Boa vista dos sonhos de nassau agosto 2(1)

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9. A Boa Vista dos sonhos de Nassau Entretanto, a Boa Vista, edificada não só para o recreio, senão ainda para defesa da ilha e de Mauriciopole, eleva-se próxima da Ponte do Capibaribe, aterrando com descargas de mosquetaria, lançadas das guaritas, o inimigo que se aproximasse. Gaspar Barlaeus (1647) O topônimo Boa Vista surge entre nós em 1643, quando da construção pelo conde João Maurício de Nassau de sua casa de recreio, chamada inicialmente de Bela Vista, erguida em terreno por ele adquirido à Companhia das Índias Ocidentais, localizado na cabeceira da ponte sobre o Rio Capibaribe, que ligava a cidade Maurícia ao continente. A Casa da Boa Vista, segundo Gaspar Barlaeus, era um “local aprazível, alegrado também por jardins e piscinas”, que funcionava ainda como forte militar, em face de sua posição estratégica sobre a cabeceira da ponte e da visão que dispunha sobre o continente, como bem demonstra a gravura de Frans Post no livro daquele latinista. Erguido na altura da parte posterior do atual Convento de Nossa Senhora do Carmo, o novo palácio, com quatro torreões e elevado pavilhão central de onde se descortinava magnífico panorama, servia de descanso e entretenimento, e, no dizer do autor de História dos feitos recentemente praticados no Brasil ... 1 Naquele remanso, descansava Nassau, rodeado pela vista de suas construções e longe da pátria e das terras de tantos condes e príncipes seus parentes, gozando da felicidade que achara no Ultramar. Contemplava astros nunca vistos pela sua Alemanha; admirava a constância de um clima dulcíssimo e mostrava aversão à intempérie da zona temperada onde vivera. [...] Enfim meditando, encerrava dentro do âmbito da Boa Vista o múltiplo benefício do céu, da terra e do ar, a República, o inimigo, os índios, os holandeses, as conveniências e proveitos das Províncias Unidas. A nova ponte foi construída sobre estacas de guabiraba, madeira resistente à água das marés, dispostas em linha reta até o talvegue do rio, defletindo em ângulo obtuso e seguindo em direção ao casario que se erguia na altura do que veio a ser a Rua de São Gonçalo, denominação depois mudada para Rua da Glória, nas proximidades do cemitério dos judeus, segundo se depreende do mapa do Recife elaborado por Cornelis de Golijath (1648). Em agosto de 1645, com a eclosão da Insurreição Pernambucana, o BARLAEUS, Gaspar, História dos feitos recentemente praticados no Brasil, trad. Cláudio Brandão; apresentação de Leonardo Dantas Silva; prefácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1980, 416 p. il. 60 gravuras reproduzidas em fac-símile da ed. de Amsterdã de 1647, 27 assinadas por Frans Post (1645) (Coleção Recife, v. 4). 1

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Supremo Conselho da Companhia das Índias Ocidentais determinou, por razões estratégicas, a destruição de grande parte do casario de Maurícia e com este a Casa da Boa Vista, restando tão-somente a ponte irregular que unia a ilha de Antônio Vaz ao continente. Com a retirada dos holandeses, em 1654, as terras da Boa Vista foram doadas ao Restaurador de Pernambuco, Henrique Dias, Governador dos Crioulos, Negros e Mulatos do Brasil, herói nas guerras contra a Holanda, que delas tomou posse em 26 de abril de 1656. No instrumento de doação estavam incluídas as “casas que foram do flamengo Vanufel e as olarias que foram de Gaspar Coque [daí a origem das terras do Coque] e todas as terras anexas a elas junto do Rio Capibaribe até a ilha de Santo Antônio; e [...] a terra que servia de Cemitério dos Judeus, [...] a qual terra, e as casas e olaria [...] já lhe havia nomeado o mestre-de-campo João Fernandes Vieira”. Esclarece José Antônio Gonsalves de Mello 2 que as terras doadas compreendiam as da Estância, que Henrique Dias defendera na guerra, e nas quais levantara uma igreja – a Nossa Senhora [da Assunção], e ainda todas as que dali se estendiam até o Rio Capibaribe, em frente à ilha de Santo Antônio. As casas de Gilles van Uffelen estavam situadas no próprio lugar da Estância, nas proximidades da margem do rio; a olaria de Gaspar Kock nos terrenos fronteiros à ilha depois chamada do Suassuna; e o Cemitério dos Judeus, nos Coelhos [1636]. Assim, portanto, grande parte do atual bairro da Boa Vista. Como se depreende da cartografia da época, na segunda metade do século XVII eram poucas às construções existentes em terras da Boa Vista, não havendo arruados ou qualquer outra organização de natureza urbanística, mas tão-somente algumas casas espaçadas, cercadas de plantações de coqueiros e outras árvores frutíferas, separadas por mangues e camboas. 3 Um século depois, porém, lá pelos anos de 1757, apresentava-se a Boa Vista, na descrição do beneditino Domingos do Loreto Couto,4 MELLO, José Antônio Gonsalves de, Henrique Dias, governador dos crioulos, negros e mulatos do Brasil. Recife: FUNDAJ/Massangana, 1988, p. 46. O Cemitério dos Judeus assinalado no mapa de Vingboons estaria localizado no atual Cais José Mariano, nas imediações da parte posterior do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, na Rua da Glória. 2

. Segundo mapa desenhado por Cornelis Bastianszoon Golijath (1610-1662), que esteve no Brasil a serviço do conde de Nassau, em 1637, impresso por Claes Jaens Visscher, Amsterdã, 1648: Olinda de Pharnambuco, Maurits-Stadt ende t’ Reciffo 3

COUTO, Domingos do Loreto, Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco, apresentação de Leonardo Dantas Silva; posfácio de José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1981, 612 p. (Coleção Recife, v. 11). Fac-similar da 1ª ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1904. Inclui índice onomástico 4

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Assentada em uma deliciosa planície, cercada de amenas e vistosas árvores, hortas e sítios, e quintas e casas de recreação. Ocupa o centro deste ameno vale, em que se acham já fundadas 1.113 casas de pedras e cal, e muitas delas de dois sobrados, feitas ao estilo moderno, sete suntuosas igrejas e seis formosas capelas. Corre do oriente ao poente, e por todas as partes se dilata em espaçosos campos, que pelo setentrião se vêm aformoseados com as abundantes correntes do prateado Beberibe, que, êmulo da grandeza dos edifícios com que se ostenta o Capibaribe, oferece em competência suas 452 casas situadas nas suas margens, três excelentes templos, e 800 vizinhos. As construções em forma de arruados, por sua vez, situavam-se na altura da primitiva Rua de São Gonçalo (hoje, Rua da Glória), seguindo em direção à igreja da mesma invocação, registrando-se, ainda, mais ao sul, um sobrado e o respectivo Sítio de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros, com 400 pés de coqueiros e uma capela, pertencente ao capitão Felipe Santiago de Oliveira e sua mulher Lourença Maciel d’Andrade, conforme escritura datada de 21 de agosto de 1663. Tais construções vieram dar origem ao casario da atual Rua da Conceição, onde, entre 1788 e 1836, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos fez erguer o seu templo. O sistema viário da Vila de Santo Antônio do Recife iniciava-se no bairro portuário e seguia em demanda à Boa Vista, onde, pela Rua Velha, atingia-se o Pátio da Santa Cruz e deste, pela Trempe (no extremo da Rua do Sebo, atual Rua Barão de São Borja), chegava-se à Rua da Soledade e daí, pela Estrada de João de Barros, tomava-se a direção de Olinda pela Encruzilhada de Belém. Numa outra variante, mais ao sul, seguia-se pela Rua de Santa Cruz em busca da Estrada do Mondego, que se iniciava no final da Rua da Glória, e, por ela, chegava-se ao Chora Menino de onde tinha início a Estrada do Manguinho (1842) que se interligava com outras estradas suburbanas, atingindo, assim, as povoações do Parnamirim, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos, Dois Irmãos, Caxangá e o interior da Província. A ligação do Chora Menino com a Madalena torna-se realidade em 1834, passando pelo Paissandu, cruzando o Rio Capibaribe na “Passagem da Madalena”, hoje Rua Benfica, até atingir o “Sobrado Grande”, atualmente ocupado pelo Museu da Abolição, na Praça João Alfredo. A união com Afogados, pela Estrada dos Remédios, foi possível a partir de 1850, quando se iniciou a ligação com a Torre através da Estrada Real da Torre. Na Madalena, tinha início à chamada Estrada Nova de Caxangá, por onde passava um ramal da maxambomba com destino às povoações de Caxangá e da Várzea, esta última inaugurada em 1885. A “povoação da Boa Vista”, assim chamada na “Planta Genográfica (sic) da Villa de Santo Antônio do Recife” (c. 1749), conservada no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), apresenta-se com o início da nova ponte e parte da “ponte velha de pedra”, ligando o primitivo caminho com a igreja e o casario da então Rua de São Gonçalo, formando um triângulo com a primitiva Rua Nova (hoje, Rua Velha), tendo em um dos vértices a Igreja de Santa Cruz. No lado norte, registrava aquela planta a “Praça Nossa Senhora da Conceição da Boa Vista”, dando com a sua respectiva igreja, e, partindo da cabeceira leste da nova ponte, o início do “novo aterro”. A partir da primeira metade do século XVIII, foram localizados na Boa 3


Vista alguns templos, de singular importância, ainda hoje presentes em sua paisagem urbana: Santa Cruz (1700), São Gonçalo (1712), Nossa Senhora da Soledade (1716), a hoje Matriz, com a invocação do Santíssimo Sacramento (1784-1889), Rosário dos Pretos (1788-1836), Recolhimento de Nossa Senhora da Glória (1758), Sagrada Família (1755). Em 1764 o bispo de Olinda concluiu as obras da sua residência “provisória” na Boa Vista, o Palácio da Soledade, que fora iniciado em 1742 ao tempo do bispado de dom frei Luís de Santa Tereza. Com a construção da nova ponte da Boa Vista, ligando a Rua Nova com o Aterro da Boa Vista, antecedendo a atual, o governo de Henrique Luís Pereira Freire (1737-1746), abandona o primitivo traçado pela Rua da Glória. O acesso à primitiva Estância de Henrique Dias e à Passagem da Madalena, passa se dar pelo novo aterro e “Praça da Conceição” (a partir de 1876, denominada Maciel Pinheiro). Tinha início o uso do que veio a ser chamado de “Aterro da Boa Vista”, criando-se um eixo central de circulação da cidade, ligando a povoação da Boa Vista à Praça da Polé (hoje, Praça da Independência) e esta última ao porto, através da Ponte do Recife (hoje, Maurício de Nassau). O “Aterro da Boa Vista”, que veio dar origem à atual Rua da Imperatriz (1859), tinha então uma extensão de cem braças sobre vinte palmos de largura, partindo em linha reta da cabeceira da nova ponte em direção à Praça da Boa Vista. Não foram fáceis os trabalhos de conquista do leito do Capibaribe, como bem observa o F. A Pereira da Costa nos seus Anais 5: [...] trabalhosa e dispendiosa a obra do aterro, por atravessar um lamaçal muito baixo e coberto de mangues, sendo necessário cortá-los para se proceder ao aterramento do traçado, e em altura tal, que ficasse no mesmo nivelamento da ponte, empregando-se assim avultada quantidade de terra. Feito o aterro, e julgando-se a Câmara Municipal de Olinda com direito de posse dos alagados locais, começou, pelos anos de 1770, a fazer aforamentos perpétuos de terrenos laterais ao mesmo aterro para a construção de prédios, em toda sua extensão, até chegar “a terra seca, sólida, a terra firme, do termo do Aterro da Boa Vista”, como ficou sendo chamado; e assim, viam-se já em 1771 algumas casas construídas e, em 1789, já apresentavam o aspecto de arruamento mais ou menos regular. Com o “Aterro da Boa Vista”, porém, a importância do sistema viário centralizou-se na Praça da Conceição, prolongando-se pelas ruas da Conceição e do Pires, onde, cruzando o Caminho Novo, no sítio do coronel Gervásio Pires Ferreira, tomava-se a direção da Rua Corredor do Bispo e seguia-se em direção à Estrada de João de Barros. No Plano da Villa do Recife de Pernambuco, datado de 6 de junho de 1776, segundo original conservado no Arquivo Distrital de Évora (Portugal), já se vislumbra o desaparecimento do primitivo trecho da “Ponte Velha” e a nova ponte, fixando sua cabeceira no “Aterro da Boa Vista”, no qual aparecem registradas as confrontações de seis propriedades do que viria a ser a atual Rua da Imperatriz. Ao se observar o traçado de antigos mapas da Vila de Santo Antônio do Recife, veremos que as terras da Boa Vista foram em grande parte conquistadas 5

COSTA, F. A. Pereira da, Anais pernambucanos, 2ª ed; v. VI, pp. 98-9. 4


ao leito do Capibaribe e do Beberibe, por meio de sucessivos aterros que chegaram aos nossos dias. Em 1759, o mapa elaborado pelo jesuíta José Caetano registra o início do “novo aterro”, a partir da cabeceira da ponte, ao mesmo tempo demonstrando que as águas do Capibaribe, quando da preamar, chegavam à esquina da atual Rua da Glória e Rua da Matriz, contornando o trecho do “novo aterro” e assim atingindo as atuais Ruas do Hospício e Cruz Cabugá até Santo Amaro das Salinas; todo o lado leste era ocupado por águas e manguezal, Essas terras da banda leste da Estrada de Olinda (hoje Avenida Cruz Cabugá) eram pertencentes ao Sítio Araçá (séc. XVII); antiga propriedade dos padres jesuítas que a partir do início da primeira metade do século XIX vem dar lugar ao que se chamou de Cidade Nova. A área é hoje ocupada pela Rua do Veiga, Rua do Lima, Rua da Fundição e trecho final da Rua da Aurora, estando nela localizadas as oficinas e redações do Diario de Pernambuco, do Jornal do Commercio, da Televisão Jornal do Commercio, da Televisão Rádio Clube, os estúdios das rádios Jornal do Commercio, se situado no extremo norte os transmissores da Televisão e Rádio Universitária, da Universidade Federal de Pernambuco; estas duas já na Avenida Norte, nas proximidades do Cemitério dos Ingleses (séc. XIX) e do moderno prédio da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco.

A Cidade Nova

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No quadrilátero, limitado pela margem direita da atual Avenida Cruz Cabugá (Antiga Estrada de Olinda) e a leste pelas águas do Beberibe e Cais da Rua da Aurora, no qual se encontram localizadas às ruas do Veiga, do Lima e da Fundição, com suas respectivas transversais, foram construídos, no século XIX, um bom número de prédios residenciais sob a denominação de Cidade Nova. Ocupava a Cidade Nova às terras do antigo Sítio do Araçá, que pertencera aos padres jesuítas desde a segunda metade do século XVII. A propriedade fora aforada ao mestre de campo José Vaz Salgado, que nele mantinha um curtume no século XVIII. Com a expulsão dos padres da Companhia de Jesus pelo Marquês do Pombal, em 1760, foram as terras arrematadas por sua viúva, D. Tereza Maria José, que pagou pela propriedade a importância de cento e oitenta e cinco mil réis à fazenda nacional. Em 1811 foram às terras do Sítio do Araçá adquiridas pelo português Manuel Luís da Veiga, pela importância de três contos e quatrocentos mil réis (3:400$000), fazendo nelas um grande número de melhorias, como aterros e drenagens de suas águas, construindo viveiros de peixes, na parte fronteira com o rio Capibaribe (local depois ocupado pela Rua da Aurora). No extremo seu oeste, que marginava a estrada de Olinda, o novo proprietário fez construir “vistosos edifícios de uma bem montada cordoaria de cairo [fibras de casca de coco]”, sob o título de Real Fábrica de Cordoaria de Pernambuco. Era Manuel Luís da Veiga um português de nascimento, que por longos anos residira em Londres, estando o seu nome incluído no Dicionário Bibliográfico Português de Inocêncio Francisco da Silva, como autor de várias livros, dentre os quais “A Escola Mercantil sobre o comércio, assim antigo como moderno, entre as nações comerciais do velho continente” (Lisboa, 1803). Para implantação de sua cordoaria no Recife, fez vir de Lisboa hábeis profissionais que, com a ajuda de 60 escravos africanos, produzia amarras para navios, cabos de linho bem como outros tipos de cordas e velames para embarcações, como assinala L.F. de Tollenare em sua visita no ano de 1817. A área do Sítio do Araçá era de 160.000 braças, cerca de 292.640 metros quadrados, chegando os seus viveiros a render, com a venda de peixes, 2$400 diários “que as marés trazem aos seus diques e viveiros”. As construções da cordoaria davam acesso a uma camboa, então existente ao longo da atual Avenida Mário Melo, onde se localizavas um pequeno posto de desembarque, conhecido como Porto do Veiga, que assim marcava o início da atual rua. Em 1827 trabalhavam na cordoaria dez oficiais e vários escravos, “fabricando toda a sorte de cabos feitos de cairo ou outros filamentos da casca do coco”, chegando sua produção a atingir mais de 8 toneladas desses produtos. Com o falecimento de Manuel Luís da Veiga, após o ano de 1829, foi extinta a Real Fábrica de Cordoaria de Pernambuco sendo suas terras loteadas e dando início às construções de prédios residenciais naquela área, processo iniciado na faixa oeste da propriedade, em 1817, quando da abertura pelo governador Luís do Rego Barreto da nova estrada de Olinda, atual Avenida Cruz Cabugá. Manuel Luís da Veiga, que fora um dos implicados na Revolução Republicana de 1817, permanecendo na prisão entre 6 de abril a 10 de outubro de 1818, veio a falecer em avançada idade tendo sido sepultado na igreja de Nossa Senhora da Piedade (Rua do Lima), construída pelo seu genro José Gonçalves Ferreira Costa em terras do antigo Sítio do Araçá. 6


Em 1808, o Plano do Porto e Praça de Pernambuco, elaborado pelo engenheiro José Ferreira Portugal, registra o casario do “Aterro da Boa Vista”, continuando as terras do sul tomadas pelas águas, a partir da Estrada do Hospício, na qual aparecem algumas construções, como a do Hospício de São João Batista (1735), estendendo-se os alagados até o largo da igrejinha erguida sobre as ruínas do Forte das Salinas, conquistado aos holandeses em 15 de janeiro de 1654 (Dia de Santo Amaro). Observa Tadeu Rocha: 7


Somente no século XIX foi que o homem começou a conquistar esses terrenos do rio, dando nascimento, paulatinamente, às ruas da Aurora e suas perpendiculares – Conde da Boa Vista, Riachuelo e Princesa Isabel – e às suas paralelas – União, Saudade e Sete de Setembro. Foi no ano de 1880 que se aterrou a Camboa do Riachuelo, unindo-se a ilha dos Ratos (antiga Thomas Kock) à Boa Vista. E o Canal de Santo Amaro, que a limitava ao norte, existiu até 1940.6 Do lado sul, a ilha do Leite e os Coelhos só vêm consolidar as confrontações conhecidas em nossos dias, a partir dos anos setenta do século XX, quando foi concluído o traçado da atual Avenida Agamenon Magalhães, cujo canal limita, a oeste, o bairro da Boa Vista.

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ROCHA, Tadeu, op. cit., p. 69. 8


10 Arruando pela Boa Vista A Rua da Aurora é talvez a mais recifense das ruas, O Capibaribe que a corteja, guardando na sua tez as mais belas formas suas. Carlos Moreira Cruzando a Ponte da Boa Vista, fundida em ferro na Inglaterra e aqui instalada em 1876, tendo em suas cabeceiras uma evocação às principais datas da história pernambucana, chegaremos à Rua da Aurora, que tem esse nome por estar voltada para o nascente. Continuando a caminhada, seguiremos na direção oeste pela Rua da Imperatriz Tereza Cristina, uma rua de casas comerciais, na qual predominam antigos sobrados de três e quatro pavimentos, alguns deles revestidos de azulejos do século XIX. Esta rua é originária do Aterro da Boa Vista, iniciado na cabeceira da segunda Ponte da Boa Vista, quando do governo de Henrique Pereira Freire (1737-1746), em face das águas do Capibaribe chegarem nessa época até a atual Rua do Hospício. No “Aterro da Boa Vista”, como ficou sendo conhecido até a segunda metade do século XIX, estabeleceram-se comerciantes, reservando-se os andares superiores dos sobrados para residência das famílias. No nº 147 nasceu, as 8h30m da manhã de 19 de agosto de 1849, aquele que viria a ser o mais importante líder do movimento em favor da abolição da escravatura negra no Brasil, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, falecido na função de embaixador do Brasil em Washington, em 17 de janeiro de 1910. No final da atual Rua da Imperatriz, como ficou sendo conhecida, a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Boa Vista fez erguer o seu templo entre 1784 e 1793, tendo recebido entre 1840 e 1879 sua monumental fachada em mármore, esculpida pelo artista português Francisco de Assis Rodrigues, da Real Academia de Belas Artes de Lisboa, só concluída no final do século XIX. Foi na Boa Vista que, a partir de 1917, ano da Revolução Russa, fixaramse centenas de famílias de judeus askenazins emigrados da Bessarábia (Moldávia), Polônia, Ucrânia, Iugoslávia e de outras regiões do Leste Europeu. Tipos ruivos que logo fixaram suas residências em antigas casas e sobrados existentes nas ruas Velha, da Glória, de Santa Cruz, Leão Coroado, da Alegria, Visconde de Goiana, Marques Amorim, Barão de São Borja, do Jasmim, do Aragão, dos Prazeres, Visconde de Suassuna formando assim a nova comunidade judaica do Recife. Os descentes desses pioneiros encontram-se hoje integrados à vida social e cultural da cidade. Aqui a comunidade judaica mantém três sinagogas, o Colégio Israelita, o Clube Israelita e o Cemitério Israelita do Barro. Na Praça Maciel Pinheiro, teremos ocasião de contemplar uma notável fonte portuguesa, em mármore (7,85 m de altura), disposta em quatro planos, na qual quatro ninfas e uma índia aparecem sustentadas por quatro leões em 9


repouso. Trata-se do mais belo monumento da cidade, erguido em comemoração ao término da Guerra do Paraguai (1864-1870), esculpido em Lisboa pelo artista Antônio Moreira Ratto (1818-1903) e ali instalado por subvenção popular, em 31 de março de l875. 7 Coube ao Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de abril, publicar uma circunstanciada descrição deste monumento: Avisos Diversos – Foi inaugurado um importante chafariz de cantaria de Lisboa e que aí foi zelosamente trabalhado na oficina de escultura do sr. Antônio Moreira Ratto, cujo mérito artístico de comprovado está dispensado qualquer elogio. O chafariz mede da base, que é em forma de cruz e assentada em granito, até o cimo do emblema representando a América – uma cabocla selvagem – que o coroa, 7,85 m; à base sobrepõem-se quatro leões curvados sobre as patas, olhando aos quatro pontos cardeais e sustentando com suas cabeças uma grande bacia de 3,18 m de diâmetro. Sobre esta bacia quatro ninfas em pé, simetricamente dispostas em atitude de se banharem, recebem a água que desborda da segunda bacia que lhes sobre fica e que é menor do que a primeira, pois só tem 2,11 m de diâmetro. Cada uma das ninfas conta de altura com 1,60 m. A terceira e última bacia mede 1,80 m de diâmetro. Nas colunas que se interpõem a primeira e a segunda, como esta a terceira, bem como as que bordam a parte exterior das mesmas, são delicados trabalhos de escultura que recomenda de sobremodo o talento artístico do cinzel que o fez surgir da pedra. Na execução, porém, da figura que simboliza a América concentrou o escultor todo o seu gênio e cuidado: a expressão fisionômica verdadeira, o porte altivo da estátua, ressaltando o tipo da raça primitiva. O cocar e o cendal de penas que a vestem, o colar de búzios que lhe adorna o peito, só não iludem à falta de colorido que a pena exclui. Nesta praça, viveu sua infância, na casa de esquina com a Rua do Veras, a escritora Clarice Lispector (1925-1977), cuja estátua em cimento lá se encontra em obra recente do artista Demétrio Albuquerque (2006). Sobre o bucolismo desta praça o poeta Eugênio Coimbra Júnior (19051972) escreveu um dos seus mais belos sonetos, cujos versos iniciais lá se encontram transcritos, no painel em cerâmica no meio de um de seus canteiros: Cidade velha: em meio à praça, a fonte Todo o jardim cercado de gradis. Maciel Pinheiro, queres que te conte? Nem mesmo criança fui jamais feliz.

Antônio Moreira Ratto, artista português nascido em Cascais, em 6 de setembro de 1818, e falecido em Lisboa, em 16 de novembro de 1903, tem sua assinatura em vários monumentos que ornam praças e passeios de Lisboa, de Évora e do Rio de Janeiro. No Recife, seu nome encontra-se gravado na base do leão voltado para o leste da Fonte da Boa Vista. Conservando o nome de seu fundador, a Oficina de Antônio Moreira Ratto continua em atividade, em nossos dias, na Rua 24 de Julho, no Cais do Sodré, em Lisboa 7

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Continuando nosso arruar pela Boa Vista, iremos em busca da Rua da Conceição, que ainda conserva edificações remanescentes dos séculos XVIII e XIX, algumas delas ostentando azulejos do século XIX em suas fachadas. No início desta rua poderemos conhecer a primitiva igrejinha de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros, erguida em 1683 por Cristóvão de Barros Rego, que hoje tem por orago Santa Cecília. Em 1898, por iniciativa do monsenhor Augusto F. M. da Silva, passou o templo a sediar a Irmandade de Santa Cecília, padroeira dos músicos do Recife. Esta sociedade era responsável pela fiscalização do exercício da profissão de músico, papel hoje ocupado pela Ordem dos Músicos do Brasil, tendo os seus sócios de prestar exames de harmonia, solfejo e técnica instrumental a fim de poder exercer a profissão. Fundada em 1788, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, a irmandade dos músicos vagou por mais de um século por diferentes igrejas do Recife. Em 1789, encontrava-se a irmandade ereta na Igreja de Nossa Senhora dos Homens Pardos do Livramento, onde permaneceu até 1840. Transfere-se para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e, em 1881, vai procurar abrigo na Matriz de São José, onde permanece até 1898 quando, finalmente, passa a ocupar a primitiva capelinha de Nossa Senhora da Conceição dos Coqueiros. Na mesma rua também se encontra localizada a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Boa Vista (1788-1836). Em sua nave, junto ao altar-mor, está sepultado o liberal pernambucano Gervásio Pires Ferreira (17651836), presidente da junta que depôs, em 26 de outubro de 1821, o capitãogeneral Luiz do Rego Barreto, último governador português de Pernambuco. Até 1817, neste templo eram coroados os reis e rainhas do Congo da Paróquia da Boa Vista. Ainda no templo de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Boa Vista, cuja pedra fundamental data de 26 de julho de 1788, encontram-se sepultados os restos mortais do historiador pernambucano Francisco Augusto Pereira da Costa, nascido no Recife em 16 de dezembro de 1851 8 e falecido na mesma cidade em 21 de novembro de 1923. Seu túmulo está assinalado por um brasão, semelhante ao do estado de Pernambuco, esculpido em mármore pelos marmoristas A. Flores & Paz, em que aparece em destaque a frase de Oliveira Lima: O mestre de todos nós. Seguindo-se do perfil do falecido, por ele mesmo escrito: “Sou um simples cronista, como que o rude mineiro que desce às profundezas da Terra, extrai o diamante informe, cheio de impurezas, e o entrega ao perito e paciente lapidário para lhe dar brilho e valor”. Voltando à Praça Maciel Pinheiro, prosseguiremos o nosso arruar pela Rua do Hospício, cuja denominação popular lembra a antiga Estrada do Hospício de São João Batista, erguido em 1735 pelos Frades Esmoleres da Terra Santa, no quarteirão hoje ocupado pelo antigo prédio do Quartel-General da 7ª Região e atual Hospital Militar do Exército (1854). Nela vamos encontrar o Teatro do Parque (1915), e, na primeira transversal, na Rua Martins Júnior, nº 29, a mais antiga Sinagoga do Recife em atividade, instalada em 1929. No prédio de nº 130, é possível visitar o mais antigo museu da cidade, Livro de batizados da Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio, n. 18, fl. 243. O batismo da criança de nome Francisco, filho de Manoel Augusto de Menezes Costa e D. Maria Augusta Pereira da Costa, foi oficiado pelo padre Venâncio Henriques de Rezende em 18 de dezembro de 1852. 8

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mantido pelo Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, instituição cultural fundada em 1862. Nele vamos encontrar peças históricas da maior importância, inclusive o marco de pedra, divisório da Capitania de Pernambuco com a de Itamaracá (séc. XVI). e retratos de personagens da vida pernambucana. Na sala à direita, dentre outros quadros e objetos, estão dois grandes painéis – de autoria de “Galvão” [José da Fonseca Galvão] – que representam as batalhas dos Guararapes, ambos datados de 1801 e procedentes da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes, restaurados em 2002 pelo Laboratório de Restauro da Fundação Joaquim Nabuco. O da segunda batalha sofreu dano ao ser atingido por um raio.9 Canhões e mapas holandeses, primeiro prelo do Diario de Pernambuco (1825), importantes exemplares do mobiliário pernambucano do século XIX (com obras de autoria dos marceneiros Julião Béranger, seu filho Francisco Manuel Béranger, Remígio Kneip e Guilherme Spieler), além de uma rica biblioteca e de um precioso arquivo conhecido nos seletos centros mundiais de pesquisa da história ibero-americana. Ao final da Rua do Hospício, dominando a Praça Adolfo Cirne, encontrase o majestoso edifício da Faculdade de Direito do Recife, com sua preciosa biblioteca de raridades. Dentre as obras de seu acervo existe a primeira edição da Prosopopéa, obra poética escrita em Pernambuco por Bento Teixeira e impressa em Lisboa em 1601, além da notável coleção de obras raras das coleções do Visconde de Santo Albino, adquirida pelo reitor Joaquim Amazonas nos anos cinqüenta do século XX. O prédio foi construído entre 1889 e 1911, obedecendo ao estilo renascentista, segundo o projeto do arquiteto francês Gustavo Varin, Na execução das obras, esteve à frente o engenheiro José Antônio de Almeida Pernambuco, sendo o edifício considerado um dos mais belos do Recife e um dos mais importantes exemplares da arquitetura em ferro do país. A Faculdade de Direito do Recife, hoje vinculada à Universidade Federal de Pernambuco, foi criada, juntamente com a de São Paulo, por lei promulgada em 11 de agosto de 1827, com o nome de Curso Jurídico de Olinda. Em 1854, já com o nome de Faculdade de Direito, a instituição transferiu-se do Palácio dos Governadores de Olinda para o Recife, onde ocupou inicialmente um sobrado da Rua do Hospício localizado no antigo Quartel-General da 7ª Região Militar. Das escadarias em mármore de Carrara do prédio da Faculdade de Direito, vislumbra-se o Parque Treze de Maio, inaugurado em 1939, pelo prefeito Antônio Novais Filho, onde se situa o prédio da antiga Escola Normal (1920), ocupado desde 1962 pela Câmara Municipal do Recife. Num passeio por entre suas alamedas, o visitante terá ocasião de apreciar suas duas fontes luminosas e espécimes de nossa flora, como tamareiras, dendezeiros, palmeiras imperiais, acácias, paus-d’arco, mangueiras, cajueiros, jaqueiras, sapotizeiros, bem como conhecer às esculturas de Abelardo da Hora – Vendedor de Caldo de Cana e Violeiros. É o maior logradouro da cidade, em que pese às mutilações realizadas por sucessivas administrações, como a do conjunto formado pelo Instituto de Educação de Pernambuco, Escola Ana Rosa, Colégio Estadual do Recife (1957) e Biblioteca Pública Estadual, esta última fundada em 1852 e para ali transferida da Rua do Imperador em 1971. A Rua do Hospício tinha continuidade pela Estrada de Santo Amaro das 9

Diario de Pernambuco, 23 de jan. 1872. 12


Salinas (hoje, Avenida Cruz Cabugá), que, a partir de 1821, quando da administração do capitão-general Luiz do Rego Barreto, veio a ser interligada com a cidade de Olinda. Antes, a ligação por terra com Olinda era feita através do istmo ou pela antiga Carreira dos Mazombos, primitivo caminho do século XVII que unia a primeira capital à povoação da Encruzilhada, depois conhecido como Estrada de Belém. Em 1820, a Encruzilhada foi ligada à Boa Vista por meio da Estrada de João de Barros, que tinha início na atual Rua da Soledade. A Estrada de Belém, por sua vez, foi alargada em 1866, recebendo uma bifurcação para as povoações de Sítio Novo e Peixinhos, passando a ser utilizada a partir de 1870 pelos trilhos da maxambomba – denominação popular do nosso primeiro trem urbano –, que fazia a ligação do Recife com Olinda. Deixando do Parque Treze de Maio, iremos, neste nosso arruar, em busca do Cais do Capibaribe. Através das calçadas da Rua do Riachuelo, cruzaremos as ruas da Saudade e da União, tão familiares à infância do poeta Manuel Bandeira (1886-1968), que morou nesta última, em casa de seu avô, e assim retornaremos ao cais da Rua da Aurora. Rua da União... Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância Rua do Sol (Tenho medo que se chame do dr. Fulano de Tal) Atrás de casa ficava a Rua da Saudade... ...onde se ia fumar escondido Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora... ...onde se ia pescar escondido. A Rua da Aurora, toda voltada para o leste, é a primeira a receber os raios da aurora, por isso é decantada pelos mais importantes poetas da terra – Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Eugênio Coimbra Júnior, Mauro Mota, dentre outros. Das vezes que quiseram mudar seu nome, protestos se fizeram ouvir das mais diferentes vozes. Sua origem data do termo de aforamento de terras alagadas, passado pela Câmara do Senado de Olinda, datado de 20 de dezembro de 1806, em favor de Cassimiro Antônio de Medeiros, que nela fez construir as primeiras casas junto à Ponte da Boa Vista em direção ao norte. Na Rua da Aurora, o prédio nº 265, que serviu de sede ao Club Internacional de Regatas (1885) e abrigou a prefeitura do Recife até o início de fevereiro de 1977, merece do caminhante uma visita mais apurada. Nos dias atuais, o prédio abriga o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, que sucedeu a Galeria Metropolitana de Arte do Recife, criada pela Fundação de Cultura Cidade do Recife em 1981. Seu acervo é constituído pelas mais importantes produções de artistas estrangeiros, Herbin e Marcusse, bem como de consagrados artistas pernambucanos, como João Câmara, Vicente do Rego Monteiro, Abelardo da Hora, Francisco Brennand, Lula Cardoso Ayres, Mário Nunes, Zuleno Pessoa, Wellington Virgolino, Samico, dentre outros que estão a convidar para uma visita das mais prazerosas. Nos sobradões da Rua da Aurora moravam conhecidas famílias do Recife, como as do Barão do Beberibe e da Baronesa de Moreno. Nela também se encontrava a Igreja Anglicana, na esquina com a Rua Formosa, inicialmente denominada de Caminho Novo e hoje de Avenida Conde da Boa Vista, e funcionava o Club Internacional de Regatas. Alguns desses prédios resistem ao 13


tempo, como testemunho de um passado de fausto e de glórias. Seguindo o nosso arruar pela margem do Capibaribe, contemplaremos belos prédios em estilo neoclássico, remanescentes do casario da Rua da Aurora, com destaque especial para o de nº 277, onde funciona o Palácio Maçônico – Loja Segredo e Amor da Ordem, fundada em 1860, e o de nº 405, onde se encontra instalada a Secretaria de Segurança Pública e que fora outrora a residência do Conde da Boa Vista, Francisco do Rego Barros (1802-1870), tendo nele funcionado, entre 1909 e 1930, o antigo Senado Estadual.No sobrado ao lado direito, funcionava a Inspetoria de Polícia da Capital. Mais adiante, vislumbra-se a Ponte Princesa Isabel, e, em estilo neoclássico, o edifício-sede da Assembléia Legislativa do Estado, erguido sob o traço do engenheiro José Tibúrcio Pereira Magalhães, entre 1870 e 1876, seguindo-se o também neoclássico Ginásio Pernambucano, construído entre 1855 e 1868, obedecendo ao traçado do engenheiro José Mamede Alves Ferreira. Já no extremo da Rua da Aurora, bem próximo à Ponte do Limoeiro, foi instalado pelo prefeito Roberto Magalhães Melo, em dezembro de 1999, um monumento em mármore que assinala a passagem do século XX, onde, em uma urna colocada em sua base, estão relacionados os principais fatos acontecidos no Recife no período compreendido entre janeiro de 1900 e dezembro de 1999. Ainda na Rua da Aurora, no edifício Duarte Coelho, esquina com a Avenida Conde da Boa Vista, acha-se localizado a mais tradicional sala de projeções da cidade, Cinema São Luiz (sic.), com seus painéis assinados pelo pintor Lula Cardoso Ayres e sua decoração em art-deco. Nas proximidades, a Ponte Duarte Coelho (homenagem ao fundador da primitiva povoação do Arrecife dos Navios), construída em 1942 em substituição à outra de ferro por onde circulavam os trilhos da maxambomba. Do leito desta ponte, como se estivéssemos voltando para a ilha de Santo Antônio, poderemos contemplar a mansidão do Capibaribe, ladeado pelo casario da Rua da Aurora e o cais da Rua do Sol, “abraçado” pelas pontes Velha, da Boa Vista, Princesa Isabel e do Limoeiro, vislumbrando-se, bem mais ao norte, as colinas de Olinda. Caminhando por essas ruas, pontes, praças e jardins, vivemos a experiência de um Recife “sem história e nem literatura”, ou, ainda, “um Recife brasileiro como a casa do meu avô”, como sonhara o poeta Manuel Bandeira: Recife Não a Veneza americana Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais Não o Recife dos Mascates Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois Recife das revoluções libertárias Mas o Recife sem história nem literatura Recife sem mais nada Recife da minha infância.

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