Salmodia Prioritária

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Sslmodia Prioritária, 2018. Texto: D. Martins Revisão: Patrícia Mádera Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos), a não ser em citações com indicação de fonte. Todas as citações bíblicas, salvo indicação contrária, foram extraídas da versão Genebra Revista e Atualizada, publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil e Editora Cultura Cristã.

Selah é o projeto que visa servir a Igreja Reformada no âmbito musical. Qual é a identidade reformada de adoração? Foi buscando responder a esta pergunta que o arrajador Robson Fernandes e o compositor Diego Martins, criaram o Selah. Semanalmente, no site: www.ipguara.org.br, textos, músicas e análises são postados para edificar integrantes de corais, bandas e grupos de música da Igreja Reformada. Este material é parte do trabalho acadêmico de D. Martins Princípios Reformados aplicados à música eclesiástica.



Salmodiai a Deus,

cantai louvores; salmodiai ao nosso Rei, cantai louvores. Salmo 47.6


“...a expressão musical dentro do culto reformado subscreve os princípios da Palavra.” A palavra de Deus orienta-nos: “Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro, doutrina, este traz revelação, aquele, outra língua, e ainda outro, interpretação. Seja tudo feito para edificação.” (1 Co 14.26) Morris ao interpretar o termo ψαλμὸν (psalmon) afirma: “Aqui o sentido é que alguém terá um cântico, presumivelmente de sua própria composição, para trazer perante os adoradores”6. Paulo em Efésios 5.19-20 afirmou: “Falando uns aos outros com salmos e hinos e canções espirituais, cantando e fazendo melodia no seu coração para o Senhor”. Conforme descreveu Hendriksen, o termo salmos refere-se ao Saltério Judaico, o termo hinos aos cânticos de louvor a Deus e a Cristo, e a expressão cânticos espirituais especificam o gênero musical que trata de outros assuntos religiosos7. Todos estes termos representam modos onde a Palavra de Deus foi profundamente absorvida e vividamente expressada. Como reformado afirmo: Devemos cantar as escrituras. Mas, não devemos limitar a adoração musical apenas aos salmos metrificados. Afirmando isto, não ignoro os inúmeros erros teológicos que muitas das composições pós-modernas apresentam. Contudo, reconhecemos que pela multiforme graça de Deus há preciosas canções sendo geradas por poetas, compositores e arranjadores comprometidos com a palavra de Deus.

INTRODUÇÃO

A igreja está vivendo uma “guerra de adoração”. A música tem sido o pivô de intensos debates, há quem defenda o uso exclusivo dos salmos, há outros que sustentam o uso da tradição hínica e há quem favorece a utilização de canções contemporâneas. Afinal, quem está certo? Neste ensaio confrontaremos apenas a linha teológica Neopuritana1 . O Neopuritanismo abole o uso de instrumentos musicais e resgata o canto dos salmos metrificados, a Salmodia Exclusiva. Este grupo defende que os Salmos são a única forma ordenada de adoração musical no culto público2. Por esta razão, eles consideram as outras linhas, as quais usam hinos e cânticos contemporâneos, teologicamente corrompidos e arrogando o direito exclusivo de serem chamados “reformados”. Ser reformado é ser um purista3 litúrgico? Certamente não! O purista litúrgico sacramenta parte da forma de adoração dos séculos XVI e XVII e busca transportá-la para atualidade. O reformado tem a Escritura Sagrada como norma de fé e prática4. O reformado, quanto ao culto, é dirigido “pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.5” . Logo, a expressão musical dentro do culto reformado subscreve os princípios da Palavra. “...a Palavra de Deus foi profundamente absorvida e vividamente expressada.” 1 “O termo neopuritanos tem sido usado para designar os adeptos da teologia puritana no Brasil que passaram a usar determinadas doutrinas e práticas como identificadoras dos verdadeiros reformados, como o cântico exclusivo de salmos sem instrumentos musicais no culto, o silêncio total das mulheres no culto, a defesa do cessacionismo com base em 1 Coríntios 13.8 (posição contrária à de Calvino), um entendimento e uma aplicação estreitos do princípio regulador do culto e outros distintivos semelhantes.” NICODEMUS, Augustus. Sobre Puritanos, Puritânicos e Neopuritanos. Disponível em: http://tempora-mores.blogspot. com.br/2006/02/sobre-puritanos-puritnicos-e_24.html. Acesso em: 12 de Abril de 2018. 2 Sobre o tema Dixhoorn afirma: “A assembleia claramente não acredita em hinologia exclusiva. Entretanto, para entender a recomendação dos salmos na Confissão e do Diretório, é preciso levar em conta que o uso antigo do termo “salmo” não estava limitado apenas ao Livro dos Salmos. O uso comum de salmos quase sempre incluiu hinos.” DIXHOORN, Chad Van. Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster. Cultura Cristã: São Paulo, 2017. p. 294-95. 3 JOHNSON, Terry. Adoração Reformada. p. 89. 4 Confissão de Fé de Westminster. Cp. 1.2 5 Confissão de Fé de Westminster. Cp. 1.6

Acima de tudo defendemos: a música eclesiástica deve ser parametrizada pelos Salmos. Os salmos fornecem princípios teológicos, estilísticos e formais, indispensáveis a todas as composições musicais. Diante disso, o presente ensaio não pretende exaurir o conteúdo deste tema, mas introdutoriamente desenvolver uma análise confessional, bíblica e histórica da Salmodia Prioritária. 6 MORRIS, Leon. Introdução e comentário de 1 Coríntios. São Paulo: NV e Mundo Cristão, 1983. pág. 162 7 HENDRIKESEN, William. Comentário do Novo Testamento: Efésios. São Paulo: CEP, 1992. p. 299

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to, a CFW enfatiza que Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo são os únicos dignos de devoção. O culto reformado é trinitário, e em razão da corrupção humana, mediado por Cristo somente14.15 No quinto parágrafo, sobre alguns elementos do culto público, das quais enfatizamos a música, a CFW descreve: “[...] o cântico de salmos com graça no coração, [...] são todos partes do culto religioso ordinário oferecido a Deus [...]”16. Por cântico entende-se a natureza da arte empregada no culto público. A música foi reconhecida pelos teólogos do século XVII como um elemento legitimamente apropriado para a adoração comunitária. Hodge afirmou: “Na oração e no cântico dirigimos a Deus as santas afeições, os desejos e ações de graças inspirados em nossos corações pelo Espírito Santo”17. O culto reformado é racionalmente afetivo e as canções devem refletir essa verdade por meio de um conteúdo e melodia que expressam esta santa motivação. Por “salmos” entende-se o conteúdo da música eclesiástica. Existe uma extensa discussão sobre uma precisa interpretação deste termo. Alguns alegaram que os teólogos de Westminster, na utilização do termo Salmo, defendiam a salmodia exclusiva, outros interpretam o mesmo termo como uma indicação genérica para todas as formas de cânticos. Sobre este assunto Dixhoorn afirmou:

UMA PERSPECTIVA CONFESSIONAL A Confissão de Fé de Westminster (CFW) entende que os elementos que constituem o culto de Deus, tais como a música, devem ser “ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, que sempre devem ser observadas.8” Dixhoorn afirmou: “[...] a oração e o louvor cristãos são em grande medida direcionados por Deus – a Escritura é suficiente para o culto [...]”9. O culto público e todas as partes que o compõem, a saber, “[...] leitura da Palavra de Deus, pregação, cânticos sagrados, orações e ofertas”10 devem ser parametrizadas pelas Escrituras. No capítulo XXI, da CFW, parágrafos 1, 2, 5, encontram-se o modo e os objetos do Culto Reformado. No primeiro parágrafo11, sobre o modo, o adorador é orientado a não seguir sua imaginação e as sugestões de Satanás, apenas o que Deus estabelece para ser adorado. Dixhoorn também comentou:

Como princípio, essa atenção à prescrição bíblica proveitosamente nos guarda de promover em nossas igrejas qualquer atividade que soe prática, pareça bonita, cheire a algo maravilhoso, produza uma sensação confortável ou tenha sabor vagamente teológico, mas que não é prescrita na Bíblia12.

O uso do termo “salmos” no século 17 inclui, é claro, os 150 salmos do saltério, e a Assembleia de Westminster estava de acordo com o uso regular deles no culto. [...] A assembleia claramente não acreditava em hinologia exclusiva. [...] O uso comum dos salmos quase sempre incluiu hinos. Além disso, os textos de prova na Escritura usados pela assembleia, deliberadamente, dirigem os leitores para passagens da Confissão como Colossenses 3.16, Efésios 5.19 e Tiago 5.13, que convocam os cristãos a “cantar louvores” ou a cantar “salmo [...] hinos e cânticos espirituais”18.

No segundo parágrafo13, sobre os objetos de cul8 Confissão de Fé de Westminster. Cap. 1. 6 9 DIXHOORN. Chad Van. Guia de estudos da CFW. São Paulo: Cultura Cristã, 2017. p. 44. 10 Cf. Princípios de liturgia da Igreja Presbiteriana do Brasil. Art.8. Disponível em: http://www.executivaipb.com.br/arquivos/principios_ de_liturgia.pdf. Acesso em 12 de Junho de 2018. 11 “A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.” Rom. 1:20; Sal. 119:68, e 31:33; At. 14:17; Deut. 12:32; Mat. I5:9, e 4:9, 10; João 4:3, 24; Ex. 20:4-6. Confissão de Fé de Westminster, 21.1. 12 DIXHOORN. Guia de estudos da CFW. p. 287. 13 “O culto religioso deve ser prestado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo - e só a ele; não deve ser prestado nem aos anjos, nem aos santos, nem a qualquer outra criatura; nem, depois da queda, deve ser prestado a Deus pela mediação de qualquer outro senão Cristo.” João

5:23; Mat. 28:19; II Cor. 13:14; Col. 2:18; Apoc 19:10; Rom. l:25; João 14:6; I Tim. 2:5; Ef. 2:18; Col. 3:17. Confissão de Fé de Westminster, cap. 21.2. 14 Pode-se concluir que uma adoração harmoniosa aos ouvidos de Deus é aquela mediante a confissão de lábios que declaram ser Cristo, o seu Senhor e Salvador (Hebreus 13.15). 15 “[…] os únicos objetos próprios de culto são o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e que, desde a queda, o acesso a eles tem de ser através de um Mediador, e através de nenhuma outra mediação senão a de Cristo só.” HODGER. A.A. A Confissão de Westminster Comentada. São Paulo: Editora Os Puritanos, 1999. p. 368. 16 HODGE. Confissão de Fé de Westminster: Comentada. p. 367. 17 Ibidem. p. 378. 18 DIXHOORN. Guia de estudos da CFW. p. 295-96.

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(Sl 50, 73-83), onze aos filhos de Coré (Sl 42-49), um de Salomão (Sl 72), um de Moisés (Sl 90), um de Etã (Sl 89) e cinquenta e dois salmos são considerados “órfãos”, sem indicação de autoria. Mas geralmente o Saltério é identificado como uma obra de Davi, isso é possível, pois no Antigo Oriente Próximo o Rei assumia toda a responsabilidade pela liturgia, sendo assim, os salmos dos filhos de Corá e de Etã pertencem ao Rei e a música que surge no templo estava sobre a sua jurisprudência (1 Cr 15-16, 2 Cr 29, Is 38.20). O Rei exercia o caráter representativo sobre todas as composições dos salmos23. Alguns dos salmos empregam sobrescritos indicando sua função musical no culto público. Estes sobrescritos indicavam : a) o regente responsável: “Ao mestre de canto24” e “Ao mestre de canto, Jedutum25” , b) a voz matriz: Em voz de soprano (Sl 46), c) o instrumento: “Com instrumentos de cordas”, “Para flautas”, “Com instrumentos de oito cordas”, “Para cítara”26 , e d) a melodia: “Os lagares”, “A morte para o filho”, “Corça da manhã”, “Os lírios”, “A pomba dos terebintos distantes”, “Não destruas”, “Os lírios do testemunho”, “Melodia de Jedutum”27. A salmodia acompanhava as peregrinações28, os sacrifícios de expiação, as ofertas pelo pecado e pela culpa, as ações de graças, os sacrifícios pacíficos e de comunhão, a páscoa29, festas e ritos penitenciais. A abordagem do gênero revela o ambiente litúrgico30. A salmodia dá voz à fé e à piedade judaica e, estava harmonicamente associada ao contexto público de Israel.

Respondendo a pergunta: Como um cântico cristão de adoração deveria ser? Johnson responde:

[...] como um Salmo. Às vezes, protestantes reformados têm cantado exclusivamente Salmos. Entretanto, mesmo se essa não é a convicção de alguns, estes ainda deveriam reconhecer que os próprios Salmos deveriam ser cantados e que eles fornecem o modelo para a hinódia cristã. Se as músicas que cantamos na adoração se parecem com Salmos, elas terão desenvolvido temas seguindo muitas linhas com repetições mínimas. Serão ricas em conteúdo teológico e experimental. Elas nos dirão muito sobre Deus, o homem, o pecado, a salvação e a vida cristã. Expressarão todo o espectro de emoção e experiência humanas19. E, por “[...] graça no coração [...]” entende-se a forma da música eclesiástica. O homem dirige a Deus uma adoração cantada, a qual foi inspirada no seu coração pelo Espírito Santo, como resposta conciente e grata por sua nova natureza regenerada20. O modo da música eclesiastica é reativa. “Deus fala e o homem adora; Deus se mostra, o homem comtempla; Deus abençoa, o homem louva.”21 Sendo assim, o modo da adoração musical sempre será uma atitude responsiva à ação de Deus.

O SALTÉRIO ISRAELITA

3.600 salmos. Dos restos de Qumran também surge uma indicação de que referências a “Davi” poderiam indicar um corpus autoritativo da Escritura como modelo similar à prática bem atestada de citar “Moisés” quando se referisse à Torá.” WALTKE, 2015, p. 33 23 WALTKE. Teologia Bíblica do Antigo Testamento. 2015, p. 102 24 Cf. Salmos 4, 5, 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 18, 19, 20, 21, 22, 31, 36, 40, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 75, 76, 80, 81, 84, 85, 88, 109, 139, 140. 25 Cf. Salmos 39, 77. 26 Cf. os salmos que indicam os Instrumentos: Com instrumentos de cordas – Sl. 4, 55, 61, 67, 76; Para flautas – Sl. 5; Com instrumentos de oito cordas – Sl. 6, 12; Para cítara – Sl. 53, 88. 27 Cf. os salmos que trazem as melodias: Os lagares – Sl. 8, 81, 84; A morte para o filho – Sl. 9; Corça da manhã – Sl. 22; Os lírios – Sl. 45, 69, 80; A pomba dos terebintos distantes - Sl. 56; Não destruas - Sl. 57, 58, 59, 75; Os lírios do testemunho – Sl. 60; Melodia de Jedutum - Sl. 62. 28 Cf. Salmos de Romagem ou Cânticos dos Degraus totalizam quinze salmos, a saber: o salmo 120 ao 134. 29 Cf. Salmos de Hallel eram cantados da festa da páscoa, das semanas, dos tabernáculos, lua nova e consagração do templo. O Hallel é formado pelos salmos 113 ao 118. 30 BALLARINI, Teodorico, REALI, Venanzio. A Poética hebraica e os salmos. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 95.

O saltério é a coletânea de músicas da adoração judaica, o “Livro dos Louvores”, o “Hinário de Israel”. O nome original do livro é Tehillim que significa Hinos ou Louvores, mas este nome só se aplica adequadamente a alguns poucos salmos. O livro também pode ser denominado de Mizmor, termo que indica o acompanhamento de instrumento de cordas, o vocábulo latino equivalente é Psaltérion de onde surge o termo Salmo. Os 150 salmos são de autores diferentes, sendo que setenta e três são atribuídos a Davi22, doze de Asaf 19 JOHNSON. Adoração Reformada. p. 58 20 HODGE. Confissão de Fé de Westminster: Comentada. p. 378. 21 COSTA, Hermisten Maia P. da. Princípios da adoração cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. p. 38 22 “De acordo com os pergaminhos de Qumran (11QSI), Davi escreveu

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A salmodia [‫]ּו֣רְּמַז‬31 tornou-se uma das expressões artísticas e cúltica mais marcante da nação de Israel. A Salmodia poetizou e melodiou a teologia mosaica. Alguns dos temas teológicos dominantes dos salmos são32: Deus como o Criador e Provedor, a relação pactual, a graça e misericórdia de Deus, sua majestade e a realeza, sua Lei e obras, suas promessas de redenção e o próprio Messias33. Certamente o tema dominante do livro dos Salmos é a realeza de Deus que se desdobra em menções quanto à esperança escatológica, o shalom e as bênçãos garantidas a Israel e a todas as nações34. Cantar a salmodia é proclamar piedosa e profundamente os fundamentos da fé israelita. Diante disso, observa-se que a salmodia era um o ato imperativo. Salmodiar é o canto acompanhado de uma reflexão teológica. A adoração por meio da música, na concepção judaica, é o substrato do conhecimento intelectual e afetivo do homem a respeito do seu Deus. Os imperativos salmodiai e cantai são recorrentes no livro dos Salmos. Salmodiai aparece nos salmos 30.4; 47.7; 66.2; 68.4,32; 81.2, e cantai aparece nos salmos 9.11, 47.6, 68.32, 81.1, 96.2, 98.5, 105.2, 135.3, 147.7, 149.1 , ambos os termos provém do mesmo verbo hebraico zmr [‫]רַמָז‬35. Este verbo está no piel, expressando uma ação de ativa e intensa. O termo trás a ideia de golpear com os dedos, referindo-se ao ato de tocar cordas ou partes de um instrumento musical, fazer música com acompanhamento de voz. Este mesmo termo era usado na agricultura, referindo-se ao ato de arrancar frutas, colher pomos de uma árvore. A ordem para salmodiar é a prescrição para fazer música subordinada a uma ponderação teológica. O Salmo 30.4,5, por exemplo, apresenta essa estrutura, um imperativo seguido de reflexão: “Salmodiai ao SENHOR, vós que sois seus santos [...]” (‫הָ֣והיַל ּו֣רְּמַז‬ ‫“ ;)ויָ֑דיִסֲח‬Porque não passa de um momento a sua ira;”

(‫)וֹ֥נוֹ֫צְרִּב םיִּ֪יַח ֹ֮וּפַאְּב ׀ עַגֶ֨ר יִּ֤כ‬. O termo porque é uma conjunção subordinativa explicativa, sua função é unir as duas orações. Neste contexto, a salmodia é o substrato de uma análise ontológica, a ira de Deus. Outro exemplo é o salmo 47, onde os imperativos salmodiai e cantai são atitudes derivadas da reflexão “Deus é o Rei... Deus reina sobre as nações [...]” (vs. 6-8). Sendo assim, somos ordenados a Salmodiar.

O SALTÉRIO GENEBRINO A música litúrgica desenvolvida na Idade Média era executada por profissionais da religião sendo exaustivamente complexa, possuindo melodias multivocais e arranjos intricados36. Um som ininteligível, pois o canto gregoriano dificultava a compreensão da letra. A liturgia medieval era realizada somente pelo clero em língua latina e de costas para o povo, logo os adoradores foram reduzidos a meros expectadores sendo substituídos por grandes coros37. Abraham Kuyper afirmou que nesta época “somente a Igreja era privilegiada para fazer música, enquanto era permitido ao povo ouvir a música santa, lhe era proibido juntar-se em cantos.”38 A Reforma Protestante39 surge no século XVI trazendo mudanças teológicas, políticas e litúrgicas40. No contexto litúrgico, a Reforma se contrapõe aos dogmas que sedimentavam a liturgia ritualística da Igreja Católica Romana, restaurando a simplicidade do culto, sua inteligibilidade, o direito à adora36 SILVA, Jouberto Heringer da. A música na liturgia de Calvino em Genebra. Fides Reformata VII-2 (2002): 85-104. p.93. 37 Canto Gregoriano: é uma homenagem ao papa Gregório Magno (540-604). Gregório influenciou a liturgia católica publicando: o Antifonário e o Gradual Romano. Além de estabelcecer a “Schola Cantorum” que tinha o objetivo de ensinar o canto gregoriano. Este canto é monofônico e monódico, sem acompanhamento instrumental. 38 KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. p. 175. 39 “[...] a reforma foi uma tentativa de voltar à pureza original do Cristianismo do Novo Testamento [...]. Os Reformadores estavam interessados em desenvolver uma teologia que estivesse em completa concordância como o Novo Testamento; eles criam que isso seria possível a partir do instante em que a Bíblia se tornasse a autoridade final da Igreja.” CAIRNS. EARLE E. O Cristianismo através dos séculos – Uma história da Igreja Cristã. 3ª Ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 250. 40 CARDOSO, Dario de Araújo. O papel da música na reforma e a formação do saltério de Genebra. Fides Reformata XXII-2 (2017): 2341. p. 24.

31 Cf. Salmo 47.6. 32 Estudiosos como P. Aurey, H. J. Kraus, R. Tournay, E. Beaucamp, L. Sabourin, L. Jacquet, Derek Kidner, Jr. Pratt, Bruce K., apresentam propostas de sintetizar o conteúdo doutrinário (e até Teológico) dos Salmos. 33 Para um estudo aprofundado ler: HARMAN, Allan. Comentários do Antigo Testamento – Salmos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 27-49. 34 FUTATO, Mark D. Interpretação dos Salmos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. p. 45-100. 35 No Novo testamento os termos ψάλλω (psallo) e ὑμνέω (himneh’o) são equivalentes ao verbo ‫( רַמָז‬zamar).

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que desejavam cultivar a sua fé em liberdade. Algo que chamava a atenção de Calvino era o entusiasmo com que os franceses ali exilados cantavam os salmos quando se dirigiam ao culto42.

ção na língua vernácula e a participação por meio da doutrina do sacerdócio dos santos. As transformações litúrgicas consequentemente alcançaram a música executada nos cultos, a qual passou refletir a matriz do pensamento protestante. A música não deve ser vista como um fenômeno secundário na Reforma, antes ela deu andamento e o tom na propagação dos conceitos bíblicos resgatados pelos protestantes em toda Europa. Tanto Calvino, os Reformados e os Presbiterianos valorizaram a música eclesiástica, zelado por um uso adequado da mesma em suas liturgias. João Calvino, nasceu em 10 de julho de 1509 em Noyon, na França. Estudou em Paris, foi influenciado pelo humanismo e fez mestrado em Artes no ano de 1528. Calvino estudou mais tarde em Orleans e depois em Bourges (1529) onde conquistou seu diploma em direito. Em meados de 1533 ele se converte, adota os ideais reformados e foi então forçado a deixar a França (1534). Ele fixou residência na Basiléia e ali concluiu sua obra magna “As Institutas da Religião Cristã” (1536) aos 26 anos de idade41. Em 1536, em uma rápida passagem por Genebra, Suíça, o jovem Calvino recebeu a visita de Guillaume Farel (1489-1565), o apóstolo genebrino, que o persuade a continuar em Genebra para ajudá-lo na reforma daquela cidade. Em 1537, Farel e Calvino publicaram a obra intitulada “Artigos Concernentes à organização da Igreja e do Culto em Genebra”, este documento tratava das diretrizes da reforma eclesiástica e litúrgica, enfatizava a importância do culto público e da disciplina. Entretanto, Calvino é expulso de Genebra em 1538 e o velho reformador Martin Bucer (1491-1551) persuade-o a fixar residência em Estrasburgo, onde Calvino passa a pastorear a congregação de refugiados franceses que estava naquele local. A estadia de Calvino em Estrasburgo foi essencial para o seu amadurecimento pastoral e teológico. Sobre este assunto Costa afirmou:

Em 1539 foi publicado o hinário Aulcuns Psaulmes et Cantiques mys em chant nele haviam dezoito salmos metrificados e o Credo Apostólico. Sendo que seis foram elaborados por Calvino e os outros foram extraídos da obra de Clement Márot43, um poeta que Calvino conheceu na corte de Ferrara, Itália, em 153644. Em 1541, Calvino retorna a Genebra para dar continuidade à reforma daquela cidade. Em 1542, Márot publica uma obra com trinta novos salmos metrificados. E em 1443 os salmos metrificados por João Calvino foram revisados e melodicamente trabalhados por Chantre Guillaume Franc (1515-1570), neste ano foi publicado o Saltério de Genebra com 50 salmos metrificados, peças que foram colecionadas de Márot45 e Calvino. No prefácio do Saltério Genebrino João Calvino declarou “que cantar tem grande força, vigor de mover e inflamar os corações dos homens para envolvê-los em adoração a Deus com mais veemência e ardente zelo46. ” Por essa razão, a música deve ser regulada e usada com prudência. A perspectiva bíblico-teológica de João Calvino sobre a música é claramente extraída de suas obras. No prefácio do saltério de Genebra (1543), o reformador levanta algumas diretrizes que se aplicam a todos os elementos do culto. Para ele, Deus “deseja que o culto seja útil para todo o seu povo47” e que “tudo que for feito na Igreja seja direcionado à edificação comum de todos.48” Calvino admite que o verdadeiro culto exige discernimento intelectual e o fiel precisa tirar proveito de tudo àquilo que foi ordenado. Essas diretrizes não devem, porém, cultivar uma adoração morta ou embrutecida, mas certamente resultará num culto afetivo e intelectual, onde coração e entendi42 COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Princípios bíblicos de adoração cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 43 CARDOSO, Dario de Araújo. O papel da música na reforma e a formação do saltério de Genebra. Fides Reformata XXII-2 (2017): 2341. p.30. 44 VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino era assim. Os puritanos: Edição E-book, 2017. p. 92. 45 Idem. 46 Conf. CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543. 47 Idem. 48 Idem.

Calvino foi influenciado de certa maneira pela adoração dirigida por Martin Bucer em Estrasburgo, durante o período em que lá permaneceu (1538-1541), pastoreando os franceses banidos 41 CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos. 3ª Ed. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 279-80.

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mento são movidos pelo Espírito. A regra de ouro de João Calvino para avaliar os elementos do culto é a resposta a três perguntas: O que eles contém? O que eles significam? E para que fim eles foram instituídas?49 Se a resposta a estas três questões visarem à utilidade, a edificação da igreja e a correta administração dos mesmos, certamente, os elementos estarão conduzindo a um culto bíblico (Romanos 12.1). Calvino entende que os elementos divinamente ordenados para o culto público são: a pregação da Palavra, os sacramentos e a oração. A respeito deste último, o reformador assevera: “Quanto às orações públicas, há dois tipos. Aquelas somente com palavras, e outras cantadas.50” A oração é “uma determinada comunicação dos homens com Deus”51, por meio dela “encontramos e desenterramos os tesouros que se mostram e descobrem nossa fé por meio do evangelho”52, por meio dela há poder para sustentar o fraco e virtude para experimentar a bondade, graça, paz, amor e provisão da parte de Deus. Sendo a música uma forma de oração, ela deve ser feita com afeto da alma.”53. Aplicando a regra de ouro especificamente ao elemento de culto denominado oração-cantada, isto é, a música, Calvino orienta sobre o conteúdo, defendendo que a música deve manter o fiel cônscio das virtudes de Deus. A música é “um incentivo para nós, de certo modo, um órgão de louvor a Deus, para elevar nossos corações a Ele, e consolar-nos pela meditação de Sua virtude, bondade, sabedoria e justiça.54” Refletindo no Salmo 9.11, concluiu:

Davi, não satisfeito em reder graças individualmente, em seu próprio beneficio, exorta aos fieis a se unirem no louvor a Deus [...] Proclamar os feitos de Deus entre as nações na verdade era, por assim dizer, cantar aos surdos; mas, com esse modo de expressar, Davi pretendia mostrar que o território da Judéia era demasiadamente acanhado para contar a infinita grandeza dos louvores 49 “Portanto, se realmente queremos honrar as santas ordenanças de nosso Senhor que usamos na Igreja, a primeira coisa que devemos é saber o que elas contêm e o que elas significam e querem dizer e para que foram instituídas, para que o uso delas seja útil e salutar e consequentemente corretamente administrados.” Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/prefacio_salterio_genebra_calvino.htm 50 Idem. 51 CALVINO. As Institutas. IV. 20.2 52 Idem. 53 CALVINO. As Institutas. IV. 20.33. 54 CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543.

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de Jehovah55. E analisando o Salmo 18.49, afirmou:

O significado, pois, é este: ó Senhor, não só te darei graças na assembleia de teu povo, segundo o ritual que tu designastes em tua lei, mas teus louvores se estenderão a uma distancia mais ampla, uma vez que tua graça para comigo é digna de ser anunciada ao mundo inteiro56. Em ambos os comentários, o reformador propõe que a música deve proclamar a grandeza de Deus. O conteúdo teocêntrico destas canções revelam as verdades universais que toda a toda terra precisa conhecer. Calvino chega a afirmar “que ninguém é capaz de cantar algo digno de Deus, exceto aquilo que recebemos Dele.”57 Este é o argumento utilizado para defender a metrificação dos salmos. Ele admitiu: “[...] quando procurarmos diligentemente, aqui e ali, não iremos encontrar cânticos melhores, por mais apropriados que sejam os seus propósitos, do que os Salmos de Davi, que o Espírito Santo falou e preparou através dele.”58 Reiterou, afirmando:

Não existe outro livro onde mas se expressem e magnifiquem as celebrações divinas, seja da liberalidade de Deus sem paralelo em favor de sua igreja, seja de todas as suas obras. Não há nenhum outro livro em que haja registrados tantos livramentos, nenhum outro em as evidências e as experiências da providência paternal e a solitude que Deus exerce para conosco sejam celebradas com tanto esplendor de expressão e ao mesmo tempo com a mais estrita aderência à verdade. Em suma, não há outro livro em que somos mais perfeitamente instruídos na correta maneira de louvar a Deus, ou em que somos mais poderosamente estimulados à realização desse sacro exercício59. Cardoso comenta que “conquanto Calvino manifeste preferência pelo cântico de salmos, não parece ter defendido que isso se fizesse exclusividade.”60 Koyzis lembra que o saltério sempre inclui alguns cânticos bíblicos além da salmodia e que no decorrer da história outros materiais foram incorporados, como: os oito salmos não-genebrinos (Salmos 23, 25, 55 Comentário de João Calvino dos Salmos. Livro 1, Salmo 9.11. 56 Comentário de João Calvino dos Salmos. Livro 1, Salmo 18.49. 57 CALVINO. As Institutas. IV. 20.31. 58 Idem. 59 CALVINO. Comentário dos Salmos. Vol. I. São José dos Campos: Editora Fiel, 2011. p. 29. 60 CARDOSO. O papel da música reformada. p. 35


29, 51, 95, 98, 130, 137), os doze cânticos bíblicos (Decálogo, Cântico de Ana, Canção do Servo do Senhor, Magnificat, Beneditino, Nunc Dimittis [possuía duas versões], Oração do Senhor, Cântico de Jonas, Hino dos Filipenses, Hino dos Colossenses) e os cinco Hinos extrabíblicos (Te Deum, Credo, Canção dos Três Jovens, Pergunta e Resposta nº 1 de Heidelberg, Hino para Pentecostes)61. Sobre seu significado, Calvino entende a música como uma oração-cantada, um elemento do culto. Logo, a música eclesiástica, deveria ser sinônimo de sincero louvor. Comentando o Salmo 66.4, onde Davi convoca os fiéis ao serviço do canto, ele argumenta: “O louvor é o melhor de todos os sacrifícios [...] e a genuína evidência da piedade”62. Em sua percepção, o canto a Deus é a mais agradável das ofertas, pois não é fruto da obrigação ritualística (Salmo 50.14, 23), mas reflete o impacto da graça no mais profundo do coração do homem. Sobre a finalidade, o reformador afirma que a oração-cantada, isto é, a música eclesiástica, era para edificação. Nos dias do Apóstolo Paulo ela estava em uso, e com base nos textos de 1 Coríntios 14.15 e Colossenses 3.16, ela promovia a edificação da comunidade da fé.63 E ainda sustentou:

deve ter cuidado, para que as músicas não sejam frívolas nem triviais, mas que tenham peso e majestade.”65 O reformador se esmerou para que a sua comunidade firmar-se e devotar-se ao ministério de louvar a Deus66. Ele incentivou o canto dos salmos em harmonia polifônica, canto a quatro vozes.67 Calvino esmerou-se na inteligibilidade da adoração68 e buscou a excelência da música eclesiástica69. Ele cercou-se dos melhores poetas, compositores e arranjadores de sua época, os quais serão brevemente relembrados, a fim de ampliar a pesquisa, sobre a importância da música em no seu ministério.

Clement Marot

Clemente Marot era o bardo favorito de Francis I, Rei da França, e foi considerado “o príncipe dos poetas e o poeta dos príncipes.”70 Calvino e Marot se conheceram em 1536 na corte de Ferrara na Itália.71 No período que passou por Genebra (1543), ele foi contratado pelo Conselho de Genebra a pedido de João Calvino para metrificar alguns salmos. Marot traduziu mais de 50 salmos que foram usados no saltério de Genebra72. As versões de Marot foram recebidas com tanto entusiasmo que os impressores não [...] convém que especialmente a língua, que foi criada peculiarmente para declarar e proclamar conseguiram lançar um número de cópias suficientes o louvor de Deus, seja firmada e devotada a este para suprir a demanda do público. ministério, quer cantando, quer falando. Entretanto, o mais importante uso da língua é nas ora- 65 Cf. CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543. ções públicas, que são pronunciadas na assem- 66 CALVINO. As Institutas. IV. 20.31 bleia dos fiéis, em virtude das quais ocorre que, 67 COSTA, Hermisten Maia Pereira da. O culto cristão na perspectiva com uma voz comum e como que com a mesma de Calvino. Fides Reformata. VII-2 (2003) 73-104. p. 93. boca, glorifiquemos a Deus, todos juntos, a quem 68 Comentando o Salmo 47.7, Calvino afirma que os adoradores devem a Deus com inteligência, tendo ciência daquilo que se proclama. adoramos em um só espírito e com a mesma fé. cantar Ele afirmou: [...] que os adoradores de Deus cantem os louvores de E isto abertamente, para que todos mutuamente Deus inteligentemente, para que não haja meros sons de línguas, como recebam, cada um de seu irmão, a confissão de sabemos ser o caso entre os papistas. Requer-se conhecimento do que é fé, e sejam convidados e estimulados a buscar cantado a fim de envolver-se de modo correto no ato de cantar os Salmos, para que o nome de Deus não venha a ser profanado, como com sem templo64.

certeza seria o caso, não houvesse nada mais senão a voz que se esvai ou se dissolve no ar. 69 Comentando o Salmo 47.7, Calvino considera que a excelência era exigida dos responsáveis pela música na antiga dispensação. “Para mostrar mais austeridade em sua exortação, ele repete as expressões cantai louvores a Deus, cinco vezes. A palavra ‫[ ליִּֽכְׂשַמ‬maskil], se expressa no singular em de no plural. Pois ele convida a este exercício todos os que são habilidosos na arte de cantar. Ele, sem dúvida, fala de conhecimento da arte musical;” CALVINO. Comentário de Salmos. Vol. II. São José dos Campos: Editora Fiel, 2011. 70 CHAMBERS, J. Sacred Poetry. The Church of England Magazine: Inglaterra/Islândia. Vol. VII, 1839. p. 7. 71 BIÉLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino. São Paulo: Editora Cristã, 2015. Pág. 577 72 VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino era assim. Os puritanos: Edição E-book, 2017. p. 131

Calvino considerou que a música, de forma geral, proporciona prazer ao homem e que ela devia ser usada com moderação e submetida a tudo que for honesto. A oração-cantada, isto é, a música eclesiástica era dirigida à presença de Deus, portanto “sempre se 61 KOYZIS, David T. Disponível em: https://genevanpsalter.redeemer. ca/psalter_intro.html 62 CALVINO. Comentário de Salmos. Vol. II. São José dos Campos: Editora Fiel, 2011 63 Idem. 64 CALVINO. As Institutas. IV. 20.31

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O canto dos salmos designados por Calvino e elaborados por Marot marcou o movimento reformado que em 1543 o canto dos salmos chegou a ser declarado pelos teólogos da Sorbonne como atividade luterana, logo todos os católicos foram obrigados a abandonar aquela prática herética73. Marot morre em 1544, depois que saiu de Genebra rumo à cidade de Turim74.

lho de Clemente Marot e de Teodoro Beza na elaboração poética das letras, e também de Bourgeois na composição das melodias. Todos eles estavam sob a supervisão de João Calvino. O Saltério, afirma Van Halsema, é um dos tesouros que Calvino legou ao mundo.

Claude Goudimel

Theodorus Beza

Claude Goudimel trabalhou na musica do saltério de Genebra (1562) e divulgou as harmonizações Em 1548, depois da morte de Marot, Calvino dos 150 salmos em uso79. Ele desenvolveu três tipos visita o famoso poeta latino Theodore Beza (1519- de trabalhos, o primeiro foi a harmonização a quatro 1605), que havia chegado em Genebra. O jovem de vozes, o segundo foi harmonizações com contraponvinte e nove anos foi convidado a concluir a metri- tos e o terceiro no estilo Moteto80. ficação do saltério. Em 1551, foi publicado Trinta e Kuyper defendendo a rica produção musical do quatro salmos de Davi por Theodorus Beza. calvinismo, recorda de Goudimel ao afirmar: Em 1559, Beza retoma o trabalho de metrificação Não pode ser negado que num período postedos salmos e o finaliza em 156175. E foi com o apoio rior o calvinismo perdeu quase toda a influência da corte e dos nobres franceses que ele consegue fazer neste campo. [...] Mas quando por causa disto, com completo desprezo de nosso grande passado a impressão do saltério em 1562. Esta obra era uma musical, o Calvinismo é acusado por Roma de versão adaptada para o violino e outros instrumentos, estupidez estética, é bom recordar que o grande Goudimel foi assassinado pelo fanatismo romadez mil cópias foram vendidas76. nista no massacre de São Bartolomeu. Este fato é sugestivo; pois como Douen perguntamos: Louis Bourgeois Aquele homem que com sua própria mão capturou e matou o rouxinol, tem qualquer direito de criticar o silêncio da floresta?81 O responsável por compor as melodias de 81 dos Salmos do saltério de Genebra foi Louis Bourgeois77. Músicas desonestas, vergonhosas, mortíferas Sobre ele Van Halsema afirma: e até mesmo satânicas82. Músicas que corrompem o E a música da igreja – que emoção ouvir o povo bom costume, que são carregadas de enganos melode Genebra cantado os salmos. Tiveram, por diosos que transpassam o coração e destilavam venedezessete anos, um famoso professor de canto, no.83 Essas músicas são “em parte vãs e frívolas, em Louis Bourgeois, o homem que escreveu a música para a Doxologia, “A Deus, supremo benfei- parte estupidas e tolas, e consequentemente más e dator”. Bourgeois ensinou tanto as crianças quanto nosas.”84 Esta não é uma análise da música atual, mas os adultos a cantar os salmos. Foi o primeiro a afixar o número de salmos em tabuletas na igreja refere-se ao tipo de música que embalavam as cidades para a orientação da congregação78. desde os tempos remotos e tiveram reverberação nos dias de Calvino. O Saltério publicado em 1562 foi fruto do trabaOutra realidade da música foi ponderada pelo re73 CHAMBERS, J. Sacred Poetry. The Church of England Magazine: formador João Calvino. A música eclesiástica de seus Inglaterra e Islândia. Vol. VII, 1839. p. 7. 74 SILVA, J. H. da. A música na liturgia de Calvino em Genebra. Fides dias era ininteligível, exclusiva e consequentemente Reformata VII-2 (2002): 85-104. p.93. 75 Idem. 76 CHAMBERS, J. Sacred Poetry. The Church of England Magazine: Inglaterra e Islândia. Vol. VII, 1839. p. 7. 77 SILVA, J. H. A música na liturgia de Calvino em Genebra. Fides Reformata VII-2 (2002): 85-104. p.93. 78 VAN HALSEMA, Thea B. João Calvino era assim. Os puritanos: Edição E-book, 2017. p. 178.

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79 KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 80 Salmo. Disponível em: http://www.concertino.com.br/index. php?option=com_content&view=article&id=5220. Acesso dia 30 de setembro. 81 KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. 82 CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543.. 83 Idem. 84 Idem.


infrutífera. A música popular estava degenerada e a música eclesiástica estava cativa à insignificância. Uma medida radical era necessária, Calvino não se empenhou somente na prédica da palavra de Deus, mas buscou contribuir com a música do seu povo. O reformador contribuiu com alguns salmos metrificados [25, 36, 43, 46, 91, 113, 120, 138 e 142] que aparecem na versão germinal do saltério. Contudo, no decorrer dos anos, seus poemas foram substituídos pelo trabalho primoroso de Marot e Beza. Críticos argumentavam que suas metrificações não subsistiriam, pois Calvino “era melhor teólogo do que poeta.”85 Este fato não sepultou a responsabilidade pastoral que Calvino tinha para com os genebrinos. Por esta razão, ele guarneceu-se de habilidosos na arte musical para a composição de músicas de excelência que carregavam o peso da majestade86. Marot, Beza, Bourgeois, Goudimel e muitos outros, são a extensão do zelo de Calvino. Em Marot e Beza nota-se a preocupação com o conteúdo, a música eclesiástica deveria ser bíblica, cognoscível e culturalmente adaptada. A música estava composta em língua e métrica francesa. Em Bourgeois percebe-se a preocupação didática. Melodias foram criadas, o povo foi ensinado a cantá-las, corais infantis laicos foram desenvolvidos e toda a cidade foi tomada pelas orações-cantadas. E por fim, em Goudimel concebe-se a preocupação com a técnica, desenvolvimento e aprimoramento da música eclesiástica. A harmonia polifônica, os contra pontos e a diversidade musical se tornaram a marca da Reforma Calvinista. O Saltério (1562) é a materialização do cuidado pastoral de João Calvino. Ele sabiamente considerou o pensamento de Platão sobre a música como força capaz de dirigir o caminho e a moral de uma sociedade87. Quanto à sua compreensão teológica sobre a música, ele legou-nos o princípio da música como exercício a piedade88 e como conceito de oração-cantada. Restaurou o serviço do louvor “ [...] obrigando a ideia do laicato a dar lugar àquela do sacerdócio universal dos crentes [...].89” 85 CARDOSO. O papel da música reformada. p. 37. 86 CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543. 87 Idem. 88 COSTA apud LEITH. A tradição reformada. p. 218. 89 KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2014. p.176.

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A SALMODIA PRIORITÁRIA O movimento protestante desenvolvido na Suíça ficou conhecido como reformado. Os percussores da fé reformada são Ulrico Zuínglio (1484-1531), João Ecolampádio (1482-1531), Henrique Bullinger (1504-1574), Martin Bucer (1491-1551) e João Calvino (1509-1564), os quais sistematizaram a teologia reformada. Santos lembra que: “Não havia qualquer intenção de se criar uma teologia nova ou distinta, mas de restaurar a centralidade das verdades bíblicas à vida cristã.90” O mundo moderno estava sedento das verdades bíblicas, logo, a fé reformada encontraria recôndito em diversos países como a França, Holanda, Alemanha, Polônia, Boêmia, Hungria, Inglaterra, Escócia e também, a Nova Inglaterra (Estados Unidos da América)91. A liturgia genebrina92 se tornaria um modelo de culto para as igrejas calvinistas em toda a Europa, bem como sua música93. Beeke afirmou: “Por volta de 1553, os Genevan Psalms eram cantados em todas as igrejas protestantes da França.94” A música eclesiástica genebrina exerceu um importante papel na divulgação das doutrinas da fé reformada no território francês, sendo que em 1559 os salmos de Genebra tornaram-se os hinos oficiais do país95. Comentando sobre o Saltério Genebrino, Costa afirmou: 90 SANTOS, Valdeci S. Quem é realmente reformado? Fides Reformata XI-2 (2006): 121-148. p. 125. 91 Ibidem. p. 127. 92 “João Calvino faz referência a ordem do culto simples no terceiro livro das Institutas e em Estrasburgo ele participou de uma liturgia que era iniciada com uma leitura bíblica, seguida da confissão de pecados, execução de cântico, exposição da palavra, coleta de ofertas, intercessão, sacramento da santa ceia, cântico e benção final. Ao retornar para Genebra, Calvino tinha a intenção de celebrar o culto todos os domingos em sua forma completa, mas isso não foi possível e a ordem litúrgica comumente terminava após a oração de intercessão.” CALVINO. As Institutas. IV. 17.45. MARTI Apud. HERON, Alasdair. Calvin and the Genevan form of prayer and praise. The Church Service Society Record. Volume 45. 2009-10. Pág. 6. 93 COSTA. Princípios bíblicos de adoração cristã. p. 162. 94 Beeke, Joel R.. Por Que Devemos Cantar Os Salmos? Edição Kindle. 95 Idem.


Ele tornou-se “um dos livros mais importantes da reforma”, e um protótipo dos hinários procedentes da Reforma, tendo um verdadeiro “dom de línguas”, sendo traduzido para o alemão, holandês, italiano, espanhol, boêmio, polonês, latim, hebraico, malaio, tamis, inglês, etc., sendo usado por católicos, luteranos e outras denominações96.

vemente a matéria da música eclesiástica são a Confissão de Fé de Westminster e o Diretório de Culto. A CFW, no capítulo XXI, parágrafo V, afirmou: “[...] o cantar salmos com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo - são partes do or103 Na Escócia, os presbiterianos ficaram impacta- dinário culto de Deus [...]. ” E no Diretório de culto, encontra-se: dos pelo Saltério de Genebrino e estavam ávidos para ter um hinário em língua inglesa, em 1644 a obra de É dever dos cristãos louvar Deus publicamente Francis Rous foi submetida a seis anos de análises cantando Salmos juntos na Igreja e também em particular na Família. Ao cantar os Salmos, a voz severas, quando em 1650 foi oficialmente publicada deverá ser afinada e ordenada com seriedade, 97 o Scottish Psalter . mas o cuidado maior precisa ser cantar com o Na Holanda em 1540 foram publicados antigas entendimento e com Graça no coração, erguendo melodias ao Senhor. Para que toda a Igreja possa coleções de salmos metrificados, contudo somente se unir no canto, todas as pessoas que sabem ler em 1568 Peter Dathenus traduziu o saltério francês. deverão ter um hinário dos Salmos, e os demais que não estejam incapacitados por idade ou ouGrandes grupos de holandeses reuniam-se para cantar tro motivo, são exortados a que aprendam a ler. os salmos genebrinos98. Durante duzentos anos aqueMas, no momento, quando há muitos na Igreja que não sabem ler, é conveniente que o Ministro, las foram as músicas oficiais da fé calvinista holanou algum outro indivíduo apto indicado por ele e desa. os outros presbíteros, leia os Salmos, cada verso Na Alemanha, Ambrosius Lobwasser (1515por sua vez, antes de ser cantado104. 1585) publicou para na língua germânica os salmos metrificados de Marot e Beza, Der Psalter de KöniEm ambos os documentos, a CFW e o Diretório glichen Propheten Davids em 157399. Na América, de Culto, a música eclesiástica é tratada como um eleos puritanos produziram o The Bay Psalm Book em mento do culto público (e familiar), possui especifi1640, do qual muitas músicas sobrevivem nos dias cações do conteúdo - deve-se cantar salmos, e orienta atuais100. A produção de hinários forneceu consolo, a forma de execução – deve-se fazê-la com graça no edificação e uniformidade do integrantes do movi- coração. Os reformadores enfatizavam o canto dos mento reformado por todo mundo. Salmos, contudo eles não se limitavam ao saltério No princípio do movimento reformado a produ- judaico, entre suas canções encontram-se outras múção de música foi abundante e possuía caráter “di- sicas extraídas de outras partes das Escrituras e até dático, objetivando, inclusive, a fixação das Escritu- mesmo de composições extra bíblicas. ras.101” Contudo, nota-se que a própria música não foi Diante disso, percebe-se que este grupo era um alvo de discussões, antes dos documentos teológicos defensor da salmodia prioritária, isto é, os salmos elaborados por este grupo102, os únicos que tocam bre- como fonte inspirada para as orações e canções cris96 COSTA. Princípios bíblicos de adoração cristã. p. 183. 97 Veja mais detalhes em: http://www.cgmusic.org/workshop/smp_frame.htm 98 MCNEILL, J.T. The History and Character of Calvinism. Oxford University Press, 1954. p. 262. 99 Ambrosius Lobwasser. O Dicionário de Hinologia Canterbury. Canterbury Press. Disponível em: http://www.hymnology.co.uk/a/ambrosius-lobwasser. Acesso 09 de abril de 18. 100 Veja mais detalhes em: http://digitalcommons.cedarville.edu/sing_ psalters/3/ 101 COSTA. Princípios bíblicos de adoração cristã. 2009. pág. 175. 102 Os principais documentos reformados são: Catecismo de Heidenberg, a Segunda Confissão Helvética, a Antiga Confissão Escocesa, Os trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra e da Igreja Episcopal da América. E a Confissão de Fé, o Breve Catecismo e o Catecismo Maior de Westminster, o Diretório de Culto e o de Governo de Westminster (1647) e por fim, Os Cânones do Sínodo de Dort (1618). Todos os documentos (exceto diretórios de culto e governo) estão disponíveis

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tãs. Costa, elucida esta questão afirmando: Quanto aos cânticos, devemos observar, contudo, que os hinos da igreja não precisam estar limitados ao Livro de Salmos, mesmo reconhecendo o seu indiscutível valor como Palavra inspirada de Deus; além disso, deve ser observado que muitos dos salmos refletem, de modo evidente, a expressão de fé de servos de Deus na Antiga Aliança, que ainda não se plenificara em Cristo, aquele gratuitamente no site: www.monergismo.com. 103 Confissão de Fé de Westminster, Cap. 21.5. 104 Diretório de Culto de Westminster: Um Diretório para o Culto Público a Deus nos Três Reinos: Inglaterra, Escócia e Irlanda. Os Puritanos. Edição Kindle.


que selou a Nova Aliança com o seu próprio sangue105.

ca eclesiástica moderna, considerado como o “Pai da Hinologia Inglesa”. Watts percebeu que existia uma ausência do Evangelho do Novo Testamento na hinoA salmodia prioritária foi o parâmetro teológico logia saxônica, chegando a propor uma interpretação para as antigas composições musicais. A música ecle- poético-histórico-redentiva dos Salmos. No prefácio siástica reformada cantou a Palavra, fundamentou-se da sua obra magna The Psalms of David Imitated, ele exclusivamente nela. afirmou:

A SALMODIA IMITADA Em 1674, um novo personagem na história da música eclesiástica nasce. Isaac Watts, era inglês, poeta e não-conformista106. Ainda jovem ele achava a música eclesiástica de Southampton desajeitada e sem inspiração107. Os salmos eram reputados como a mais alta expressão poética de louvor a Deus, “mas nos dias de Watts, muitas versificações dos salmos ficavam consideravelmente aquém da bela poesia.108” Ele chegou a declarar: “O cântico de louvores a Deus é a parte da adoração que mais se aproxima do céu, mas a sua realização entre nós é a pior do mundo.109” Depois de um culto, o jovem Watts comentou que os cânticos entoados eram ruins e o seu pai repreendo-o, disse: “Se você não gosta de hinos, jovem, então dê-nos algo melhor.110” Naquela noite, ele escreve um hino baseado em Apocalipse 5. 6-12. Depois de mostrar a composição para o seu pai, Watts Sênior impressionado, torna-se, a partir de então, um grande divulgador das obras de seu filho. Bond afirmou: Em 1690, em Southampton, Inglaterra, a congregação Above Bar se tornou a primeira a cantar um hino de Isaac Watts. Ele foi recebido com entusiasmo e Watts foi encorajado a escrever mais como esse. A revolução Watts na hinódia havia começado111. Watts escreveu 750 hinos, foi o pioneiro da músi105 COSTA, Princípios bíblicos de adoração cristã. 2009. p. 187. 106 Pessoa que não segue os princípios da Igreja Anglicana. 107 ROUTLEY, Erik apud BOND, Douglas. O Encanto Poético de Isaac Watts. Editora Fiel. Edição do Kindle. 108 Idem. 109 Idem. 110 Idem. 111 Idem.

[...] não existe a necessidade de cantarmos sempre segundo o obscuro e incerto estilo de profecia, quando as coisas preditas são reveladas ao se cumprirem de forma completa. Onde os escritores do Novo Testamento citaram ou fizeram alusões a qualquer trecho dos Salmos, eu frequentemente privilegiei a liberdade da paráfrase, conforme as palavras de Cristo, ou de seus Apóstolos. E isso certamente ainda pode ser considerado Palavra de Deus, embora emprestado de diversas partes das Sagradas Escrituras. Onde o salmista descreve a religião como o temor de Deus, eu muitas vezes conectei a isso fé e amor. Onde o salmista fala de perdão de pecados, por meio das misericórdias do Senhor, eu adicionei os méritos de um Salvador. Onde ele fala de sacrifício de cabras e novilhos, eu escolho mencionar o sacrifício de Cristo, o Cordeiro de Deus. Quando ele trata da Arca em meio a brados em Sião, eu canto da ascensão do meu Salvador aos céus, ou de sua presença em sua igreja na terra. Quando ele promete riqueza, honra e vida abundantes, eu troquei algumas dessas típicas bênçãos por graça, glória e vida eterna, que são reveladas pelo Evangelho, e prometidas no Novo Testamento. E eu muito me satisfaço pelo fato de que mais honra é dada ao nosso bendito Salvador, quando falamos de seu nome, sua graça e seus feitos, em sua própria linguagem, segundo as brilhantes descobertas que ele agora fez, do que quando retornamos às práticas judaicas de adoração, bem como à linguagem baseada em modelos e ilustrações112. Ele estava convicto que deveria compor temas que falam com clareza a respeito da pessoa de Cristo. Sobre isso, Bond considerou: Watts não estava realmente sendo hermeneuticamente inovador aqui, como alguns sugerem. Toda a sua aprendizagem provinha da tradição Calvinista e Reformada, então ele estava apenas tentando incitar uma continuidade entre a pregação Reformada centrada em Cristo e o canto Reformado no culto. O próprio Calvino havia escrito: “Devemos ler as Escrituras com o objetivo expresso de encontrar Cristo nelas. Quem quer que se desvie desse objeto, mesmo que se esgote ao longo de toda a sua vida na aprendizagem, 112 Tradução de Sylvia Dias do texto de WATTS, Isaac. The Psalms of David Imitated in the Language of the New Testament and Applied to the Christian State and Worship. 1674-1748. Edição Kindle.

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nunca alcançará o conhecimento da verdade.113” Algumas das músicas de Watts foram inseridas no Himns and Spiritual Songs, primeiro hinário inglês. A canção When Survey The Wondrous Cross114 foi considerada pelos grandes críticos do séc. XIX como o maior hino inglês115. Watts foi o grande incentivador da composição de novos salmos, hinos e cânticos espirituais. Sua contribuição prevaleceu os séculos e impactou a comunidade cristã pós-contemporânea.

BIBLIOGRAFIA BALLARINI, Teodorico, REALI, Venanzio. A Poética hebraica e os salmos. Petrópolis: Vozes, 1985. BEEKE, Joel R. Por Que Devemos Cantar Os Salmos? Editora Os Puritanos, 2016. Edição do Kindle. BIÉLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino. São Paulo: Editora Cristã, 2015. BOND, Douglas. O Encanto Poético de Isaac Watts. São Paulo: Fiel, 2015. Edição Kindle. CAIRNS. EARLE E. O Cristianismo através dos séculos – Uma história da Igreja Cristã. 3ª Ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

CONSIDERAÇÕES Os primeiros reformadores fundamentados na Escritura Sagrada resgataram o culto bíblico, suas canções ou eram metrificações ou iluminações à luz de porções bíblicas. O zelo e empenho dos reformadores na metrificação dos Salmos não excluiu sua apreciação por novas canções. A salmodia prioritária foi o paradigma que norteou a composição das antigas músicas eclesiásticas, bem como o padrão para escolha do seu repertório. Diante do cenário corrompido da música genebrina, Calvino perguntou: “O que então devemos fazer agora?”116. Contudo, ele foi perspicaz o suficiente para responder e agir persistentemente para resolver este problema. Ele afirmou: “É preciso haver canções não somente honestas, mas também santas, que como aguilhões nos incite a orar e a louvar a Deus e a meditar nas suas obras para amar, honrar e glorificá-Lo.117” A Salmodia Prioritária certamente conduzirá a Igreja Reformada a uma reforma litúrgico-musical. Importa-nos perguntar: “O que então devo fazer agora?” E devemos sobretudo agir compondo novas canções para o Senhor.   113 BOND, Douglas. O Encanto Poético de Isaac Watts. São Paulo: Fiel, 2015. Edição kindle. 114 Hino 262, Contemplação da Cruz do Hinário Novo Cântico. Letra: Isaac Watts, 1707. Adaptação: Manoel da Silveira Porto Filho, 1961. Música: Canto Gregoriano / arranjo: Lowell Mason, 1824. 115 Disponível em: http://www.ultimato.com.br/conteudo/o-maior-hino-da-lingua-inglesa-ao-contemplar-a-tua-cruz 116 CALVINO. Prefácio do Saltério de Genebra. 1543. 117 Idem.

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