Relatório Final Juliana Vilar - Proposta de modelo de gestao para a PNDR - Fase II

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Assistência Técnica ao Projecto de Apoio ao Diálogos Sectoriais UE-Brasil EuropeAid/126232/C/SER/BR


Para: Ministério do Planejamento Delegação da CE

MISSÃO Consultoria de Curto-Prazo

Relatório Final Juliana Vilar


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1. Introdução Em meados da década de 1990, a estabilidade monetária e o controle da inflação permitiram ampliar o horizonte temporal das estratégias de atuação do Estado. Desde então, o desafio dos governos tem sido o de atribuir novos parâmetros ao planejamento governamental e, de alguma forma, às políticas regionais. A valorização da democracia e a inserção do país numa economia cada vez mais globalizada constituem‐se em elementos de parametrização indispensáveis. A fim de adequar a atuação do Estado brasileiro ao esse novo cenário, o Governo Lula buscou valorizar a dimensão territorial/espacial do planejamento governamental. Seja para munir o território de maior competitividade, seja para arrefecer as acentuadas desigualdades regionais, o Brasil tem buscado aprimorar seus instrumentos de planejamento governamental. A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), cuja proposta original foi elaborada no final de 2003 pela equipe da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional, constituiu passo significativo desse esforço. O documento original da PNDR apresentou três premissas consideradas fundamentais à retomada firme e consistente da questão regional no país: a) promoção e integração/articulação das instituições de governo para o esforço de redução das desigualdades regionais; b) adoção de estratégias de ação em múltiplas escalas geográficas (em contraposição ao modelo tradicional de olhar para as macrorregiões do país, sobretudo Norte, Nordeste e Centro‐Oeste); c) consolidação da PNDR como política de Estado (e não apenas de governo, o que não garante sustentabilidade ao processo). A proposta apresentada em 2003 era parte integrante de uma estratégia mais ampla que previa também a criação das novas Sudam e Sudene, a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o redesenho dos programas

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regionais sob gestão do Ministério da Integração Nacional. Tratava‐se, portanto, de recuperar a dimensão nacional da questão regional brasileira e de empreender medidas que fossem capazes de enfrentá‐la por meio de mudanças estruturantes. A estratégia apresentada em 2003 e institucionalizada em 20071 ainda está em processo de consolidação. A reflexão sobre a questão regional é de longa maturação e a PNDR, apesar de ser uma peça de fundamental importância no contexto da retomada do planejamento governamental, não foi concebida como instrumento isolado. Por isso, ainda há muito em que avançar. Muito se evoluiu de 2003 até hoje, a questão territorial ganhou corpo nos governos (no âmbito federal e estadual, sobretudo), mas o caminho a ser percorrido é cercado de grandes desafios. Os ensinamentos relacionados à caminhada dos últimos anos e os embates produzidos pela retomada, nem sempre coordenada, da ação regional/territorial produziram ampla gama de subsídios, de novos fatos. É indispensável um olhar atualizado para a PNDR e para o tratamento da PNDR – Fase II, proposta para o período de 2011 ao fim da vigência do próximo PPA em 2015. São vários os desafios a serem superados. Além de requerer novos instrumentos e a aceleração do processo de readequação dos já existentes, a PNDR ‐ Fase II precisa constituir uma interface mais apropriada com os atuais instrumentos de política regional, principalmente com os instrumentos de financiamento. As operações realizadas por meio dos Fundos Constitucionais de Financiamento (FCO/FNE/FNO) e dos Fundos de Desenvolvimento (FDA/FDNE) precisam configurar uma interseção mais estreita com as diretrizes da PNDR e com suas premissas fundamentais, por exemplo. No que se refere ao planejamento governamental como um todo, há uma série de instrumentos e iniciativas em andamento que guardam significativas possibilidades de impactar positivamente a dinâmica socioprodutiva do país, contribuindo para a redução das desigualdades intra e inter‐regionais. As premissas abarcadas pela PNDR Fase II devem ganhar destaque. Coordenação, integração, articulação e convergência são palavras‐chave nesse novo 1

Por meio do Decreto nº 6.047, de 22/02/2007.

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cenário. A sobreposição de ações debilita iniciativas de âmbito nacional, além de contribuir para a pulverização de esforços e recursos. A PNDR deve abranger esse esforço aglutinador, orientando e concentrando as ações de governo a fim de potencializar esforços de âmbito nacional e seus resultados. A persistência das desigualdades regionais no Brasil não se explica apenas pelos desafios mencionados anteriormente, mas por condicionantes políticos que interferem nessa questão e que, habitualmente, contribuem para seu agravamento. 1. 1 PNDR Fase II A proposta de Política Nacional de Desenvolvimento Regional Fase II apresentada para discussão está associada à estratégia de ascensão de Política de Governo à categoria de Política de Estado. Está claro que o desafio de redução das históricas desigualdades regionais brasileiras não é atributo de um governo, mas de uma geração de gestores de políticas públicas, e uma opção coletiva da sociedade brasileira. Não haverá mudanças significativas dos padrões de exclusão territorial, de fragilidade econômica e da pobreza com base regional no Brasil, se não houver uma clara opção da sociedade brasileira, expressa por meio de uma Política Regional robusta, participativa e articulada a um projeto nacional de desenvolvimento. A PNDR surgiu como política especializada e com forte conotação territorial em 2003, no contexto da determinação governamental de retomada da questão regional no Brasil. Os últimos oito anos foram de grandes transformações no território brasileiro, resultado não só da retomada do planejamento regional no país, mas, sobretudo, da contribuição das políticas de cunho social à ampliação da distribuição da renda e à redução das desigualdades regionais. A experiência recente e os ensinamentos alcançados apontam para a necessidade de uma nova fase da Política Regional Brasileira.

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A proposta atual reflete, portanto, a experiência vivida e apreendida pelo Ministério da Integração Nacional nesses últimos anos. A proposta apresentada deve ser objeto de ampla reflexão da sociedade brasileira, anteriormente ao envio para discussão no Parlamento. Só após o estabelecimento de um consenso mínimo dos atores nacionais em torno da matéria é que se deve encaminhar ao Congresso Nacional uma Exposição de Motivos (EM) e proposta de anteprojeto de lei que eleve a PNDR à condição de Política de Estado. Além do anteprojeto mencionado, a proposta produz três grandes eixos indivisíveis ao novo momento da PNDR: I) o Mapa da Elegibilidade da Política, que encerra a estratégia de implementação da PNDR Fase II e que determina metas de aplicação de recursos em territórios selecionados; II) a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que estabelece condições de um novo padrão de financiamento à questão regional brasileira; III) e a proposição de um novo modelo de gestão da Política, absorvendo novos parâmetros e as novas institucionalidades que estão associadas à complexa governabilidade da questão regional brasileira. Esses três eixos articulados à determinação de transformar a PNDR em Política de Estado constituem a síntese da estratégia proposta para a segunda fase da Política.

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2. Planejamento Governamental e Gestão Pública no Brasil 2. 1 Introdução Na atuação dos Estados contemporâneos planejamento governamental e gestão pública representam dimensões fundamentais e indissociáveis. Isto se deve à maneira como, historicamente, cada uma dessas dimensões de atuação do Estado se estruturou e se desenvolveu, ao longo, sobretudo, de meados do século XX e início do século XXI. No caso brasileiro, ao longo do período citado, o Estado que se vai constituindo, principalmente a partir da década de 1930, está firmemente guiado pela missão de transformar as estruturas econômicas e sociais da Nação no sentido do desenvolvimento, sendo a industrialização a maneira historicamente predominante de alcançar tal intento. Em contexto de desenvolvimento tardio, a tarefa do desenvolvimento com industrialização apenas se torna exequivel a países que fazem frente de modo apropriado as limitações financeiras e tecnológicas que então imperam no cenário mundial. Para que isso ocorra, é necessário que os Estados nacionais consigam dar materialidade e sentido político à ideologia do industrialismo, indicando a inexorabilidade da edificação de estruturas ou sistemas de planejamento governamental por meio dos quais a tarefa desenvolvimentista possa realizar‐se. A tarefa acima referida faz com que o aparato de planejamento, ainda que precário e insuficiente, se estruture e avance de modo mais célere do que a própria conformação dos demais aparelhos estratégicos do Estado, dos quais aqueles destinados à gestão pública propriamente dita vêm apenas de modo tardio frente ao planejamento.

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A prioridade do planejamento frente à gestão, ao longo praticamente de quase todo o século XX, derivaria, em síntese, do quadro histórico que força o Estado brasileiro a correr contra o tempo, superando etapas no processo de construção das bases materiais e políticas necessárias à incumbência de mudança das estruturas locais, visando ao desenvolvimento nacional. A construção das instituições imprescindíveis à administração e à gestão pública cotidiana do Estado sofreu, no Brasil, de grande atavismo, a despeito das iniciativas deflagradas tanto por Getúlio Vargas, com o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), como pelos militares, por meio do Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), como ainda pelas inovações trazidas na Constituição Federal de 1988 (CF/88). A primazia se inverte apenas durante a década de 1990, em conjuntura caracterizada, de um lado, pelo esgotamento e desmonte da função e das instituições de planejamento governamental, tais quais haviam sido constituídas ao longo das décadas de 1930 a 1980, e, de outro lado, pela dominância liberal, tanto ideológica como econômica e política. Nesse período, coerente com as orientações emitidas pelo Consenso de Washington, aparece e ganha firmeza uma agenda de reforma do Estado que tem na primazia da gestão pública sobre o planejamento um de seus traços mais evidentes. No quadro de liberalismo econômico dessa época, o planejamento converte‐se em algo desnecessário à ideia de Estado mínimo, e também nocivo à nova compreensão de desenvolvimento que se instaura ─ uma visão apoiada na ideia de que desenvolvimento é algo que sucede a um país quando impelido por seus impulsos sociais e de mercado, ambos regulados privadamente. No entanto, em vez de aperfeiçoar as instituições de planejamento, realiza‐se exatamente o oposto, em um movimento que busca restringir essa ação a algo meramente técnico‐operacional, despojado de significado estratégico ou mesmo discricionário.

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Agendas de gestão pública, direcionadas essencialmente à racionalização de procedimentos referentes ao gerenciamento da burocracia e das funções de orçamentação, implementação, monitoramento, avaliação e controle das ações de governo, embora importantes, passam a prevalecer no debate, na teoria e na prática da reforma do Estado. Por meio deste recurso, a noção do ato de planejar passa a ser entendida, com frequência, apenas como processo por meio do qual são conciliadas as ações a serem realizadas com os limites orçamentários previstos. 2. 2 Estado, planejamento e gestão no desenvolvimento nacional: breves considerações retrospectivas Em farta bibliografia existente sobre o tema, salienta‐se sobremaneira a trajetória e singularidades da experiência do planejamento governamental brasileiro. No entanto, há uma imensa lacuna no que se refere ao processo correlato de estruturação dos aparatos burocráticos destinados à gestão pública. Todavia, planejamento sem gestão adequada é processo particularmente passível a insucessos e descontinuidades de várias ordens. Ou seja, planejamento desvinculado da gestão expõe‐se às circunstâncias da sorte, podendo resultar em atividade incapaz de mobilizar os recursos necessários de forma racional, na direção pretendida pelo plano. Por outro lado, a gestão, ainda que seja ação de gerência cotidiana da máquina pública, só alcança sentido estratégico se relacionada ou referenciada apropriadamente a diretrizes gerais e atividades concretas provindas do planejamento governamental. Dito de outra maneira, gestão pública alijada de planejamento superior que a envolva, por mais que possa estruturar “modos de fazer” que alcancem a racionalização de procedimentos básicos do Estado, dificilmente será capaz – apenas

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com isso – de fomentar transformações profundas em termos da eficácia e da efetividade das políticas públicas em seu conjunto. Em resumo, na ausência de planejamento ─ que implica essencialmente mudança dos aparelhos e das políticas do Estado para transformação das estruturas econômicas e sociais da Nação ─ a gestão pública se converte “apenas” em manual de racionalização de procedimentos burocráticos do Estado. Por fim, na literatura pesquisada sobre o assunto, este desalinhamento entre as dimensões do planejamento e da gestão revela o aspecto aqui sublinhado no caso brasileiro: o revezamento da primazia histórica entre ambas as funções contemporâneas do Estado. 2. 3 Atualizando o Debate Como é sabido, a atividade de planejamento governamental atualmente não deve ser exercida como outrora, de maneira centralizada e com viés fundamentalmente normativo. Em primeiro lugar, há a inequívoca questão de que, em contextos democráticos, o planejamento não pode ser nem concebido nem realizado de modo externo e coercitivo aos distintos interesses, atores e arenas sociopolíticas em embate no cotidiano. Não existe mais, como talvez tenha havido no passado, comandos que se concretizam automaticamente de cima para baixo pelas cadeias hierárquicas do Estado, até chegar aos espaços da sociedade e da economia. Em segundo lugar, com o aumento e a complexidade dos temas em pauta nas sociedades contemporâneas hoje, concomitante ao aparente aprimoramento e tecnificação dos métodos e procedimentos de análise, produz uma tendência à pulverização e redução do espaço de discricionariedade – ou de gestão política – da ação estatal; portanto, de planejamento, de algo que precede, condiciona e orienta a ação estatal.

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Assim, se gestão pública e planejamento governamental são instâncias lógicas de mediação prática entre Estado e desenvolvimento, então, é de extrema relevância requalificar os termos pelos quais, atualmente, devem ser redefinidos o conceito e a prática do planejamento público governamental. Desse ponto de vista, destacam‐se quatro diretrizes candentes no debate atual: I) prover a função planejamento de robusto conteúdo estratégico: trata‐se de fazer da função planejamento governamental o locus amalgamador de propostas, diretrizes, projetos, enfim, de estratégias de ação, que prenunciem, em seus conteúdos, os potenciais implícitos e explícitos, isto é, os caminhos possíveis e/ou desejáveis para a ação ordenada e planejada do Estado, em busca do desenvolvimento nacional. II) conceder à função planejamento vigorosa capacidade de articulação e coordenação institucional: parte considerável das novas incumbências que uma iniciativa de planejamento governamental deve assumir estão relacionadas, de um lado, a uma mobilização grande e complexa de articulação institucional e, de outro lado, ao empenho de coordenação geral das ações de planejamento. O trabalho de articulação institucional é necessariamente complexo pelo envolvimento de distintos atores, com diferentes interesses e recursos diferenciados de poder. Pode‐se afirmar, portanto, que grande parte das possibilidades de êxito do planejamento governamental hoje decorre da habilidade de políticos e gestores públicos de executarem satisfatoriamente este esforço de articulação institucional em diversos níveis. Por seu turno, requer‐se simultaneamente um trabalho igualmente amplo e complexo de coordenação geral das ações de planejamento. III) munir a função planejamento de fortes conteúdos prospectivos e propositivos: cada vez mais, ambas as dimensões mencionadas (a prospecção e

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a proposição) devem modelar a orientação das atividades e iniciativas de planejamento público. IV) atribuir à função planejamento intenso componente participativo: hoje não há praticamente vozes discordantes sobre a importância para a eficácia da atividade de planejamento governamental de certo nível de engajamento público dos atores diretamente envolvidos com a questão. Dito de outro modo, a atividade de planejamento deve pressupor o horizontalismo em sua concepção. O debate dos temas enunciados certamente reclama a participação e o envolvimento dos mais variados segmentos da sociedade brasileira. É fundamental, todavia, não perder de vista o reconhecimento do papel institucional indelegável que o Estado brasileiro desempenha no processo de desenvolvimento do país. Finalmente, visualiza‐se claramente que as dimensões do planejamento e da gestão das políticas públicas para o desenvolvimento retornaram ao centro do debate nacional e dos espaços de decisões governamentais e sinalizam confiança no fato de que o acúmulo institucional que já se tem hoje no seio dos aparelhos de Estado brasileiros constitui ponto de partida fundamental para a construção do futuro.

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3. Coordenação e cooperação no federalismo brasileiro 3. 1 Introdução O federalismo tornou‐se peça‐chave das políticas públicas brasileiras, notadamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). As novas regras constitucionais destacaram a importância de dois aspectos da questão federativa: a descentralização e as relações intergovernamentais. No momento imediato pós‐constituinte, o processo descentralizador ganhou força e, mesmo com vários problemas, avançou muito nos últimos vinte anos. Os pesquisadores também dedicaram maior atenção a este assunto. A articulação entre os níveis de governo, por seu turno, ficou em segundo plano, seja porque padeceu de maiores dificuldades iniciais de implementação, seja porque os estudiosos estavam mais preocupados com o cabo de guerra entre centralização e descentralização, em detrimento dos arranjos de coordenação e cooperação entre os entes. Esta parte do texto focaliza algumas das transformações e dos progressos no plano intergovernamental, no período recente. Contudo, os problemas de articulação federativa permanecem e configuram um amplo rol de obstáculos. Entretanto, o foco aqui são as mudanças que vêm acontecendo no campo intergovernamental, principalmente porque esse processo tem modificado aspectos estratégicos das políticas públicas, com grande impacto sobre a qualidade das ações governamentais. Os problemas de coordenação federativa surgidos nos anos 1990 tiveram como resposta mais vigorosa duas soluções de caráter mais cooperativo: os sistemas de políticas públicas e a construção de formas de associativismo territorial. 3. 2 Federação e Relações Intergovernamentais: O Caso Brasileiro O

federalismo

brasileiro

pós‐constituição/88

apresenta

vocações

fragmentadoras e compartimentalizadoras, de um lado, ao mesmo tempo em que

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contém uma visão constitucional voltada à coordenação federativa, algo em processo de aperfeiçoamento desde a metade da década de 1990 aos dias atuais. Todavia, o convívio entre essas duas inclinações não tem sido simples. Pelo contrário, houve vários embates entre elas, e as duas últimas décadas foram marcadas por experiências de compatibilização da descentralização autônoma com formas de interdependência e coordenação federativa. Parte da Federação brasileira tem percorrido nos últimos anos o caminho da compartimentação de funcionamento. Esse modelo é marcado pela supremacia de uma lógica intergovernamental que destaca mais a partição e delimitação entre os níveis de governo do que seu entrelaçamento. No entanto, a despeito da persistência de inequívocos dilemas para a cooperação, é relevante realçar o surgimento nos últimos quatro anos de algumas experiências de coordenação estadual junto aos municípios. Simultaneamente, houve aumento significativo nos incentivos ao entrelaçamento intergovernamental, seja pela via do associativismo territorial, seja no desenho das políticas públicas. De modo paulatino, isto começa a afetar a forma de governança dos estados. A eliminação ou redução do dilema federativo requer da União, antes de mais nada, o emprego de um modelo de forte negociação e barganha. Outra exigência é o estabelecimento de regras bastante claras nas políticas públicas, de modo que elas dêem universalidade às ações junto a estados e cidades. Ademais, a criação de arenas ou instituições federativas mais estáveis pode favorecer formas sólidas e confiáveis de parceria e consorciamento. Embora em ritmos diferenciados, é inequívoco o fato de que o aprendizado institucional da Federação brasileira tem levado os níveis de governo a entender os limites do modelo descentralizador meramente municipalista e da prática intergovernamental compartimentada, com cada nível de governo agindo apenas nas suas “tarefas”, sem entrelaçamento em problemas comuns. Isto tem levado a alterações no plano das políticas públicas, em especial com adoção do conceito de

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sistema, e no aumento de estruturas formais e informais de cooperação intergovernamental. É preciso salientar, entretanto, que cooperação intergovernamental, vertical ou horizontal, não pode ser realizada em detrimento da autonomia e da capacidade de barganha dos entes. O desafio de inaugurar um federalismo mais cooperativo no Brasil está em encorajar os estímulos à parceria e ao entrelaçamento, sustentando um jogo intergovernamental que favoreça a participação e capacidade de negociação dos estados e municípios. 3.3 Estratégias de cooperação e coordenação intergovernamental No que se refere ao federalismo, a Constituição Federal de 1988 já previa elementos favoráveis a uma visão mais cooperativa, além de instrumentos de intervenção nacional por parte do governo federal. A dificuldade é que a implementação destas normas, de maneira geral, foi mal sucedida na primeira metade da década de 1990, e em algumas áreas este quadro se mantém. Por isso, ainda persistem alguns comportamentos de competição predatória, como a guerra fiscal entre os estados, que diminuiu sua força, mas que continua sendo uma opção estratégica adotada por vários governos. No entanto, também houve o fortalecimento da coordenação e cooperação intergovernamental, notadamente a partir de duas formas de colaboração federativa. A primeira é definida como sistema federativo de políticas públicas e foi precedida pelo modelo adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cujas bases estavam no texto constitucional e foram reforçadas pela Lei Federal no 8.080/1990, por meio dos princípios de hierarquia e regionalização dos serviços. O SUS está ancorado na ideia de sistema federativo de políticas públicas. É um modelo que tem como pressuposto uma articulação federativa nacional, com a União desempenhando relevante papel coordenador, financiador e indutor, mas que

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assegura importante autonomia aos governos subnacionais, tanto na implementação como na produção do consenso sobre a política. A arquitetura de consenso e ações colaborativas do sistema requer, por um lado, decisão política e competência institucional por parte do governo federal, e, por outro lado, a existência de fóruns intergovernamentais de discussão e deliberação, tanto horizontais, quanto verticais. Nesse segundo viés, destacam‐se os fóruns bipartite e tripartite no SUS e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). No contexto da articulação federativa por meio do desenho das políticas públicas, outra ferramenta cooperativa que se ampliou foi a do associativismo territorial. Nessa área, merecem destaque diversas formas, entre as quais os consórcios de direito privado e de direito público; os arranjos territoriais e intersetoriais comandados pela União, como os territórios da cidadania; os comitês de bacia hidrográfica; as Regiões Metropolitanas (RMs) e as Regiões Integradas de Desenvolvimento (Rides); os arranjos produtivos locais; e as formas de associativismo governamental. É importante salientar que os sistemas federativos de políticas públicas e as formas de associativismo territorial têm buscado solucionar o dilema fundamental das relações intergovernamentais brasileiras: como descentralizar em uma situação na qual o município constitui uma peça‐chave, contemplando a indispensabilidade de lidar com as desigualdades regionais e intermunicipais, por meio da participação indutiva e colaborativa da União e dos estados. Essa é, sem dúvida, a questão mais central do desenho federativo do Estado brasileiro. 3. 4 Sistema de Políticas Públicas e Coordenação Federativa O federalismo compartimentado encontra sua melhor solução no desenho de sistemas federativos de políticas públicas. Suas origens estão em três fontes: o fato de existirem normas constitucionais favoráveis à interdependência federativa; a resposta do governo federal, em diversas políticas públicas, contrária aos resultados negativos

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do processo descentralizador fragmentador que foi preponderante durante a primeira metade dos anos 1990; e o exemplo do SUS, no qual se vislumbrou as virtudes da edificação de um modelo de descentralização baseado em uma política nacional. A perspectiva coordenadora em curso nos sistemas federativos de políticas públicas não sugere o empoderamento da União e a volta ao modelo centralizador anterior. Pelo contrário, indica o caminho de constante negociação com estados e municípios autônomos, tanto na elaboração quanto na implementação dos programas governamentais. Está em processo de expansão, com maior ou menor sucesso em diversos setores, a instauração de mecanismos de coordenação intergovernamental, por intermédio de normas com validade nacional; e o incentivo à assunção de tarefas, por meio da redistribuição de recursos entre as esferas de governo e de instrumentos de auxílio financeiro condicionado às municipalidades. Desde meados dos anos 1990, têm sido implantadas estratégias de coordenação em setores como educação, saúde pública, assistência social etc. O paradigma primaz é o conceito de sistema, que supõe uma articulação federativa nacional, com notável papel coordenador, indutor e financiador nas mãos da União, mas com grande autonomia dos governos subnacionais. Além disso, esse modelo abrange a criação de arenas intergovernamentais de discussão e deliberação, na forma de conselhos horizontais e verticais. A experiência do SUS fortaleceu o conceito de sistema de políticas públicas. Apoiado em uma proposta de universalização, seu desenho federativo fundamenta‐se na criação de um modelo organizador da descentralização aos municípios, com um significativo papel da União na assunção de regras regulamentadoras e de controle. Há, nesse caso, a combinação do princípio descentralizador, com prioridade à municipalização, com um sentido de política nacional, presente nas ideias centrais de hierarquização e regionalização da prestação dos serviços.

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O modelo federativo do SUS apresenta também como traço básico a presença de arenas governamentais de participação, as quais devem atuar para fortalecer a construção de consensos sobre a política e o controle sobre o poder público. Finalmente, as iniciativas bem‐sucedidas de coordenação federativa apontam na direção de pelo menos dois caminhos a serem seguidos: o associativismo territorial e a lógica de sistema de políticas públicas. Essas duas formas de coordenação devem adaptar‐se às peculiaridades regionais e às setoriais, mas pode‐se afirmar que a potencialidade desses instrumentos é muito grande.

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4. O MODELO DE GOVERNANÇA 4.1 O desafio da cooperação federativa: o papel das novas institucionalidades Não se devem desconhecer os arranjos institucionais ensaiados em anos recentes, resultantes do aperfeiçoamento das relações entre Estado e sociedade civil. As inovações são muitas, seja pelo surgimento de novas formas organizacionais, seja pelo aprimoramento das existentes. Essa dinâmica requer um novo padrão de intervenção do Estado Nacional em políticas públicas estratégicas, caso daquelas relacionadas ao desenvolvimento regional. A redefinição acima assinalada remete também ao debate, sempre pertinente, da arquitetura federativa e institucional, perpassado pelas complexas demandas da sociedade, pela necessidade de maior transparência e controle na atuação do Estado, bem como pela nova forma de atuação dos grandes agentes econômicos e dos Estados nacionais via organismos supranacionais. Ao se estabelecer, por meio da construção de uma Política Regional, um novo modelo para o desenvolvimento (regional) do país, com novas premissas e requisitos de empoderamento, controle social, participação de atores no território, mister se faz considerar, simultaneamente, o protagonismo das novas institucionalidades que atuam regionalmente, bem como da inclusão territorial ao esforço nacional de desenvolvimento. É fato que um dos grandes problemas da gestão pública do Brasil é a fragilidade institucional da base municipal. Nesse sentido, a criação de arranjos de apoio às municipalidades é uma necessidade urgente para reforçar a cooperação e coordenação federativa. Com a finalidade de apresentar propostas que facilitem a gestão municipal e colaborar com seu processo de transição, oferecendo aos novos prefeitos um conjunto de informações técnicas, administrativas e financeiras sobre o município, foi instituído um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) pelo Presidente da República em 2008.

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Entre as iniciativas do GTI consta a criação do Portal Federativo, sítio eletrônico desenvolvido para agregar informações sobre temas que envolvem os entes federados. Essa iniciativa resultou do diálogo direto e democrático do Governo Federal com os municípios por meio do Comitê de Articulação Federativa (CAF). O Comitê é um fórum que congrega representantes dos ministérios federais, bem como das três entidades municipalistas de caráter nacional ─ a Associação Brasileira de Municípios (ABM), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). O CAF constitui‐se na principal instância de negociação entre União e municípios, contemplando vários pontos da pauta de reivindicação do movimento municipalista No esforço do Governo Federal para melhorar o diálogo com os municípios, surgiu o Sistema de Assessoramento Federativo (SASF). O SASF determina a designação de um assessor federativo em cada órgão da administração federal, responsável pelo atendimento das demandas relacionadas a estados e municípios. Essas assessorias constituem um sistema coordenado pela Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência da República (SAF). Um importante instrumento que surgiu recentemente, com o intuito de servir à cooperação entre os entes federativos, especialmente os municípios, é o mecanismo denominado de consórcio público2, o qual pode se prestar a objetivos diversificados ou específicos. Ao se consorciarem, os entes federativos são capazes de compartilhar estruturas gerenciais, administrativas e de apoio técnico de maior qualificação; criar escala e reduzir custos na aquisição de bens e na prestação de serviços; e aperfeiçoar a manutenção dos equipamentos, do patrimônio e da administração pública. Além disso, os consórcios podem ser muito eficazes na construção de alianças estratégicas representativas dos interesses comuns, como em bacias hidrográficas ou

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Definido na Lei Complementar nº 11.107, de 06 de abril de 2005, como: “[...] associação pública formada por dois ou mais entes da Federação, para realização de objetivos de interesse comum”.

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polos regionais de desenvolvimento, ampliando assim a capacidade de articulação dos municípios com as demais esferas de governo. São vários os exemplos de serviços consorciados no país: saúde, saneamento, transporte urbano, deposição final de resíduos sólidos, licitações compartilhadas, licenciamento ambiental, contratação de mão de obra, entre outros. Os consórcios públicos estão previstos no artigo 241 da Constituição Federal para gestão associada de serviços, bem como para a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens. Com a edição da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, regulamentada pelo Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, garantiram‐se regras claras e segurança jurídica para os consórcios e a tendência é de que eles sejam impulsionados e ampliem cada vez mais suas áreas de atuação. O que se deseja com esse arranjo é a instituição de um mecanismo de coordenação federativa adequado às diversas escalas de atuação territorial, bem como o fortalecimento do papel do ente público como agente planejador, regulador e fiscalizador de serviços públicos. Também se vislumbra a possibilidade de incrementar políticas públicas executadas em parceria por diferentes entes governamentais, a exemplo daquelas relacionadas ao desenvolvimento regional. Os governos devem investir tempo e recursos, assim como assumir compromissos no processo de construção dos aparatos institucionais, avaliando sua adequação para envolver os cidadãos e desenvolver as obrigações que lhes são atribuídas. Nesse sentido, incorporar a dimensão horizontal e participativa na formulação de políticas públicas é condição primordial, a partir da participação das instâncias federativas e dos atores sociais envolvidos e interessados diretamente nessas políticas. Entre as instâncias de diálogo que envolve os três níveis de governo e a sociedade civil, destacam‐se os Conselhos Administrativos das Rides, os Fóruns das Mesorregiões, os Conselhos dos Territórios da Cidadania e os Comitês de Bacias Hidrográficas. Ressalte‐se, ainda, a existência dessas instâncias de governança

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cooperativa e participativa em um conjunto muito mais amplo de políticas públicas setoriais. No entanto, é nas políticas de desenvolvimento regional que esses arranjos se potencializam, visto que colocam para dialogar um amplo conjunto de atores e, consequentemente, de demandas, aperfeiçoando o processo de concertação e negociação. Esse arranjo encontra amparo no artigo 43 da Constituição Federal, ao dispor que: “para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Logo, o dispositivo é o fundamento para a formalização, por exemplo, das Rides, vinculadas ao Ministério da Integração Nacional. Para coordenar as ações dos entes federados que compõem as Rides, foram criados os Conselhos Administrativos. Entre suas competências estão a de aprovação e supervisão de planos, programas e projetos para o desenvolvimento integrado e programação no sentido de unificar os serviços públicos que sejam comuns à Ride. Assim, essas regiões são parte importante nos processos de desenvolvimento regional, considerando que reúnem em um mesmo ambiente as instâncias federativas e a sociedade civil em torno de temas que são urbanos, metropolitanos e regionais. Outra instância participativa sob coordenação do Ministério da Integração Nacional são os Fóruns das Mesorregiões Diferenciadas, formados por representantes do Governo Federal, Estadual, Municipal e pela sociedade civil, representada por associações e instituições que atuam na região e conhecem de perto seus problemas e necessidades. Os Fóruns são espaços criados para que a mesorregião defina seus projetos prioritários visando a atender à política governamental de criação de espaços de debate para a implementação de políticas públicas de desenvolvimento regional. A idéia é promover a articulação para definição de diretrizes e estratégias com vistas à elevação das condições sociais básicas e da redução das disparidades socioeconômicas inter e intra‐regionais.

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A registrar, por fim, a iniciativa que se pauta pelo recorte das bacias hidrográficas ─ os Comitês de Bacias ─ compostos por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, dos usuários das águas e das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. Todas as questões ligadas aos usos dos recursos hídricos devem ser debatidas e decididas nesse fórum democrático. Temas como a recuperação dos recursos hídricos, a proteção dos mananciais, a redução das inundações e a garantia do pleno abastecimento de água à população estão entre os assuntos tratados nas reuniões dos Comitês. Apesar de uma aparente centralidade nos temas diretamente ligados aos recursos hídricos, os Comitês constituem‐se em instâncias participativas que muito têm contribuído para o desenvolvimento regional mediante instrumentos como os Planos de Gestão e Manejo das Bacias. Esses planos incorporam um conjunto de ações referentes ao uso racional da água, incluindo questões relacionadas às atividades econômicas desenvolvidas naqueles recortes territoriais. Os Colegiados Territoriais, vinculados ao Programa Territórios da Cidadania, representam mais um ambiente institucional participativo com atuação voltada ao desenvolvimento regional. Trata‐se de um foro de governança que dialoga com os atores do território, observando as orientações do Programa e dos compromissos pactuados entre Governo e sociedade civil. A forma de condução das ações do Programa Territórios da Cidadania possui um caráter elucidativo do esforço que vem sendo feito no sentido de promover ações horizontalizadas, com foco no desenvolvimento territorial. No cenário brasileiro evidencia‐se, em tempos recentes, um conjunto de arranjos horizontais de associativismo intermunicipal, cuja escala cresceu no decorrer dos anos 1980. Apesar da fragilidade macro institucional que ainda caracteriza o panorama nacional, verifica‐se, ao mesmo tempo, uma série de iniciativas no âmbito do processo de repactuação da Federação brasileira e da crescente incorporação da sociedade nos processos decisórios das políticas públicas.

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Nesse sentido, novas instituições para a participação do cidadão têm criado oportunidades de inclusão no processo político de segmentos da sociedade excluídos de outras arenas públicas de tomada de decisão, em particular para os segmentos pobres da população. Finalmente, os arranjos institucionais que se propõem a tratar do desenvolvimento regional, direta ou indiretamente, podem se constituir em importantes instrumentos com vistas ao aperfeiçoamento de problemas relacionados às disputas sobre: jurisdição constitucional, compartilhamento de receita, o poder federal de gastos, as políticas de desenvolvimento regional, o controle dos recursos naturais, ou ainda pela articulação intergovernamental, evitando ações unilaterais.

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5. Proposta de Novo Modelo de Gestão da Política Regional no Brasil A complexidade da arquitetura federativa e institucional do país; as atribuições das distintas instâncias de governo no desenvolvimento regional; as premissas e requisitos de empoderamento, controle social e participação de atores no território; e a diversidade de agentes e interesses que nele interagem são alguns dos desafios de peso à implantação de um modelo eficaz de gestão da política regional no Brasil. A proposta de constituição de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Regional e Integração Territorial busca responder àqueles múltiplos quesitos, ao propor mecanismos institucionais que permitam ampla participação dos atores envolvidos nas etapas de planejamento, implementação, monitoramento e avaliação da PNDR. O Sistema é proposto como a superestrutura institucional para a viabilização da PNDR enquanto política de Estado, possibilitando a integração horizontal e vertical da ação pública, articulando instituições cujas políticas tenham impacto direto e indireto no desenvolvimento regional, bem como promovendo o diálogo entre as instâncias federal, estadual e municipal para a ação compartilhada e coordenada no território. Como superestrutura institucional, o Sistema transcenderá a própria PNDR, que lhe será um dos instrumentos na consecução do objetivo nacional de diminuição das desigualdades socioeconômicas regionais, por meio da potencialização da atividade econômica, em múltiplas escalas geográficas. O Sistema será estruturado a partir de quatro instâncias de deliberação e gestão, sendo: i.

duas de âmbito federal – o Conselho Nacional de Integração de Políticas

Públicas no Território (ou Conselho Nacional de Desenvolvimento Regional), em nível estratégico, e a Câmara Interministerial de Gestão Integrada de Políticas Regionais, em nível tático; ii. uma terceira, de âmbito estadual ‐ os Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no Território, cuja criação estaria afeta à decisão das Unidades da Federação;

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iii. uma quarta, de âmbito supramunicipal (ou sub‐regional), representada por associações de municípios, consórcios públicos, fóruns mesorregionais, comitês de bacias e demais organizações que atuem territorialmente, com distintos focos e interesses, mas que extrapolem o âmbito municipal. O princípio basilar do Sistema é o federalismo cooperativo, reconhecido e reafirmado pela proposta de criação do Conselho e da Câmara, no âmbito federal, e pelos Comitês Estaduais, instâncias privilegiadas de condução da política regional no espaço sob sua jurisdição, e interlocutores centrais nas negociações que envolverem impactos da ação do Governo federal em seu território. O Conselho Nacional de Integração de Políticas Públicas no Território será a instância máxima do Sistema. Com poderes deliberativos, será o responsável pela convergência da ação pública no território e pelo acompanhamento, monitoramento e avaliação da eficiência, eficácia e efetividade da ação pública voltada à diminuição das disparidades socioeconômicas, inter e intra‐regionais do país. Presidido pelo Presidente da República, o Conselho integrará a estrutura organizacional da Casa Civil da Presidência da República. Dele participarão Ministérios e Secretarias de Estado do Governo Federal, representantes dos estados da Federação, de municípios, de entidades de classe e do Terceiro Setor, cabendo sua secretaria ao Ministério da Integração Nacional. Caberá ao Conselho definir as estratégias nacionais de desenvolvimento regional; propor e rever critérios para aplicação de recursos em programas e ações com impacto para o desenvolvimento regional; aprovar o plano de ação plurianual para implementação da PNDR e avaliar periodicamente a condução dos programas e ações executados pela Política. A Câmara Interministerial de Gestão Integrada de Políticas Regionais será o ente de assessoramento técnico e administrativo ao Conselho Nacional de Integração de Políticas Públicas no Território. Terá atribuições normativas e deliberativas, em sua esfera de responsabilidade, atuando nos níveis de supervisão e coordenação

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operacional do sistema. Conduzirá todo o trabalho de coordenação e convergência das programações dos ministérios e agências com atuação regional, inclusive do MI, de forma articulada com as Unidades da Federação. Promoverá a coordenação e a articulação da atuação governamental federal no território, evitando‐se assim a superposição de ações e a pulverização de recursos. A Câmara será composta por ministérios envolvidos com projetos de desenvolvimento regional/territorial, Secretarias da Presidência, representações do Fórum Nacional de Secretários de Planejamento Estaduais, do Fórum Nacional de Secretários de Planejamento Municipais e do Terceiro Setor. Será coordenada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que sediará sua Secretaria Executiva, cabendo‐lhe ainda o papel de assessoria administrativa e técnica. A Câmara desenvolverá suas atividades com base em plano de trabalho aprovado pelas instituições integrantes e pelo Conselho, cabendo‐lhes prover o apoio técnico e aporte de recursos necessários à sua execução. A Câmara estimulará os estados ─ interlocutores‐chave no processo de implementação da PNDR ─ a retomarem o planejamento regional como peça fundamental de seu desenvolvimento e como mecanismo de reconciliação da atuação pública federal em espaços territoriais sob jurisdição das Unidades da Federação. Os Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no Território participarão, via representantes, das reuniões ordinárias e extraordinárias da Câmara Interministerial de Gestão Integrada de Políticas Regionais; articularão e compatibilizarão, em sua esfera de ação, programas e políticas federais com rebatimento no território, na perspectiva do desenvolvimento regional; apoiarão a instalação de fóruns e outras instâncias supramunicipais em suas respectivas regiões de planejamento, atuando como canais de vocalização e representação das demandas de atores sociais regionais; promoverão a capacitação em planejamento e programação para o desenvolvimento regional das instituições de governo estaduais e municipais; e contribuirão na elaboração da abordagem territorial do plano de desenvolvimento estadual, monitorando, acompanhando e avaliando sua implementação.

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Os Comitês Estaduais seriam o locus de presença obrigatória das instâncias supramunicipais ou sub‐regionais com atuação territorial, assegurando‐lhes a representação de interesses, seja ao longo da implementação dos planos estaduais de desenvolvimento, seja nas negociações de planos e programas federais com rebatimento em seus territórios. Nesse sentido, as Instâncias Representativas de Interesses Sub‐regionais, em cada estado da Federação, serão constituídas de entes formalmente reconhecidos, publicamente, sob a forma de associações de municípios, consórcios públicos, fóruns mesorregionais, comitês de bacias, colegiados e demais organizações de atuação territorial, nas quais as municipalidades estejam obrigatoriamente representadas e participem como importante agente de validação institucional e de apoio político e técnico ao território de abrangência considerado. Caberá às Instâncias Representativas de Interesses Sub‐regionais, em suas áreas de atuação: participar dos núcleos regionais dos Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no Território; elaborar e propor projetos de interesse dos Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no Território constantes de programas previstos nos planos estaduais de desenvolvimento; participar da definição de prioridades de aplicação de recursos; prover contrapartidas econômicas e/ou financeiras a projetos; e colaborar regularmente na avaliação dos planos e programas executados. A Figura abaixo ilustra os principais componentes do Sistema

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Da mesma forma, os atores territoriais não podem ter dúvidas sobre canais de interlocução e sobre propósitos e intenções das diversas instâncias governamentais afetas à questão regional no país. As diferentes escalas geográficas de atuação oficial e os múltiplos agentes da ação governamental, nem sempre articulados como seria recomendado, não podem gerar incertezas aos interlocutores no território. Ao contrário, urge uma maior articulação e integração institucional para que a cooperação federativa possa funcionar como elemento catalisador da grandiosa tarefa de reduzir as inaceitáveis desigualdades regionais brasileiras.

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6. Considerações Finais Ao alinhavar os conteúdos expostos anteriormente merecem destaque alguns aspectos abordados: I) A constatação de que a PNDR representa o revigoramento da temática territorial do desenvolvimento na agenda brasileira de políticas públicas. Entretanto, sua implementação segue comprometida em função da inadequação dos seus instrumentos de execução, seja do ponto de vista orçamentário, institucional ou organizacional. II) A criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) poderá constituir importante instrumento para a materialização dos objetivos da PNDR e a proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional (PEC 31‐A, de 2007) prevê a criação do Fundo. Mais que isso, a proposta de reforma tributária e de criação do FNDR representa um singular momento para a redefinição do pacto federativo brasileiro e para a discussão do projeto nacional de desenvolvimento III) Dada a ausência de uma efetiva política nacional de desenvolvimento, como eixo aglutinador e articulador de ações, vigoram a guerra fiscal entre os estados e municípios, as iniciativas localistas e os particularismos na obtenção de recursos federais

e

na

atração

de

investimentos

privados,

além

da

fragmentação/descoordenação das políticas públicas de desenvolvimento territorial. IV) A União Europeia possui um projeto supranacional de desenvolvimento que se traduz nas Orientações Estratégicas Comunitárias. É um projeto supranacional que convida à formulação de projetos nacionais e regionais de desenvolvimento, que convergem em uma lógica comum de intervenções, coordenadas desde o nível comunitário, em parceria com os Estados‐Membros e regiões. Assim, uma lição da política regional europeia para o Brasil é a de que a existência de uma política (supra) nacional possibilita a articulação de políticas regionais em diversos níveis, de fundamental importância para os objetivos de coesão econômica, social e territorial.

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V) A governança multinível adotada na EU, na qual Bruxelas representa o nível supranacional, os Estados Membros constituem o nível nacional e as Regiões configuram o nível regional. Esse modelo, resultado de um trabalho de 20 anos, pode ser inspirador na reflexão sobre a arquitetura do pacto federativo brasileiro. VI) A fragilidade do instrumento que institucionalizou a PNDR, seja pelo seu aspecto legal (decreto e não lei), seja pelo texto final aprovado, o qual exclui aspectos importantes da versão original da Política. A reversão deste expediente é tarefa inadiável para o favorecimento do processo de desenvolvimento regional brasileiro. VII) As principais propostas para a PNDR – Fase II (2011‐2015): 1) Estabelecer nova estratégia de ação para a Política Regional: tratar os desiguais de forma desigual (mas tratar de todos); 2) Definir territórios elegíveis e prioridades assumidas (mapa da elegibilidade da PNDR); 3) Operar modelo descentralizado de financiamento da Política Regional, com novos instrumentos e mecanismos (a exemplo do FNDR); 4) Elaborar e definir um novo Modelo de Governança; e 5) Elevar a política de governo à política de estado. VIII) O reconhecimento de que a política regional reclama um modelo de gestão de perspectiva nacional, em que haja a articulação de questões setoriais, temáticas e de interesses regionais, ao mesmo tempo em que se dê a articulação entre as três esferas de governo, empresas e sociedade civil. A Política regional deve buscar a independência e autonomia das regiões (equidade federativa) e a convergência de ações intra e intergovernamentais. IX) O estabelecimento das dimensões de um Modelo de Gestão para a Política Regional, quais sejam: definição de responsabilidades na operacionalização; normatização da operação dos instrumentos da política; mecanismos de articulação das ações governamentais relativas a um mesmo território; mecanismos de articulação com a sociedade civil; mecanismos de fiscalização e avaliação que assegurem a observância dos critérios, princípios e objetivos da política na operação dos instrumentos.

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X) A adequada participação da sociedade civil na gestão da política regional, indispensável para sua proteção contra o risco de desvirtuamento, pressupõe a existência disseminada de instâncias de articulação de atores na escala microrregional, com papéis deliberativos e de fiscalização definidos no modelo de gestão. XI) A implantação e o apoio operacional a essas instâncias devem ser considerados como tarefas de grande importância estratégica na atuação do Ministério da Integração no sentido de construir um modelo de gestão adequado para a política regional. XII) Finalmente, a consideração inequívoca de que o fortalecimento da posição da reforma da política regional (PNDR) na agenda governamental depende do fortalecimento da capacidade de articulação política de sua base de apoio, constituída por atores das microrregiões mais “carentes”, ou seja, aquelas que mais se beneficiariam com o avanço dessa reforma.

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