REVISTA PIXÉ
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Adilson Vagner de Oliveira É professor na área de Linguagens do Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Avançado Tangará da Serra, fez mestrado em Estudos Literários pela UNEMAT e doutorado em Ciência Política pela UFPE
DIVIDINDO BARCOS
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esafiar a natureza pode parecer uma heresia quando perdemos a inocência infantil bem conveniente aos oito anos. E quando o verão se demonstrava tão contraditório num turno só, suas sessões de banho do mundo pareciam ter hora marcada para o meio da tarde todos os dias, novos mundos surgiriam ao fim de cada chuva de pontualidade inglesa. E como águas de verão só servem para lhe fazer lembrar que andar pelas ruas pode ser uma armadilha anunciada, se não aceitar as experiências das senhoras que todos os dias saem com o seu guarda-chuva embaixo dos braços, como uma espada para enfrentar qualquer desafio. Aquelas tardes pareciam ser imprevisíveis, até porque não conseguíamos sentir os efeitos da rotina, ainda que todos os dias fazíamos as mesmas coisas, pois, não conhecíamos outras formas de ser. — Está vendo aquela rua na lateral da casa? Aqui nada existia de asfalto, o bairro era o limite da cidade e não sei, mas nem passava em nossas mentes modificar essas imagens do não-progresso, como você pode imaginar... você está imaginando, não é mesmo? Ao escutar o cair das rotineiras chuvas no meio da tarde, era o momento para correr. Não, não, não era medo de chuva, sabíamos que em minutos teríamos rios violentos passando em nossas ruas, como você está vendo, por baixo dessas calçadas de cimento estão presos dezenas de passados bagunçados na nossa cabeça. Preste atenção no que estou lhe dizendo, são visões incríveis que posso ter agora. Mas de volta aos rios, corríamos para logo iniciar todo o processo de construção dos barcos, sim, barcos. Sabíamos que a chuva seria rápida, como toda chuva de verão, e em breve rios desafiadores surgiriam nas laterais das ruas. — O senhor está falando de água suja que desce na rua?