Digesto Ed. 477 Mar/Abr 2014

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se deu licença para a Cartuxa. E de tudo foi advertido muito particularmente o padre provincial, que me escreveu sobre um, que fora bem despedido, mas que temia, que lhe havia tardado muito. E segundo isso não há que duvidar a respeito dos outros, que tiveram causas muito mais claras e urgentes, indignas omnimo vocatione nostra. Não as toco, nem os nomeio a eles, porque disso dará informação o padre provincial, a quem dei muito larga. No Rio de Janeiro fica como Vice-reitor o Pe. Francisco Soares. (4) Em sua companhia está o Pe. João Pereira, (5) que há pouco fez profissão de quatro votos, pouco satisfeito de seu modo de proceder e muito desejoso de mudança para outra parte. Acabei com ele que sobrestivesse, ajudando-o, a ele e a todo o colégio e a toda a terra, até se dar conta ao padre provincial. Os demais também permaneceram quietos, com a esperança da vinda do padre provincial, que temos agora por nova ser o P. Pero Rodrigues, visitador que foi de Angola e se achou [presente] à congregação provincial na Bahia. (6) Na Capitania de São Vicente fica o Pe. Pero Soares, (7) que agora fez lá profissão de quatro votos, com muita consolação sua e lágrimas dos externos, que se acharam [presentes] a ela. Com ele fica o Pe. Domingos Ferreira, por superior de uma daquelas casas. (8) Fazem bem seus ministérios, eles e seus companheiros, assim com os portugueses como os índios brasis: conquanto estes, como a capitania por uma parte foi saqueada dos ingleses, (9) e por outra se levantaram os brasis do sertão e mataram alguns homens, (10) não têm a quietação desejada para sua doutrina, mas sempre se visitam,

confessam e ouvem missa e recebem os demais sacramentos, com não pequeno trabalho dos Nossos, que são poucos para os acudir a eles e aos portugueses e seus escravos. Nesta do Espírito Santo acho agora muita perturbação, entre os portugueses uns com outros sobre pretensões de ofícios e honras, e com os Nossos, porque não lhes concedemos que façam dos índios cristãos à sua vontade, querendo servir-se deles a torto e a direito. Mas como esta é guerra antiga, que no Brasil não se acabará, senão com os mesmos índios, trabalhamos o possível por sua defensão, para que com isto se salvem os predestinados, que se não se tivesse respeito a isso, era quase insofrível a vida dos padres nas aldeias, sed omnia sustinemus propter electos. (11) Eu, embora velho e mal disposto, desenganado estou que não terei descanso nesta peregrinação; resolvido estou de me dar aos superiores, que me revolvam como quiserem para serviço de Deus e dos Nossos. Não meu falte sua graça et omnia potero in eodem, maxime se V. Paternidade tivesse memória de mim, encomendando-me a Deus Nosso Senhor e abençoando mihi in eodem Christo Jesu Domino Nostro. E porque esperamos pela resolução de muitas coisas com a vinda do Pe. Luís da Fonseca, (12) não aponto agora coisa em particular. Desta Capitania do Espírito Santo do Brasil, 7 de setembro, 1594.

(1) Marçal

depois ordenado, em 1592, (Carta de Beliarte, Bras., 15, 409, de 9 de agosto de 1592). De sua saída para a Cartuxa em Portugal trata S. Leite (HCJB, II, 447). (4) Francisco Soares, do Porto (convém distingui-lo de seu contemporâneo e homônimo, nascido em Ponte do Lima, autor de Algumas coisas mais notáveis do Brasil), nascera por 1545. Entrou aos dezesseis anos para a Companhia. Em Portugal ensinou teologia moral em Évora (1583-1584), matéria que ensinou igualmente no Brasil. Embarcando em Lisboa, a 30 de janeiro de 1585, foi logo a seguir aprisionado por piratas franceses (ocasião em que pereceu o Padre Lourenço Cardim) e desembarcado por eles na Galiza. Em 1594 era, como se está vendo, vice-reitor do Colégio do Rio de Janeiro. Mais uma vez reitor desse colégio, após Fernão Cardim (1595-1598), aí veio a falecer, a 2 de fevereiro de 1602. Dele existe uma carta, reproduzida em parte por Pêro Rodrigues, estranhando que o “visitador”, não se conformasse com as normas das visitas comuns do provincial anualmente a cada casa. É que - explica Anchieta -, no Rio estava ele esperando, durante todo o tempo que ali viveu, aquela visita, que não pôde realizar-se... Escrevendo a Vida do Padre José, nela exprime suficientemente Pêro Rodrigues a opinião, que veio finalmente a formar sobre a queixa de Soares. (5) João Pereira, nascera em Elvas, por 1541. Foi dos órfãos

Beliarte sucedeu a Anchieta no provincialado. Aportando a 7 de maio de 1587 a Pernambuco, só no ano seguinte, a 28 de janeiro, chegou à Bahia, onde tomou posse do cargo. Lisboeta, nascido por 1543, entrou na Companhia aos dezenove anos. Ensinou em Lisboa e Coimbra, dando curso de filosofia em Évora (1572-1575). A 24 de agosto de 1585, fez sua profissão solene em Coimbra (Lus., 69, 137). Bom pregador. No Brasil promoveu o progresso dos estudos e pretendeu criar universidade na Bahia. Presidiu à Congregação Geral de maiojunho de 1592. Regressando a Portugal, onde teve oportunidade de dar parecer a favor da liberdade dos índios, veio a falecer em Évora, em julho de 1596. (2) Em 1592 escapara Beliarte de ser capturado por Thomas Cavendish. Capturou-o no ano seguinte um pirata francês (HCJB, II, 447 e 553). A vinda de Anchieta como visitador das casas do sul, em fins de 1592, vincula-se exatamente a tais perigos, a que estava então exposta a navegação. Em viagem de canoa de Santos para o Rio, escapara igualmente Anchieta de cair prisioneiro de outro pirata inglês, refugiando-se na Ilha de São Sebastião. (3) Belchior da Costa, provavelmente o ex-escrivão da câmara eclesiástica da Bahia, ali teria sido recebido na Companhia e anos

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DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2014

De V. Paternidade filho indigno in Cto. P. José de Anchieta, S. J.


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