limitações financeiras vivenciadas pelo Poder Público, os direitos sociais estabelecidos pela Constituição não podem ser tidos como meras “figuras decorativas”; em vez disso, requerem políticas públicas para serem implementados. Logo, encontrar o ponto de equilíbrio nesta questão é o grande desafio a ser enfrentado pelo administrador público. Ante todo o exposto, podemos concluir que o diploma legal insurge como marco nas histórias política e legislativa brasileiras, pois é um importante passo dado pela efetivação da plena democracia.

83


CARAMEZ, João. Perguntas e respostas sobre a lei de responsabilidade fiscal Tira Dúvidas: 2001. CASTRO, Flávio Régis Xavier de Moura (Coord.), Lei de responsabilidade fiscal: abordagens pontuais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo. Ed. Atlas, 2005. FIRJAN - Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Ranking de gestão Fiscal, 2009-2010. Disponível em: <http://www.firjan.org.br>. Acessado em 05 de setembro de 2014. GIGLIO, Celso. A Força dos municípios. Camargo Soares: 2000. GUEDES, José Rildo de Medeiros. Comentários à lei de responsabilidade fiscal. Rio de Janeiro: IBAM, 2001. IBIÚNA, Câmara Municipal. Portal da Prefeitura de Ibiúna. Disponível em: <http://www. camaraibiuna.sp.gov.br/>. Acessado em 28 de agosto de 2014. KHAIR, Amir Antônio. Guia de orientação para prefeituras: Brasília, 2000. MARCUZZO, Juliana; FREITAS, Luiz A. R. de. A contabilidade gerencial e lei de responsabilidade fiscal, Revista Eletrônica de Contabilidade, 2004. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 15ª Ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: <www.tcesp. gov.br>. Acessado em 05 de setembro de 2014. Acessado em 20 de julho de 2014. ZIVIANI, Juliardi. Lei de lesponsabilidade fiscal: planejamento, controle, transparência e responsabilização. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 517, 6 dez. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6026>. Acessado em 27 de maio de 2014.

84

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MOTIVACÃO AO FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA A MELHORIA DO ATENDIMENTO AO MUNÍCIPE DE VOTORANTIM Autor: Herbson Santos de Sousa1 Coautor: Osilene Maria de Sá e Silva da Cruz2

RESUMO O sistema municipal administra o que há de mais importante em uma sociedade – saúde, assistência social, fiscalização, trânsito, educação etc. – sendo de extrema importância o atendimento que o munícipe recebe ao solicitar seus direitos perante a Administração Pública. O presente estudo está baseado em princípios como Teoria da necessidade, Teoria das necessidades ERC, Teoria dos dois fatores e Teoria da equidade; e busca analisar a relação entre o atendimento realizado pelos funcionários públicos do município de Votorantim e seus aspectos motivacionais, pois, em princípio, este atendimento é considerado demorado e de má qualidade pela população da cidade. Foi desenvolvida uma pesquisa através do método dedutivo, por meio de questionários aplicados aos funcionários públicos do município de Votorantim e aos munícipes da própria cidade; e esta análise possibilitou levantar índices de insatisfação, tanto por parte dos funcionários da referida prefeitura quanto dos seus usuários, bem como identificar os pontos mais relevantes a serem trabalhados para o desenvolvimento profissional do funcionário público para uma melhoria no atendimento.

Palavras-chave: Administração Pública. Funcionário Público. Atendimento. Teorias Motivacionais. 1 Universidade Paulista – UNIP Comunicação Social com Habilitação em Publicidade Propaganda, Especialização em Gestão Pública Municipal, Programa CEAD – UNIRIO. 2 Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC/SP). Orientadora de Trabalho de conclusão de Curso, do Programa Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO.

85


No município de Votorantim, como em todos os municípios do Brasil, a prestação de serviço público é fundamental para a sociedade, e a melhoria contínua desse serviço faz-se necessária, exigindo uma atenção especial dos agentes que executam a função de servir ao município com seu trabalho. Assim, capacitar e motivar os funcionários públicos torna-se determinante para a qualidade do atendimento. Tendo em vista o estabelecido na Constituição Federal, na Constituição do Estado de São Paulo e no Estatuto dos Funcionários Públicos do município de Votorantim sobre a conduta e os deveres do funcionário público perante a sociedade como um todo, percebe-se a necessidade de criação de ferramentas permanentes de motivação ao agente público, a fim de proporcionar-lhe um ambiente que influencie positivamente o seu desempenho no trabalho. O objetivo geral do artigo é mostrar que ações motivacionais e de formação permanente, direcionadas aos funcionários públicos, podem ser um investimento do município para a melhoria na qualidade de atendimento à sociedade de Votorantim. Uma investigação mais específica mostra a avaliação dos funcionários da Prefeitura Municipal feita pela população de Votorantim, assim como o real motivo das reclamações dos munícipes quanto ao atendimento e quanto ao nível de motivação desses funcionários públicos. O trabalho está dividido em cinco seções, além da Introdução e das Referências. A primeira seção, apresentada a seguir, versa sobre o Referencial Teórico desta pesquisa com base na Teoria das necessidades, Teoria das necessidades ERC, Teoria dos dois fatores e Teoria da equidade; na segunda seção, apresenta-se o contexto da pesquisa – Prefeitura Municipal de Votorantim; na terceira seção, descreve-se a Metodologia, incluindo os procedimentos para a coleta e análise dos dados; na quarta seção, apresenta-se a Análise e a Discussão dos dados obtidos por meio de questionários aplicados aos funcionários e aos munícipes; e, na quinta seção, ,as Considerações Finais do trabalho.

86

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

1 INTRODUÇÃO


2

REFERENCIAL TEÓRICO

Todo profissional, independente da área em que atue, para exercer o trabalho de maneira adequada necessita de estímulos, os quais podem ser: progressão na carreira, qualidade de vida, qualidade de trabalho, qualificação profissional etc. Entretanto, alguns servidores sofrem um processo de desmotivação ao longo da vivência profissional, e isso implica consequências diretas na qualidade do seu trabalho. Nesse sentido, faz-se necessária uma atitude encorajadora do empregador, pois aquele servidor, direta ou indiretamente, representa o Estado com sua produtividade. A implantação de programas motivacionais e a oferta de capacitação profissional podem ser formas de estimular no funcionário público a consciência da melhora contínua no atendimento ao munícipe, e também de flexibilidade quanto aos problemas enfrentados pela Administração. Nas próximas subseções, serão descritas as teorias que embasam este estudo.

1.1

Teoria das necessidades

A teoria das necessidades, criada por Abraham Harold Maslow Gaylord, é uma das mais conhecidas teorias sobre a motivação do ser humano. Segundo o estudioso, as necessidades humanas seguem uma escala, segundo a qual, após saciar as necessidades mais básicas, o ser humano passa a necessitar de outras, sendo elas fisiológicas, de segurança, sociais, de autoestima, de autorrealização. Segundo Ferreira et al. (2010), é impossível a satisfação da necessidade de autorrealização, já que o ser humano nunca alcançaria a satisfação plena. Bergamini (1997), ao analisar a teoria apresentada por Maslow, propõe que as necessidades são fonte de energia para um indivíduo se desenvolver dentro do seu sistema social, e destaca que a autorrealização representa a busca da individualização, que visa atender a mais alta aspiração do ser humano, que seria poder usufruir toda a sua potencialidade. Neste trabalho, recorre-se à teoria de Maslow com o intuito de mostrar que, no município de Votorantim, a qualidade de trabalho e de produtividade do funcionário público pode ser estimulada pelo empre87


2.2

Teoria das necessidades ERC

A Teoria das necessidades de ERC foi desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Clayton Alderfer, que se baseou na teoria das necessidades de Maslow, o qual, por sua vez, defendia uma subida progressiva dentro dos estágios das necessidades. Na teoria das necessidades ERC, Clayton Alderfer observou que as pessoas subiam e desciam dentro do sistema apresentado, dependendo da experiência vivida. Segundo Silva (2001), o indivíduo, quando não evolui dentro do sistema, tende a regredir a um estágio inferior. Na teoria das necessidades de ERC, os itens são divididos: •

necessidade existencial: o ser humano precisa saciar as necessidades básicas sugeridas por Maslow;

necessidade de relacionamento: o ser humano precisa desenvolver relacionamentos interpessoais, como a convivência em um grupo social;

necessidade de crescimento: o ser humano precisa agir como um criador, dando sugestões e participando dentro do desenvolvimento de uma sociedade ou grupo social do qual faça parte.

Neste estudo, dentro da estrutura apresentada por Maslow, essa teoria serviu de base para a proposta de um possível sistema que impeça a regressão dos funcionários públicos da cidade de Votorantim, propondo a implantação de programas contínuos de motivação que os ajudem a administrar as adversidades encontradas no dia a dia.

2.3

Teoria dos dois fatores A Teoria dos dois fatores contribuiu para estabelecer uma relação

88

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

gador, tornando-o mais eficiente, e, consequentemente, melhorando sua qualidade de vida pessoal e profissional, assim como a qualidade de vida da população de Votorantim.


entre o trabalho e o estudo do comportamento humano (CHIAVENATO, 1987). Segundo Herzberg et al. (1959), a motivação está ligada especialmente aos fatores relativos às condições de trabalho, como estresse, bons ou maus relacionamentos entre líderes e colaboradores, crescimento profissional, aprimoramento de habilidades, responsabilidade do cargo ocupado, autorrealização ao cumprir as tarefas designadas e reconhecimento de seu trabalho. Outro fator igualmente importante, segundo o autor, é a higiene no ambiente de trabalho, pois influencia na qualidade, podendo gerar, no funcionário, motivação ou desmotivação. Ao discutir a teoria dos dois fatores, Elaina (2014) sustenta que fatores políticos, más condições no ambiente de trabalho, mau relacionamento com outros funcionários, insegurança e baixo salário são aspectos negativos no acompanhamento do funcionário quanto aos objetivos da empresa. Em contrapartida, reconhecimento, desenvolvimento e responsabilidade são pontos de extrema relevância para que os funcionários contribuam para os objetivos da empresa que representam. Nesta pesquisa, a Teoria de Herzberg contribuiu para a análise dos dados, pois foram mensurados e discutidos pontos como estresse, bons ou maus relacionamentos entre os líderes e colaboradores, crescimento profissional e aprimoramento de habilidades, entre outros.

2.4

Teoria da equidade

A teoria da equidade, criada por J. Stacy Adams, traz o argumento de que, em uma instituição de sucesso, o trabalhador tem que ser recompensado proporcionalmente pelo que produz, selando um compromisso com o empregador. Esta forma de gerenciar inovou a gestão de recursos humanos, beneficiando todos os atores envolvidos. Bergamini (1997), ao analisar a Teoria de Adams, destaca que o funcionário tem uma expectativa natural de ser recompensado proporcionalmente ao seu desempenho, e essa expectativa, quando ignorada pelo empregador, pode causar frustração, levando ao baixo rendimento 89


Nesta pesquisa, a teoria serviu como fonte de orientação para que a Administração Pública possa planejar um modelo de gestão voltado para o desenvolvimento do funcionário dentro da instituição. Na próxima seção, será apresentado o contexto da pesquisa, a Prefeitura do Município de Votorantim, localizada no interior de São Paulo.

3.

CONTEXTO DA PESQUISA

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Município de Votorantim tem, atualmente, 109.798 habitantes (IBGE, 2014), os quais são atendidos por 2.050 funcionários, sendo que 950 funcionários ocupam cargos técnicos (como advogados, médicos, arquitetos, professores), 58 estagiários de diversas áreas (engenharia civil, serviço social, educação física, engenharia elétrica, direito, administração, secretariado, recursos humanos) e 1.042 auxiliares em diversos setores (serviços públicos, agente de educação, escriturário, auxiliar de serviços gerais). Esses agentes estão lotados em 17 (dezessete) secretarias, exercendo funções fundamentais para o organismo social do município. Alguns fatores da rotina de trabalho dos servidores (como o volume de trabalho diário, a exposição às mudanças frequentes de governo, a falta de recursos do município, a influência política e a falta de preparo dos chefes e da própria administração) ocasionam reações negativas quanto à satisfação do munícipe em relação ao atendimento público, pois, naturalmente, os funcionários externam sua insatisfação pelo serviço que executam. O munícipe sente diretamente os reflexos desse descontentamento dos serviços prestados, e avalia negativamente o atendimento, por meio de reclamações dirigidas à Ouvidoria do município. Na próxima seção, será apresentada a Metodologia deste trabalho, com os passos percorridos para a coleta e a discussão dos dados.

90

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

no trabalho.


4.

METODOLOGIA

O instrumento utilizado para a coleta de dados nesta pesquisa é o questionário, definido por Lakatos e Marconi (2003) como uma ferramenta que pode economizar tempo, atingir o maior número de pessoas simultaneamente, abranger uma área geográfica mais ampla, aperfeiçoar os recursos humanos envolvidos tanto em adestramento quanto em trabalho de campo. Além disso, o questionário possibilita a obtenção de respostas mais rápidas e mais precisas. Há maior liberdade nas respostas, em razão do anonimato; mais credibilidade por parte do respondente, pelo fato de as respostas não serem identificadas; menor risco de distorção, pela ausência de influência do pesquisador; mais tempo para obtenção de respostas; e possibilidade de o questionado responder no momento mais conveniente. Lakatos e Marconi (2003) também dizem tratar-se de um instrumento que dá mais uniformidade à avaliação, por sua natureza impessoal, e facilita a obtenção de respostas cujo acesso poderia ser mais difícil. A pesquisa elaborada foi do tipo quantitativo descritivo combinado, que delineia as características de fatos ou fenômenos e a avaliação de programas (LAKATOS, 2003). O método escolhido foi o dedutivo, por se acreditar que os dados obtidos convergem para resultado lógico (LAKATOS e MARCONI, 2003). Foram elaborados dois tipos de questionário. O primeiro, aplicado a funcionários públicos, tinha perguntas abertas e perguntas fechadas para identificar, de maneira objetiva, o nível de motivação, a relação entre a qualidade do serviço que prestam e a sua motivação, o grau de relacionamento com a população, o nível de responsabilidade como funcionários públicos. Os respondentes desse primeiro questionário somam 85 funcionários públicos municipais, discriminados pelo cargo ocupado, com o objetivo de se saber especificamente seu perfil e o seu nível de motivação. O cálculo teve como base um erro amostral de 7%, com um nível de confiança de 90% no universo de 2.050 funcionários públicos. O segundo questionário, contendo também perguntas abertas e perguntas fechadas, foi aplicado a 89 munícipes da cidade de Votorantim-SP, para identificar, de maneira objetiva, a avaliação quanto à aceitação do serviço prestado no município, à visão da população quanto ao trabalho da Prefeitura e às expectativas em relação ao que seria um bom funcioná91


A seguir, serão apresentadas a análise e a discussão dos resultados obtidos nesta pesquisa.

5.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

Nesta seção, serão apresentados e discutidos os resultados obtidos nos dois questionários1: o de nº 1, respondido pelos funcionários públicos, e o de nº 2, respondido pelos munícipes.

5.1 Questionário nº 1 Com relação às respostas dos funcionários, observamos que 52% dos respondentes eram auxiliares escriturários, 17% eram técnicos (pedreiro, assistente social, encanador, fiscal, engenheiro, arquiteto e advogado), 9% chefes de seção, 4% diretores e 18% estagiários. Na pergunta sobre a lotação dos entrevistados, as respostas mais incidentes são: Lotação

Percentual

Secretaria de Mobilidade Urbana (SEMU)

15%

Secretaria de Esportes e Lazer (SESPOL)

11%

Secretaria de Educação (SEED)

10%

Secretaria de Obras e Urbanismo (SOURB)

9%

Secretaria de Recursos Humanos

9%

Secretaria de Serviços Públicos (SESP)

9%

Secretaria de Administração (SEA)

8%

1 A análise dos questionários possibilitou a elaboração de gráficos, os quais não estão apresentados neste artigo em função do espaço reduzido. 92

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

rio público. O cálculo teve como base um erro amostral de 7%, com nível de confiança de 90% no universo de 109.798 funcionários públicos.


A maioria dos entrevistados são auxiliares, lotados em secretarias que formam a administração municipal do município de Votorantim no ano de 2014. A avaliação do funcionário público de Votorantim sobre a importância do próprio trabalho é positiva, ou seja, ele acredita que os serviços prestados têm importância diante do processo de atendimento. O resultado mostrou:

Percentual de avaliação do funcionário público

Nota

31%

7

24%

8

14%

6

9%

4

8%

5

7%

2

7%

9

93


Motivação para trabalhar na

Nota

Prefeitura Municipal de Votorantim 35%

5

33%

4

10%

6

8%

7

5%

3

2%

8

7%

9

Percebemos que, quando se trata de motivação, o funcionário público considera o seu nível motivacional mediano, demonstrando que é necessária uma ação por parte dos gestores para elevar esses índices. Na pergunta sobre realização profissional, consideram-se:

Realização profissional Mais ou menos realizados

Percentual 47%

Pouco realizados

29%

Realizados

14%

Muito pouco realizados

8%

Muito realizados

2%

Como na pergunta anterior, a maior parte dos entrevistados disse estar relativamente realizada, indicando um ponto importante a ser trabalhado; e em segundo lugar estão os que se sentem pouco realizados, confirmando o problema. Na pergunta sobre o reconhecimento do trabalho realizado na

94

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

À motivação para trabalhar na Prefeitura Municipal de Votorantim, atribuíram as seguintes notas:


Prefeitura de Votorantim, o resultado mensurado foi:

Reconhecimento do trabalho Mais ou menos reconhecido

Percentual 45%

Pouco reconhecido

20%

Muito pouco reconhecido

18%

É reconhecido

10%

Nada reconhecido

7%

A esta pergunta, a maioria dos entrevistados respondeu sentir-se mais ou menos reconhecida, sendo mais um ponto a ser trabalhado pelo poder público, pois, como demonstrado na pesquisa, há uma reação em cadeia que leva o funcionário público a não desenvolver seu trabalho, se for afetado por fatores internos e externos, como no caso do reconhecimento do trabalho. Com relação ao treinamento recebido, responderam: Treinamento recebido Não o recebem

Percentual 52%

Recebem de forma insuficiente

38%

Treinamento suficiente

10%

Mais uma vez, é nítida a falta de preocupação do poder público com a qualidade do serviço, pois a maioria dos entrevistados respondeu não receber treinamento, e a segunda resposta em termos quantitativos comprova que esses funcionários consideram insuficiente o treinamento que recebem. As respostas sobre a satisfação em trabalhar na Prefeitura de Votorantim (pergunta aberta) foram enquadradas em duas categorias mais frequentes:

Satisfação

Percentual

95


66%

Satisfeitos

34%

Mais uma vez, é possível ver a consequência da falta de estrutura quanto à gestão de pessoal, pois uma considerável proporção de pessoas não está satisfeita em trabalhar na Prefeitura de Votorantim. A resposta à pergunta, que também é aberta, sobre como a prefeitura poderia motivar o seu funcionário, foi enquadrada em três categorias mais frequentes:

Como motivar seus funcionários Infraestrutura

Percentual 28%

Salário

40%

Valorização Profissional

32%

A opinião do funcionário público sobre os fatores que geram um péssimo profissional revela que:

Fator desencadeador de maus

Percentual

funcionários Salário baixo

42%

Falta de reconhecimento

21%

Falta de plano de carreira

16%

Excesso de trabalho

15%

Falta de comando ou liderança

6%

No quesito salário baixo, concentra-se o maior número de respostas: salário é um dos fatores determinantes da motivação. Em segundo lugar está, para os entrevistados, a falta de reconhecimento, reforçando resultado de perguntas anteriores. Na pergunta sobre a motivação do funcionário para trabalhar na

96

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Insatisfeitos


prefeitura de Votorantim, o resultado revela que:

Nível de motivação Sentem-se desmotivados Sentem-se motivados

Percentual 69% 31%

O resultado é preocupante, pois a maioria dos funcionários permanece desmotivada para o trabalho.

5.2

Questionário nº 2

A pergunta sobre a qualidade do serviço prestado pela Prefeitura Municipal de Votorantim, na visão dos munícipes, resultou nos seguintes dados:

Qualidade do serviço prestado Regular

Percentual 54%

Bom

21%

Ruim

14%

Ótimo

11%

No que tange à percepção desses munícipes, o fator desencadeador da qualidade do serviço apresentado é:

Secretarias mais procuradas

Percentual

97


43%

Salário baixo

16%

Excesso de trabalho

14%

Falta de reconhecimento

11%

Falta de plano de carreira

10%

Inadequado plano de carreira

6%

Na visão dos munícipes entrevistados, a falta de comando é o mais importante fator para a má qualidade do funcionário público. Este dado pode ser interpretado também como uma falha da gestão, por não oferecer treinamento, colocando na função de chefia pessoas sem o perfil adequado para o cargo. Com a segunda maior porcentagem, não só os funcionários públicos, mas também os munícipes consideram o salário baixo um fator que traz consequência para a qualidade do funcionário. Na pergunta sobre qual seria o principal problema da Prefeitura Municipal de Votorantim, o resultado mostra que:

Principal problema Demora no atendimento

Percentual 69%

Má qualidade do serviço prestado

31%

Com relação à principal qualidade de um funcionário público, os munícipes responderam que:

Principal qualidade do funcionário público Não possui qualidade

Percentual 45%

Conhecedor do trabalho que desenvolve

27%

Bom atendimento ao munícipe

12%

Capacidade de reconhecer os problemas

11%

Pró-atividade

5%

98

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Falta de comando ou liderança


Na pergunta sobre as secretarias mais procuradas na Prefeitura Municipal de Votorantim, as pessoas puderam escolher mais de uma resposta. O resultado foi o seguinte:

Secretarias mais procuradas Secretaria da Saúde

Percentual 21%

Secretaria de Serviços Públicos

16%

Secretaria de Mobilidade Urbana

15%

Secretaria da Educação

15%

Secretaria de Negócios Jurídicos

8%

Secretaria de Governo

9%

Secretaria de Urbanismo

6%

Secretaria de Finanças

4%

Secretaria da Cidadania

4%

Secretaria de Administração

1%

Secretaria de Comunicação

1%

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As teorias que serviram de base para orientar o desenvolvimento e a aplicação desta pesquisa – Teoria das necessidades, Teoria ERC, Teoria dos fatores no ambiente de trabalho e Teoria da equidade – trazem em seu arcabouço os fundamentos essenciais para alavancar a motivação humana no ambiente de trabalho. A partir dessas teorias, a pesquisa buscou encontrar os fatores que agem sobre os funcionários públicos da cidade de Votorantim com o propósito de levantar questões que expliquem o 99


Diante dos dados levantados e apresentados nesta pesquisa, percebe-se que é primordial o reconhecimento do funcionário público pelas secretarias municipais, levando o município a desenvolver melhor a política de gestão e a tornar o seu pessoal capacitado para o atendimento às pessoas e para solucionar os problemas levantados pela sociedade. O reconhecimento, a melhora na infraestrutura e a preocupação com a autoestima do funcionário poderão promover maior comprometimento com o trabalho em prol do bem-estar coletivo. As teorias trabalhadas no desenvolvimento do projeto mostram que a desatenção com os fatores mensurados pode conduzir o serviço público municipal ao descumprimento do que rege a própria Constituição Federal no seu artigo 37, referente ao Princípio da Eficiência. O funcionário que representa a Administração de um município com sua força de trabalho necessita de capacitação, reconhecimento e motivação, pois só poderá se comprometer com a sua função se realmente estiver preparado para isso. Como se pode ver na pesquisa, o profissional desmotivado e sem incentivo do empregador produz resultados abaixo do esperado, tornando-se um problema para seu órgão empregador, e não uma solução. O envolvimento dos setores responsáveis pelos funcionários dentro dos órgãos onde atuam é de extrema importância para a elaboração das ações de incentivo aos funcionários. Trabalhar com benefícios em função de produtividade, inovação e iniciativa, com atenção na proporcionalidade, pode desencadear ações que conduzam os funcionários públicos a desempenhar de maneira satisfatória o seu trabalho. Incluído nesta ação está o delegar responsabilidades aos mais capacitados, comprometer-se em favorecer um plano de carreira e criar um sistema justo de promoção, visando à melhoria no salário e a outros pontos destacados na pesquisa. Portanto, sugere-se um programa de motivação e educação permanente, que vise trabalhar a autoestima do funcionário e desenvolver um maior diálogo entre a Administração e os funcionários públicos, a fim de realizarem, juntos, um trabalho eficiente, focando sempre no melhor

100

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

mau atendimento à sociedade.


atendimento à população da cidade de Votorantim.

101


BERGAMINI, C.W. Motivação nas organizações. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1997. CHIAVENATO, I. Teoria geral a administração: abordagens prescritivas e normativas da administração. 3ª ed., São Paulo: Mc Graw-Hill, 1987. ELAINA, J. Frederick Herzberg e a teoria dos dois fatores, Portal Gestão. Disponível em: http://www.portal-gestao.com/gestao/item/ 6667-frederick-herzberg-e-a-teoria-dos -dois-factores.html. Acesso em 13 de jun. 2014. FERREIRA, A. et al. A teoria das necessidades de Maslow: a influência do nível educacional sobre a sua percepção no ambiente de trabalho. XIIISEMEAD Seminário em administração 2010. Disponível em: www.ead.fea.usp.br/semead/13semead /resultado/trabalhosPDF/703.pdf. Acesso em: 10 ago. 2014. HERZBERG, F et al. The motivation to work. New York: John Wiley, 1959. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Diretoria de Pesquisas de Cidades,Votorantim 01.jul.2014. Disponível em: <cidades. ibge.gov.br/ extras/Perfil..phpcodmun=355700>Acesso em: 13 jun. 2014. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos da metodologia científica. 5ª edição. São Paulo: Atlas, 2003. PORTILLO, D. SERRANO. Teoria ERG (ou ERC) de Alderfer, Portal Marketing, 22.jan.2012. Disponível em: http://www.portaldomarketing. com.br/Artigos3/Teoria_ ERG_ou_ERC_de_Alderfer.htm>Acesso em 20 jun.2014. SILVA, R. O. Teorias da administração. 1ª ed. São Paulo: Pioneira, 2001.

102

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


O PLANO PLURIANUAL PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE ITAPERUNA: INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE DA CIDADANIA

Autor: Keiny Ferreira Lima1 Coautor: Stella Sodré Vieira de Moraes2

RESUMO O processo de decisão e a oferta de políticas públicas nos municípios brasileiros, a partir da transferência de responsabilidades decisórias para unidades subnacionais – conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 – ainda não têm sido objeto de muitas investigações na esfera acadêmica. Grande parte dos estudos sobre esse tema concentra-se na análise da participação popular e não no processo institucional de tomada de decisão. Os gestores públicos agora são obrigados a dialogar e interagir com a sociedade, especialmente por meio dos conselhos gestores de políticas sociais e do orçamento participativo, a fim de buscar articulação e arranjos institucionais que permeiem a gestão pública municipal. Ressalta-se, ainda, a necessidade cada vez maior de profissionalização dos gestores públicos para se adequarem às novas exigências da gestão local, neste processo adquirindo importância na arena decisória. A conciliação entre Lei de Responsabilidade Fiscal, Políticas Públicas e Orçamento Público revela a necessidade de um planejamento estratégico mediante o qual o governo local possa encontrar ou procurar meios para se adequar às responsabilidades dessas políticas. No atual modelo orçamentário brasileiro existe estreita conexão entre planejamento e orçamento, formando-se, assim, um binômio inseparável. A atuação da administração Pública nos campos da receita e da despesa, através de sua atividade financeira, visa ao atendimento das necessidades coletivas, transformadas pelo poder político 1 Formação universitária em Direito e Ciências Contábeis, Especialização em Gestão Pública Municipal, Programa CEAD – UNIRIO.

2 Advogada Especialista em Direito e Negócios do Petróleo, Gás e Energia, Orientadora de Trabalho de Conclusão de Curso, do Programa Nacional de Administração Pública, CEAD – UNIRIO.

103


Palavras-chave: Políticas Públicas. Lei de Responsabilidade Fiscal. Planejamento. Orçamento. Participação.

1 INTRODUÇÃO Aborda-se neste trabalho a questão do orçamento público, uma vez que, no caso do setor governamental, o planejamento estratégico das políticas públicas e sociais é consubstanciado em lei, a qual recebe o nome de Orçamento Público. A execução de ações que, voltadas à promoção do desenvolvimento local, resultem em melhorias efetivas na vida dos cidadãos é um desafio que se impõe às administrações municipais. Para nortear essas ações, a Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000, doravante denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Basicamente, é um código de conduta, baseado nos princípios da gestão fiscal responsável, para os administradores públicos de todo o país. A LRF reforça vínculos entre Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA); compatibiliza a LOA com o PPA e a LDO, equilibrando receitas e despesas; e estabelece limitação financeira mediante critérios definidos na LDO. A vigência da LRF abre perspectivas para uma nova fase na administração pública brasileira. O Plano Plurianual é um instrumento para a organização dos recursos e energias do governo e da sociedade em direção a uma visão de futuro, em um cenário de médio prazo. O PPA estabelece as diretrizes, os objetivos e metas da administração municipal para as despesas de capital

104

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

em necessidades públicas. No município de Itaperuna, Estado do Rio de Janeiro, a elaboração do Plano Plurianual de Ações participativo foi uma janela de oportunidade para mobilizar as forças vivas da cidade em direção a um projeto de futuro.


e outras decorrentes da implantação de programas de duração continuada. Duas outras leis estão intimamente associadas ao PPA: a LDO, e a LOA. Esta deverá estabelecer metas e prioridades para o próximo exercício administrativo, orientando a elaboração da LOA que, por sua vez, define os recursos necessários para as ações da LDO. Considerando essa dinâmica, fica evidente a necessidade de coordenação entre os diversos atores que vão construir o PPA, desde a sua visão estratégica até a definição das intervenções específicas, por meio de programas e ações.

2 A IMPLEMENTAÇÃO DO PPA PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO O Sistema Orçamentário (SO) é o conjunto de leis por meio das quais o governo define como pretende gastar os recursos públicos, ou seja, aqueles recursos arrecadados com tributos e outras fontes de receita. As leis são estreitamente ligadas entre si, compatíveis e harmônicas, visando integrar as atividades de planejamento e orçamento para assegurar o sucesso da ação governamental sobre os entes da federação. O SO é reconhecido na Constituição Federal e deve ser adotado pelos Municípios, pelos Estados e pela União. A ideia de planejamento no Direito Público e na Administração Pública não é recente, mas vem acrescida de nova dimensão. Contribui para isso a LRF, cujo artigo 1º dispõe que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”. É bem verdade que os inúmeros instrumentos que esta lei instituiu procuram materializar o comando de um planejamento responsável. Na concepção de Botelho,

A Lei de responsabilidade Fiscal veio aprimorar o acompanhamento da execução orçamentária, implantando a reforma do processo de planejamento orçamentário, induzindo a participação popular na elaboração de tais leis. As novidades não foram tantas. Outras leis já tratavam da matéria, mas

105


Embora a LRF exija a publicidade da execução orçamentária, nem sempre o ato de tornar público significa o mesmo que garantir o acesso às informações ali contidas. A transparência no processo orçamentário pressupõe a atuação de três atores fundamentais, a saber: o Poder Executivo, o Poder Legislativo e a sociedade civil. Inicialmente, o Poder Executivo é responsável por elaborar as propostas orçamentárias, entre elas o PPA, a LDO e a LOA. Todas as propostas devem ser feitas tendo como base as diretrizes de governo e as necessidades da população. Elaboradas e aprovadas todas essas propostas, cabe ao próprio Poder Executivo disponibilizar os dados para a sociedade civil. Por sua vez, o Poder Legislativo desempenha papel fundamental no processo orçamentário, visto que ele deve analisar e aprovar as leis e as propostas de orçamento. Como representante da sociedade civil, o Poder Legislativo tem o papel de representá-la e de levar-lhe adiante as demandas. Já a sociedade civil tem maior interesse em todo o processo orçamentário e possibilidade de fiscalização sobre ele. Essa fiscalização pode dar-se com o acompanhamento do processo, seja fazendo-se análises e fiscalizando-se a execução, seja cobrando transparência e idoneidade dos gestores públicos, principalmente do Executivo. O ciclo orçamentário corresponde a um período de quatro anos. 3 BOTELHO, Milton Mendes. Manual prático de controle interno na administração pública municipal. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2011.

106

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

não eram divulgados os instrumentos que possibilitavam o acompanhamento da execução do orçamento pela sociedade. Assim passaram a ser obrigatórias as audiências públicas para analisar elementos que evidenciam a transparência das ações, permitindo que se avaliem resultados e custos, aprimorando o processo de elaboração dos instrumentos de planejamento, enfocando as seguintes informações: As metas fiscais, os limites de gastos, de endividamento e equilíbrio das contas, a organização, a prevenção e o controle interno, consolidação de dados, a transparência das ações de governo em relação à população, a responsabilidade fiscal3.


Ele tem início com a elaboração do PPA, que é a lei encarregada de estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para as despesas de capital e para aquelas relativas aos programas de duração contínua, isto é, plurianuais. A LDO, introduzida pelo artigo 165, II e § 2º, da nossa Carta Política , tem por escopo definir as metas e prioridades do governo, ou seja, as obras e serviços mais importantes a serem realizados no ano seguinte. Também estabelece as regras que deverão ser observadas na formulação do Projeto de Lei Orçamentária Anual pelo Poder Executivo, na sua discussão, votação e aprovação pelo Legislativo, bem como na posterior realização pelo Executivo. 4

Por fim, quanto à LOA, que é o orçamento de efetiva execução em cada exercício, ela relaciona todas as receitas e despesas previstas para o ano seguinte. O ciclo orçamentário é um processo dinâmico e contínuo, com várias etapas articuladas entre si, por meio das quais sucessivos orçamentos são discutidos, elaborados, aprovados, executados e avaliados. O orçamento é de grande importância na vida política e administrativa do município, assim como o plano das necessidades monetárias por determinado período de tempo, aprovado e decretado pelo Poder Legislativo como seu órgão de representação popular. Nesse viés, Aliomar Baleeiro declara:

Orçamento como sendo o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza o Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos ser-

4 Art. 165 – Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I – [...] II – as diretrizes orçamentárias; III – [...] § 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais do fomento.

107


A Constituição Federal assegura alguns espaços de diálogo entre gestores públicos e sociedade civil, como os conselhos de políticas públicas, cuja função é garantir um diálogo efetivo entre governo e sociedade civil, para levar a uma distribuição de recursos de acordo com os interesses comuns e os principais problemas enfrentados pela população. Na visão de Francisco Mesquita de Oliveira,

O povo precisa conhecer as funções essenciais à justiça, para poder buscar seus direitos no processo de cidadania e participação nos problemas da comunidade, ressaltando que, após a ditadura, a sociedade civil passou por uma transformação política, ficando visíveis os resultados desta participação, fazendo com que, as garantias constitucionais previstas na Carta Magna de 88, além de assegurar o exercício da participação ativa, possam oferecer também ao cidadão, instrumentos jurídicos para o fiel cumprimento dos seus direitos6.

Cabe destacar que a legislação orçamentária não deverá ser apenas um documento formal elaborado pelo Chefe Executivo Municipal. Por sua vez, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001) estabelece, em seu artigo 44, que, no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. 5 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

6 OLIVEIRA, Francisco Mesquita de. Orçamento participativo: instrumento de

democratização da gestão pública. IN: O poder, o controle social e o orçamento público. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005.

108

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

viços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação de receitas já criadas em lei5.


Carvalho Filho, em suas lições, ressalta que:

É de se anotar-se que alguns Municípios, sensíveis a importância dessa participação, já introduziram em suas administrações a necessidade de auscultar a opinião de vários setores que compõe a sociedade civil sobre os projetos orçamentários e de alocação de recursos para diretrizes prioritárias da Administração Municipal. A iniciativa é digna de aplausos: toda a questão relacionada a planos e leis orçamentárias deve ter por destinatária básica a própria coletividade, de sorte que o mais razoável é ouvi-la e discutir os motivos, meios e fins dos projetos e recursos públicos. Por essa razão é que se configura mesmo como autoritária a imposição vertical de semelhantes propósitos administrativos, frequentemente adotados sem que representem os verdadeiros anseios das comunidades7.

O objeto da gestão participativa tem por alvo o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual, instrumentos fundamentais das finanças públicas mencionados no artigo 165 da vigente Constituição. De início, convém registrar que todos esses instrumentos têm que ser formalizados por lei, como determina nossa Carta Magna. Para Oliveira,

O povo precisa conhecer as funções essenciais à justiça, para poder buscar seus direitos no processo de cidadania e participação nos problemas da comunidade, ressaltando que, após a ditadura, a sociedade civil passou por uma transformação política, ficando visíveis os resultados desta participação, fazendo com que, as garantias constitucionais previstas na Carta Magna de 1988, além de assegurar o exercício da participação ativa, possam oferecer também ao cidadão, instrumentos jurídicos para o fiel cumprimento dos seus direitos8.

7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 300.

8 OLIVEIRA, Francisco Mesquita de. Op. cit. 109


A participação do povo itaperunense é fundamental para a conclusão do Plano, conforme explica o secretário municipal de Planejamento, Manoel Faria de Souza Júnior:

O objetivo é priorizar as demandas e suas propostas para que o governo não venha com um plano acabado, estruturado de cima para baixo. Como os recursos são limitados, o governo precisa fazer um bom planejamento, junto com a população, formando parcerias, dividindo responsabilidades para que todos possam ser participantes desse processo coletivo. Juntos, o gestor municipal e cada cidadão assumirão a tarefa de construir a Itaperuna que queremos: mais bela, desenvolvida, justa, democrática e digna9.

E, ainda:

Enquanto se trata de discutir demandas da população e a proposição de políticas, o diálogo flui. No entanto, quando o tema é a execução orçamentária, o diálogo fica truncado, pois é na execução orçamentária que efetivamente se verifica quanto das políticas propostas e demandadas foram realizadas10.

Para colocar em prática essa iniciativa popular, a atual gestão im9

SOUZA JÚNIOR, Manoel Faria de. Itaperuna se prepara para o plano. Disponível em: <HTTP:// radioitaperuna1410.blogspot.com.br/2013/07/itaperuna-se-prepara-para-o-plano.htm>. Acesso em: 13. ago.2014..

10 Idem, ibidem. 110

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

No ano de 2013, o prefeito de Itaperuna, Alfredo Paulo Marques Rodrigues, o “Alfredão”, lançou o PPA participativo, para consolidar o diálogo com a sociedade itaperunense, através da Secretaria Municipal de Planejamento, por entender que a democracia cidadã, com transparência e participação ativa do povo, é mais um compromisso do planejamento da administração pública.


plantou, no município de Itaperuna, o “PPA Participativo Itaperuna de todos nós 2014-2017”. O objetivo é a construção da democracia cidadã. Com essa proposta pretende-se criar uma nova cultura de gestão da cidade, baseada em democracia, transparência e participação direta dos cidadãos na definição da aplicação dos recursos públicos. Esse PPA Participativo de Itaperuna, com inclusão e justiça social que se busca, pretende ser construído por meio da participação popular. Logo, a realização do PPA Participativo é um novo passo para se consolidar o diálogo com a sociedade itaperunense. A democracia cidadã, com transparência e participação ativa do povo, é mais que um compromisso e um instrumento de planejamento da atual administração pública. Esse plano envolve um amplo processo. Sua finalidade é tornar-se um importante instrumento de interação entre o município e o cidadão, com vista à efetividade das políticas públicas. Assim, a fase de elaboração do respectivo processo participativo se deu em paralelo com a elaboração do Plano Plurianual e de seus programas: envolveu as secretarias municipais de Gabinete, Administração, Receita, Fazenda, Controle Geral, Agricultura, Educação, Saúde, Obras, Meio Ambiente, Transporte, Defesa Civil, Ação Social, Trabalho, Habitação, Desenvolvimento, Cultura, Esporte e Lazer, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Planejamento de Itaperuna. No desenvolvimento das etapas de elaboração do “PPA Participativo Itaperuna de todos nós 2014-2017”, o governo municipal e sua equipe técnica elaboraram os objetivos estratégicos, tendo por base os compromissos assumidos no processo eleitoral. Os objetivos estratégicos de governo são, na verdade, a concretização da visão de futuro do governo para a população. Depois de elaborados os objetivos estratégicos de governo, as secretarias supracitadas apresentaram suas propostas focadas nas necessidades da população municipal. O governo e sua equipe técnica promoveram vários encontros regionais, a fim de aproximar mais a população das tomadas de decisões. Entende-se que, assim, o cidadão tem uma visão mais real sobre os problemas do seu bairro, por observar diretamente as necessidades e melhorias do local que habita, tendo mais condições de definir-lhe as prioridades. 111


Um dos fundamentos da metodologia do PPA Participativo de Itaperuna é a necessidade de atender prioritariamente às demandas das regiões mais carentes e com menos infraestrutura. Independentemente do histórico de aplicação de recursos públicos, o foco do Plano é inverter a lógica comumente adotada, priorizando os investimentos nas regiões que apresentam maiores necessidades de ação do poder público. Tal ação trará, no médio e longo prazo, benefícios para toda a sociedade, na medida em que reduzirá desigualdades sociais, efetuando uma melhoria significativa na qualidade de vida de todos. Isso nada mais é do que uma lógica da justiça social, uma vez que não se trata de caridade, mas sim de igualdade de direitos. Com uma cidade mais igualitária, vários problemas podem diminuir, tais como: a exclusão social, a falta de acesso aos serviços e equipamentos públicos, a violência, o abandono, a mendicância, a delinquência em todas as suas formas. Enfim, a identificação das prioridades regionais da população desempenha importante papel na elaboração de uma gestão participativa. As reuniões para a elaboração do PPA Participativo foram realizadas nos meses de julho e agosto de 2013, em Itaperuna. Nos bairros e distritos distribuíram-se questionários aos moradores, os quais foram convidados previamente, através dos meios de comunicação (carros de som e spot em rádio), para as reuniões, realizadas nas escolas municipais de cada localidade. Todos os questionários foram respondidos e devolvidos. A pesquisa foi elaborada com o intuito de apurar informações técnicas e de disponibilizar conhecimentos para a utilização eficaz de métodos e procedimentos, para a elaboração do Plano Plurianual de Ações 2014-2017. Nas reuniões, a maioria dos munícipes confessou desconhecer o trabalho para elaboração do Plano Plurianual, realizado apenas por técni112

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Quando o cidadão “(re)descobre” como o imposto que ele paga mantém a prefeitura funcionando, tende a se interessar mais sobre como seu dinheiro está sendo administrado, além de fiscalizar mais de perto as obras e serviços que estão em execução. Afinal, é imprescindível saber o que a população quer e pensa acerca de seu município e sua região. Essa iniciativa não é vista apenas como um importante exercício de cidadania, mas também como uma forma eficiente de auxiliar a administração pública a aplicar seus recursos com mais eficácia.


cos, isolados entre quatro paredes na prefeitura. Tais profissionais muitas vezes nem residem no município, e não conhecem os anseios da comunidade local. A maior porcentagem dos moradores (26% dos entrevistados) estabeleceu, como prioridade, a construção de praças/academias públicas ao ar livre. As demandas restantes foram assim distribuídas: 13% reivindicaram calçamento; 11%, optaram pela ampliação do atendimento na área de saúde; outros 11% elegeram como prioridade a melhoria na iluminação pública; 10% escolheram a construção de quadras esportivas; 9%, pediram ciclovias; outros 9% concluíram pelo reestabelecimento da segurança; 7%, pelo avanço no tratamento de esgoto sanitário; e, por fim, 4% optaram pela construção do centro de convivência para idosos. Consolidada a pesquisa, concluiu-se que o maior percentual dos moradores considerou como prioridade a construção de áreas de lazer (praças e academias públicas ao ar livre), anseio resultante da real deficiência na oferta de espaços destinados a lazer e práticas esportivas no município de Itaperuna e seus distritos. Realizadas as etapas das reuniões com a comunidade local, foram avaliadas e consolidadas todas as propostas em um único documento. Elaborou-se, assim, projeto de lei do Poder Executivo, enviado à Câmara Municipal para apreciação das propostas e sendo, em seguida, votado pelos vereadores e transformado em Lei.

3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estabilidade econômica e a descentralização da prestação de serviços à população exigem que as prefeituras planejem suas políticas públicas em bases realistas. O financiamento das políticas públicas em curso e as decisões sobre a expansão requerem avaliação da estrutura de financiamento existente e acompanhamento do dia a dia da execução financeira e orçamentária, identificando, em tempo hábil, situações que possam comprometer as metas estabelecidas. Este trabalho desenha uma metodologia de análise de performan113


A LRF vem preencher lacuna importante na obtenção do equilíbrio fiscal do País, ao estabelecer regras claras para a adequação de despesas e dívidas públicas em níveis compatíveis com as receitas de cada ente da federação, envolvendo todos os poderes. A LRF permite também melhor avaliação da gestão de prefeitos, governadores e do presidente da República, ao reduzir fortemente os passivos financeiros que poderiam ser repassados ao sucessor ou herdados do antecessor. Ela estabelece, como pré-condição à aprovação da LDO e da LOA, a participação da população, estreitando a distância entre governo e sociedade, respaldando a ação governamental, seja para a cobrança dos tributos, seja para o direcionamento e a aplicação dos recursos públicos em investimentos e manutenção das cidades. É fundamental que as administrações locais deixem de considerar esse instrumental como mera exigência da LRF, encontrando, entre os relatórios e prestações de contas que hoje se esforçam em preparar, instrumentos efetivos para auxiliá-los no cumprimento do objetivo maior da própria Lei – o equilíbrio fiscal. Somente a criação de um novo modelo de gestão para a prefeitura de Itaperuna ‒ melhorando sua capacidade de agir e propiciando à população maior fiscalização do uso dos recursos públicos ‒ poderá aperfeiçoar a qualidade dos serviços prestados. É necessária uma ação sobre equipamentos, procedimentos administrativos, funcionários, e sobre o próprio ambiente de trabalho da prefeitura. A utilização de tecnologia, principalmente de um sistema capaz de integrar diferentes áreas, aproveitando os dados já inseridos no sistema, pode reduzir o tempo de atendimento, diminuindo a espera e a desilusão do cidadão pelo não atendimento a contento. A tecnologia pode também ajudar a tornar mais eficientes os procedimentos administrativos, orientando a revisão dos processos e possibilitando maior agilidade na prestação

114

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

ce financeira e orçamentária, que permite ao administrador, com base em instrumental da própria LRF, prevenir desequilíbrios. As correções de situações de desequilíbrio requerem, por sua vez, que se identifiquem as variáveis passíveis de ajuste ao longo da execução orçamentária e financeira.


dos serviços. O foco na melhoria do atendimento ao cidadão deve gozar de prioridade. A prática deve orientar a reorganização dos fluxos, de procedimentos, procurando remover os entraves burocráticos, que impedem a prestação de um serviço mais rápido e eficaz. A iniciativa pode lançar mão da tecnologia para otimizar processos básicos, como protocolo de documentos. Numa cidade de dimensões demográficas como Itaperuna, tal procedimento ainda é realizado pelo método manual. A simples utilização de tecnologia não é suficiente para alcançar procedimentos eficazes. É preciso também rever o fluxo desses processos, buscando eliminar trâmites desnecessários, concentrar atribuições e acelerar a conclusão do serviço. Dessa forma, responsabilidades são partilhadas, e permite-se melhor monitoramento dos resultados, a fim de aumentar a credibilidade do serviço público e a reconquista da confiança do cidadão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. BOTELHO, Milton Mendes. Manual prático de controle interno na administração pública municipal. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 05 jun. 2014. _______. Lei Complementar nº. 101 de 04/05/2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União em 05/05/2000. Disponível em http://www.Planalto .gov.br. Acesso em: 05 jun. 2014. _______. Lei Complementar nº. 4.320 de 17/03/1964. Institui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Publicada no Diário Oficial da União em 15/03/1964. Disponível em http:// www.planalto.gov.br. Acesso em: 05 jun. 2014.

115


CRUZ, Flávio da. Comentários à Lei nº 4.320. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. OLIVEIRA, Francisco Mesquita de. Orçamento participativo: instrumento de democratização da gestão pública. IN: O poder, o controle social e o orçamento público. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2005. REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. 34. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. REIS, Heraldo da Costa. Novas leituras de administração municipal. 2. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2003. SOUZA JÚNIOR, Manoel Faria de. Itaperuna se prepara para o plano. Disponível em: <HTTP:// radioitaperuna1410.blogspot.com.br/2013/07/ itaperuna-se-prepara-para-o-plano.htm>. Acesso em: 13.ago.2014. THOMAZ LOPES, Carlos G. Planejamento, estado e crescimento. São Paulo: Pioneira, 1990.

116

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.


ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS COMO MECANISMO DE TRANSPARÊNCIA

Autora: Patrícia de Oliveira Rossato1 Coautora: Joyce Andrade Braga2

RESUMO

Neste artigo apresentam-se dados que demonstram as relações existentes entre a ausência de transparência na aplicação dos recursos constantes do orçamento municipal e o desinteresse da população em participar das audiências públicas que discutem a destinação e/ou aplicação de tais recursos. A pesquisa bibliográfica levou a autores cujos textos versam sobre transparência na elaboração do orçamento público. Com o intuito de enriquecer este artigo, foi realizada uma pesquisa quantitativa, através de questionários respondidos pelos moradores de alguns bairros da cidade de Franca, com o objetivo de colher informações relacionadas à questão da transparência na aplicação dos recursos públicos, bem como o de medir o grau de interesse da população em relação ao assunto. Após a coleta dos dados e as respostas a questões feitas ao Poder Executivo, obtiveram-se os subsídios necessários para o exame da problemática estabelecida. Concluiu-se que é necessário um incentivo maior, por parte do Poder Executivo, para estimular os munícipes a participarem da elaboração do orçamento municipal, buscando o desenvolvimento das comunidades e a interação dos cidadãos na aplicação dos recursos públicos, a fim de que haja um controle social efetivo. 1 A Autora é Pós-Graduanda em Gestão Pública Municipal na Universidade Fe-

deral do Rio de Janeiro, Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Mato Grosso. Servidora Pública Municipal - Franca/SP.

2 Professora Orientadora é Pós-Graduada em Gestão Econômica e Viabilidade de Empreendimentos na Universidade Católica de Salvador, Assistente Social, graduada na Universidade Castelo Branco, servidora Pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro/RJ.

117


1. INTRODUÇÃO

O orçamento público é definido como a ferramenta que permite ao Governo promover a produção de bens e serviços para atender às necessidades da população, de acordo com o papel atribuído ao Estado na economia e na sociedade: quando o planejamento e a execução orçamentária são concebidos a partir de um orçamento participativo, com o real incentivo e interesse do gestor público em ouvir e acatar o que é sugerido e/ou reivindicado pelos cidadãos, certamente o resultado é a eficiência da gestão pública. Sobre o referido tema, encontramos, no Portal da Transparência do Governo Federal:

O orçamento participativo é um importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade. Nele, a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura. Além disso, ele estimula o exercício da cidadania, o compromisso da população com o bem público e a co-responsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade. (Portal Governo Federal, 2014).

O artigo 48 do Plano Diretor do Município de Franca dispõe que:

118

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Palavras Chave: Orçamento Participativo. Transparência. Audiência Pública. Planejamento.


“- O Poder Executivo elaborará e implantará o planejamento do desenvolvimento municipal, através de participação da cidadania, utilizando-se do Conselho da Gestão Orçamentária Participativa, nos termos do Capítulo IV da Lei Federal nº 10.257, de 10 de junho de 2001”.

Na elaboração deste trabalho, utilizou-se o método dedutivo. A primeira etapa do desenvolvimento consistiu de consultas e pesquisas bibliográficas, visto que o intuito da pesquisa é a obtenção de informações técnicas para a formação e o desenvolvimento da fundamentação teórica. A segunda etapa foi uma pesquisa de campo, junto a moradores de alguns bairros da cidade de Franca, escolhidos aleatoriamente; distribuíram-se cinquenta questionários, os quais foram todos respondidos e devolvidos. O questionário constou de 13 (treze) questões objetivas, com a finalidade de se obterem informações quantitativas, relacionadas à questão da avaliação do nível de interesse, tanto do gestor público quanto da comunidade, no momento em que os projetos das peças de planejamento são elaborados. Em seguida, foi realizada a análise dos dados. A terceira fase foi um questionário que, enviado ao responsável pelo Setor de Planejamento da Prefeitura Municipal de Franca, foi prontamente respondido. A pesquisa serviu para demonstrar que, sem o envolvimento da população, esta importante ferramenta governamental conhecida como “orçamento participativo” fica totalmente comprometida, porque essa ausência impede o exercício da cidadania. Em contrapartida, constata-se a necessidade de o gestor público não medir esforços para incentivar a população a participar do planejamento das ações.

2.

REFERENCIAL TEÓRICO

Os meios de comunicação publicam, quase diariamente, questionamentos sobre a falta de transparência na aplicação do orçamento participativo. Este é um importante espaço de debate e decisão sobre os destinos 119


2.1

Administração Pública

A Administração Pública objetiva corrigir os erros cometidos contra a coletividade, removendo obstáculos institucionais e garantindo a viabilização de objetivos e metas que pretende cumprir. Tratando-se das funções do administrador, planejar é o ponto de partida para a eficiência e a eficácia da máquina pública: de um correto planejamento resultará uma boa gestão, refletindo diretamente no bem estar da população (ANDRADE, 2008).

2.2

Orçamento Público

Segundo Piscitelli, Timbó e Rosa (2004, p. 42):

A ação planejada do Estado quer na manutenção de suas atividades, quer na execução de seus projetos, materializa-se através do orçamento público, que é o instrumento de que dispõe o Poder Público (em qualquer de suas esferas), para expressar, em determinado período, seu programa de atuação [...].

Botelho (2011) diz também que o município deve criar antecipadamente um regulamento para que a participação popular funcione; e deve ainda tomar providências como: a) definir fontes e os valores dos recursos que serão disponibilizados para os programas do orçamento popular; b) determinar critérios de participação; c) elencar prioridades e metas; d) es120

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

da cidade, porque é baseado na ampliação da transparência e do controle sobre a arrecadação e aplicação dos recursos públicos. O trabalho, focado na falta desta transparência, abordará os seguintes tópicos: Administração Pública, Orçamento Público e Orçamento Participativo.


tabelecer prazo para apresentação das propostas.

2.3

Orçamento Participativo

De acordo com Silva (2012, p. 32):

O Orçamento participativo é importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade, nele a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura. Além disso, ele estimula o exercício da cidadania, o compromisso da população com o bem público e a corresponsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade.

Botelho (2011, p. 231-232) afirma:

A Lei de responsabilidade Fiscal veio aprimorar o acompanhamento da execução orçamentária, implantando a reforma do processo de planejamento orçamentário, induzindo a participação popular na elaboração de tais leis. As novidades não foram tantas. Outras leis já tratavam da matéria, mas não eram divulgados os instrumentos que possibilitavam o acompanhamento da execução do orçamento pela sociedade. Assim passaram a ser obrigatórias as audiências públicas para analisar elementos que evidenciam a transparência das ações, permitindo que se avaliem resultados e custos, aprimorando o processo de elaboração dos instrumentos de planejamento, enfocando as seguintes informações: As metas fiscais, os limites de gastos, de endividamento e equilíbrio das contas, a organização, a prevenção e o controle interno, consolidação de dados, a transparência das ações de governo em relação à população e a responsabilidade fiscal.

121


PESQUISA DE CAMPO

3.1 Questionário

A pesquisa foi realizada em diversos bairros no Município de Franca – São Paulo, durante o mês de julho de 2014. Distribuíram-se cinquenta questionários (cf. Apêndice A), todos respondidos e devolvidos. Observou-se que a maior parte dos moradores pesquisados (72%) está em idade adulta, enquanto 28% encontram-se na faixa etária entre dezoito e vinte e nove anos, população considerada jovem conforme disposto na Lei nº 12.852 de 05 de agosto de 2013, que institui o Estatuto da Juventude.

Gráfico 1: Perfil do morador – Idade. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

122

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

3.


Questionados sobre o tempo de residência no respectivo bairro, os entrevistados responderam que a maior parte (50%) reside ali há mais de quatro anos; 20% residem no mesmo local entre dois e quatro anos; 22%, entre seis meses e dois anos; e apenas 8% vivem lá há menos de seis meses.

Gráfico 2: Perfil do morador – Tempo de residência no bairro. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

No quesito nível de escolaridade, verifica-se que a maior parte dos entrevistados (30%) possui o ensino médio completo. Os que possuem ensino superior completo representam 24%; 18% completaram o ensino fundamental; 16% têm o ensino fundamental incompleto; e somente 12%, o ensino superior incompleto.

123


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Gráfico 3: Perfil do morador – Nível de escolaridade (Lei nº9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Fonte: Pesquisa Direta (2014).

Questionados sobre o significado de “orçamento participativo”, a minoria (16%) respondeu que apenas ouviu falar; os que responderam não saber o que significa, embora tenham ouvido falar daquilo, são 24%; e 60% não sabem o que significa, e sequer dele ouviram falar. Trata-se de um dado relevante, pois demonstra que os meios de comunicação adotados pelos gestores públicos para divulgação do orçamento participativo não têm alcançado a maioria dos cidadãos.

124


Gráfico 4: O que significa Orçamento Participativo. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

Quando se pergunta aos munícipes se tomam conhecimento da realização das audiências públicas organizadas pela Prefeitura Municipal, constata-se que a grande maioria (86%) não toma delas conhecimento; 6% ouviram falar, ou tomaram ciência através da internet, 8% responderam afirmativamente, acrescentando que tiveram conhecimento pelo jornal.

125


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Gráfico 5: Conhecimento sobre a realização de audiências públicas. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

Desse resultado, é simples concluir que, apesar de os avisos de realização das audiências serem divulgados na Imprensa Oficial do Município, em jornal de circulação local, e no Site Oficial do Executivo; tais meios de comunicação se mostram ineficientes quando se trata de alcançar a maioria dos munícipes. Vale destacar que, na pergunta sobre o entendimento dos moradores sobre “transparência na área pública”, verifica-se que a maior parte dos pesquisados (66%) tem conhecimento do que seja ou, pelo menos, ouviram falar; 34% atestaram que nunca ouviram falar sobre o tema.

126


Gráfico 6: Conhecimento do termo “transparência na área pública”. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

Quando questionados sobre o que consideram prioridade a ser executada na comunidade, observa-se que a maior parte (66%) opinou pela construção de postos de saúde. Os demais responderam assim: 12% optaram por construção de áreas de lazer; 12% assinalaram o item construção de escolas; 4% preferiram pavimentação de vias; 2%, por construção de praças; e 4% não souberam informar.

127


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Gráfico 7: Prioridade a ser executada no bairro. Fonte: Pesquisa Direta (2014).

Observa-se, pela amostragem, que os moradores das regiões pesquisadas identificaram maiores necessidades de investimentos na área da saúde; além disso, a pesquisa demonstra que os munícipes entendem que a construção de áreas de lazer é tão importante quanto a construção de escolas. Ao se comparar, no universo pesquisado, as respostas dos que desconhecem tanto o que seja “orçamento participativo” quanto “transparência na área pública”, é possível constatar que, como o último tem sido divulgado em meios de comunicação (como televisão e rádio), 22% das pessoas declararam conhecer-lhe o significado; mas os mesmo 22% ignoram o que seja orçamento participativo. Importante destacar que apenas 2% dos entrevistados que declararam conhecer o significado tanto de orçamento participativo quanto de transparência pública responderam, também, que participam de reuniões da associação de moradores, das audiências públicas presenciais e/ou fei-

128


tas pela internet; ou seja, um número ínfimo de pessoas se interessa pela fiscalização dos atos do Poder Público.

3.2

Ações desenvolvidas pela Prefeitura

Procedeu-se à pesquisa junto à Prefeitura Municipal de Franca (mais especificamente, na Secretaria de Finanças), com os seguintes questionamentos, respondidos pelo contador Paulo Fernando de Souza, responsável pelo Setor de Planejamento:

Pesquisador: Existe algum estudo, no Município de Franca, que avalie quais políticas públicas foram resultado de reivindicações ou ideias formuladas pelos munícipes? R. “Por enquanto, há somente atuação dos Conselhos, em especial dos Conselhos de Assistência Social (que tem a Comissão de Orçamento), e da Criança e Adolescente, junto à Secretaria de Ação Social, no planejamento e deliberação dos valores destinados às respectivas áreas”. Pesquisador: Sob a ótica da Administração, o Orçamento Municipal deve ser elaborado e executado sem a participação direta dos cidadãos, partindo-se do pressuposto de que se os gestores foram eleitos pelo povo, e que tal fato já é suficiente para tomar as decisões sem consultar a população? R.

“Não. Uma Administração necessita de informações para elaboração do planejamento”.

Pesquisador: Ou, pelo contrário, a Administração considera extremamente necessária a participação popular no planejamento das ações governamentais, devido ao fato de o processo ser dinâmico e não estático, não bastando apenas o plano de governo apresentado à época da campanha política? R.

“Sim, a Administração considera (e se dispõe para) a participação popular, através das audiências públicas (obrigatórias). É importante observar que existem diferentes modelos de participação popular que podem ser adotados pela administração, sejam regionais, seja através de centros comunitários, comissões ou grupos. Alguns municípios vêm criando Secretarias (ex.: São

129


Quanto à participação dos munícipes nas audiências públicas de elaboração da tríade orçamentária, o Setor de Planejamento da Prefeitura Municipal de Franca nos disponibilizou os seguintes dados.

Participação Projetos PPA LDO LOA

2010 4 9 2

Propostas 1 2 0

2011 3 0

Propostas 0 0

2012 16 60

Propostas 1 0

2013 7 2

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Bernardohttp: //www.saobernardo.sp.gov.br/comuns/pqt_container_r01.asp? srcpg= secretarias_sopp&area=SOPP) e leis específicas (http://www.macae.rj.gov.br/mídia /conteudo/arquivos/1311283745.pdf)”.

Propostas 0 0

* Obs.: excluídas as participações dos organizadores/representantes do Poder Executivo

Propostas 2010 PPA

1 - Construção de 1 CRAS. * 1 -Reforma do CRAS da Vila São Sebastião - CRAS Oeste. * LDO 2 - Aumento significativo nos repasses às entidades assistenciais. Houve ampliação do valor global destinado às entidades. * A obra do CRAS Oeste já estava prevista no PPA. Foram priorizadas as obras de Reforma e Ampliação do CRAS Norte (Leporace) e do CRAS Leste (Brasilândia).

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social é uma unidade pública estatal descentralizada da política de assistência social, responsável pela organização e oferta de serviços da proteção social básica do Sistema único de Assistência Social.

Propostas 2012

130


o

LDO

Solicitou estudos p/ destinação da área pública Resid.Peres Elias (Quinta do Café). Informada a Secretaria de Urbanismo.

Também foi realizada consulta, no site da Prefeitura Municipal de Franca, pela qual se constatou que, para o exercício de 2015, foi disponibilizado o link http:// www .franca.sp.gov.br:8084/online2003/Contabil/ ldo2015/sugestoes_apresentadas_ate_1806_web.pdf, a fim de dar oportunidade para que os munícipes se manifestassem quanto às sugestões de inclusão no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015. Constata-se, a partir dos dados disponibilizados na internet pelo Poder Executivo, que 18 (dezoito) munícipes fizeram sugestões, o que representa 0,008% dos 230.000 (duzentos e trinta mil) eleitores registrados em Franca. Das cinquenta e uma reivindicações, vinte são direcionadas à área de urbanismo, nove à de esportes e lazer, seis à área social, seis à de educação, três à de segurança pública, três à de trânsito, duas à de saúde, uma à de turismo e uma à de recursos humanos da Prefeitura.

4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que, quando a Administração Municipal realiza audiências públicas, tal ato não passa de mera formalidade, pois fica visível o desinteresse do Chefe do Poder Executivo que, em vez de divulgar as audiências públicas para elaboração das peças de planejamento em diversos meios de comunicação, apenas publica os avisos em jornal local, na Imprensa Oficial do Município e no site oficial da Prefeitura. A contrapartida, que comprovaria real interesse em incentivar a 131


Em Franca, a alternativa sugerida para se alcançar os objetivos pretendidos é a implantação de grupos de estudo em diversas regiões da cidade, a fim de se esclarecer, para os munícipes, de maneira didática, sem terminologias técnicas que não fazem parte do cotidiano da população, quais mecanismos podem ser utilizados para uma participação efetiva da sociedade nas decisões sobre a aplicação dos recursos públicos. Para incentivar os munícipes a participarem dos grupos de estudo sugere-se a promoção de concursos de sugestões, que resultem na premiação daquelas que forem acatadas pelo Governo e que, de forma direta ou indireta, resultem em benefícios para a comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Nilton de Aquino. Planejamento governamental para municípios. 2. ed., São Paulo: Atlas, 2008. BOTELHO, Milton Mendes. Manual prático de controle interno na administração pública municipal. 2. ed. 2. Reimp., Curitiba: Juruá Editora, 2011. BRASIL, Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Brasília, 23 de dezembro de 1996, Diário Oficial da União. BRASIL. Ministério do Planejamento. Como é feito o orçamento. Brasília, 2013. http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/ sof/orcamento_13/OFAT_2013.pdf. Acesso em: 07 nov. 2013. BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Manual de contabilidade aplicada ao setor público. 5ª. ed., Brasília, 2012.

132

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

participação dos munícipes nas audiências públicas, seria a divulgação mais ampla, por parte da Prefeitura Municipal, utilizando veículos de comunicação como: chamadas nas rádios, informes televisivos, propagandas com carros de som, outdoors etc., os quais têm um alcance maior junto à população.


CAVALCANTE, Maria do Socorro Moraes. Uma análise sobre a importância do orçamento participativo como mecanismo de democracia. Disponível em: www.meuadvogado.com.br/entenda/uma-analise-sobre-a-importancia-do-orcamento-participativo-como-mecanismo-de-democracia.html. Acesso em: 01 nov. 2013. GIACOMONI, James. Orçamento público. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2005. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. KOHAMA, Hélio. Contabilidade pública: teoria e prática. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2003. MATIAS-PEREIRA, José. Manual de gestão pública contemporânea. 1. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2008. MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MOTA, Francisco Glauber. Contabilidade aplicada à administração pública. 6 ed. Brasília: Vestcon, 2004. OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos tribunais. 2010. ORIENTAÇÕES TÉCNICAS: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – 1. ed. Brasília, 2009. PISCITELLI, Roberto Bocaccio. TIMBÓ, Maria Zulene Farias, ROSA, Maria Berenice. Contabilidade pública. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2004. PORTAL TRANSPARÊNCIA BRASIL, Governo Federal. Disponível em: http:// www.portaldatransparencia.gov.br/controleSocial/OrcamentoParticipativo.asp. Acesso em: 01 nov. 2013. RIBEIRO. Magno Alves. Análise das publicações eletrônicas dos instrumentos de transparência na gestão fiscal dos municípios de Mato Grosso, sob a perspectiva da Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Brasileira de Contabilidade, 189. ed. Brasília: maio/junho 2011. 133


SILVA, Valmir Leôncio da. A nova contabilidade aplicada ao setor público: uma abordagem prática. São Paulo: Atlas, 2012. SLOMSKI, Valmor. Manual de contabilidade pública. 2. ed., São Paulo, Atlas. 2008. VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

134

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

SILVA, Lino Martins da. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004.


PÚBLICO E PRIVADO NA GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO MUNICIPAL: ANÁLISE E PRÁTICAS BRASILEIRAS NO PERÍODO DE 2006 A 2012 Newton José Oliveira de Menezes1 Valdir Agustinho de Melo, D.Sc2 RESUMO Este trabalho procura caracterizar o panorama do saneamento básico na urbanização brasileira, fazendo diferenciação da participação do setor público e do privado na gestão dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto sanitário, buscando resultados que permitam concluir sobre a presença desses setores, com vistas a equacionar diretrizes para as melhores práticas da gestão municipal do saneamento. A partir de informações sobre as necessidades diagnosticadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) para se alcançar a universalização dos serviços, foram analisados os resultados produzidos pelas duas modalidades de gestão, com base nas informações publicadas pelo Sistema Nacional de Informações (SNIS) sobre Saneamento, com destaque para investimentos e abrangência dos serviços. Na atual estruturação institucional da oferta do setor, fez-se uma comparação dos seus indicadores, na qual se verificaram as diferenças obtidas por essas duas modalidades. Destacou-se que os melhores resultados são obtidos pelas empresas estaduais, com sistemas de economia mista, embora a grande maioria das empresas ofertantes seja municipal (as empresas privadas são responsáveis por parcela muito pequena dos resultados 1 Economista, pós-graduando do Curso de Gestão Pública Municipal, Programa CEAD – UNIRIO. 2 Doutor em Engenharia de Produção - Programa Nacional de Administração Pública, CEAD-UNIRIO. 135


Palavras-chave: Saneamento básico. Infraestrutura. Privatização.

1 INTRODUÇÃO Ao longo da História, as pessoas utilizam o processo de urbanização para otimizar sua subsistência e a ocupação do espaço. MARICATO (2005) afirma que “em 1940, o Brasil tinha 31% da população nas cidades e, em 2000, essa população chegou a 81%, com quase 138 milhões de moradores urbanos”. Essa organização pode assumir diferentes formas; no caso brasileiro, temos basicamente um governo central, subdividido em estados, que, por sua vez, se subdividem em municípios. A urbanização traz consigo o primeiro grande problema de infraestrutura, indissociável da natureza humana: o saneamento básico. Embora, nesse contexto e no caso brasileiro, o problema historicamente seja municipal, inclusive por força da Constituição Federal, este cenário não é o mesmo em todos os lugares, que compartilham basicamente três tipos de empresas prestadoras do serviço: estaduais, municipais e privadas. De acordo com Oliveira et al. (2001), a distribuição é a seguinte: 25 empresas estaduais, que detêm aproximadamente 75% dos serviços; 1.600 instituições de serviços públicos municipais; e cerca de 70 empresas privadas, que obtiveram concessões. Na década de 70, com a instituição do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA ‒ o Governo Federal criou as empresas estaduais de saneamento (a exemplo da CEDAE, no Rio de Janeiro, e da 136

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

do setor). Concluiu-se com algumas observações e recomendações para a gestão pública municipal, no sentido da condução de ações para garantir o acesso universalizado da população ao saneamento básico.


SABESP, em São Paulo) com objetivo de resolver o problema de oferta de água potável e o de afastamento, coleta e tratamento de esgoto para a população. Passados quarenta anos, o acesso à água tratada atinge 78,6% da população, a rede de esgoto só atinge 44% e, do total de esgoto gerado, apenas 29,4% é tratado. A Lei federal nº 11.445/2007 dispôs ‒ dentre outras questões ‒ dos princípios fundamentais, do exercício da titularidade, da prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, das atividades de planejamento, da regulação, de aspectos econômicos e sociais, de aspectos técnicos, da participação de órgãos colegiados no controle social e da política federal de saneamento básico, procurando regulamentar as complexas práticas de gestão do saneamento no território nacional. Porém, ainda permanece a discussão sobre quais as melhores práticas, os modelos e capitais para cuidar desse problema, que interfere diretamente nas necessidades básicas e na saúde de todos os cidadãos. Em alguns aspectos, o setor privado, com sua dinâmica e capacidade de inovação e otimização, pode contribuir de forma eficiente para a solução do problema. Todavia, os grandes vultos de investimento e o aspecto monopolista do setor tornam a exploração pela iniciativa privada socialmente perigosa. A necessidade de otimização através de sistemas integrados, que passe por vários municípios, devido à necessidade determinada pelo uso de bacias hidrográficas, torna também complexa a atuação do setor público na esfera municipal, acabando por demandar a presença do Estado, nem sempre alinhada politicamente com os municípios. A conclusão deste cenário é a carência de um modelo que permita conciliar as diversas variáveis e proporcionar à população um bom serviço, que atenda suas demandas. Historicamente, esse problema passou por diversas experiências,

137


Dessa forma, surge uma questão: que resultados permitem concluir sobre a presença dos setores (público e privado), com vistas a equacionar as diretrizes para as melhores práticas da gestão municipal do saneamento básico? Pode-se esperar que o lucro, fator estimulante da iniciativa privada, limite sua eficácia na prestação dos serviços de saneamento, uma vez que a compensação dos investimentos se faz pela população pagante, que é muito menor que a população carente, maior consumidora. Por outro lado, o setor de saneamento básico constitui-se como o mais social entre os serviços de utilidade pública. Esta situação acaba obrigando a um equacionamento pelo poder público municipal, que é concedente desses serviços, levando às soluções que viabilizem uma adequada compensação. O presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar e avaliar resultados da presença compartilhada entre o setor privado e o setor público na gestão do Saneamento Básico Municipal, a partir de dados disponíveis e expectativas de universalização da oferta para a população, sem, contudo, chegar a uma opinião, solução ou “verdade” sobre a presença do setor privado x público no saneamento. Como objetivos específicos, o trabalho procura quantificar e qualificar a atuação dos diversos agentes atuantes no setor de saneamento, comparando os resultados das respectivas participações nos municípios brasileiros.

138

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

culminando na concessão de exploração dos serviços pelo setor privado, que, atualmente a compartilha com o setor público nos vários municípios do território nacional; no entanto, não há consenso sobre qual deles proporciona melhor resultado no atendimento sustentável da sociedade.


Considerando a diversidade no território brasileiro e a consistência das transformações mais recentes, a partir da metade da última década, a questão é focada nos dados municipais disponíveis de 2006 a 2012, através do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. A pesquisa se justifica por focalizar um problema efetivo e presente na realidade da gestão pública municipal, de grande importância na realidade de qualquer munícipe, e por tratar de importante problema de infraestrutura urbana, motivo de permanentes discussões sobre a melhor solução ‒ o público ou o privado ‒ e qual a dimensão da dificuldade. Com as informações obtidas é possível aprimorar a capacidade analítica do gestor municipal com relação à condução dos serviços de saneamento básico em seu município. Dada a característica do objetivo, o trabalho adota um inicial caráter descritivo, mas estabelece as bases estruturais do contexto explicativo, que, posteriormente, podem ser aprofundadas. A partir da pesquisa bibliográfica, necessária para estabelecer a fundamentação teórica, serão levantadas informações da base de dados do SNIS, visando satisfazer o questionamento acerca da magnitude da ação dos setores público e privado no serviço de saneamento básico. O artigo divide-se em duas seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira caracteriza a demanda nacional, a partir de informações contidas na proposta do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB ‒ publicado pelo Ministério das Cidades em 2011. A segunda apresenta os resultados e análises da iniciativa pública e privada, através de dados publicados pelo SNIS, no período de 2006 a 2012.

2 DESENVOLVIMENTO

139


ou represas mais próximas, obriga a buscar água boa cada vez mais longe e, consequentemente, a custos cada vez mais elevados. Assim, a população crescente e o desgaste natural dos sistemas de abastecimento estabelecem condições de demanda cada vez menos satisfatórias, e necessidades sempre maiores de investimentos. Somando-se a isso, elevados índices de perda nos sistemas de abastecimento completam o desperdício, agravando a situação. De acordo com diagnóstico realizado pelo International Finance Corporation – IFC (2013), “as perdas de água são muito elevadas no Brasil e têm se mantido em níveis próximos a 40% nos últimos dez anos”. A falta de disponibilidade hídrica, sobretudo nas regiões mais urbanizadas, agrava o problema do abastecimento de água potável, tendo em vista que os volumosos investimentos e a economia de escala que o envolve, sobre corpos hídricos escassos e que atravessam vários municípios, estabelece uma condição de monopólio natural compartilhado, que acaba sendo um problema social potencializado. Assim, o problema da operação dos monopólios pela iniciativa privada é que “o monopolista irá expandir a produção se o aumento da receita exceder o aumento dos custos, e irá contrair a produção se as perdas de receita forem superiores às reduções dos custos” (Frank 1994, p. 378). De acordo com a tendência das políticas municipais, o compartilhamento da solução dos problemas de abastecimento requer a noção de que a “acumulação só se dá pela solidariedade econômica de muitos [...] denotando, portanto, que o novo fundamento da acumulação é a aglutina140

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Apesar de o Brasil ser um país privilegiado em termos de recursos hídricos (aproximadamente 12% do total mundial disponível (Portal Brasil, 2010)), a urbanização desorganizada e despreocupada com o saneamento ambiental acaba tornando escassa a água potável, porque o lançamento de esgoto (na maioria das vezes sem tratamento adequado) nos cursos d’água


ção de sócios em torno de um propósito comum” (Moreira Neto e Castro in Martins, 1998, p. 47). Todavia, pode-se ampliar o sentido da otimização da gestão dos recursos hídricos se houver um organismo capaz de atuar de forma ampla, nas várias municipalidades que compartilham a mesma bacia hidrográfica, e cuja expansão territorial leva a uma visão mais ampla, que extrapola as fronteiras geográficas, na busca da solução dos problemas regionais. O que se pode concluir desse cenário é que a demanda insatisfeita pelos serviços de saneamento básico ainda é uma grande preocupação, sobretudo para a gestão municipal, responsável pela adequada condução das melhores condições de oferta desse benefício à população, e cuja importância para a saúde, o bem estar humano e o contexto ambiental é primordial. Contudo, o primeiro passo para a solução do problema é o diagnóstico e o consequente planejamento da solução do saneamento no âmbito municipal, que, embora previsto em lei, ainda apresenta resultados modestos. No sentido de atender à legislação e criar ferramentas de articulação e coerência para uma política nacional, com vistas à universalização do saneamento básico ‒ ou seja, de atender praticamente toda a população com abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto ‒ o governo federal elaborou o PLANSAB e o Panorama do Saneamento Básico no Brasil; estabeleceu-se um diagnóstico das condições e criaram-se expectativas temporais de valores de investimentos necessários para atingir o objetivo. Para alcançar as metas, o PLANSAB estabelece, como se vê na Tabela 1, o cenário para a evolução dos investimentos. Conforme a metodologia adotada no PLANSAB, procurou-se combinar enfoque técnico com processo participativo, destacando-se a conceituação de medidas estruturais e estruturantes. As metas de curto, médio e longo prazo são definidas para os anos de 2015, 2020 e 2030, respectivamente, e servirão para nortear ajustes e parâmetros a serem monitorados 141


Tabela 1: Necessidades de investimentos (em milhões de reais)

Fonte: Plansab, p. 113 As informações apresentadas a seguir (ver Tabela 2) estão agrupadas conforme a natureza dos prestadores de serviço de saneamento básico quanto ao abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto sanitário, e foram extraídas dos dados publicadas pelo SNIS, nos anos de 2006 a 2012. O agrupamento reúne em um só bloco (denominado “Públicas Mu-

142

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

pelos municípios brasileiros.


nicipais” (PM)) as empresas da Administração Pública Direta, as Autarquias e as Empresas Públicas diretamente ligadas aos municípios. Também as Sociedades de Economia Mista (SEM), por serem, em sua maioria, as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB’s), estão agrupadas em um mesmo segmento. Apenas sete delas são municipais. As Organizações Sociais, por terem participação insignificante no sistema de saneamento nacional, e por não se enquadrarem no escopo deste estudo, não serão objeto de análise. Tabela 2: Número de empresas no Setor de Saneamento e de Municípios atendidos.

Fonte: SNIS ‒ 2012, elaboração própria. Observa-se, nos dados de 2012, que as SEM, correspondentes a 2,20% do total de empresas atuantes, atenderam a 70,10% das cidades, enquanto as PM, que são 93,60%, atenderam a 26,20%. As Empresas Privadas (EP), que correspondem a 4,10% das empresas fornecedoras do serviço, atenderam aos 3,70% dos municípios restantes. No que se refere à população atendida, se observa na Tabela 3 que 143


Tabela 3: População atendida por tipo de empresa prestadora (habitantes).

Fonte: SNIS ‒ 2006 a 2012, elaboração própria.

Nota-se, pelas informações da Tabela 4, que os volumes faturados são sempre maiores que os medidos, tendo em vista que as estruturas tarifárias cobram valores fixos para volumes mínimos, mesmo que o consumo tenha sido inferior. Tabela 4: Volumes de água (mil m³)

144

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

as EP apresentaram aumento mais pronunciado que as PM e as SEM no período, sobretudo no que se refere ao esgotamento sanitário.


Fonte: SNIS ‒ 2006 a 2012, elaboração própria.

Sobre o volume de esgoto, há informação mais detalhada, considerando-se que esse serviço envolve duas operações: o afastamento, ou coleta, e o tratamento. Como se pode ver na Tabela 5, o volume tratado é menor que o volume coletado, apesar da evolução quantitativa no tempo, ou seja, parte do esgoto é despejada diretamente no meio ambiente. Da mesma forma observa-se, pelo maior volume de água fornecida do que o de esgoto coletado, que nem todos são atendidos pelo serviço de coleta. Tabela 5: Volumes de esgoto sanitário (mil m³)

145


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Fonte: SNIS ‒ 2006 a 2012, elaboração própria. A Receita Operacional é uma importante informação, porque se refere ao que os munícipes pagam para obtenção dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, tendo apresentado crescimento no período observado. Como as informações foram levantadas a preços constantes (IPCA médio ‒ base 2013), vê-se que este crescimento da receita foi real, uma vez que foram compensados os efeitos da inflação. Conforme se observa na Tabela 6, a seguir, as receitas de 2012 com água subiram em relação a 2006. Tabela 6: Receita pelo abastecimento de água (R$ ctes.).

146


Fonte: SNIS ‒ 2006 a 2012, elaboração própria.

Comparando-se os valores a preços constantes (ver Tabela 7), verifica-se que os investimentos cresceram desigualmente. Nota-se que os valores investidos pelas EP se mantiveram quase estagnados até 2011, apresentando inflexão acentuada apenas em 2012. Por outro lado, as empresas públicas (SEM e PM), evoluíram de forma relativamente crescente: as SEM, com desaceleração nos últimos dois anos, mas retomando investimentos em esgoto no último ano; e as PM recuperando o crescimento em 2012, mas priorizando abastecimento de água. Em relação a 2006, as receitas de 2012 com água subiram: 72,8% para as Empresas privadas; 26,8% para as Sociedades de Economia Mista e 41,8% para as Públicas municipais. No mesmo período, as receitas com esgoto subiram: 186,0% para as Empresas privadas; 26,6% para as Socie-

147


Geralmente, os projetos de investimento em saneamento básico têm concentração de valores maiores nos anos iniciais, em função da implantação da infraestrutura necessária; mas esses gastos se abrandam posteriormente, para acompanhar apenas o crescimento vegetativo.

Tabela 7: Investimentos (R$).

148

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

dades de Economia Mista e 47,4% para as Públicas municipais.


Fonte: SNIS ‒ 2006 a 2012, elaboração própria.

Em um tratamento preliminar, a partir dos dados esperados pelo PLANSAB, distribuindo linearmente os valores acumulados no ano e atualizando as projeções a preços constantes para a base de Dez/2013, pelo IPCA médio anual, observa-se a necessidade de investimentos de quase R$ 40 bilhões acumulados em 2011 e 2012. Porém, apurando-se, com base no SNIS, as informações, para esses anos, constata-se uma defasagem entre as expectativas do plano e as informações do realizado, como se pode conferir na Tabela 8 (a seguir). Nesse contexto, observa-se que a principal participação é das SEM, e que as empresas privadas deram um salto considerável de 2011 para 2012. Porém, observa-se que os valores acumulados logo no segundo ano mostram que apenas a metade dos investimentos necessários foi realizada.

Tabela 8: Investimentos Previstos e Realizados (R$ milhões).

149


Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

Fonte: Plansab e SNIS ‒ 2011 a 2012, elaboração própria. 3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual estrutura do saneamento básico brasileiro compartilha a gestão entre empresas privadas e públicas. . Observa-se, entretanto, que a grande maioria dos municípios é atendida pelas SEM, cujo principal controlador é o Estado; a seguir, vem a administração municipal; e a participação privada no atendimento de água e esgoto é bem reduzida, não chegando a cinco por cento dos municípios. Tais proporções se confirmam na base de avaliação pela população atendida. A evolução das variáveis físicas no período estudado, embora com grande déficit no atendimento ao esgotamento sanitário, mostrou crescimento moderado, tanto na atuação do setor público como na do privado, mas revela que a tendência de crescimento é mais acentuada no atendimento pelo setor público. Por outro lado, os dados financeiros revelam que a iniciativa privada é a que mais tem elevado a receita. Isso corrobora a ideia de maior onerosidade para o cidadão pagante, colocada em hipótese nas reflexões iniciais do presente estudo, quando se trata de atendimento pela iniciativa privada. De fato, as experiências com privatização do sa150


neamento não se têm revelado como grande solução. O levantamento feito no presente estudo acerca dos investimentos não proporciona tanto entusiasmo quanto à capacidade da iniciativa privada, ao mesmo tempo em que deixa perceber que os resultados públicos também ainda são insuficientes. Constatou-se certa estagnação nos investimentos realizados pela iniciativa privada no período estudado, com mudança de comportamento apenas em 2012. Por outro lado, as empresas públicas, tanto pelas SEM como pelas PM, mostram evolução dos investimentos de forma relativamente crescente. Mas isso não foi suficiente para atender à projeção realizada pelo PLANSAB. O que se conclui é que a hipótese enunciada no presente estudo, de que houve redução de custos operacionais e investimentos pelos entes estaduais, acaba se concretizando na prática. Aliás, estas SEM vivem no dilema de atuar com uma administração profissional, preocupada em proporcionar certo lucro em suas operações, de forma a manter o interesse dos acionistas que financiam sua atividade, e de, por outro lado, cumprir sua função social, que, como empresa do Estado, não foi feita para visar lucro, mas, sim, para suprir as necessidades sociais. Fica, então, o desafio de efetivamente se otimizar a atividade dessas empresas, públicas ou privadas, visando maior eficiência e prioridade social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIAGNÓSTICO dos serviços de água e esgoto. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS. Ministério das Cidades, 2006 2012. Anual. FAURÉ, Yves; HASENCLEVER, Lia. O desenvolvimento local no Estado do Rio de Janeiro - Estudos avançados nas realidades municipais. Rio de Janeiro: E-Papers Serviços Editoriais, 2005.

151


IFC- International Finance Corporation. Manual sobre contratos de performance e eficiência para empresas de saneamento em Brasil. Junho de 2013. http://hiria. com.br/html/ifc/MANUAL_PORTUGUES_ALTA. pdf. Acesso em 21/04/2014. MARICATO, E. Questão fundiária urbana no Brasil e o Ministério das Cidades. Nov/2005. http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/ textosmaricato_questao fundiaria.pdf.‎ Acesso em 26/09/2013. MARTINS, Ives Gandra. O Estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. OLIVEIRA, Gesner et al. (2011) Cenários e condições para a universalização do saneamento no Brasil – Parte 1. Temas de Economia Aplicada. São Paulo: Informações FIPE. PLANO Nacional de Saneamento Básico - PLANSAB. Ministério das Cidades. Brasília-DF, 2011. PORTAL BRASIL. (2010) Meio ambiente. http://www.brasil.gov.br/ meio-ambiente/ 2010/11/recursos-hidricos. Acesso em 01/03/2014.

152

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

FRANK, Robert. Microeconomia e comportamento. Alfragide - Portugal: McGraw-Hill, 1997.


TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS E CRITÉRIOS PARA O APORTE DE RECURSOS ENTRE ENTES FEDERATIVOS

Autor: Maíra Soares Salomão1 Coautor: Rafael de Lima Bilio2

RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar as características das transferências voluntárias entre entes federativos e identificar os critérios para sua realização, através da revisão de literatura e posterior sistematização das principais obras existentes sobre o tema. O estudo delineia a evolução histórica do federalismo brasileiro, indicando a oscilação entre períodos de maior autonomia dos entes subnacionais e de maior centralização do poder, evidenciando as contradições do atual arranjo federativo. O artigo identifica, ainda, a legislação aplicável ao tema e reconhece a falta de critérios objetivos para nortear a distribuição dos recursos públicos, implicando grande discricionariedade por parte dos agentes políticos e risco de se abrir margem para motivações político-partidárias. As obras analisadas sugerem, de fato, um possível aumento do fluxo de recursos em períodos pré-eleitorais, quando há alinhamento político entre prefeitos e governadores ou Presidente da República. Destaca-se, no entanto, a relevância desta descentralização de recursos na promoção da redistribuição de renda, na diminuição da desigualdade social e regional e no enfrentamento de situações imprevistas. O estudo conclui que as transferências voluntárias devem ser orientadas por critérios técnicos e precisos, definidos por lei, e em conformidade com as vocações e deficiências de cada 1 Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo – USP com especialização em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Programa CEAD – UNIRIO).

2 Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Professor Pesqui-

sador do curso de Especialização em Gestão Pública Municipal da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Programa CEAD – UNIRIO) do Programa Nacional de Administração Pública.

153


Palavras-chave: Federalismo. Transferências Voluntárias. Convênios.

1 INTRODUÇÃO A forma de organização de um Estado determina como o poder político é exercido sobre o território e influencia as características da Administração Pública, impondo desafios a cada tipo de situação. No Brasil, a forma de Estado adotada desde a Proclamação da República é a federativa. Assim, de acordo com o art. 23 da Constituição Federal de 1988, os entes federados, embora autônomos, devem agir conjuntamente, de forma cooperativa, para atingir interesses recíprocos e comuns. As transferências intergovernamentais são institutos importantes para instrumentalizar a cooperação entre os membros da Federação na busca da redução das desigualdades sociais e regionais, podendo ser repassadas pela União para os estados-membros e municípios ou pelos estados-membros para os municípios. Destacam-se dois tipos de transferências intergovernamentais: 1) aquelas obrigatórias, realizadas por determinação da Constituição Federal de 1988 ou de leis, chamadas transferências constitucionais ou legais e 2) aquelas transferências definidas conforme decisão dos órgãos competentes da União ou do estado-membro, sem vinculação orçamentária, visando ao atendimento de um objetivo comum, chamadas de transferências voluntárias. As transferências voluntárias são, portanto, repasses de recursos entre entes federativos de diferentes níveis ou de um ente federativo para uma entidade privada sem fins lucrativos, visando à execução de obras ou de serviços de interesse comum entre os signatários, sendo formalizadas através de convênios ou instrumentos similares. As poucas leis que versam sobre as transferências voluntárias no Brasil estabelecem regras formais para a celebração de convênios entre entes federativos, mas não definem os fins a serem atingidos por tais transferências nem fornecem critérios objetivos para a escolha das áreas temáti154

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

localidade, para que efetivamente atendam ao interesse público e ao ideal de cooperação entre os entes federativos.


cas e das regiões geográficas a serem beneficiadas, conferindo aos agentes políticos grande discricionariedade na aplicação desses recursos. A falta de parâmetros que orientem as decisões sobre os repasses voluntários pode prejudicar o exercício efetivo da cooperação entre os entes federativos, defendida pela Constituição Federal e, em casos mais extremos, pode levar ao desvio de finalidade na aplicação dos recursos públicos. Assim, considerando o acima exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar as características das transferências voluntárias entre entes federativos e identificar os critérios para sua realização. Além da introdução e das considerações finais, o trabalho terá cinco seções, abordando, respectivamente, a evolução histórica do federalismo brasileiro, a legislação aplicável às transferências voluntárias, as definições e distinções necessárias para compreender o tema, as características a serem perseguidas pelas transferências intergovernamentais e a análise das motivações dos governantes para a distribuição dos recursos.

2

CARACTERÍSTICAS SÓCIO-HISTÓRICAS DO FEDERALISMO BRASILEIRO

A análise da evolução político-constitucional do Brasil independente indica um movimento pendular entre períodos de maior centralização do poder e períodos de maior autonomia dos governos locais. Retomaremos breves elementos das constituições para exemplificarmos esse movimento sócio-histórico. A primeira Constituição brasileira após a Independência, a de 1824, instituiu o governo monárquico e hereditário, e a forma de Estado unitária, centralizando a administração e as decisões políticas na Coroa. Após a Proclamação da República, a Constituição Federal de 1891 estabeleceu o federalismo como forma de Estado e transformou as antigas províncias em estados-membros, conferindo maior autonomia e independência a eles. A Revolução de 30 trouxe uma Constituição que, promulgada em 1934, aumentou consideravelmente os poderes da União, num movimento de centralização levado ao ápice com a Constituição outorgada por Getúlio Vargas em 1937; chegando a haver intervenção federal nos governos

155


A Constituição de 1946, promulgada democraticamente após a deposição de Vargas, marcou o retorno do municipalismo e da autonomia dos estados até o novo período ditatorial, iniciado com o Golpe Militar de 1964. A Constituição de 1967 desferiu um “duro ‘golpe’ no federalismo, mais se aproximando de um Estado unitário centralizado do que federativo” (LENZA, 2008, p. 51), restringindo também os direitos e garantias individuais, tendência que foi mantida pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969. O Estado Democrático de Direito foi restaurado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que buscou efetivar o exercício da cidadania e da participação popular, além de garantir novamente a autonomia dos entes federados, inclusive aumentando as atribuições dos municípios. Sobre a Constituição Cidadã, afirma Lenza (2008, p. 66) que nela se mantinha a independência “administrativa e financeira dos Estados da Federação, bem como do Distrito Federal e Municípios. Contudo, inegavelmente, a União continua fortalecida, caracterizando-se o texto como centralizador”. É esta contradição do arranjo federativo atual ‒ em que municípios gozam de uma autonomia sem precedentes, concomitante ao poder central que continua detendo uma considerável parcela de influência ‒ que desperta dúvidas com relação às transferências voluntárias, por permitirem aos governantes distribuir recursos públicos com ampla discricionariedade. Vale recordar as clássicas lições de Faoro (2001), segundo o qual a elite governante no Brasil foi sempre composta por um mesmo estamento, que foi se transformando para se adaptar às mudanças do tempo e domesticar forças sociais insurgentes, de forma a manter o poder sem, contudo, representar os verdadeiros interesses da nação. Nesse contexto, faz-se fundamental analisar criticamente as transferências voluntárias, para verificar se elas não estariam servindo de instrumento de perpetuação do patrimonialismo estatal denunciado por Faoro (2001), através do que Puttomatti (2013, p. 13) identificou como “clientelismo eleitoral”. De acordo com essa autora, os políticos atuariam como intermediários entre os recursos públicos e os eleitores, detendo um instrumento decisivo para sua manutenção, e a de seus aliados, no poder. 156

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

estaduais.


Nesse sentido, o clientelismo eleitoral seria uma faceta moderna do antigo coronelismo, comprovando a teoria de Faoro (2001) de que a elite brasileira apenas se adaptou às novas circunstâncias impostas pela democracia. Uma visão pessimista deste cenário poderia supor o emprego das transferências voluntárias visando à formação e à manutenção de feudos partidários, sustentadas por recursos públicos arrecadados com crescente voracidade tributária.

3 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS A base constitucional para a matéria advém do art. 241 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

Entretanto, de acordo com Durão (2012, p. 73 e 79), além de a matéria não estar pormenorizada no texto constitucional, a legislação infraconstitucional utiliza as expressões convênio e consórcio “como indicativos de cooperação administrativa, sem qualquer tratamento uniforme e específico”. A primeira lei a regulamentar as transferências voluntárias, ainda que de modo sumário, foi, de acordo com Teles (2010), a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, também conhecida como Lei de Licitações, em seu art. 116. A norma estabeleceu a obrigatoriedade de um plano de trabalho prévio à assinatura do convênio e criou regras para a liberação, a aplicação e a devolução dos recursos transferidos. Atualmente, as diretrizes normativas aplicáveis às transferências 157


Merece destaque também a introdução, pelo Decreto 7.568/2011, do chamamento público a ser realizado antes da celebração de convênios com entidades privadas sem fins lucrativos, conferindo publicidade ao processo de transferências voluntárias de recursos. Assim, às entidades são dadas oportunidades iguais para apresentar seus projetos, e o poder público passa a poder avaliar, de forma objetiva, as qualificações técnicas e o potencial de atendimento do interesse público antes da escolha dos convenentes.

4

DEFINIÇÕES E DISTINÇÕES

Devido à imprecisão das leis e à utilização indiscriminada e pouco técnica dos termos “convênios”, “contratos” e “consórcios”, é imprescindível fazer distinção entre estes conceitos. O Decreto nº 6.170/2007, em seu art. 1º, § 1º, inciso I define convênio como

(...) acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social

3 Decreto 6.428 de 14.04.2008, Decreto 6.497 de 30.06.2008, Decreto 6.619 de

29.10.2008, Decreto 7.568 de 16.09.2011, Decreto 7.594 de 24.11.2011, Decreto 7.641 de 12.12.2011, Decreto 8.244 de 23.05.2014.

4 O SICONV, disponível no endereço eletrônico <www.convenios.org.br>, está aberto à consulta pública de usuários sem cadastro, fornecendo informações atualizadas sobre convênios. Informações adicionais podem ser obtidas também, através do Portal da Transparência, disponível no endereço <www.transparencia.gov.br>.

158

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

de recursos da União para estados e municípios através de convênios estão contidas no Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007, com alterações introduzidas por decretos posteriores3. Uma das principais inovações foi a criação e o aperfeiçoamento do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse, o SICONV4, através do qual passaram a ser registrados, com maior controle e transparência, todos os atos relativos à formalização, ao acompanhamento e à prestação de contas dos recursos recebidos a título de transferências voluntárias.


da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação (grifo nosso).

Assim, depreende-se que os convênios, embora sejam acordos de vontade entre duas partes, têm como traço característico a busca do interesse comum através da mútua cooperação, o que os distingue dos contratos administrativos, que visam ao lucro. O art. 241 da Constituição Federal menciona, ainda, os consórcios públicos, que também buscam o interesse comum, mas que têm, como partes, entidades da mesma espécie (município e município ou estado e estado); e tendem a ser permanentes, para solução de problemas comuns de uma região, não visando apenas à consecução de um objetivo, como é o caso dos convênios.

5

CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS DAS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS

Mendes, Miranda e Cosio (2008), em estudo abrangente sobre as transferências intergovernamentais no Brasil, indicam um rol de características desejáveis para que cada tipo de transferência atinja seu objetivo; e salientam que tais características podem ser total ou parcialmente antagônicas entre si, sendo necessário buscar o equilíbrio que potencializa os efeitos positivos e minimiza os negativos em cada caso. As principais características das transferências intergovernamentais são as que se seguem: a) Autonomia subnacional: liberdade para que estados e municípios possam escolher prioridades e definir as políticas públicas a serem implementadas, considerando que mantêm um contato mais próximo com os cidadãos e que, portanto, conhecem melhor as necessidades locais. 159


c) Redistribuição regional: em contextos nos quais existem desigualdades sociais e econômicas entre diferentes regiões de um mesmo país ou estado, é importante que o sistema de transferências intergovernamentais busque retirar recursos das áreas mais desenvolvidas e aplicá-los nas áreas mais pobres, mantendo a coesão nacional ou estadual e propiciando a redução das desigualdades em longo prazo, especialmente se o recebimento dos recursos estiver condicionado a investimentos que reduzam as desvantagens comparativas. Essa característica está de acordo com os objetivos basilares da Constituição Federal de 1988. d) Redução do hiato fiscal: o conceito de hiato fiscal é a diferença entre a capacidade arrecadatória de um ente governamental e o custo dos bens e serviços públicos necessários para aquela localidade. Assim, cidades menores podem ter pequeno hiato fiscal, já que, embora arrecadem menos, têm menor demanda por bens e serviços públicos de alto custo, enquanto cidades com maior arrecadação podem ter um hiato fiscal maior, já que a demanda por bens e serviços é alta, superando o valor arrecadado através de impostos. De acordo com os autores, o critério da redução do hiato fiscal pode conflitar com o da redistribuição regional, dado que a pressão da demanda que gera maior hiato fiscal costuma ocorrer em áreas mais desenvolvidas. e) Flexibilidade para absorção de choques: um sistema de transferências intergovernamentais que seja flexível tem mais condições de fazer realocações de recursos para se adaptar a novas necessidades conforme elas surgem. O ideal, segundo o estudo, é criar regras que permitam a flexibilidade, ao mesmo tempo em que coíbam a manipulação política, desafio particularmente importante no caso das transferências voluntárias. f) Independência de fatores políticos e responsabilidade fiscal: os autores destacam o prejuízo que a dependência de fatores políticos pode gerar para a evolução política do país, sobretudo para os entes subnacionais, que podem “optar pela via da pressão política para o aumento 160

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

b) Accountability: conceito mais amplo do que o de mera prestação de contas, a accountability representa o conhecimento e o controle dos cidadãos sobre as ações de seus eleitos, de forma que possam avaliar com clareza a eficácia da aplicação dos recursos públicos e decidir sobre a permanência ‒ ou não ‒ dos governantes no poder.


de transferências, de, por exemplo, se esforçar para elaborar bons projetos que as justifiquem” (MENDES, MIRANDA, COSIO, 2008, p. 15). Levando-se em consideração o estudo apresentado acima, depreende-se que as transferências voluntárias tendem a apresentar, como característica positiva, alta flexibilidade frente a situações imprevistas. Por outro lado, podem ter sua finalidade prejudicada pelo baixo nível de autonomia, já que é apenas a execução dos convênios que fica a cargo do ente subnacional, enquanto a decisão sobre a alocação dos recursos é tomada pelo poder central, e pela baixa accountability, dado que a população tende a interpretar os recursos recebidos como benesses conquistadas pelo prestígio dos políticos da região, o que dificulta a cobrança por transparência na execução dos convênios.

6

ELEMENTOS DETERMINANTES NA DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS

Na ausência de critérios técnicos e objetivos, as transferências voluntárias podem ficar sujeitas à influência política. É compreensível, portanto, o motivo pelo qual diversos autores têm se debruçado sobre o tema, buscando constatar, através de pesquisas empíricas, a possível correlação entre a descentralização de recursos e as motivações político-partidárias dos governantes. Nesse sentido, um dos trabalhos analisados é o de Martins (2010), que testa a hipótese de que as transferências voluntárias realizadas em anos eleitorais pelo Governo Federal sejam superiores para municípios e estados governados pelo mesmo partido político do Presidente da República, tendo como base os convênios firmados pelo Governo Federal com os estados e municípios brasileiros entre os anos de 2004 a 2010. Após a análise dos dados, não se comprovou a hipótese de haver maior repasse de recursos em anos eleitorais para cidades ou estados cujo prefeito ou governador fosse do mesmo partido político do Presidente da República. O que se constatou foi um aumento significativo do montante de recursos repassados em 2007, havendo recuo em 2008 e uma retomada das transferências em 2009. O autor atribui esse movimento à Lei nº 9.504/97, conhecida como Lei Eleitoral, que veda as transferências vo161


A respeito do estudo de Martins (2010) faz-se necessário observar que, embora a compilação e a análise dos dados tenham sido corretas, a metodologia escolhida pelo autor limitou a abrangência da pesquisa por dois motivos: 1) foram considerados apenas prefeitos e governadores do PT e do PSDB, sem levar em consideração as alianças políticas entre partidos que, no Brasil, têm imenso peso eleitoral conforme apontado em outros estudos (Ferreira e Bugarin (2007), Perreira e Fernandez (2007) e Puttomatti (2013)); e 2) optou-se por restringir a análise a municípios com mais de um milhão de habitantes que, além de serem um grupo pouco representativo da realidade das cidades brasileiras (são apenas 13), geralmente são dotados de orçamentos próprios mais robustos e possuem, portanto, maior independência financeira frente ao poder central. Destacamos, também, o estudo de Ferreira e Bugarin (2007) que procura identificar os efeitos das transferências voluntárias sobre a política fiscal e o comportamento eleitoral dos municípios. Os autores analisaram, para um universo de 2.090 municípios, os dados financeiros de execução orçamentária de 1999 a 2004 e informações eleitorais de candidatos eleitos de 1998 a 2004. Os testes econométricos realizados evidenciaram uma correlação entre os recursos voluntários recebidos pelos municípios e o alinhamento político de seus prefeitos com o Presidente da República e com o Governador do Estado, sendo que, neste último caso, as alianças político-partidárias desempenham papel mais relevante do que em nível nacional. Embasados no estudo acima, Pereira e Fernandez (2007) se propõem a verificar a validade do discurso de candidatos a prefeitos que buscam se eleger com base na alegação de que, por serem do partido do Governador ou do Presidente da República, conseguirão maior volume de repasse de recursos e terão maior contribuição no desenvolvimento do município. Através de variáveis matemáticas, os autores analisaram as relações entre transferências voluntárias, alinhamento político partidário dos prefeitos e desenvolvimento local, considerando o universo de 417 municípios baianos entre 1997 e 2004. O estudo chegou à conclusão de que há motivação política nas transferências voluntárias, especialmente se for ano de eleição e se o pre162

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

luntárias de recursos públicos em período eleitoral, a fim de resguardar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.


feito for do partido ou da coligação do Governador e/ou do Presidente. No entanto, os dados analisados demonstraram que o aumento dos recursos recebidos não contribui para um maior desenvolvimento socioeconômico dos municípios contemplados. Também Puttomatti (2013) reforça a tese de que as transferências voluntárias sejam utilizadas como moeda política, através da análise dos repasses realizados pelo Estado de São Paulo a 645 municípios entre 2003 e 2010, no valor total de R$ 7,3 bilhões. Os resultados do estudo demonstraram que os municípios alinhados politicamente ao Governador (do mesmo partido político ou da mesma coligação partidária) receberam mais recursos provenientes de convênios do que os demais, além de haver um aumento no volume das transferências durante os ciclos de eleições para prefeito e, de forma ainda mais significativa, para governador.

7

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo intencionou contribuir para a construção do conhecimento dos gestores públicos e da sociedade sobre as transferências voluntárias entre entes federativos brasileiros, através da sistematização das principais obras existentes sobre o tema. Identificou-se, também, a legislação aplicável a esse tipo de transferência intergovernamental, com destaque para as inovações surgidas a partir do Decreto nº 6.170/2007, com o estabelecimento de regras formais mais rígidas aplicáveis à formalização dos convênios e à prestação de contas, permitindo o acompanhamento da aplicação dos recursos e da execução do objeto, através do acesso público ao SICONV. No entanto, ficou evidenciada a falta de critérios objetivos para definir quais municípios ou estados devem ser contemplados pelas transferências voluntárias e quais os projetos ou áreas temáticas que devem receber preferencialmente os recursos. Essa ampla discricionariedade permitida aos governantes cria margens para “resíduos” de motivação política na distribuição desses recursos livres de vinculação orçamentária. De fato, o exame da literatura pátria sugere que as transferências voluntárias podem ser politicamente motivadas, havendo frágeis indica-

163


O estudo demonstrou que existem justificativas válidas para a manutenção das transferências voluntárias, como o potencial para a promoção da redistribuição de renda e para a diminuição da desigualdade social e regional. Em especial, destaca-se a flexibilidade de tais transferências para fazer frente a situações imprevistas ou mesmo urgentes. Conclui-se, portanto, que os objetivos explicitados acima só serão plenamente atingidos se a distribuição desses recursos for orientada por critérios técnicos e precisos, definidos por lei, e levando-se em consideração as características, vocações e deficiências de cada localidade, a partir da compilação e da sistematização de dados provenientes das pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios (IDH-M), entre outros. Sugere-se, ainda, a criação de mecanismos inspirados no chamamento público, que permitam a prévia submissão de projetos por parte de municípios e estados, para que sejam avaliados objetivamente pelo ente concedente, antes da decisão acerca da descentralização dos recursos. Esse tipo de iniciativa contribuiria para reduzir o grau de discricionariedade associado às transferências voluntárias e garantiria o tratamento igualitário a governos locais não alinhados politicamente com o Governador ou o Presidente. Outro benefício adicional seria o aumento da autonomia subnacional (conforme defendido por Mendes, Miranda e Cosio (2008)) acompanhada de um maior comprometimento por parte de municípios e estados com os projetos de interesse comum. Por fim, espera-se que o artigo fomente e gere debates sobre os critérios objetivos a serem adotados para a concessão de transferências voluntárias, e que esse assunto seja aprofundado em futuras pesquisas acadêmicas e debatido pelos gestores públicos do Brasil.

164

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

ções de aumento do fluxo de recursos em períodos pré-eleitorais quando há alinhamento político entre prefeitos e Governadores ou Presidente da República. Mesmo quando não se confirmou tal hipótese, como no estudo de Martins (2010), foram verificadas variações substanciais no volume de recursos transferidos a cada ano, indicando a falta de critérios objetivos a nortear as decisões.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição Federal, de 04 de outubro de 1988. _______. Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007. _______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. _______. Lei 9.504/97, de 30 de setembro de 1997. DURÃO, Pedro. Convênios e consórcios públicos. 3ª ed. rev. ampl. atual. Curitiba: Juruá Editora, 2012. FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. 3ª ed. rev. São Paulo: Globo, 2001. FERREIRA, Ivan F. S.; BUGARIN, Maurício S. Transferências voluntárias e ciclo político-orçamentário no federalismo fiscal brasileiro. p. 271-300, RBE, Rio de janeiro, v. 61 n. 3, Jul-Set 2007. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. MARTINS, Teonio Wellington. Transferências voluntárias no Brasil: critérios para distribuição de recursos para os municípios e estados brasileiros. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa – Tribunal de Contas da União, 2010. MENDES, Marcos; MIRANDA, Rogério Boueri; COSIO, Fernando Blanco. Transferências Intergovernamentais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Textos para Discussão 40. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008, p. 1-111. PEREIRA, André Luiz Greve; FERNANDEZ Jose Carrera. A influência das transferências voluntárias na reeleição dos prefeitos e no desenvolvimento dos municípios baianos. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2007. Disponível em: <http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9779> Acesso em: 04.jul.2014. PORTAL da Transparência do Governo Federal. Disponível em: <www. tranferencia. gov.br>. Acesso em: 15.jul.2014.

165


SISTEMA de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal – SICONV. Disponível em: <www.convenios.gov.br>. Acesso em: 15.jul.2014. TELES, Mariana Nogueira da Gama Cordeiro Sá. A aplicação de recursos federais recebidos pelos gestores públicos por meio de transferências voluntárias. Brasília: Universidade Gama Filho, 2010. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/ portal/docs/2058730.PDF>. Acesso em: 13.jul.2014.

166

Gestão Municipal | UNIRIO | PNAP

PUTTOMATTI, Giulia da Cunha Fernandes. Capital político e transferências voluntárias no Estado de São Paulo. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2013. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/ handle/10438/10634>. Acesso em: 06.jul.2014.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.