CAPÍTULO L O TINTEIRO DE EVARISTO — ...Este caso prova que tudo se pode amar muito bem, ainda um pedaço de madeira velha. Creiam que não era só a despesa que ele naturalmente sentia, eram também saudades. Ninguém se despega assim de um objeto tão íntimo, que faz parte integral da casa e da pele, porque a tabuleta não foi sequer arriada um dia. Custódio não teve ocasião de ver se estava estragada. Vivia ali como as portadas e a parede. Era ao jantar, em Botafogo. Só quatro pessoas, as duas irmãs, Santos e Aires. Pedro fora jantar a S. Clemente, com a família Batista. D. Perpétua aprovou os sentimentos do confeiteiro. Citou, a propósito, o tinteiro de Evaristo. A irmã sorriu para o marido, e este para a mulher, como se dissessem: “Lá vem ele!” Era um tinteiro que servira ao famoso jornalista do primeiro reinado e da Regência, obra simples, feita de barro, igual aos tinteiros que a gente chã comprava nas lojas de papel daquele e deste tempo. O sogro de D. Perpétua, que lho dera em lembrança, tivera um da mesma idade, massa e feição. — Veio assim de mão em mão parar às minhas. Não chega aos tinteiros do mano Agostinho nem de Natividade, que são luxuosos, mas tem grande valor para mim. — Sem dúvida, concordou Aires, valor histórico e político. — Meu sogro dizia que dele saíram os grandes artigos da Aurora. A falar verdade, eu nunca li tais artigos, mas meu sogro era homem de verdade. Conhecia a vida de Evaristo, por ouvi-la a outros, e fazia-lhe louvores que não acabavam mais... Natividade buscou desviar a conversação para o baile da véspera. Tinham já falado dele, mas não achou outro derivativo. Entretanto, o tinteiro ainda ficou algum tempo. Não era só uma das lembranças de D. Perpétua, relíquia de família, era também uma de suas idéias. Prometeu mostrá-lo ao conselheiro. Ele prometeu vê-lo com muito gosto. Confessou que tinha veneração aos objetos de uso dos grandes homens. Enfim, o jantar acabou, e eles passaram ao salão. Aires, falando da enseada:
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