Dialogo Urbano nº 00

Page 1


EDITORIAL

É conversando que a gente se entende Diálogo todo mundo sabe o que é.

Arte Popular, que reuniu duas cooperati-

É conversa, né. E todo mundo sabe tam-

vas: a Fábrica do Rabisco, que cria os mo-

bém que quanto mais a gente conversar,

delos, e a Corte e Arte, que faz as roupas. A

mais dialogar, mais caminhamos para a

repórter Gizele Martins, moradora do Com-

paz, para o entendimento, para a con-

plexo da Maré, foi até o Cantagalo para ver

solidação da democracia. Sim, porque

de perto como funciona o negócio.

a democracia tem que ser consolidada todos os dias. E dá trabalho.

Rio Cultura de Paz é o nome do projeto que envolve três ações do Pronasci (Progra-

E diálogo urbano, o que vem a ser?

ma Nacional de Segurança Pública com Ci-

Bem, no nosso modo de ver – e por isso

dadania) no Rio de Janeiro. Nesta edição a

estamos lançando esta revista – é fazer

repórter Renata Souza, que também mora

com que as pessoas das várias “cidades”

na Maré, mostra como atuam as Mulheres

que existem dentro da cidade conversem,

da Paz, um dos braços do projeto. No Rio,

se entendam, saibam o que está aconte-

o Pronasci é executado pelo Governo do

cendo de bom e de interessante, princi-

Estado, por intermédio da Secretaria de As-

Jornalista responsável e editor

palmente nas comunidades populares do

sistência Social e Direitos Humanos.

Chico Junior

Rio de Janeiro e Região Metropolitana.

E mostramos também com funciona o

EXPEDIENTE

Produção

Sim, porque o nosso foco principal

Trabalho Social do PAC, ação desenvolvi-

Isa Regina Vieira

são as comunidades populares do Rio. A

da em três comunidades – Complexo do

Daniel Reznik

nossa grande missão é mostrar e espalhar

Alemão, Manguinhos e Rocinha – para

Thaisa Araújo

a criatividade e a capacidade de supera-

que o Programa de Aceleração do Cresci-

ção das favelas e outras comunidades po-

mento possa acontecer, com informações

pulares. E o nosso desejo é que as idéias

e desenvolvimento socioeconômico.

e projetos, que a partir de agora vamos

Arte e cultura estão presentes nos

apresentar e discutir sirvam de direção

complexos do Alemão e da Penha. No

para a construção do futuro das cidades.

Morro do Alemão, o Raízes em Movi-

Arte, cultura, economia, comporta-

mento procura mostrar, dentre outras

mento, empreendedorismo, saúde, tudo

coisas, que o grafite pode embelezar a

isso e mais alguma coisa fazem parte da

comunidade, ser manifestação artísti-

nossa pauta.

ca e até gerar renda. No Complexo da

Um belo exemplo de empreendedo-

Penha Otávio Jr. criou o projeto Leia

rismo é a Rede Asta, que vende peças de

Favela – Ler é Dez, que estimula em

artesanato produzidas nas comunidades

crianças, jovens e adultos o gosto pela

populares, no sistema de venda direta

leitura. O projeto já chegou também no

por catálogo. As repórteres Flávia Do-

Complexo do Alemão, mas Otávio quer

mingues e Camila Alves mostram como

mais: “quero levar a leitura para todas

funcionam a rede, criação do Insituto Re-

as favelas do Rio de Janeiro”. Até agora,

alice, cujo foco é a economia solidária.

já atendeu a mais de cinco mil pessoas.

Querem outro? A grife Favela Super

Conte com a gente.

Chique, do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, Zona Sul do Rio. Uma idéia da ONG Rio

Chico Junior

Projeto gráfico e diagramação Agência21 Equipe de Arte Chris Saraiva Diana Acselrad Leo Calvão Roberto Tostes Colaboradores Camila Elias Flávia Domingues Gizele Martins Joanna Alimonda Renata Sousa Paulo Magalhães Diálogo Urbano é uma produção realizada em parceria pela CJD Edições e Agência21. Redação e endereço para correspondência Av. Ataulfo de Paiva 1175/603 – Leblon 22440-034 – Rio de Janeiro – RJ Tel: 2512-2826 | 3904-1386 E-mail: dialogo@dialogourbano.com.br


o i r á m su 04 06 10 12 16 20 22 24 27 28

e Ro Acontec aré, teatro na

cinha,

aM Curso n no Vidigal ão percuss

da Pazerreiras s e r e h l u Mu , mas g paz São da comunidades s em sua

ento enda m i v o M r es em dor de

Raíz

ra

r ge pode se e t i f a r G ão no Alem

Favelaleitura a i e L – 0 la Ler é 1 osto pe leva o g Projeto o e Penha ã ao Alem

AC P o d l a i ho Soc

Trabal ção urbana com Interven ação social m transfor

ique o h C a l e Fav moda n

zinho nça Grife la o-Pavão-Pavão al Cantag

ela Foto Fagvens, o cotidiano Em ima s cariocas la de fave

ta Rede Arsenda com

Lucro e sustentável o consum

nal PontoaFipode, e deve,

ia A favel or da econom at ser um

hos

Quadrin


Por Gizele Martins

Para Jéferson Almeida, 28 anos, morador da Vila do João, monitor e estudante do curso, este é um projeto revolucionário, inovador, e que tem a finalidade de incluir e estabelecer a igualdade e condições aos moradores da comunidade a terem acesso aos cargos públicos. De acordo com Elton John, 32 anos, morador do Morro do Timbau, e participante do projeto há poucos meses, as aulas e as apostilas já lhe ajudaram a passar nos dois concursos que prestou. “Fui aprovado nos concursos para bombeiro e para a Guarda Municipal. No momento estou prestando concurso para o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais”. Elton explica ainda a importância que tem o curso. “Essa é uma oportunidade única. As aulas são ótimas. Já aprendi bastante. E tudo isso vai ajudar a me estabilizar financeiramente”, completa. Mais informações: 2561-4604

Foto: Camila Elias

Inaugurado há um ano, o projeto Academia do Concurso Público, situado no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), Complexo da Maré, já permitiu a entrada de pelo menos cinco pessoas nos seus desejados empregos públicos. O objetivo do projeto é o de integrar moradores que sempre sonharam em fazer concursos, mas que nunca tiveram condições financeiras para pagar um curso que os preparassem para as provas. O idealizador, e hoje coordenador do curso, Fábio Ramos, 27 anos, pensou em realizar o projeto quando começou a estudar para as provas. “Na época, senti dificuldades de achar um curso barato e de qualidade, então pensei em fazer essas turmas. As aulas são ao vivo, via satélite. As dúvidas são tiradas por e-mail, e minutos depois o professor responde”.

4

Valéria, Maria Marlene, Nálya, Julia, Daniel, Genivaldo, Anderson, Cosme e Zé Luiz no elenco de Troquei a Barbie pela Paternidade.

Duas meninas que engravidam durante o período da adolescência. Elas pertencem a “mundos diferentes”, no que diz respeito às condições sociais e econômicas. Como uma família do “asfalto” e outra da favela lidam com a gravidez precoce. Esta é situação que se desenrola durante as cenas de Troquei a Barbie pela Paternidade. A peça, de Genivaldo Gomes e Anderson Gomes, que acontece no Canteiro Social do PAC, na Rocinha, leva ao público as consequências que uma gravidez precoce e não planejada traz para a vida de adolescentes e de suas famílias. Ator há mais de dez anos, Genivaldo tinha o sonho de, por meio do teatro, po-


der conscientizar sua comunidade sobre problemas sociais. No Dia das Mulheres, em 2008, veio a inspiração que ele precisava: “Li uma matéria sobre gravidez na adolescência e, ao sair de casa, vi cerca de quinze grávidas, com idades entre 12 e 19 anos. Nesse momento, tive a certeza de que esse era o tema que eu deveria encenar e comecei a correr atrás da realização, mesmo sem nenhum patrocínio”, conta. Em agosto, Troquei a Barbie pela Paternidade estreou com plateia lotada, na Associação de Moradores (Amab). Após um mês de temporada, o espetáculo ganhou as ruas da Rocinha e, em novembro, passou a contar com um espaço no Canteiro Social do PAC para que o público continue

Foto: Thaisa Araújo

“As Meninas do Nós, assim como eu, podem ser uma vitrine. Elas fazem música e o incomum. Além de mulheres e bonitas, elas tocam, cantam, giram, abaixam, levantam. Em breve, vão tocar, ainda, sax e guitarras. Vamos tomar o Vidigal”, completa Negueba, que aprendeu percussão aos 12 anos no AfroReggae, em Vigário Geral, foi mestre de quase todos os músicos atuais do grupo, e integrou O Rappa.

tendo acesso a estas informações de um modo cênico: “O teatro é uma boa maneira de conscientizar os jovens. Muitas senhoras vêm assistir e depois trazem os filhos porque não têm coragem de falar sobre sexo e gravidez com eles. E muitos adolescentes, ao ganhar camisinha dos pais, pensam que estão sendo incentivados a ter relações sexuais. Aqui não. Distribuímos preservativos no final da peça, graças ao apoio da Prosex, mas antes os conscientizamos. Com certeza, eles saem daqui com outro pensamento”, diz Genivaldo.

As Meninas do Nós à frente da bateria do bloco Segue Nós e Vem, no Vidigal.

diálogo urbano | março de 2009

Cerca de 40 meninas se distribuem entre surdos de marcação e virado, repeniques, caixas, timbaus, agogôs e chocalhos. Mas não apenas para tocar. Elas cantam, dançam, interpretam e exibem charme e beleza durante suas apresentações. Assim é o grupo de percussão feminina As Meninas do Nós, que, sob o comando dos mestres de percussão Wellington Soares e Paulo Negueba, traz musicalidade para o Vidigal e por onde passa. O grupo, formado com alunas do grupo de teatro Nós do Morro, seduz pela mistura de som forte à musicalidade do Rio e da Bahia, com elementos do samba-reggae, samba de roda, coco, jongo e dança afro. Com pouco mais de quatro meses de existência, além de apresentações na comunidade, As Meninas do Nós já abriram alguns shows, como o da Ana Carolina e da banda Eletrosamba, participam da nova campanha publicitária da Azaleia e comandam a bateria do bloco de carnaval Segue Nós e Vem, do Nós do Morro. E não para por aí: “Mais do que proporcionar um diferencial às atrizes, que não só atuam mas dançam e tocam, eu quero é que o Vidigal se transforme num cenário musical”, diz Wellington, que já tocou com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elba Ramalho e as bandas Timbalada e O Rappa.

5


Mulheres

mulheres

guerreiras Por Renata Souza

6


Foto: Thaisa Araújo

ANA DO PEIXE acorda todos os dias às seis horas da manhã para descer o Morro do Timbau, no Complexo da Maré, e levar a neta de cinco anos para a escola. Ao retornar para casa, por volta das 6h30, monta sua barraca de peixes e lá trabalha até às 14h30. Às 15h vai até a Ceasa para comprar mais peixes e garantir o “ganha pão” do dia seguinte. Essa rotina só se altera quando Ana encontra um jovem em vulnerabilidade social e o chama para um “papo reto”. Ana é uma das 2.500 guerreiras do Mulheres da Paz, um dos projetos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal. O Mulheres da Paz, implementado no Rio de Janeiro pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos em 19 territórios, está inserido no projeto Rio Cultura de Paz e trabalha com mulheres que são reconhecidas pelas comunidades onde vivem como lideranças. “Esse trabalho permite a emancipação da mulher. Não apenas em termo de gênero, mas em termos de conquista de uma autonomia necessária para que possam agir de acordo com as demandas da comunidade”, diz a secretária Benedita da Silva. Cerca de 100 e 150 mulheres trabalham em cada território. Esse número foi definido de acordo com o número de habitantes do local. “As Mulheres da Paz já estão fazendo diferença em seus territórios, encaminhando jovens para cursos profissionalizantes e ampliando o leque de oportunidades para que eles cresçam inseridos na sociedade, como cidadãos produtivos e propagadores da cultura de paz”, prossegue Benedita. De acordo com a coordenadora geral do projeto no estado, Idália Miranda, a iniciativa busca o empoderamento das mulheres a partir do conhecimento. Para isso foram qualificadas em 140 horas em cursos de capacitação. As mulheres receberam aulas de cidadania e noções sobre gênero, direitos humanos e juventude. Ana Lúcia de Jesus, 45 anos, atesta a capacitação. “Agora já consigo encaminhar as pessoas para os lugares corretos porque li a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O curso me deu muita base, porque já é de mim ajudar os outros. Quero ser uma assistente social e vou estudar para isso”, diz Ana do Peixe. “O empoderamento dessas mulheres foi tão grande que há mais de um caso de mulheres que enquadraram seus maridos na Lei Maria da Penha. Já nas aulas sobre a lei houve um frisson geral porque a maioria não sabia que existe uma lei que protege as mulheres da violência doméstica”, constata Idália.

Ana do Peixe com jovens do Protejo no Morro do Timbau

Na primeira fase do programa foram as Mulheres da Paz que identificaram os cerca de 2.700 jovens que fariam parte do projeto Protejo, que oferece cursos profissionalizantes do Senac. São habilitações nas áreas de administração, beleza, cultura/lazer, gastronomia, hotelaria e turismo. Além disso, recebem uma bolsa auxílio de R$100. “O trato com os meninos se dá muito naturalmente. Eles me respeitam demais. E baixam a cabeça quando dou conselhos. Agora uma coisa que não abro mão de fazer é conversar com os pais, porque se esses meninos não têm uma base familiar o trabalho é em vão”, afirma Ana. Idália Miranda

Foto: Thaisa Araújo

diálogo urbano | março de 2009

Guerreira protetora

7


Foto: Ratão Diniz / Imagens do Povo

Segundo Maurícia Aguiar Ciscato, coordenadora do Protejo, “o trabalho das Mulheres da Paz foi fundamental e estratégico para o projeto porque foi possível identificar os jovens que seriam beneficiados, sem discriminar e estigmatizar ninguém. Isso ocorreu porque as mulheres têm uma relação muito próxima aos jovens indicados. Elas se organizam em equipes para acompanhar a frequência dos jovens e são vistas como uma referência e como uma amiga para sempre. Porque, mesmo terminando o projeto, elas vão continuar em seus territórios e continuarão sendo referência para esses jovens.” Na área da Maré, um dos territórios atendidos pelo Pronasci, os alunos do Protejo escolheram os cursos de administração e turismo. “Eu ainda não decidi qual dos cursos que vou fazer, mas estou gostando muito das aulas que tive até agora. Já sei como me comportar em uma entrevista de emprego porque foi um dos temas apresentados nas aulas”, diz Amanda Queiroz, de 15 anos. As expectativas geradas pelo programa são muitas e a preocupação com o futuro desses meninos é algo marcante para as Mulheres da Paz. “O que mais me deixa chateada é a possibilidade do programa acabar e os jovens ficarem a ver navios. Eu quero que haja continuidade do trabalho porque não adianta tanto investimento se não houver resultados”, constata Ana. Na segunda fase da qualificação as Mulheres da Paz receberão um aprofundamento das matérias discutidas na primeira fase e tra-

8

balharão temas demandados por sua prática. “Uma exemplo é que agora elas querem estudar sobre drogas ilícitas. Vamos dar um recorte psicológico nessa segunda fase”, diz Idália. As mulheres recebem uma bolsa mensal de R$150 para continuarem desempenhando o que já realizavam como referência em seus locais. “Tudo bem que a ajuda de custo é importante e faz diferença, mas não estou no projeto por causa do dinheiro. Sempre me incomodou ver os meninos que vi crescer entrar na vida errada. Tem muita gente que ignora, mas eu não consigo tirar eles da minha cabeça. Eu quero poder dar uma chance de um futuro melhor, com uma vida digna”, diz Ana.

Casa da Cidadania Para atender melhor os Nº DE TERRITÓRIO MULHERES projetos do Pronasci foram 100 inaugurados locais denomi- Itaguaí Vila Kennedy 100 nados “Casa da Cidadania”. Nilópolis 100 140 São casas alugadas nos ter- Belford Roxo Mesquita 140 ritório onde há um suporte Complexo do Alemão 200 técnico básico para atender Providência 100 100 as demandas dos projetos Preventório São Gonçalo 175 Mulheres da Paz, Espaços Ur- Itaboraí 100 140 banos Seguros e o Protejo. Já Macaé Queimados 135 há esse espaço em ManguiRocinha 200 nhos, Rocinha, Complexo do Complexo da Maré 100 200 Alemão, Macaé, São Gonçalo Manguinhos Iguaçu 140 e Nilópolis. Na Maré, segun- Nova Duque de Caxias 140 do o superintende do territó- São João do Meriti 140 2450 rio, Lourenço Cezar da Silva, Total o projeto encontra uma estrutura diferente dos outros locais porque ali existe o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) que fornece uma estrutura propícia par realização de cursos. “Como o Rio de Janeiro está servindo como um projeto piloto para o Pronasci, a dificuldade que encontramos se refere à estrutura do próprio curso porque nada havia sido testado antes. Isso significa que temos que criar no cotidiano do curso uma metodologia de acompanhamento do trabalho. Isso também significa que estaremos mais experimentados na segunda etapa, que começa em julho”.



Foto: Camila Elias

Por Camila Elias

Grafite também é geração de renda Arte na Galeria a Céu Aberto, no Morro do Alemão

de transformar a realidade de onde vivem levou um grupo de moradores do Complexo do Alemão a se organizar e a pensar em possibilidades que pudessem promover o desenvolvimento humano, social e cultural nas comunidades locais. Dessa vontade, veio o pontapé inicial para que surgisse o Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento, que hoje, com oito anos de atividades, é referência na arte do grafite e traz novas opções de vida aos jovens. Para que alguma transformação acontecesse, Alan Brum, Sadraque Santos e David Amén passaram a se reunir regularmente com outros moradores para uma espécie de laboratório de ideias, onde cada um sugeria o que poderia ser realizado em benefício da comunidade. A primeira ação foi a criação de um banco de preservativos. Logo, o Raízes em Movimento come-

10

çou a ganhar forma e a trabalhar as potencialidades que já existiam no Complexo do Alemão. Nessa época o grafite estava em alta na Zona Norte e começaram a surgir alguns grafiteiros na comunidade, como Mário Bands, que já grafitava e pôde assumir a primeira oficina. Além disso, foram oferecidas aulas de desenho, informática, pré-vestibular e oficina da palavra, para incentivar a expressão e a interpretação.

Cores, formas, arte, expressão, opção Hoje, quem passa pela Avenida Central, no Morro do Alemão, percebe a variedade de cores, formas e expressões que tomam conta, do início ao fim, da principal via de acesso. As obras, estampadas nos


Se antes o grafite era uma criação que se materializava essencialmente nos muros das ruas, hoje ele passou a compor ambientes fechados, seja em exposições de arte ou em decoração de interiores. Além de modificar o visual da comunidade e de possibilitar o desenvolvimento artístico, a prática do grafite também é geradora de renda.

Memória Atualmente, outra atuação do Raízes em Movimento é a capacitação em fotografia, com 20 jovens, dos quais 12 serão escolhidos para dar continuidade à profissionalização e à formação de memória da comunidade. “Por conta da intervenção urbanística que o PAC está promoven-

Tiago Tosh (sem camisa) e alunos na oficina de grafite.

Coordenação do Raízes: Mario Bands, David Amén e Ricardo Lessa.

do, surgiu a ideia de documentarmos o Complexo do Alemão antes, durante e após as obras. Com o apoio da Secretaria de Cultura e do Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), os alunos participam de aulas de fotografia e informática, com os professores Sadraque Santos, Maycom Brum e Dhani Borges. Ao final do curso, eles terão ajudado a construir a memória da comunidade e serão formados fotógrafos”, conta Ricardo Lessa, coordenador geral do Raízes em Movimento. draque

a Foto: S

Música, arte, hip hop, educação, cultura. Tudo ao mesmo tempo. Essa é a proposta do Circulando. Um evento que, em parceria com o Observatório de Favelas, recebe, no Complexo do Alemão, pessoas de fora da comunidade para mostrar suas criações e participar de oficinas e manifestações artísticas como exposições, mutirão de grafite e música.

“O Circulando é uma ferramenta de diálogo da comunidade com o exterior. Recebemos pessoas de diversos lugares, da Zona Oeste a Zona Sul, que expõem seus trabalhos aqui e conferem os dos outros. Quando realizamos esse encontro, além da troca e da interatividade, derrubamos o preconceito”, avalia David Amén, coordenador de Comunicação do Raízes em Movimento.

Santos

diálogo urbano | março de 2009

Atividade pode ser rentável

Para Mário Bands, coordenador artístico do Raízes em Movimento, essa transformação reflete os novos caminhos que o grafite vem percorrendo: “O grafite começa a ser reconhecido como arte e ganha novas alternativas de produção. A partir de uma manifestação na rua ou numa exposição, surgem encomendas para decorar casas, por exemplo. A partir do retorno financeiro destes trabalhos, podemos comprar material para fazer nossa arte nas ruas”. Já no final da primeira oficina, a geração de renda foi uma das preocupações de Mário: “Sempre pensei na possibilidade de usarmos o grafite como atividade rentável. Além de formarmos monitores, criamos um ateliê de produção coletiva para pegarmos encomendas de telas, faixas, camisas, histórias em quadrinhos, caricaturas e ilustrações. Desta forma, o grafite se tornou uma ferramenta artística e de geração de renda”, disse.

Fotos: Camila Elias

muros das casas, constituem a Galeria a Céu Aberto, um espaço de criação e exposição dos trabalhos dos jovens grafiteiros que trazem um colorido especial ao lugar. “O grafite trouxe uma transformação visual e muitas cores para a nossa comunidade. Ao invés de muros sem cor e com marcas de tiros, temos arte. Nós pintamos a alegria”, conta Tiago Tosh, grafiteiro e monitor do Raízes em Movimento. “No começo, nem todos entendiam o que era e nem pareciam simpáticos ao que fazíamos. Mas depois os moradores passaram a se interessar, por ser uma arte livre, de comunicação e de grande influência. Quando a obra inicia, não se vê nada e quando termina é uma magia, todo mundo gosta e pede para pintarmos a fachada de suas casas”, completa Tiago.

11


Foto: Divulgação

Por Camila Elias

Projeto de leitura é sucesso no Alemão e na Penha Entre uma partida e outra de futebol, Otávio Jr., morador da comunidade do Caracol, no Complexo da Penha, encontrou um livro em uma caixa cheia de brinquedos, no lixão ao lado do campinho onde jogava. Foi assim, aos 8 anos, que teve seu “primeiro contato” com a literatura. Fascinado pela descoberta, começou a criar formas de incentivar a leitura a outras crianças. Mais tarde, suas ideias se estruturaram no projeto Ler é Dez – Leia favela, que hoje atende as comunidades dos complexos da Penha e do Alemão.

12

Para o menino, filho de pai pedreiro e mãe dona de casa, cada página significou a descoberta de um novo universo e despertou o desejo de que todos, assim como ele, pudessem desfrutar do que o livro tem a oferecer: “Quando comecei a ler, logo pensei que todos deveriam ter acesso ao livro. Ele é a porta para o conhecimento. Ele nos aguça outras questões sobre o mundo em que vivemos e nos faz enxergá-lo de um outro modo, além de nos proporcionar diversão e entretenimento”, diz.


A partir das atividades com seus vizinhos, Otávio foi convidado por associações de moradores e ONGs para mostrar o seu projeto. Mas foi em 2006, após participar do quadro Agora ou Nunca, do Caldeirão do Huck (TV Globo), que ganhou um prêmio em dinheiro e pôde se dedicar, estruturar e escrever o projeto Ler é Dez – Leia favela: “Com o dinheiro do programa, eu pude ter mais tempo para desenvolver o projeto e concretizar o meu pensamento de que o Ler é Dez não podia ser um projeto de papel, tinha que acontecer”, lembra. Hoje, o Ler é Dez – Leia favela oferece atividades como o “Cineminha Literário”, as crianças assistem a filmes adaptados de livros e percebem as diferenças entre a linguagem literária e a cinematográfica; “Lanchinho Literário”, após um ciclo de leitura, as crianças são convidadas para um lanche; Biblioteca Ambulante; parte do acervo circula por determinados pontos e fica disponível para empréstimo; Contação de Histórias e palestras. O projeto já atendeu mais de cinco mil crianças, recebe cerca de 300 por semana, conta com o apoio de duas instituições privadas – Afeigraf e Instituto Kinder do Brasil, mas ainda precisa de apoio para continuar crescendo. “Meu sonho é que o projeto chegue a todas as comunidades da Penha e do Alemão”.

E tem mais Neste primeiro trimestre de 2009, começam mais três atividades: “Com a Barracoteca, o morador poderá solicitar o empréstimo de livros na casa de um morador. Vou deixar uma estante com cerca de 30 a 40 livros em dez casas, em diferentes locais, e uma criança será a responsável pela administração do acervo. Além disso, vou fazer um ‘talk show’ e dar palestras nas escolas da comunidade, e a Brinquedoteca, na Grota, vai estimular a leitura através de brinquedos pedagógicos”. Aos 25 anos, Otávio é só felicidade ao pensar em tudo o que o mundo das letras já lhe deu: “Não tem preço ver nos olhos das crianças a alegria que a literatura proporciona a elas. E se antes, os livros me transportavam para uma viagem imaginária, hoje eles também me levam a viagens reais quando sou convidado a dar palestras em lugares como Cuba, Argentina e Uruguai”. Quem quiser mais informações ou colaborar com o projeto pode procurá-lo no espaço do Projeto Pátio, na Rua Joaquim de Queiróz, na Grota, terça e quinta, às 15h, ou no Espaço de Leitura Ler é Dez, na rua F, no Parque Proletário, diariamente, das 13h às 18h.

Brinkadileryimaginar/tambémbrinkadiescrever / comulivropodi tudio / atébrinkadimisturar (Otávio Jr.) Foto: Divulgação

Sai do papel e acontece

diálogo urbano | março de 2009

Já adolescente, começou a estudar teatro e a escrever peças que incentivassem a leitura. Montou um projeto pedagógico e percorreu as escolas da região propondo a encenação de seus textos para os alunos. Sua iniciativa foi tão bem sucedida que quase todos os diretores o apoiaram e ele pôde interpretar seus textos e produzir cenários com material reciclável nas escolas. Enquanto isso, ele não abriu mão de estudar o que lhe interessava. Sem dinheiro para pagar os cursos, escreveu cartas para diversas instituições, que tinham aulas de teatro, filosofia, informática, línguas, e ganhou bolsas de estudo que o auxiliaram em sua formação. Em 2003, aos 18 anos, publicou o seu primeiro livro infanto-juvenil, “As Aventuras do Pássaro Mágico e Outras Histórias”, graças a uma gráfica que imprimiu gratuitamente 200 exemplares. Com os livros, voltou às escolas para dar palestras, que foram batizadas de “Ler é Dez”, e vender sua publicação. Diante do aprendizado de como falar com crianças e de um acervo que construiu com doações, ele achou que já estava na hora de incentivar o público infanto-juvenil da sua comunidade: “Comecei a despertar o interesse das crianças da minha rua abordandoas de um modo lúdico. Assim, as convidava para nos reunirmos no tapete em que eu colocava alguns livros e cada uma escolhia um para ler”.

13




Por Camila Elias e Joanna Alimonda

Trabalho Social do PAC promove o diálogo nas comunidades

16

Implosão da antiga fábrica da Poesi, no Complexo do Alemão


nião, os Comitês Locais, formados por líderes comunitários, expõem que impactos os moradores estão sofrendo com as obras, desde barulho, interrupções de ruas e serviços a remanejamentos de moradias. Os Comitês Locais discutem formas de reduzir esses transtornos causados pela obra e de aproveitar as oportunidades provocadas por ela, como geração de empregos nos consórcios, que reúnem as empresas de construção civil. A outra frente recebe o nome de Desenvolvimento Sustentável (DS), que busca um maior conhecimento e entendimento Além de benfeitorias de Manguinhos, Rocinha em infraestrutura que vão e Complexo do Alemão. Através do Trabalho acontecer até 2011, como a Para isso, além de reuconstrução de novas casas, o PAC quer niões periódicas com os escolas, hospitais, centros moradores e entidades mostrar de lazer e cultura, melhorias sociais, foi feito um censo que de vias de acesso, sistema domiciliar e empresarial e de esgoto, abastecimento é possível se organizar... foram capacitados jovens de água e iluminação púpesquisadores para buscablica, o programa busca a rem informações mais detalhadas com as participação de todos os cidadãos envolvi- organizações locais. dos para que transformações físicas e sociais O levantamento destes dados vai mapear aconteçam de acordo com as necessidades e o perfil socioeconômico e identificar os proas potencialidades identificadas em cada um jetos sociais, governamentais ou não, destes desses locais. locais. Este reconhecimento vai subsidiar os próximos encontros com os moradores e entidades locais que vão discutir que projetos Diálogo e participação devem ser priorizados e vão construir o Pla“Um dos diferenciais deste programa, em no de Desenvolvimento Sustentável, voltado relação aos outros já aplicados em comuni- para o crescimento socioeconômico e a predades populares, é o Trabalho Social. Só com servação ambiental e cultural. diálogo e participação dos moradores nas “Através do Trabalho Social, queremos mosdiscussões, podemos saber o que a comuni- trar para a comunidade que é possível se orgadade realmente precisa, quais as demandas e nizar, para que ela mesma seja capaz de criar oportunidades presentes em seu território. Ao um crescimento sustentável e executar projetos invés de ser implantado um plano de desen- a curto, médio e longos prazos, estabelecendo volvimento elaborado por pessoas de fora, uma diretriz que pode servir também para as é a própria comunidade que deve ajudar a próximas políticas públicas”, diz Patrícia. construí-lo”, explica Patrícia Daros, gerente Vale lembrar que cada comunidade conta com geral do Trabalho Social do PAC, no Rio. uma equipe, no Canteiro Social, para trabalhar os transtornos provocados pelas obras, orientar o processo de remanejamento de casas e estabeO Trabalho Social em ação lecer um permanente diálogo com os moradores O Trabalho Social funciona a partir de duas para que eles estejam sempre informados sobre frentes de atuação. Uma é conhecida como o que está acontecendo e contribuam com sugesGestão de Impacto das Obras (GI). Em reu- tões para o bem-estar de onde moram.

Social,

para

comunidade

a

diálogo urbano | março de 2009

Foto: Divulgação/Governo do Estado

Manguinhos, Complexo do Alemão e Rocinha são algumas das comunidades que estão sendo beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal e realizado em parceria com o Governo do Estado do Rio de Janeiro. Um dos objetivos do PAC é a integração das favelas com a cidade, através da urbanização e do Trabalho Social que conta com a participação dos moradores para a construção do desenvolvimento socioeconômico.

17


Fotos: Divulgação/Governo do Estado

As obras.

O que está sendo feito e o que vem por aí

Colégio Estadual Luiz Carlos da Vila, em Manguinhos

Complexo do Alemão

Manguinhos

Rocinha

A antiga fábrica de lingerie, Poesi, foi implodida, em dezembro de 2008, para dar lugar a novas construções, como casas e hospital.

O Colégio Estadual Luiz Carlos da Vila foi inaugurado, em fevereiro, com a presença do Presidente Lula. A escola tem capacidade para 2.500 alunos dos ensinos médio e profissionalizante.

Está em construção a nova passarela, a única assinada por Oscar Niemeyer, que vai ligar a Via Ápia à Auto-Estrada Lagoa-Barra e trará mais segurança que a anterior. Também o complexo esportivo está em construção.

Entre as obras, ainda estão previstas a elevação da Via Férrea, com a construção de um parque no lugar da atual linha de trem que divide a comunidade; novas moradias; melhorias no sistema de coleta de esgoto, drenagem, abastecimento de água e iluminação pública e alargamento das ruas.

Além da nova passarela, a Rocinha vai receber novas unidades habitacionais; creche-modelo; centro de convivência, comunicação e cultura; alargamento e pavimentação das ruas; centro de saúde; transporte em plano inclinado; sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais, iluminação pública, lazer e paisagismo.

O Complexo do Alemão vai contar também com um teleférico que ligará a estação ferroviária de Bonsucesso ao Morro do Adeus, Morro da Baiana, Morro do Alemão, Itararé/Alvorada e Fazendinha; área esportiva e administração no Parque da Serra da Misericórdia; novas unidades habitacionais; escola de ensino médio de referência; centro de saúde; melhorias nas redes de água e esgoto e sistema de iluminação; abertura e alargamento de ruas.

Canteiros Sociais do PAC Complexo do Alemão | Rua Paranhos 127

Manguinhos | Rua Leopoldo Bulhões, 952

Rocinha | Estrada da Gávea, 486

Construindo o

canteiro itinerante

18

Entre toques de telefone, rádios e atendimentos ao pessoal da comunidade, o sociólogo Alan Brum, de 39 anos, gerencia atividades, informa a população e administra os possíveis conflitos que surgem. Assim trabalha o gerente técnico do Trabalho Social do PAC no Complexo do Alemão, que não deixa a peteca cair em nenhum momento. Alan Brum

Sua dedicação à causa social do Complexo do Alemão é compartilhada com o gerente institucional do PAC no Alemão, Eduardo Cardoso, de 33 anos. Juntos, Alan e Eduardo estão estruturando a nova ação do Trabalho Social do PAC na comunidade, o Canteiro Social Itinerante. Com este projeto, que deve acontecer durante os próximos


Representar a comunidade e mediar problemas inerentes a ela é o que faz atualmente o bem humorado Fabrício Oliveira, 26 anos, nascido e criado em Manguinhos. Cheio de disposição, deixou de lado a profissão de técnico de informática, para assumir a gerência institucional do Trabalho Social no seu bairro. “Eu levo a maior fé no Trabalho Social do PAC”, diz Fabrício. “Estamos traba-

Fabrício Oliveira

no trabalho social

lhando há quase um ano e muita coisa já foi feita, muitas transformações”. Uma das tarefas do jovem gerente é mostrar à população o que está sendo realizado pelo PAC, disseminar as informações e segurar as ansiedades. “Eles querem ver na prática as coisas prometidas”. Para conter a ansiedade dos moradores, ele faz jus à sua posição de mediador e responde aos questionamentos, medos e inseguranças da comunidade com muita competência.

União e

Aos 31 anos, Marat Troina vive a experiência de ser o gerente técnico do Trabalho Social na Rocinha. A sua história com a comunidade vem sendo escrita antes do início do PAC, já que participou da construção do Plano Diretor da Rocinha e do planejamento do PAC na comunidade.

diálogo

PAC, Marat informa que já foram realizadas 35 reuniões com a comunidade, desde julho do ano passado. As reuniões servem para a coleta de informações sobre as necessidades locais e dar voz aos moradores. “Estamos num momento bem interessante do PAC na Rocinha. Vamos iniciar um trabalho forte de mobilização, para Arquiteto e urbanista, Marat está de olho tanto na convidar mais pessoas a participar deste parte social, quanto nas obras. “Estou muito espeplanejamento de reconstrução e transrançoso no Trabalho Social na Rocinha porformação. Tenho esperança de junque acredito que o bairro pode ser reconstar a maior quantidade possível de truído e ficar mais forte através da união pessoas, porque acho que quanto dos moradores e de suas próprias transmais pessoas unidas e dialoganformações”, diz. do, maior vai ser a informação soAnimado com a união inédita dos lídebre tudo o que está acontecendo e res comunitários e dos moradores em vai acontecer por aqui, e maior será prol do bom andamento das ações do Marat Troina o avanço da transformação local.”

Além do planejamento dos Canteiros Itinerantes, Alan e Eduardo estão à frente dos remanejamentos de casas realizados na comunidade. “Logo, vai haver muito trabalho de remanejamento e obras. O trabalho social que estamos realizando vai trazer mais comunicação e informação para a população da comunidade. A ideia é tirar as pessoas de casa e trazer para a participação e convivência no canteiro social”, conta Alan.

diálogo urbano | março de 2009

meses, pretende-se aumentar a participação da comunidade, que já está sendo satisfatória, disponibilizar mais informações qualificadas sobre o PAC no Alemão, além de incentivar a participação da população local nas atividades do Programa. “Este trabalho vai trazer mais conhecimento das necessidades locais para solucionar as suas dificuldades e trazer esclarecimentos às pessoas”, disse Eduardo.

Eduardo Cardoso

19


Por Gizele Martins

Cantagalo e Pavão-Pavãozinho formam novos pólos de moda no Rio de Janeiro.

As cooperativas Corte e Arte e Fábrica do Rabisco dão a métrica de como se produz estilo na favela. E com a marca Favela Super Chique, criada em 2006 pela Corte e Arte, essa moda ganhou novos rumos. AfroReggae, Viva Rio e diversas escolas de samba do Rio de Janeiro já experimentaram a nova grife em suas roupas. Segundo a coordenadora do projeto, Silvia Perrone, de 44 anos, a marca Favela Super Chique passou a existir depois que a cooperativa Corte e Arte ofereceu um curso para as mulheres da comunidade. Um novo curso de costura está programado para moradoras das duas comunidades ainda este ano.

de aumentar a produção e o estoque. Futuramente queremos formalizar parcerias com lojas do Rio e fazer com que a nossa confecção vire moda não só nas favelas, mas em várias cidades do país. Além disso, queremos que os turistas venham comprar nossas roupas, mas não porque vão sentir pena das costureiras e dos artistas, mas sim porque o nosso produto é bonito e bem feito”, diz.

Orgulho e renda

Para a costureira Maria Lúcia, de 54 anos, que participa da Corte e Arte desde o início, é um orgulho trabalhar na produção das peças. Ela lembra o quanto o projeto a ajudou no sustento dos filhos: “Gosto muito de estar aqui. É muito bom aprender e ensinar. Tenho certeza de que vai dar tudo cerCorte e Rabisco to na construção desse projeto. A Corte e Arte é uma associanosso ainda é Ele me ajudou quando mais preção de costureiras do Cantagalo cisei. Meus filhos eram muito informal. Levará um tempo para que produz biquinis, vestidos, unipequenos quando entrei aqui. formes, camisas, camisetas e vámelhor nos Lembro que na época eu não rios tipos de adereços. tinha como trabalhar fora de A Fábrica do Rabisco, criada casa. Criei meus filhos com esse trabalho. E, hoje, eles por jovens que trabalham com a arte naif em camifazem os desenhos das camisas que vendemos”, conta. setas, uniformes e outras peças, é uma associação de Além das cooperativas, duas instituições fazem artistas plásticos do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. parte do projeto. Uma delas é a Asplande, criada em Para Silvia, o objetivo de toda a produção dessas 2002, para assessorar e planejar projetos ligados à peças é a de divulgar, valorizar e fazer com que toquestão da mulher das periferias. A outra é a Rio Arte dos reflitam sobre a realidade dos moradores de faPopular, responsável por produzir e divulgar grupos vela. De acordo com ela, este é um projeto de médio das comunidades ligados à cultura local. a longo prazo, e que precisa de um tempo para se esDe acordo com Silvia, atualmente as cooperativas truturar. “O nosso trabalho ainda é informal. Levará estão estocando camisetas para empresas que gosum tempo para nos organizarmos melhor”, diz. Silvia fala ainda dos sonhos do grupo: “O nosso sonho é o taram do trabalho.

O

trabalho

organizarmos

20


o raú j sa A hai Fot os: T

Mais informações

) esquerda e a d r i t ar iqu nda a p vela Super Ch u g e s ( a Silvi s da Fa a r i e r u t s com co

3813-3033

diálogo urbano | março de 2009

Silvia Perrone: (21) 8859-3204 e rioartepopular@hotmal.com

321


O sonho de ser modelo virou realidade para Thais, moradora da Rocinha. Hoje ela faz parte do cast da Dream Models.

Foto: Thaisa AraĂşjo Foto: Thaisa AraĂşjo

22

Foto: Sadraque Santos


Foto: Sadraque Santos

Foto: Sadraque Santos Com apenas 7 anos, Kalleb começou a dar os primeiros sopros na vida. Mas foi na escola de música da Rocinha que encontrou a oportunidade para entrar no mundo musical. Sax é o seu instrumento principal, mas também toca bateria, guitarra e flauta.

Participe Mande sua foto para foto@dialogourbano.com.br Resolução: 300 DPI

323


REDE ASTA Com ganho de 22% para as revendedoras, rede carioca aquece de vendas diretas por catálogo de peças de artesanato, moda e decoração.

O sistema funciona num esquema bem parecido ao tradicional mercado de vendas porta a porta de cosméticos e produtos de limpeza no Brasil. Só que os produtos são peças de artesanato, moda e decoração criados em comunidades populares do Rio de Janeiro e vendidos, principalmente, ao público das classes A e B.

24

É assim que trabalha a Rede Asta, a primeira rede brasileira de venda direta desses produtos, que desde 2007 está unindo revendedores autônomos a pequenos grupos de produtores de artesanato, moda e decoração de comunidades populares do Rio na comercialização de produtos sustentáveis. A iniciativa de criar a rede foi do Instituto Realice, ONG carioca que atua na busca de novas formas de fomentar o empreendedorismo social e a geração de renda em comunidades populares, criando ponte entre elas e o mercado.

Consumo sustentável gera renda e dá lucro Por Flávia Domingues Fotos: Thaisa Araújo


Drible na sazonalidade A criação da Rede Asta vai ao encontro de um dos maiores problemas enfrentados por pequenos grupos artesãos: a sazonalidade dos pedidos. Em 2003, o Instituto Realice criou o projeto Mãos Brasil apoiando a formação de dois grupos produtivos, um em Campo Grande e outro em São Gonçalo, que utilizavam materiais reaproveitados para fazer suas peças, principalmente o jornal e papelão. Além de capacitar, o projeto apoiava no escoamento da produção, o que garantia a sustentabilidade a curto prazo. Essa experiência fez com que o Instituto Realice buscasse novas formas para que esses grupos pudessem ter vendas constantes e se tornassem autossustentáveis. “Muitas vezes os produtos também ficavam esquecidos em lojas de artesanatos. Percebemos que, para vender, era preciso divulgar todo o conceito que estava por trás das peças, contar a história e estar mais próximos do consumidor”, conta Alice Freitas. Foi nesse momento que surgiu a ideia de criar a Rede Asta, uma rede de venda direta que unisse revendedores autônomos com os grupos de artesãos, criando uma força de vendas para a marca baseada na sustentabilidade, atendimento personalizado e confiança. A sede do Instituto Realice funciona como estoque de produtos para atender prontamente as demandas que chegam. Toda a divisão de custos é transparente. 50% é de custo do produto; 22% é a comissão da conselheira e 28% fica para a gestão da rede. “Nossa meta é chegar a ter 500 conselheiras até 2011. É um grande desafio, mas não impossível. Hoje a atividade da rede gira em torno de 40% e gera renda de algo em torno de R$ 300,00 por mês. Quando atingirmos a marca de 500 conselheiras, esta receita subirá para R$ 2 mil por mês para cada grupo”, informa Alice. Hoje 28 grupos produtivos fazem parte da rede, 250 artesãos trabalham diariamente e existe um cadastro de profissionais reservas, de 270 pessoas, para grandes demandas. O número de conselheiras é de 101, que atuam em todo o Estado do Rio.

diálogo urbano | março de 2009

Uma revendedora, que na Rede Asta é chamada de conselheira, já que são consideradas responsáveis pela promoção do consumo consciente, vai até a casa ou local de trabalho do interessado com um catálogo e faz a apresentação dos produtos, orientando a compra e tirando dúvidas. O pedido é feito à conselheira que entra em contato com a central de distribuição. Em 15 dias, o produto chega na casa do cliente. “Quem geralmente consome os produtos Asta é o público das classes A e B. A nossa força de venda é muito grande na Zona Sul do Rio, pelo conceito e pela história de cada peça produzida”, informa Alice Freitas, coordenadora executiva do Instituto Realice.

25


Seleção criteriosa A Rede Asta faz um criterioso processo seletivo para escolher os grupos de artesãos. Para fazer parte, é preciso ter pelo menos três pessoas trabalhando, não são aceitos profissionais que trabalham sozinhos. “Queremos que a renda gerada possa fomentar o comércio local nas comunidades”, afirma Alice. É necessário também que o grupo tenha a capacidade de produção de 200 peças por mês, que atue em áreas de baixo poder aquisitivo e os produtos têm que ter potencial de mercado. “Não capacitamos os grupos. Existe uma equipe técnica que avalia produto por produto que vai entrar no catálogo”, explica. Em 2009, a pretensão é que sejam feitos quatro catálogos. A partir de abril, a Rede Asta estará selecionando novos grupos. Os artesãos interessados em participar devem enviar fotos dos produtos para o e-mail: alice@realice.com.br.

26

A arte da cerâmica negra Por Camila Elias

Maria Evangelista, Maria de Fátima, Francisca e Nilde são a Cerâmica Negra, um dos grupos de artesanato que integra a Rede Asta. Na Vila do João, Complexo da Maré, há seis anos produzem peças de decoração, acessórios de moda e utilitários. Tudo na cor preta, obtida a partir de um peculiar processo de combustão. Além do prazer de fazer arte e de ter o trabalho reconhecido, a atividade gera renda para estas artesãs, com idades entre 33 e 57 anos. As quatro foram alunas da primeira oficina de cerâmica da Ação Comunitária da Maré. Hoje, dão aulas e chegam a produzir mais de 200 peças por mês, em série ou exclusivas.

Alice Freitas Mais informações: Instituto Realice www.realice.com.br Rede Asta www.redeasta.com.br Projeto Mãos Brasil www.maosbrasil.com

Cada uma das artesãs desenvolveu uma criação: peças de decoração mais ousadas, vasos decorativos, estatuetas e linha de produção, cujo carro-chefe é a miniatura do Cristo Redentor, que está no catálogo da Rede Asta. Segundo Nilde, um diferencial das obras é a coloração: “A maioria das cerâmicas negras que existem é pintada. As daqui não. A pigmentação se dá a partir de uma combinação de serragem, fogo e fumaça”.

Embora o processo de produção seja trabalhoso e minucioso, já que são elas que tratam a argila desde o estado bruto até o produto final, ele com-

pensa: “Antes eu trabalhava fazendo faxina em um prédio. Aqui é mais gratificante. Ao invés de uma rotina de tarefas, eu tenho a liberdade de poder criar”, conta Francisca. Elas já expuseram o seu trabalho no Sesc Tijuca, no Copacabana Palace, na Casa Cor, no Crea e no Fashion Business. Em 2006, ganharam o prêmio Top100 de artesanato do Sebrae. Além da Rede Asta, as peças são comercializadas no Pão de Açúcar e na Vitrine Social, loja recém-inaugurada das ONGs Ação Comunitária e Ressurgir, no Shopping da Gávea.


PontoFinal

Favela da Grota, Complexo do Alemão, comércio intenso.

A favela ocupa um lugar importante na cidade, sob o ponto de vista político, social e cultural. A identidade cultural carioca, como o samba, o hip hop, o funk, o futebol, são marcas identificatórias da favela associada à cidade. Mas a favela está também articulada economicamente à vida da cidade, através de múltiplas dinâmicas econômicas - desde “reservatório” de mão de obra, como “cidade dormitório” da força de trabalho e mesmo como mercado consumidor. Apesar da presença do Estado não se reduzir à ação policial repressiva, sua presença é pontual, de baixa qualidade e não massiva. Sendo assim não redefine as biografias dos seus moradores, perpetuando-a como local da pobreza. Ao mesmo tempo, há dinamismo econômico. Multiplicam-se atividades bastante diversificadas - desde os botequins até pequenas indústrias de “fundo de quintal”. Atualmente as lan houses proliferam nesses territórios. Em algumas favelas, como a Rocinha, está instalado comércio sofisticado e agências bancárias. Mesmo com estas potencialidades, é necessário chamar atenção para alguns aspectos relevantes da vida econômica da favela. Primeiro, devemos chamar a atenção para certo número de atividades econômicas “informais” dominadas por um conjunto restrito de pessoas moradoras dessas localidades. As atividades de distribuição de gás de cozinha, de televisão a cabo clandestina, dos transportes de moto e em vans, entre outras, são dominadas por estes “atores”. Assim, à pobreza e à miséria da grande maioria associa-se um grupo com enorme poder econômico e financeiro. Dessa forma, a riqueza produzida na favela não se distribui de forma equitativa, gerando uma grande “concentração de renda” e reproduzindo o padrão prevalecente na cidade.

Por outro lado, a favela é um fenômeno diversificado. Existem favelas, como a Rocinha, onde há uma intensa atividade econômica e um entorno (São Conrado) desenvolvido. Em outras favelas (Complexo do Alemão) são locais desindustrializados com um entorno pobre e com baixa atividade econômica. Na grande maioria das favelas prevalece pobreza, miséria e desesperança. Nesse sentido a favela ainda é o local da pobreza, prevalecendo as atividades informais e, mais ainda, incluindo-se de forma subalterna na economia da cidade. Um conjunto de atividades econômicas promissoras prevalecentes na favela não pode ser tomado como indicador de um futuro coletivo promissor. Para que o futuro seja promissor é necessário um reforço às políticas emergentes, como a proposta, ainda nos seus primeiros passos, das instituições responsáveis pela implementação do PAC Favelas na cidade – Caixa, Governo do Estado e Prefeitura. Trata-se de, alavancado pelos investimentos em obras de infraestrutura e urbanização, deflagrar um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável. O ponto de partida da proposta é o aumento do “Capital Social” destas comunidades. Tendo como primeiro objetivo “gerir de forma participativa os impactos positivos e negativos da obra”, conduzir a um processo de organização da sociedade civil local em fóruns e comitês que funcionem como instâncias de diálogo com o poder público e as empreiteiras. Espera-se que os resultados deste primeiro ciclo de gestão compartilhada comecem a gerar empoderamento e autonomia na busca de soluções para os problemas do território. Em seguida a proposta estabelece como objetivo principal a construção de um Plano para o Desenvolvimento Sustentável da Comunidade, entendido como geração de riqueza e garantia de direitos e benefícios pata todos os cidadãos. Paulo Magalhães SOCIÓLOGO

diálogo urbano | março de 2009

Foto: Chico Junior

27



Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.