Revista Coquetel Molotov 01

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lustração: David Edmundson e mooz

Desenhos Calma 4 Michael Arms 66

Teste Sua caixinha de música com Fred 04 12

Diário de Turnê Dungen 7 The Eternals 10

Entrevistas M. Takara 14 Dinosaur Jr. 17 Zackarias Nepomuceno 18 Konono N°1 19 DAAU 20 Backing Ball Cats Barbis Vocal’s 21 Eto & Gab 22 Architecture in Helsinki 23 Ahlev de Bossa 24 Efterklang e Hisham Bharoocha 25 The Silvias: 20h domingo 26 Juana Molina 27 Cidadão Instigado 30 CocoRosie 34 Wry 36 Jim Black 38 Kevin Blechdom 40 Mike Ladd 44 Almir de Oliveira 46

Resenhas Cansei de Ser Sexy 53 Aphex Twin, Franz Ferdinand 54 Tony da Gatorra, Eu Serei A Hiena Miudezas 61 Compactos de vinil 62

Mais Editorial 6 No Ar 2005 8 Top 20 de Sandro Garcia 50 Carpark / Acute / Paw Tracks 52 O novo metal 64 Estudando Tom Zé 65

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Ilustrações: Stephan Doitschinoff (Calma) Foto: Demian Aspinwall Abaixo “Sem Título” desenho sobre papel 2005 À direita “Mãe da Rua” instalação 2005 Space Gallery, Pittsburgh, EUA

www.stephandoit.com.br

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Editorial do Coquetel Molotov “Estamos de volta!”. É o que costumamos dizer sempre que nosso programa de rádio retorna do intervalo. Alguns meses após a primeira edição (a N°0), voltamos com a edição N°1. Foi ótimo ver que todo mundo adorou nossa primeira tentativa em fazer uma revista, que Silvia Guimarães cuidou muito bem e o resultado é este: gente que apostou na idéia e que está colaborando conosco, como, por exemplo, Abby Portner que faz toda a arte do Animal Collective, além de amigos e jornalistas espalhados por todo o mundo.

Editorial da mooz Quando fomos convidados para fazer o projeto gráfico da Revista Coquetel Molotov N°1, não foi fácil esconder a excitação. Ficamos bem empolgados de trabalhar num projeto com tanta liberdade e espaço para criar de maneira pessoal. Foi uma maratona desesperada de 1 mês e meio, viajando nos textos e na música, e no processo, acabamos descobrindo Cansei de Ser Sexy, Pandora’s Box (longas horas em www.pandora.com) e Iron Maiden (sim, o METAALLL!).

E neste breve intervalo entre as edições, assistimos aos melhores shows das nossas vidas, recebemos muito material e ouvimos alguns dos melhores lançamentos do ano, como o disco do Cidadão Instigado. Tivemos ainda em agosto, o segundo festival No Ar Coquetel Molotov, uma proposta ousada que rendeu shows inesquecíveis, não só para o público, mas para todas as bandas que participaram. Mattias, do Dungen, inclusive fez para nós um resumo em quadrinhos da passagem deles pelo Brasil. Assim, mostraremos um pouco de tudo isso e o que teve de melhor nesses últimos meses. Com muita paixão. Já estamos sem dormir direito há semanas revisando tudo e ajudando o pessoal da mooz a terminar a revista que agora você tem o prazer de ter em suas mãos, para que depois possa nos pressionar (no bom sentido) e perguntar: “quando sai a próxima?”. * Esta revista é dedicada a Ricardo Garcia

Desde o começo a gente pensou em fazer uma revista com uma identidade visual forte, inconfundível. Sabe quando você abre uma revista e sabe que é ela? Então. Para isso desenvolvemos a fonte dos títulos e acabamos com essa história de colunas retinhas (mesmo seguindo uma rígida grade de diagramação). Isso acabou nos deixando mais livres para ilustrar a revista como a gente bem entendesse. Claro que tudo veio bem acompanhado de uma boa dose de estresse e diabetes. Mas o que fica na memória são as longas horas em que trabalhamos e nos divertimos com nossa primeira revista. E no final, foi divertido pra caralho. Quando a gente começa a próxima?

EXPEDIENTE Editora: Ana Garcia (aninha@coquetelmolotov.com.br) Projeto Gráfico: mooz (www.mooz.com.br) Editor de fotografia: mooz (www.mooz.com.br) Co-Editor: Jarmeson de Lima (jarmeson@coquetelmolotov.com.br) Resenhas: Viviane Menezes (viviane@coquetelmolotov.com.br) Negócios: Tathianna Nunes (tathi@coquetelmolotov.com.br) Revisor: Júlio Cavani (juliocavani@hotmail.com) e Roberta Holder (betinhaholder@yahoo.com.br) Jornalista Responsável: Jarmeson de Lima Nascimento DRT/PE 2970 Produção: Coquetel Molotov Colaboradores: André “Balaio” Gomes, André Maleronka, Bruno Nogueira, Bruno Ramos, Carlos Fernando Reis, Dagoberto Donato, Damon Locks, Diogo Todé, Eduardo Ramos, Eduardo Viveiros, Filipe Luna, George Frizzo, Gilberto Custódio, Guilherme Barella, Guilherme Gatis, Guilherme Werneck, Júlio Cavani, Luiz Otávio Pereira, Márcio Custódio, Márcio Padrão, Marcelo Garcia, Renato Henriques de Souza, Rodrigo Levino, Sandro Garcia, Todd Hyman Fotógrafos: Alisson Louback Gonçalves (saidobreu@gmail.com) Consuelo Gregori (cgregori@uol.com.br) Demian Aspinwall (daspin23@yahoo.com) Diogo (/disturbios) (eusereiahiena@gmail.com) Eugênio Vieira (www.eugeniovieira.com) Heike Schneider-Matzigkeit (www.thyshell.com) Jamile Vasconcelos (jamilebv@hotmail.com)

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João Z (www.joaoz.com) Marcos Vasconcelos (d_a_n_i_t_a_@hotmail.com) Renato Custódio (rc_custodio@yahoo.com.br) Rossana Menezes (www.atravesdalente.com) Stuart Nicholls (www.stunphoto.plus.com) Ilustradores: Abby Portner (bucket23@aol.com) David Edmundson (platatop@hotmail.com) Stephan Doitschinoff (www.stephandoit.com.br) Fernando Catatau (cidadaoinstigado@yahoo.com) Hisham Bharoocha (hbharoocha@hotmail.com) Lovefoxxx (www.lovefoxxx.com) Mattias Gustavson (den_store_onde@hotmail.com) Michael Arms (michael@lobo.cx) Rti9 (www.rti9.com) Victor Zalma (zalma_eh_purosuingue@hotmail.com) Fotografia de capa: Renato Custódio Ilustração de capa: mooz

mooz é: Daniel Edmundson, Eduardo Rocha, Gustavo Gusmão Enviar material para: Coquetel Molotov Caixa Postal 6280 CEP: 52041-000 Recife-PE Site: www.coquetelmolotov.com.br Rádio: Todos os sábados das 11h às 12h na Universitária FM, 99.9 www.tvu.ufpe.br Esta revista utiliza a fonte Coquetel Molotov, exclusivamente desenvolvida pela mooz para os títulos das materias

Impressão: Gráfica Flamar Tiragem: 2.000 Exemplares

Todos os textos, fotos e ilustrações estão no CC sob a Licença Creative Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Brazil Commons, exceto as fotos de divulgação http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/br/

Agradecimentos: Mozart Neves (SEDUC), Rodrigo Barros (SEDUC), Prefeitura do Recife, Rádio Universitária FM, mooz, Trincheira Filmes, Virtuosi, Carlos Eduardo Miranda, Diana Gazatti, Fred Lasmar, João Z, Ronaldo Lemos, Silvia Guimarães, família, amantes, amigos, colaboradores e você

A revista Coquetel Molotov tem o patrocínio do Governo do Estado

Coquetel Molotov é: Ana Garcia, Jarmeson de Lima, Tathianna Nunes, Viviane Menezes

A REVISTA COQUETEL MOLOTOV É GRATUITA E NÃO PODE SER COMERCIALIZADA


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Ilustração: Mattias Gustavsson (Dungen)

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Palavras: Jarmeson de Lima Fotos: João Z Ilustração: mooz

Em 2004 o No Ar Coquetel Molotov atraiu um público interessado e nostálgico em conferir as músicas do Teenage Fanclub. Neste ano, com atrações das mais diversas e representando as novas tendências da música, o No Ar 2005 levou por dois dias ao campus da UFPE um pessoal curioso e a fim de ficar antenado naquilo que os produtores do evento resolveram apostar. E para quem foi ao festival, as surpresas foram muitas e realmente gratificantes. A começar pelo formato, que inovou ao trazer showcases integrados a projeções de vídeo, produzidas sob medida para cada banda. A sala escura, num ambiente quase intimista, provocou reações das mais diversas da platéia, que interagia ou apreciava sentada, de acordo com a atração. Do lado de fora da Sala Cine UFPE, as pessoas se encontravam, confraternizavam e aproveitavam a Mostra Cultural para, por exemplo, comprar discos novos no stand da Peligro Discos e dos demais selos que se encontravam presentes. Por conta disso, a todo instante havia gente circulando pela área externa, que ficava bastante lotada nos intervalos dos shows. Quando chegava a hora de começar as apresentações no Teatro, o público já ficava impaciente para conferir tanto as bandas locais, quanto as internacionais convidadas. As duas noites revelaram ao público recifense gratas surpresas, como aconteceu com o show do Hurtmold e com o do Berg Sans Nipple, que muita gente confessou ter sido o melhor show que viu no ano. E note que essas nem eram as principais atrações de cada dia. Porque as principais bandas, Dungen e The Kills, corresponderam à altura da expectativa de todos aqueles que foram até o festival unicamente para vê-los, dando uma verdadeira apresentação de psicodelia, rock e atitude. E mesclando todas essas emoções, o No Ar 2005 deixou boas impressões na cidade, que presenciou um evento de grande porte ao mesmo tempo sofisticado e pronto para mostrar revelações, surpresas e bandas boas de verdade!

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Palavras: Damon Locks Fotos: Damon Locks Ilustração: David Edmundson e mooz

No nosso primeiro dia em São Paulo, encontramos com Guilherme, do Hurtmold, Angela e Fred, do Submarine, e fomos para o El Rocha. O El Rocha, estúdio dirigido pela família de Maurício (baterista e trompetista do Hurtmold), era o local de encontro. No estúdio, fomos bem recebidos por Pascoal, o mascote do lugar. Nada acontece no estúdio sem ser visto cuidadosamente por Pascoal. Deixamos as nossas bagagens no hotel, o nosso equipamento no estúdio e fomos com Guilherme e Maurício comer churrasco. Apesar de não gostar de carne, a comida era deliciosa. Terminamos a noite cedo porque estávamos cansados da viagem. No dia seguinte, nos encontramos novamente no El Rocha antes de sair para o almoço. Fomos acompanhados por Marcos (guitarrista do Hurtmold) e o “Jay-Z brasileiro” (Cleber Dantas). Fomos para um lugar chamado Feijão Mágico. É um restaurante com um buffet maravilhoso. O suco é fresco e delicioso. Não demorou muito para retornarmos para o El Rocha e colocarmos todo o equipamento na van e seguirmos para o SESC. Enquanto estávamos esperando no SESC, acabamos ficando no lado de fora com ninguém menos que Elza Soares. Nunca ouvimos falar dela, mas essa viagem logo remediou essa situação (depois eu comprei um disco dela intitulado Elza Pede Passagem).

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Decidimos que iríamos colocar um nome para cada dia da turnê:

Lemon Volcano Tour: O show vendeu algumas centenas de ingressos, o que foi muito animador para nós porque tivemos ótimos momentos na última vez que viemos a São Paulo e estávamos felizes por voltar com uma recepção tão boa. Hurtmold soou ótima nessa noite. O nosso show foi animado, mas tivemos problemas de som que atrapalharam a nossa performance. Também tivemos problemas insolúveis com o teclado de Tim. Tentando resolver isso tudo, meio que perdi o vento da minha navegação para ficar realmente feliz com o show. Depois, conversamos com pessoas maravilhosas que gostaram do show. O nosso amigo Nicolas estava lá. Ele era uma pessoa que eu estava querendo encontrar novamente. Na última vez em que fizemos uma turnê pelo Brasil, ele viajou junto. Infelizmente, ele não pôde viajar conosco dessa vez. Ele e a sua namorada deixaram tudo mais divertido nessa noite. Enquanto estávamos desmontando o nosso equipamento e arrumando tudo, descobrimos que vendemos quase todo o nosso merchandise na primeira noite. Isso foi tanto animador quanto frustrante, pois poderíamos ter trazido mais discos para vender. Nunca vendemos tantos discos de uma só vez no EUA.

A Terrible Mess Tour: No dia seguinte, depois de um almoço delicioso e uma parada para um café, arrumamos a van e seguimos para São Carlos. O SESC de São Carlos foca mais em esportes. Ele tem quadras de tênis e piscinas. No lobby, uma banda


inacreditável tocava. Eu não consigo lembrar o nome do grupo, mas eu tirei fotos e fiz um pequeno filme de uma das músicas com a minha máquina digital. Fizemos uma entrevista para uma TV sobre como fomos bem tratados pelo SESC. Quando Hurtmold subiu no palco, eles estavam pegando fogo. Eles soaram o melhor que eu já vi. A sua música soava excelente ecoando pelas montanhas. O público era mais jovem do que no show de São Paulo. Eu fiquei um pouco preocupado sem saber se eles iriam gostar da nossa música, mas o show foi muito bom e eu acho que tocamos melhor do que em São Paulo. O som no palco estava muito melhor para nós e nos sentimos bem naturais (apesar de a performance da música nova, “Crime”, ter sido afetada porque nem Tim e nem eu pudemos escutar o baixo de Wayne direito). Eu acho que fizemos um bis nessa noite. Depois que terminamos de tocar e estávamos saindo do palco, um cara perguntou se ele poderia tocar flauta com a gente.

Os shows terminaram. A turnê foi um sucesso. Eu acho que tocamos bem ao todo. Mas eu queria que o show de São Paulo tivesse sido forte. Logo começamos a conversar sobre quando poderíamos voltar para tocar novamente. No dia seguinte, fomos comprar discos, claro. Foi quando eu descobri Elis Regina. Eu acho que ela tem uma voz incrível e a sua música é linda. O meu favorito dos três discos que eu comprei é um chamado Samba Eu Canto Assim. Todos nós compramos muitos discos enquanto estávamos lá. Todos do Hurtmold nos ajudaram com sugestões de música brasileira que eles achavam que iríamos gostar. Tim voltou pra casa. Nos dias seguintes, comemos, escutamos música, compramos mais discos e fizemos um pouco de gravação. Trouxemos um pouco de cocada para casa para os nossos amigos.

A viagem de volta pareceu mais longa do que a ida.

Yeah Jungle Tour: E no terceiro e último dia da nossa turnê, eu fui andar e tirei muitas fotos de lugares e arquiteturas de São Paulo. Eu acho a arquitetura da cidade linda e inspiradora. Muitos dos nossos novos amigos viajaram com a gente para Taubaté. Era um dia chuvoso e a parte principal do local tinha uma área aberta para o céu. Ficamos preocupados se o nosso show seria afetado por causa do clima. Guilherme e Marcos estavam discotecando também. Eles tocaram jazz, ska, dancehall, funk e soul. Os meninos e as meninas do Hurtmold são como uma família. Fizemos uma entrevista para... Eu não sei exatamente para o quê. Mas os jovens eram muito gentis. A noite foi ótima. A discotecagem foi ótima. Toda a vibe foi completamente inspiradora. O show foi muito agressivo e forte essa noite. O palco era pequeno e estávamos muito conectados com a audiência. Foi ótimo. Esse dia foi o aniversário de Wayne. Durante o show, a platéia cantou parabéns enquanto estávamos no palco e foi muito legal.

No dia em que voltamos, Wayne e eu adicionamos sintetizadores para algumas gravações que o pessoal do Hurtmold fez com Rob Mazurek sob o nome de “São Paulo Underground”. Nos sentimos muito afortunados por termos voltado ao Brasil para tocar. Esperamos voltar novamente em breve. A música e a cultura brasileira são ricas com criatividade. Eu amo esse lugar e agradeço a todos por irem ao nosso show e por escutarem a nossa música. Eu preciso aproveitar esse momento para dizer que as mulheres do Brasil são umas das mais maravilhosas do mundo. Obrigado. Damon

Chegamos a São Paulo em torno das 6 da manhã e o sol já tinha nascido.

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Testado por: Jarmeson de Lima Ilustração: Victor Zalma

Quem nunca foi a um show do Mundo Livre S/A e não presenciou um discurso, mesmo que breve, do líder da banda, Fred 04? Pois é, misturando ativamente e cada vez mais a arte e a política, ele é um desses músicos engajados. E, de fato, digamos que o mundo precise de gente assim para se contrapor a uma manada de outros artistas que fazem coisas sem pensar e se deixam levar sem saber pelo mercado. E nesta breve entrevista em que Fred 04 pôde ouvir algumas músicas e falar o que pensa sobre tudo, seu discurso se confunde com seu gosto musical e suas memórias. Isso faz parte de sua personalidade contestatória, que à frente de uma banda que foi um dos pilares do manguebeat, soube encarar, com a mesma postura, momentos em que foi mais ”aceito” pelo mercado, com outros momentos de militância anti-indústria cultural. E nesta Caixinha de Música, Zero Quatro, como de praxe, faz revelações e solta algumas frases, nem tão bombásticas assim, é verdade, mas que causam um impacto necessário e positivo pra quem quiser escutar.

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The Stranglers

Jards Macalé

Pio Lobato

“No More Heroes”

“Mambo da Cantareira”

“Maculelê Mix”

Stranglers! Essa música é do caralho! Mas a minha preferida é “Nice ‘n’ Sleasy”. Inclusive a gente tem um projeto de fazer uma banda cover de músicas do Stranglers só em versão de samba.

Ouvindo assim eu não conheço. Mas tem jeito de ser carioca.

E quando foi a primeira vez que você ouviu Stranglers? Eu conheci o Stranglers quando eu e Renato (Lins) descobrimos o punk, algo quase ao mesmo tempo. Isso foi eam 80 e pouco. A gente descobriu um sebo de discos na Praça Maciel Pinheiro, que era de um metaleiro maluco que era halterofilista e crente. E os discos que tinham por lá de punk, do Sex Pistols, edição vinil original, por exemplo, o cara vendia a 0,10 centavos, por aí... Ele não gostava daquilo e não tinha informação sobre punk. Aí vendia por esse preço mesmo. E esse disco do Stranglers que a gente achou por lá, nem tinha capa, era só o vinil ali jogado. Eu pirei com esse disco e outro deles que a gente pegou depois. Fiquei absolutamente viciado em Stranglers nessa época. Engraçado que recentemente descobri que a produção dos discos era deles mesmos. E o que mais me impressionava desde então era o som do baixo. Sempre fiquei com dúvida sobre o som que eles tiravam, se era com alguma peça de amplificador quebrado, ou coisa assim com overdrive, porque nunca tinha ouvido uma banda com um som de baixo tão violento como o do Stranglers. Mas só dia desses é que fui tirar essa dúvida. Foi quando comprei uma coletânea nova deles fui mostrar ao Junior Areia, que entende pra caralho de captação e gravação de baixo. Perguntei a ele como era isso. Ele disse na hora: “Ah, isso é um Rickenbaker com um distorcedor”.

Exatamente e é antigo também. É Jards Macalé. Ah sim, Macalé. Não conhecia essa vertente mais caribenha dele. Já ouvi muito Macalé cantando Moreira da Silva, interpretando muito samba de breque, e eu acho ele um puta músico. Dizem até que foi ele quem ensinou Caetano Veloso a tocar violão. Mas hoje em dia os dois são brigados por conta de uma disputa de egos violenta. Mesmo assim eu boto fé que ele é mais fuderoso em harmonia do que Caetano... (pausa) Tem uma puta orquestra fuderosa nessa música também. Gostei. Mas se fosse algo assim novo, eu acharia meio fuleragem.

Tô achando legal. É aquele tipo de música que você demora um pouco a achar o “1” do compasso, o que torna o troço uma coisa mais interessante. Você fica até sem saber como é, porque começa só com os loops, sem uma batida e aí você fica muito condicionado a pegar o compasso via bateria. Tem inclusive um timbre legal de guitarra.

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(pausa)

Por quê? Porque hoje já virou um negócio meio oportunista essa história de montar orquestra pra botar a classe média pra bailar assim. Na década de 90 teve aquele revival do original cubano com o Buena Vista, Compay Segundo, Cuban All Stars... E hoje em dia fazer um negócio desses no Rio de Janeiro é assim até meio oportunista...

Esse é o projeto de um dos guitarristas do La Pupuña, de lá do Pará. E isso foi gravado lá mesmo? Bacana. Eles estão com um pólo industrial já muito autônomo. E a gente aqui não tem a menor idéia da quantidade de coisas que rola por lá. É massa porque aqui a gente tem um preconceito de que as coisas que rolam no Pará tem uma cultura precária, mas que é interessante porque a gente vê que eles conseguem gerir e administrar essa história de maneira bem autônoma. E na hora que você ouve um negócio desses, que tem uma gravação massa, é do caralho! Digo isso porque aqui mesmo em Recife, já havia um tempo em que a galera fazia umas coisas assim, mas a maior dificuldade era gravar esse som. Principalmente porque os técnicos dos estúdios já estavam totalmente viciados em determinados timbres e era difícil tirar um som legal de um estúdio aqui.


Fellini

Tortoise

Lado 2 Estereo

“Teu Inglês”

“It’s All Around You”

“Sambaque Torto”

É o Fellini! É do caralho mesmo! Eu me lembro que, nessa época, a gente ouvia muito Fellini junto. Era eu, Chico (Science), Mabuse, Renato, Dolores... A gente se juntava na casa de Hélder (Dolores) ou Mabuse e fazia altas sessões com aditivos pra ouvir coisas novas. Fellini se tornou por um bom período algo muito muito cult mesmo entre a gente. E o que eu achava massa é que nesse tempo não havia muito isso de usar computador na produção de um disco. Ninguém nem sonhava com isso de fazer música com essa tecnologia e essa produção caseira via ProTools - o que hoje em dia facilita pra caralho. Mas os caras gravavam num gravador caseiro de quatro canais com uma bateria eletrônica assim bem vagabunda e barata e o resultado era incrível, muito bom. Cheguei inclusive a ver um show do Fellini nessa época, no Sesc, em São Paulo, em 88. Por isso é que, pra mim, um dos melhores letristas de todos os tempos da música brasileira é Cadão Volpato. Tem gente que fica falando por aí, fazendo listas e dizendo que os melhores letristas foram Renato Russo e Cazuza. Vá se foder. Que nada!

Psicodelia... Brasilidade...

É um samba bem pop. A melodia é meio assim...

“... um dos melhores letristas de todos os tempos da música brasileira é Cadão Volpato. Tem gente que fica falando por aí, fazendo listas e dizendo que os melhores letristas foram Renato Russo e Cazuza. Vá se foder” Fred 04

Acha mesmo? É, a bateria é meio bossa nova. Não é uma coisa muito óbvia, mas tem uma influência. É o Tortoise. É de um disco mais novo? É sim, It’s All Around You, que foi lançado ano passado. Pois é, eles já chegaram a acompanhar Tom Zé em turnê e tal. Então, acho que, com isso, eles têm um pezinho na música brasileira também. Bem, eu considero eles um modelo, uma boa referência pra todo mundo que faz esse pop e essa música mais experimental. Tem muito de minimalismo, de trilha sonora, mas consegue transmitir uma coisa pra você. Eu tenho o TNT, mas ele é meio diferente deles nessa música, não é?! Nessa coisa de música experimental, pensando em bandas e grupos abaixo da linha do Equador, é meio quase inviável esse experimentalismo em termos de mercado. A não ser em lugares como São Paulo e olhe lá! Isso porque o circuito independente por lá é gigante. Mesmo nos Estados Unidos ou na Inglaterra, você até consegue se manter e se manter fiel a um negócio altamente radical e experimental porque mesmo algo que tem um mercado bem restrito e pequeno acaba sendo muito grande por lá. Principalmente se for comparado com o que existe aqui. Então eu acho que fica meio inviável fazer algo assim por aqui. Mas também é bom ter essa coisa de se manter convicto e fazer o que gosta. Assim, depois de um tempo, vai se consolidando e criando um público fiel e tendo consciência disso.

É de uma banda do Piauí. Ah, Lado 2 Estereo? É engraçado isso. Tenho uma história legal desses caras. Quando a gente foi tocar uma vez em São Paulo, encontramos com um deles nos bastidores. Aí ele mostrou o CD e falou “E aí cara, a gente ouve Mundo Livre pra caralho!” (risos) E é uma influência bem nítida deles. Pois é! Mas já que a gente tocou nesse assunto de influência, vou até contar uma história dessas, que a gente até fica meio surpreso quando descobre. Noutro dia tava batendo papo com uma figura daqui e essa figura comentando que o Mombojó não tem muito a ver com a cena daqui e completando que parecia muito mais com Los Hermanos do que com qualquer outra coisa do Recife. Aí outro junto já rebateu: “Ah, mas já teve muita gente falando que eles têm mais a ver com o Mundo Livre. Tem cavaquinho, violão, a voz é parecida...”. E por aí vai. Mas o que pouca gente sabe é que as duas coisas até que têm a ver. Eu tinha recebido a primeira demo do Mombojó, na época em que eles ainda se chamavam Mombojó Ragajá. Eles fizeram questão de me dar e dizer que tinha muito a ver com o Mundo Livre, porque eles faziam até cover da gente nos shows. Mas nem lembro qual era a música da gente que eles disseram que tocavam... (pausa) Mas agora a outra parte. Há algum tempo eu tive uma conversa bem interessante com o Los Hermanos. Em nossos primeiros shows no Rio para um público maior, em alguns festivais, tinha sempre uns carinhas bem novos que apareciam no camarim pra me entrevistar. Eles faziam uns zines e nem sei se eles tinham banda na época, mas a gente chegou a ser capa de um fanzine deles, inclusive. Depois de um tempo, foi que eu vim saber que eles eram os caras do Los Hermanos. (risos) E aí eles mesmos vieram me encontrar, na época da Abril Music, e relembraram quando iam no camarim falar comigo. E uma das repórteres da revista Trip que estava junto de mim nessa hora, depois me falou que eles realmente curtiam Mundo Livre pra caralho também!

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Palavras: Filipe Luna | Fotos: João Z | Ilustração: rti9 e mooz

Esse é um momento que eu vou lembrar por muito tempo. É a primeira vez que entro nas dependências do já lendário estúdio paulistano El Rocha. Ainda não é nenhum Hitsville USA (antigo estúdio da gravadora Motown), provavelmente nunca vai ser, mas a influência que esse estúdio tem na música que é feita hoje em dia em São Paulo é imensa.

O seu primeiro disco parecia um trabalho mais introspectivo e solitário, apontando para várias direções. Nesse novo disco, parece que você define ainda mais a originalidade de sua música. É uma evolução natural do que havia sido explorado anteriormente? Eu nunca tinha pensado muito desse jeito, mas acho que faz sentido. Aquele primeiro disco é mais como uma coletânea, por isso ele tem essa cara. Tem músicas de várias épocas diferentes, eu comecei a gravá-lo uns três ou quatro anos antes dele sair. Por isso que ficou com essa cara... Eu também acho que tem várias direções diferentes dentro dele. Esse Esta não é uma noite comum. Dentro do estúdio, a bagunça novo perdeu um pouco essa cara porque foram umas músicas que é generalizada. Lá organizam os últimos equipamentos e acabaram aparecendo quando eu montei o show pro projeto. Então, instrumentos para a primeira turnê européia do Hurtmold, já tava com uma sonoridade mais de banda, apesar de nem ser, mas já tem um pouco mais. E eu já estava sabendo bem melhor o que banda do baterista prodígio Maurício Takara. Não se sinta eu queria, apesar de eu já ter mudado bastante minhas produções constrangido se você não ouviu esse nome antes. É assim depois de ter saído o disco. Acho que faz sentido sim, para mim foi mesmo, ele é um segredo bem escondido. Não por muito uma evolução natural. tempo, no entanto. Takara é um daqueles músicos preciosos

que não aparecem todo dia. Segue a linhagem dos grandes bateristas brasileiros como Wilson das Neves, Mamão, Dom Um Romão, Milton Banana, Edison Machado. Ainda assim ele é mais que todos esses. Além da bateria, domina guitarra, trompete, vibrafone, computador, sampler, entre outros. É um compositor meticuloso, perfeccionista e brilhante. Tenha certeza de que daqui a algumas décadas as futuras gerações de jovens músicos garimparão sebos, se esses ainda existirem, pelos discos que ele compôs ou nos quais tocou, assim como os de hoje buscam os das lendas referidas acima. Ele é bom assim. Em 2003, lançou seu primeiro disco solo, M. Takara (Submarine Records), que foi aclamado pelos poucos privilegiados que tomaram conhecimento de sua existência. Gravado ao longo de três anos, mostrava um Takara diferente do que faz no Hurtmold, explorando gêneros como free jazz, dub, IDM, hip-hop. Um disco que começava a desvendar que, além de um músico excepcional, existia nele a capacidade de compor trabalhos autorais. O segundo disco foi lançado em maio deste ano, M. Takara com Chankas e Jon (Slag Records), e mostra um Takara mais maduro e com uma identidade sonora mais desenvolvida. O resultado do disco é mais próximo do que ele mostra em suas apresentações ao vivo. Virtuose instrumental exuberante e composições ainda mais elaboradas que no trabalho anterior.

É interessante porque no primeiro disco, quando a gente ia ao show, via que não tinha nada a ver... É, tinha nada... Como se o disco fosse uma coisa e o show fosse outra. Fazer tantos shows com Fernando e começado a trabalhar com Jon influenciou o segundo disco? Certeza, isso acabou influenciando bastante. Até por isso coloquei o nome do disco citando os dois, porque achei que, com certeza, fez uma diferença grande do que quando era eu só no mesmo esquema. As músicas ainda são todas minhas. Eu que fiz tudo, mas teve o jeito deles tocarem e essa colaboração muda bastante. Foi uma coisa bem colaborativa mesmo, não é como se eles fossem artistas convidados então? As faixas em que eles estão, eu acabei criando muito em cima deles. As coisas que eles me apresentavam e o jeito deles tocarem. Aproveitar isso mesmo, não simplesmente fazer alguma coisa e falar “toca”. Sendo você primordialmente um baterista, apesar de tocar uma infinidade de instrumentos, como funciona seu processo de composição? Funciona de várias formas diferentes. Ultimamente tenho começado mais a partir do eletrônico, de programação, de samplers. Trabalho com bastante som externo, ambiente, de coisas assim, sabe? É nisso onde eu tenho buscado mais o ponto de partida para a composição, mais do que aspectos musicais. Isso tem mostrado muita coisa nova para mim. Pegar algum barulho, algum timbre, alguma sonoridade bonita e ver o que me traz.

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Você está mais pesquisando então... É, tenho ido mais pra esse lado. A partir disso, eu começo a desenvolver todo um trabalho mais musical, de achar tom dessas coisas, um ritmo nelas. Às vezes eu recorto tudo também. É interessante que você esteja falando de sonoridade porque, quando uma produção independente é ruim, normalmente tem uma captação e afinação de bateria horrorosa. A bateria que você toca é de uma sonoridade fantástica, no entanto, a bateria eletrônica que você usa é das mais simples, bem tosca. Ainda assim, faz sentido na composição sonora do trabalho. Isso é intencional? É quase intencional no sentido que, quando eu uso batida eletrônica, eu não quero reproduzir algo que eu poderia estar tocando. Até por eu ser baterista não faria muito sentido. Eu só uso a batida eletrônica porque é uma coisa que eu não consigo reproduzir na bateria, ou por questão de timbre, ou por questão do instrumento mesmo. Tem coisa que você não consegue reproduzir. Quando eu estou tocando bateria, quero deixar a coisa bem com o meu jeito de tocar bateria, em geral bem sujo, bem cheio de nota, bem variante. Quando eu toco bateria eletrônica, em geral é uma coisa bem mais de robô mesmo e com timbres que não têm nada a ver com bateria acústica. Pra ver que é eletrônico mesmo. Por que as faixas continuam sem nome? Cara, acabou sendo pelo mesmo motivo do outro disco. Fui fazendo as músicas, gravando as coisas, e muitas vezes nessas músicas eu não gravava em cima delas no formato canção mesmo, de música. Muitas vezes eu as faço até o final sem começo, meio e fim. É uma idéia que está ali, que eu desenvolvo. Faço um monte disso, gravei um monte de coisa, juntei um material grandão e tentei dar um sentido pra elas na hora de montar o disco. Na verdade, o disco é uma coisa. Eu separo tudo pra não ficar uma coisa chata também; eu poderia fazer uma faixa só com tudo e para mim faria sentido até. Claro, tem os momentos, tem as diferenças, mas pra mim o que faz sentido é o disco mesmo, o conjunto das músicas. Tanto que no disco inteiro tem uma pausa, que nem tinha, mas eu ouvindo bastante achei que precisava dar uma respirada. O resto é tudo uma grudada na outra. Até poderia dar nome. Na verdade, tenho feito ultimamente umas músicas que já apareceram com nome, que eu provavelmente vou manter.

geral. Até, tipo, às vezes tem uma coisa ou outra que não é a minha cara, mas o jeito que ele encara a coisa eu acho bem legal também. E as influências musicais? Quem foram os artistas que ajudaram a dar forma ao teu som? Na hora de fazer som mesmo, eu meio que me desvinculo. Mas assim, de qualquer forma, tem artistas bem importantes atualmente para mim. O John Coltrane, com certeza, é um cara que foi muito importante. Quando ouvi o A Love Supreme pela primeira vez, era moleque, e foi foda. O Fugazi, pra mim, é uma das maiores bandas que já teve. Esses são os top mesmo, os caras que são hors concours, coisas que ouço há muitos anos e nunca deixei de gostar nem um pouco. Engraçado até, tava conversando disso ontem com o Guilherme (Hurtmold). Eu falei: “Cara, faz muito tempo que eu não escuto A Love Supreme. É um disco que eu gosto tanto que eu nem escuto”. Está ali, na cabeça. Num sei o que é, eu num escuto muito. Toda essa galera do free jazz foi bem importante porque deu uma mudada no conceito que eu tinha, até então mais fechado, de música. Tipo Albert Ayler, Pharaoe Sanders, o baterista Milford Graves, essa rapaziada fez mó diferença pra mim. Modern Jazz Quartet? Nem tanto. Todo mundo pensa isso. Eu gosto e tudo, até tinha uns discos do meu pai, mas nunca foi uma parada que eu peguei tão forte assim. Esse lance de percussão mais harmônica, tipo o vibrafone, eu sempre gostei muito de músicas do sudeste asiático. Música da Indonésia, aquelas músicas religiosas que eles usam muito sino, isso eu sempre gostei, sempre me interessou muito. No meio do rock, com certeza o Tortoise foi uma banda que usou de uma forma que eu falei: “Caralho!”. Gostava até de coisa meio progressiva, tipo Frank Zappa, que usava essas coisas, algumas coisas do King Crimson. O Tortoise era tipo uma banda quase punk que começou a usar isso e porra... Todos esse são os nomes importantes. Tem alguém em especial com quem você gostaria de gravar algum dia, do Brasil ou do exterior? Porra, deve ter, com certeza tem. Na verdade, o trabalho com Rob está sendo bem legal pra gente e o plano é, sempre que possível, ficar desenvolvendo essa coisa junto. Eu estou com um projeto com ele, meio definitivo. A gente está fazendo um lance junto, que ainda nem tem nome exatamente, nem um formato exato. Provavelmente não vai ser nem só eu e ele. Mas a gente já está fazendo música junto. Até esse CD aqui, eu estou queimando pra entregar pra ele amanhã.

O que ou quem inspira você hoje em dia a fazer música? Você tem fama de não gostar de nada, mas deve ter alguma coisa hoje em dia que ainda agrade. Não, tem sim. Gosto de coisa pra caralho. É que isso aí... Sei lá... Mas, porra, o que me inspira na verdade, o que me faz fazer música... Sei lá, cara. É uma coisa muito natural pra mim, é o que eu penso, é minha vida na real. É o que me faz acordar e querer fazer. Tipo, tomar café da manhã e sair pra rua pra fazer. Mas em termos de artistas assim, pô, tem um monte de gente que eu gosto bastante na verdade. O trabalho de Rob Mazurek com a gente tem sido Disseram que você já tem mais um disco solo quase pronto, é verdade isso? bem próximo ultimamente. E é um cara de quem eu gosto bastante, de todas Cara, disco novo ainda não. Assim, teria... Só que eu não vou fazer isso, as variações. Solo, com o Chicago Underground, agora com o grupo novo tipo, de já escolher. Porque assim como eu fiz com esse outro aí, eu dele, o Mandarim Movie. É louco assim. A gente se conheceu, em realidades pensei nele tipo, todo o material, e fui trabalhando e retrabalhando e momentos completamente diferentes, mas eu me identifico pra caralho durante muito tempo. Eu quero fazer isso, mas já tem coisa pra com a estética e tudo dele. O Carlos Issa, do Objeto Amarelo, está com um caramba! Até nos shows eu já venho tocando algumas coisas novas. projeto que eu estou achando bem legal que é “O Dia”. Tem esse saxofonista Já tem umas dez ou doze músicas. Como eu estou começando a fazer que é o Thomas Rohrer, com quem eu estou tocando também. É um suíço esse lance com Rob, quero ver se algumas dessas coisas eu uso com que mora aqui faz tempo. Ele tem uns projetos de livre improvisação, ele. Até pra ver no que vai dar, porque minhas coisas sempre foram mais free jazz, que são bem legais. Four Tet também é um cara bem do meu jeito e, por mais que tivesse os outros caras, eu meio que que eu sempre gosto das coisas que ele faz. fechava tudo antes. Com ele eu quero ver se começo do zero algumas coisas, pego umas idéias bem no começo e trabalho com ele. Não gostei muito do disco novo dele não, os outros são melhores. Não ouvi ainda, mas ouvi um EP que ele fez com uns remixes do Madvillain e achei bem fodão. O Prefuse 73 eu gosto bastante em

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Palavras: Dagoberto Donato Foto: Divulgação Ilustração: mooz

O Dinosaur Jr está de volta... Nas lojas, com a reedição dos três primeiros e fundamentais álbuns do grupo, Dinosaur (Homestead, 85), You’re Living All Over Me (SST, 87) e Bug (SST, 88), que chegou ao Brasil pela distribuidora Peligro. E nos palcos, com a formação original, em uma turnê que lotou casas noturnas do EUA e Europa e passou por festivais como Reading, Leeds e Benicassin. O retorno surpreende, uma vez que J Mascis (vocais e guitarra), Lou Barlow (vocais e baixo) e Murph (bateria) nunca se entenderam. A conturbada relação entre os integrantes, principalmente Mascis e Barlow, porém, servia de combustível para as incendiárias apresentações da banda. Mascis, uma vez, definiu os shows desse período como um “psicodrama sobre o palco”. “Havia muita tensão entre nós”, diz Murph, minutos antes da passagem de som para um show em Amsterdã. “Uma vez o J ficou nervoso com o Lou e bateu com a guitarra nele no meio de um show. O Lou só se defendia com o baixo. Naquele momento tive vontade de correr atrás dos dois, dar uma chave de pescoço em cada um deles e bater uma cabeça na outra. O pior foi a platéia ter pensado que era tudo uma piada. Recebi vários tapinhas nas costas de pessoas me cumprimentando pela cena”. O episódio ficou famoso como o catalisador da saída de Barlow do grupo, pouco após o lançamento do terceiro álbum. “Fomos à casa do Lou e o J não falou nada. Ele nunca falava nada. Então eu comecei a falar, mas ele entendeu que estávamos acabando com a banda. Nós já tínhamos chamado outro baixista e estávamos com uma turnê agendada na Austrália. Quando o Lou ficou sabendo, ficou muito bravo e foi atrás de nós. Tivemos que agüentá-lo gritando por horas”. Amigos de infância encantados com bandas da primeira leva do underground americano dos anos 80, principalmente as da gravadora SST, então lar do Sonic Youth, Black Flag e Meat Puppets, os dinossauros apareceram em 1985, surpreendendo a todos com um som que absorvia influências do country rock dos anos 70 e da new wave britânica, e que trazia de volta os longos solos de guitarra, algo então fora de moda. Tudo soterrado por uma incrível avalanche de distorção e ruído e coroado pela sonolenta voz de Mascis. Não demorou para que fossem apadrinhados pelos ídolos Sonic Youth e, na sua primeira excursão pela Europa, endeusados pela crítica britânica.

O legado da fase inicial do Dinosaur Jr se estende pelos dois lados do Atlântico. No Reino Unido, são creditados como grande influência para o surgimento da cena shoegazer. “O Kevin Shields, do My Bloody Valentine, era nosso fã e nós éramos fãs dele. Influenciamo-nos mutuamente”, diz Murph sobre o maior expoente do estilo. Nos EUA, fizeram a cabeça de toda uma geração do rock alternativo. “Ajudamos a pavimentar o caminho para algumas coisas legais dos anos 90, como o grunge”, acredita. Também foram alçados à condição de grandes representantes dos chamados slackers – a apática juventude classe média da época. Murph desdenha: “Nunca pensamos muito sobre isso. O J nunca foi um slacker. Ele trabalhava, fazia músicas. Acabou sendo rotulado porque não falava muito e gostava de ver TV”. Poderia ter sido o Dinosaur Jr no lugar do Nirvana? Logo que Nevermind estourou, Barlow, bêbado, encontrou-se com Mascis e aos berros insultou-o, dizendo que sim. Mas a essa altura, a banda já tinha contrato com uma major e conhecia relativo sucesso sem Barlow, que seguiu gravando trabalhos no Sebadoh, Folk Implosion, Sentridoh e outros. “O Nirvana tinha química e era mais acessível que a gente. Acho que seríamos uma banda como o Metallica, não em termos de som, mas de carreira. Eles começaram underground e ficaram maiores a cada disco. Mas nunca explodiram”. A banda, no entanto, encerrou suas atividades em meados dos anos 90. Nesta nova encarnação, o clima entre os integrantes do grupo parece mais ameno. “É muito melhor hoje em dia. Estamos muito mais maduros. O Lou trouxe a família, o bebê. Agora conseguimos nos dar bem”, atesta Murph. O futuro, porém, é incerto. O baterista ainda não sabe o que acontecerá depois do encerramento da turnê. O motivo é o mesmo de sempre: “Não conversamos sobre o assunto. O J não fala muito. Então não sabemos. Na verdade, ele não mudou muito de lá pra cá”.

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Palavras: Viviane Menezes Foto: Marcos Vasconcelos

Túlio Flávio, o Zackarias Nepomuceno, é um artista por vocação. Ele começou a tocar teclado aos nove anos de idade e logo em seguida foi pra o violão, guitarra, contrabaixo e tudo que passava na sua frente. Instrumentos não faltavam, já que o seu pai também tocou numa banda na década de 60. A brincadeira de criança deu certo. Hoje, ele é um multiinstrumentista de mão cheia e, acima de tudo, um poeta do cotidiano. O músico paraibano é ligado à cultura sixties, do pós-punk, do brega, e tudo mais do que foi ou é referência na sua vida. Sozinho, mas com mil idéias na cabeça, ele faz suas composições em um gravador caseiro. A música é a sua profissão, mas também é a forma que ele encontrou de fugir dos seus demônios, de se conhecer melhor, falar das coisas que o cercam. Em suma, é através dela que ele respira, está vivo.

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Com apenas duas demos lançadas, a última faz parte da trilha do filme paraibano O Cão Sedento (exibido na nona edição do Cine PE), Zackarias ou Túlio foi atração do festival MADA 2005. O músico segue o seu caminho tranqüilo e quieto. Até quando, ninguém sabe, porque ele é uma ‘bomba’ pronta para estourar. Como surgiu o nome Zackarias Nepomuceno? O nome surgiu de uma novelinha que fiz em VHS no final de 2003, chamada A morte de Zackarias Nepomuceno. Nessa novela, eu fazia a mulher do Zackarias, Melany. Cada capítulo tinha um objetivo, mas o grande lance da novela era o exercício de improvisar sobre os temas escolhidos previamente antes de filmar. Portanto, tive que ser a mulher do Zackarias pra descobrir que eu queria ser ele (por trás de um grande homem há uma grande mulher). São cinco capítulos que pretendo lançar em breve numa mostra de vídeos underground aqui mesmo em Salvador. Segundo o seu release, “Zackarias Nepomuceno pode ser um pseudônimo, o alter ego de um artista maldito, ou simplesmente uma personalidade esquizofrênica tentando salvar-se em sua própria obra”. Do que você está tentando se curar? O mundo é maluco, doentio e quer lhe derrubar o tempo inteiro. A mente humana é muito prejudicada com essas chicotadas do dia a dia. E ela, trabalhando junto com o corpo, precisa expandir essa necessidade de expressar o que está sentindo pra evitar futuros hematomas. Porque senão as pessoas piram mesmo, surtam numa fração de segundos e chegam até a cometer atrocidades. A arte está aí pra nos proteger dessa loucura. Na verdade, a arte também funciona como uma trégua para que consigamos conviver com essa loucura numa boa. Criar, seja em qual for a linguagem artística, é um ótimo remédio.

Então, de que forma a sua música vem se refletindo em outras pessoas? Acho muito bom quando as pessoas chegam pra falar do Zackarias pra mim. Falar, bem ou mal. Fico em total silêncio e observo de que maneira elas falam do som porque inconscientemente acabo refletindo sobre como foi estabelecida essa experiência. A primeira demo que lancei é bem problemática - na gravação, estruturação das harmonias e das letras mesmo -, e as 4 músicas dela possuem características bem diferentes umas das outras. Já a segunda demo, que é a trilha sonora do filme paraibano O Cão Sedento de Bruno de Salles, já possui padrões mais convencionais de organização e estruturação musical. Quando falam pra mim que ouviram a demo e que tal música é assim e assado, eu costumo dizer: “Você está com algum problema?”. Ou então digo que estamos no mesmo barco. No mais, acho que tem espaço pra todo e qualquer tipo de música. Basta ouvi-la, o resto não importa. Você toca todos os instrumentos no disco. Foi uma necessidade ou algo inconsciente? Toco alguns instrumentos, principalmente os harmônicos. Mas no disco eu toquei por necessidade mesmo. Cheguei a um ponto de que não podia mais contar com as pessoas - ou que de repente eu não queira mais contar com elas -, pra pôr minhas idéias em prática. Os motivos principais foram por incompatibilidade de idéias, falta de atitude da galerinha descrédula de Jampa. Por isso e muitas outras razões fiz o disco só. Todos os instrumentos foram gravados por mim, exceto as baterias, que paguei a um ‘amigo’ pra tocar. Se tivesse entrado nessa com mais alguém com certeza ainda não teria feito nada.

www.zackarias.cjb.net


em nada”. Por conta disso, tivemos muitos problemas. Quando eu voltei de Kinshasa, a gente já tinha tudo combinado. Mas aí, o cara pegou todos os instrumentos e escondeu. Duas semanas antes deles virem pro Brasil (pro Percpan), eles não tinham mais nada. Eu tive que mandar US$1.000 pra eles. Assim, o velho pôde descolar outra casa e construir todos os instrumentos de novo: as timbas, as kalimbas e os alto-falantes, tudo!

Palavras: André Maleronka Fotos: Divulgação

Formada há mais de 25 anos em Kinshasa, capital da treta que é a República Popular do Congo, a Konono N°1 foi descoberta agora graças ao disco Congotronics (Crammed Records). O som do grupo é um ritmo tradicional chamado bazombe em uma versão distorcida, graças às suas kalimbas amplificadas. Uma kalimba (ou likembe) é um piano de dedo: teclas de metal e uma caixa de ressonância (como o corpo de um violão). Eles usam três, com afinações grave, média e aguda, todas ligadas em um sistema de som construído com o que podia ser encontrado nessa verdadeira zona de guerra. O resultado foi comparado ao rock, a música eletrônica de vanguarda e às percussões brasileiras. O líder, Mawangu Mingiedi, desenvolveu o equipamento: amplificadores caseiros, baterias de carro, megafones, panelas e pratos de metal. A história da banda diz muito sobre o passado recente da África, e mais ainda sobre seu futuro, como você pode conferir no papo a seguir, travado com a ajuda imprescindível do empresário deles, Michel Winter, já que o pessoal só fala em um dos vários idiomas bantus. Quando vocês começaram a tocar na Europa? K: Há três anos houve um festival em Bruxelas focado no som do Congo. Vincent Kenis, o maior especialista em música congolesa do mundo sabia sobre o Konono, mas todos achavam que o velho Mingiedi tinha falecido, até que alguém descobriu que ele era porteiro em um prédio. Foi maravilhoso! Desde que o disco saiu, jornais dos Estados Unidos e da Europa estão pirando no som! Pra mim é um prazer de verdade mesmo. Eu amo essa música e agora estou descobrindo que todo mundo também ama!

M.W: Quando eu fui pra Kinshasa, havia um cara, Buaku Ningulu, auto-intitulado “Presidente”, que era meio que o dono da banda, tipo um ditador. Ele dava pro grupo um pouco de dinheiro, mas só o suficiente pra sobrevivência, e mantinha todos morando na casa dele. Assim, ele controlava a banda. Quando eu cheguei lá, tentei acabar com isso porque eles não estavam satisfeitos. Quando eu falei quanto dinheiro eles ganhariam, ficaram felizes e entenderam que provavelmente o dinheiro não ia pra eles com esse cara na parada. Então eu falei pro tal Presidente: “Você não vai à turnê, você não é um músico, não sabe ler ou escrever, você não vai poder ajudar

O estilo de vocês foi comparado ao kraut rock e a música eletrônica. Vocês chegaram a escutar esse tipo de coisa hoje em dia? Acham que tem alguma semelhança? K: Eu só escutei música congolesa em minha vida inteira. Acho que são as pessoas da cena eletrônica que vêem as semelhanças. Mas até agora eu não sei nada a esse respeito. Esse ritmo é do Congo? K: Antigamente não existiam fronteiras entre Congo e Angola. No antigo Reino do Congo, essa era a música feita para o Rei dançar. Depois foram construídas as fronteiras, mas você ainda encontra os mesmos ritmos em toda essa área. Essa é a música tradicional do Baixo Congo, que vai da fronteira até Angola. Existem outros grupos como o Konono no Congo? K: O que dá ao Konono N°1 esse som é como ele é amplificado: pegamos elementos de motores velhos de carros, essas coisas. Usamos o que tinha, porque dinheiro não havia nenhum. No Congo, especialmente em Kinshasa, existem muitos grupos diferentes, que vêm de todas as partes do Congo pra lá, com suas próprias tradições, cada um com seu próprio lugar pra tocar, e existem muitos estilos diferentes. A rumba era muito popular lá, mas hoje em dia está em baixa. A nova geração da rumba não é interessante de verdade. Por sorte, agora todos esses grupos estão em ascensão, e isso é uma coisa boa. Como vocês começaram a usar essa amplificação? K: Nós queríamos ser escutados por todo mundo, e Kinshasa é uma cidade muito barulhenta. Começamos usando transmissão por rádio, mas o sinal não funcionava bem. Aí achamos uns captadores de guitarra, que estavam começando a aparecer no Congo. Isso foi em 1965. Como se aprende a tocar a kalimba? K: Eu aprendi sozinho, aí ensinei pros meus filhos, meus netos e para os outros. As letras falam do que? K: “Kule Kule” conta a história de uma garota que quer se casar apesar da desaprovação do pai, que responde: “Ok, você pode ir com ele, mas depois não reclame”. Outra é sobre um marido que fala pra esposa: “Se você vai embora, leve as crianças junto, porque não quero te ver voltando”. “Lufuala Ndonga” é sobre a morte de um monte de gente e também sobre uma pessoa que morreu sozinha. O que significa o nome do grupo? K: É difícil de explicar, não existe tradução. Mas é a posição que você faz quando está com muito medo de alguma coisa, acuado e se protegendo como um feto. É isso que Konono quer dizer.

www.crammed.be/konono

Texto originalmente publicado no site: http://transito.zip.net coquetel molotov | dezembro 2005 | número 1

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Segundo Stubbe, a parte boa da história com a Sony é que eles trabalharam com um orçamento altíssimo que permitiu a ida do grupo à Espanha. “Nesta época, fizemos muita coisa com músicos flamencos, incluindo uma turnê. Conseguimos comprar também vários equipamentos de gravação. Assim, nós tivemos nosso próprio estúdio onde gravamos nossos álbuns seguintes”.

Palavras: Tathianna Nunes | Foto: Divulgação

1992: Antwerp, Bélgica. Quatro jovens camaradas com treinamento em música clássica começaram a fazer música de uma forma rara e nada convencional: usando clarinete, acordeon, violino e violoncelo com a ajuda de baterias, amplificadores, vocais e guitarras. O resultado foi o grupo Die Anarchistische Abendunterhaltung ou simplesmente DAAU, nome emprestado do livro Steppenwolf do conhecido escritor alemão Hermann Hesse. Em uma conversa com Han Stubbe (clarinete), perguntei de onde surgiu o interesse pela música clássica. Ele respondeu: “Todos tivemos treinamento clássico, mas, igualmente importante, foi o que crescemos escutando: rock, punk, folk e jazz”. A resposta ajuda a compreender a banda, uma mistura de Vivaldi, música folk do leste Europeu, Frank Zappa, Klezmer, jazz e muita vida. Os irmãos Simon e Buni Lenski, Roel Van Camp e Han Stubbe tinham 14 anos quando DAAU começou. Amigos de colégio, eles ensaiavam depois das aulas e por um bom tempo tocaram em alguns bares e pelas ruas de Antwerp. Não tinham pretensão de ter uma banda de verdade e gravar discos – mas, às vezes, as coisas acontecem do jeito que deveriam, e em 1995 eles gravaram seu primeiro registro, Die Anarchistische Abendunterhaltung (Jack and Johnny, 1996), que foi bem recebido e se tornou um sucesso na Bélgica. Foi nesta época que o grupo ganhava fama também pelas apresentações ao vivo. “O palco é o local onde as pessoas entendem o que queremos fazer. Tentamos fazer dos nossos shows uma festa para a mente e para o corpo”. E questionado se ele teria alguma dificuldade em trazer os discos para o palco, responde: “Não, é o contrário. É difícil fazer um disco tão bom como as nossas apresentações ao vivo”. Para o segundo disco, We Need New Animals (Sony Classic, 1998), o grupo viajou à Espanha e contou com a participação de An Pierlé e de Angélique Willkie (ex – Zap Mama). “Conhecíamos An Pierle há muito tempo”, conta Stubbe. “Ela estudou com Roel. Queríamos algo especial com os vocais, e ela foi a escolha mais natural. Ficamos impressionados com aquela voz magnífica. O nosso empresário sugeriu Angelique também. Ela chegou no estúdio com suas letras e foi amor à primeira vista. Desde esse dia, nunca paramos de trabalhar com ela”. Mesmo animados com as novidades durante as gravações do We Need New Animals, DAAU começou a ter problemas. “Tínhamos acabado de assinar com a Sony (jovens bobos nós éramos). Eles esperavam que fizéssemos um álbum igual ao primeiro. Não concordamos e aparecemos com algo completamente diferente. O disco foi tão diferente do primeiro, o som era muito mais experimental. Na época, parecia de outra banda. A Sony entrou em pânico e tentou frear a nossa criatividade colocando Michael Brook como produtor no Real World Studio de Peter Gabriel. Assim, a Sony perdeu muito dinheiro e ficou com um disco que não conseguia promover. O terceiro disco, Life Transmission (Columbia, 2001) teve o mesmo problema, na verdade foi bem pior”.

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Depois dos anos com a Sony, o quarteto estava tão cansado da luta sem fim com as grandes gravadoras que resolveu criar o próprio selo, Radical Duke Entertainment, e trabalhar com a cena independente. “O selo está crescendo na Europa. Para o nosso último disco, Tub Gurnard Goodness (Radical Duke Entertainment, 2004), tivemos que pegar um empréstimo para pagar a produção, mas vendemos o suficiente para quitar a dívida e para pagar o próximo disco. Temos toda a liberdade artística. A responsabilidade de administrar nossa própria música nos deu uma noção de como nos podemos ‘encaixar’ no mundo. Assim, nossa música e produção evoluíram. Agora, estamos mirando um público que goste do nosso som trabalhando com a cena independente, em vez de tentar convencer a massa a comprar nossos discos, coisa que não gostamos de fazer”. Refletindo ainda sobre o mercado fonográfico, Stubbe continua: “Acho que é uma indústria como qualquer outra, baseada unicamente em ganhar dinheiro. Estou feliz porque eles estão se dando mal, porque dessa forma as bandas são forçadas a serem mais independentes. A independência dá meios a muitos músicos de sobreviverem com a própria música, em vez de serem escravos dessa indústria. Precisa, somente, de tempo e dedicação”. Entre shows e gravações, os integrantes do DAAU também são bem ativos na cena de Antwerp. Gravaram a música “Suds & Soda” para o primeiro disco do dEUS, Worst Case Scenario (Polygram, 1994), como também podem ser escutados em Juggernaut (De Beek/Knitting Factory, 1997), disco do Think of One. A Cinérex pediu ao grupo para gravar uma música para o álbum de estréia Exit All Areas Part 2 (Downsall, 1999), além de tocar diversas vezes com An Pierlé. Hoje em dia, DAAU é um sexteto com muita bateria e baixo. “Estamos inclinados a um tipo de som que pensamos ser um passo verdadeiro para o que seria o último estilo DAAU. É algo bem rock ‘n’ roll que ao mesmo tempo incorpora experimentalismos e elementos modernos da música clássica. Chamo de hardcore acústico com sentimento artístico”, finaliza Stubbe. Perguntei a Stubbe, qual seria o melhor e o pior álbum para alguém conhecer DAAU e o por quê. A sua resposta foi: “Pergunta difícil porque cada álbum é completamente diferente. Dependendo do gosto, sugiro que comecem escutando o último disco, Tub Gurnard Goodness. É o que mais se aproxima das diferentes fases musicais do DAAU: música instrumental e rock tocado com instrumentos clássicos. Por outro lado, DAAU também é conhecido por misturar estilos de uma forma eclética, indo do folk ao punk e voltando para a música clássica, utilizando uma série de instrumentos eletrônicos e vocais. Para as pessoas mais abertas a esses experimentalismos, sugiro o segundo disco: We Need New Animals. Provavelmente o disco mais difícil para conhecer DAAU seria Ghost Tracks (Radical Duke Entertainment, 2004). É um disco que traz versões de 10 anos de canções lado b e remixes. Mesmo assim, tem muita merda pop nele, grande parte das peças são descritas como ‘bem experimental’. Pessoalmente, é um dos meus preferidos”.

www.daau.com


voltou. Antes que o show parasse, Sabrina foi à bateria e elas cantaram uma canção cuja letra humilha os homens apressados na cama, um blues raivoso.

Palavras: Júlio Cavani Fotos: Divulgação Ilustração: mooz

Comentário feito por um bêbado durante uma festa: “Um dos problemas mais graves desse show das Barbis é que um aglomerado de homens se forma em frente ao palco.” Das quatro mulheres vocalistas da banda Backing Ball CaTs Barbis Vocal’s, uma tem ar blasé como se fosse pisar nos homens1, outra banca a sonhadora romântica2, a seguinte se entrega à interpretação emotiva das letras com tesão e expressividade3 e a quarta avança sobre microfone com ar de protagonista4 (provocando o impacto visual mais imediato, apesar de precisar das outras três para existir), mas é claro que a interpretação sobre elas vai depender da sinceridade de e da impressão causada sobre quem as assiste. No dia 5 de novembro de 2005, Sabrina, uma das quatro, promoveu sua despedida da formação que definiu a carreira da banda. Ela vai estudar na Espanha e deixou as companheiras de lado depois do melhor show que elas já fizeram, no bar Ximxim da Baiana, em Olinda. O quarteto apenas canta (com exceção de Sabrina, que ainda toca bateria em uma música), acompanhado de cinco instrumentistas chamados de Bobs Babilônia. Eles dão uma forma rock ao brega, ao reggae, ao funk, ao blues e ao rock, seja pelos riffs e timbres crus das duas guitarras, pela atitude, ou porque quatro quintos deles são cabeludos. Nesse show, o baterista Vicente esteve doente durante o dia inteiro, mas mesmo assim fez questão de tocar. Em determinado momento, ele se levantou, saiu correndo atravessando a platéia e não

Quando estão cantando, parecem se divertir mais do que qualquer outra banda e talvez por isso seu som pareça mais natural, espontâneo e despretensioso, resultando em uma música mais consistente se comparada aos músicos deliberadamente preocupados com isso. Todas as letras têm humor, mas tocam em feridas. Existe responsabilidade no que elas falam, até porque elas não vão desperdiçar as meias décadas dedicadas à formação acadêmica em arte-educação, antropologia e sociologia na UFPE (uma delas trabalha com ações indigenistas, outras duas dão aulas para jovens em situação de risco). Porém, mesmo com tudo isso, estão muito, muito longe mesmo de parecerem careta... Muito pelo contrário... “Socialize Seu Namorado” já é um refrão-hit, baseado em experiências pessoais, como são todas as letras. Continua assim: “Eu quero sugar sua alma querida! / Eu quero tirar tudo o que é seu! / Eu já suguei o seu brilho esta noite! / Seja boazinha, libera o que é seu!”. O funk “Cafuçu” insinua que os brutos preferem as gringas e que estas, por suas vez, querem experiências exóticas (“O negão do afoxé / Ela chupa até o pé”). Olindenses como as Barbis testemunham esse fenômeno diariamente. Cantada com um clima de trilha de filme de terror, “Rê Bordosa” se refere às constatações das mulheres sobre seus supostos amadurecimentos como Mulher (“Eu também já fui uma lolitinha”). A letra de “Viva O Cinema LatinoAmericano, Poaaarra!” sugere que homens também são meros groupies. “Prisicila, A Rainha” vai direto ao ponto na hora de falar mal das mulheres invejosas: “Vai nascer um furúnculo na sua xoxota!”. Feminismo é coisa do passado e ninguém quer cansar de ser sexy. Ainda tem uma letra sobre as bichas pós-contemporâneas pseudo-parisienses, um brega pra dançar a dois, uma homenagem aos psicólogos “froidianos-hungianos-nietscheanossartrianos”, um cover da Blitz totalmente recontextualizado e um reggae falando a real sobre o que rola em Olinda sem a idealização da galera Original Style.

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Texto: Ana Garcia Fotos: Divulgação Ilustração: mooz

Cheguei atrasada.

Oi, estão aqui faz tempo?

“Chegamos agora também. Temos que esperar para pegar uma mesa”, fala Eto.

Muito barulho. Enquanto esperamos, fiquei pensando que não irei conseguir captar uma palavra do casal. Passam alguns minutos e finalmente conseguimos uma mesa. Estamos sentados no Piola, a melhor pizzaria de Campinas, ao lado das janelas, rodeados por gritos, risos, barulhos, música e somos interrompidos de vez em quando para comemorar o aniversário de algum cliente – ah, é uma das suas especialidades - com direito a música, palmas, bolo e vela. Eu marquei esse encontro com a Gab na noite de Ano Novo no Kraft, em Campinas. Era uma noite só com DJs convidados e... BOOM! Isso foi o som da minha consciência – preciso entrevistar esse casalzinho - pequeno, magro, tatuado e botando pra foder nas pickups. Então, eu sento com eles, bebemos os melhores chopes da cidade e peço para eles me abastecerem com um pouco de informação sobre o passado – quem eles são, como se conheceram e as coisas de sempre... Eu não falo nos próximos minutos. Eto: Com uns 16 anos já tocava um pouco de violão. Tinha uma banda de hardcore no colégio chamada Warden. Mas não rolou de continuar, porque o baterista era metódico demais e não

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queria diversificar. Eu gostava de AC/DC, Sepultura, mas naquela época surgiu o Biohazard e eu queria puxar para uma outra coisa, algo mais eletrônico. A banda durou apenas uns dois ou três anos, mas foi muito construtivo, porque eu tive uma base de partitura. Eu também tocava contrabaixo e, pro techno, a linha de base, o bass line, é muito importante. Especialmente para o que eu quero fazer. É o que eu quero colocar dentro da minha música. A linha de baixo dentro da música é o que dá a alma. Eu gostaria de montar uma banda com a Gab também. Eu tocando guitarra e ela bateria...

Gab: Eu não sei tocar. Eto: O seu pai é baterista, só falta aprender mesmo.

Gab: Mas é bem diferente. Eto: Gostamos muito de tocar juntos. Gab: Gosto de tocar sozinha também. Ele é bem diferente de mim. Às vezes eu quero passar o meu som e ele o dele. Eto: É complicado. Seria legal mostrar o meu som, depois o dela, para depois tocarmos juntos. A integração não tem nada a ver com meu som ou com o dela. Quando estivermos produzindo as coisas juntos faremos o que é chamado de Live PA. Podemos colocar uns vocais, umas distorções, dá pra variar muito. Nessa hora vai ser um nível de trabalho legal. Não o ápice, porque ainda tem muito o que evoluir. Sempre tem. Mas vai ser legal tocar as nossas produções da forma que quisermos. Daria até pra colocar uma percussão, algo que não existe ainda. Gab: O que virá, virá.

Gab: Desde pequena o único acesso que eu tive à música foi o rádio. Eu tinha umas fitinhas que gostava. Quando tinha uma festa, eu tocava as minhas fitinhas. Mas eu gostava muito de ouvir sets de um programa de rádio que rolava uns DJs e eu nem sabia como eles mixavam. Não sabia que usavam discos. Então eu tentava fazer isso com as minhas fitas cassetes. Eto: Eu nunca imaginei que iria discotecar com ela. Gab: É, foi como nos conhecemos. Comecei a ir para as festas com ele e começamos a ver como os DJs discotecavam e aí... Começamos a ir atrás. Eto: O nosso intuito não era virarmos profissionais, estávamos comprando os discos e as picapes e tocando em festas de amigos. Começaram a gostar. Na hora que um pessoal falou: ‘olha, o casalzinho que toca’, foi quando caí na real. Então pensamos, ‘vamos fazer direito’. Foi fluindo. Gab: Está fluindo ainda. Eto: Em 2001 falamos, ‘é isso’. Saímos de casa e fomos morar juntos. Gab: Vamos cair de cabeça. Nos conhecemos... Eto: Faz uns 5 anos. (pausa) Eu gostava dela, mas nunca tinha falado nada pra ela e desde essa época já tínhamos freqüentado tudo juntos. Ficamos juntos por um ano e meio sem ter relacionamento algum. Gab: Ele começou a comprar discos e meter a mão nas picapes mesmo um pouco antes. Eu comecei depois. Eto: Fizemos tudo juntos. Vocês têm preferência de tocar juntos ou separados? Eto: Se vendemos o trabalho separado ou juntos não preferimos nada. Na boa.

O barulho aumenta com o passar do tempo. Aí vão alguns trechos que eu consegui captar:

Eto: (...) Ela está falando por ela. Ela tem a opinião dela e eu tenho a minha, graças a Deus. Somos um casal unido por causa disso. O que eu falo é pra todo mundo ouvir mesmo. Não tem isso. Gab: Eto é bem mais performático. Quando eu estou tocando algo, eu tento criar uma atmosfera, como uma hipnose. Um som bem delineado. Eto: Eu toco techno desde que eu comecei. Aí quando eu toco algo mais leve, alguém fala: “ah, tá mudando o som”. Ué?! Eu vario. Gab: É que a música eletrônica tem muita liberdade. Techno pra mim é uma mensagem totalmente sensorial. Eu acho que se pode entender em qualquer lugar. O hard techno é mais rock’n’ roll. Como no rock, você aumenta o som. Eto: Eu tenho medo que passem 20 anos e o techno não consiga ensinar nada. Às vezes as pessoas não querem entender também, discriminam. Gab: Tocar em raves é bem diferente de tocar em um clube. Em raves é até um pouco mais fácil, o povo está lá, já está animado. A experiência que você ganha em um clube é bem marcante, profissional mesmo. Ganha mais experiência. É essencial para a profissão. Acho que é mais importante. Eto: Ah, eu vejo pessoas que detestam ópera. Não tentam buscar dentro daquilo que você não gosta, o que se aproxima mais com o seu gosto. Eu não entendo nada de música clássica, mas eu tento buscar dentro daquilo o que eu mais me identificava – como o Philip Glass. Então eu acho que é por aí. Tem que buscar pelos lados. Desenvolver isso. Mas cada um absorve o que quer, né? www.etoegab.com


Architecture in Helsinki Palavras: Viviane Menezes Foto: Divulgação Ilustração: mooz

Eles vêm de Melbourne, Austrália, e são muitos. Uma banda com oito pessoas no palco cantando em coro e utilizando desde instrumentos tradicionais até os mais inusitados, como é o caso de uma furadeira. Architecture in Helsinki são os mais novos queridinhos do indie pop. Lançaram dois trabalhos, Fingers Crossed (Bar None, 2004) e o super elogiado In Case We Die (Bar None, 2005). O grupo mescla sons eletrônicos com rock, muito canto e tudo isso em um processo analógico, bem lo-fi. Quem nos concedeu a entrevista foi Cameron Bird, o responsável pela maioria das composições e tutor do coletivo. Com esse sobrenome bem sugestivo, Cameron, que é apaixonado por música brasileira, principalmente a Tropicália, sabe que é difícil manter uma banda com tanta gente, mas a vontade de fazer música é bem maior. “Como nós temos viajado muito no último ano, nós tendemos a passar o mínimo de tempo possível juntos quando estamos em casa, pois precisamos de um tempo uns dos outros. Obviamente, viajar tanto e estar tanto tempo longe de casa realmente faz disso um peso. E isso faz com que fique ainda mais difícil das pessoas se comprometerem com o grupo”. A reunião da banda é um caso à parte, já que eles nunca pensaram em se tornar uma. Foi um encontro casual de amigos. O nome mesmo saiu de uma colagem de palavras que eles viram num jornal. Nada muito profundo ou empolgante. Entretanto, a música sim, essa é cheia de vivacidade. In Case We Die é considerada uma obra prima da atualidade. Cameron se diz satisfeito com o disco, mas como todo perfeccionista, se tivesse a chance, mudaria alguma coisa ali, outra acolá. Mas no geral ele diz: “Estou muito orgulhoso da maneira como tudo se encaixou bem nele”.

Uma das melhores formas de se conhecer a banda é através do site, que possui um lindo design e muitas informações para se vasculhar. “Nosso website é o resultado de uma colaboração minha e de uma companhia chamada Mathematics from Sidney. Eu dei a eles um esboço harmonioso e um resumo de conteúdo e eles fizeram o resto. Eles são realmente brilhantes e fizeram sites para muita gente: Eric Clapton, Cut Chemist e até Rilo Kiley”. Outro destaque dentro do próprio site são os clipes que eles mesmos produzem com os amigos. Quando estão relaxados e muitas vezes bêbados acabam colocando em prática algumas idéias que terminam “imortalizadas no vídeo”. Os shows são um dos prazeres incontestáveis do coletivo, já que eles muitas vezes se sentem saturados nas viagens ou em estúdio. Porém, os lugares que eles tocam muitas vezes não são convencionais. Até em feirinhas ao ar livre eles já tocaram! “Os shows ao vivo são realmente envolventes. Nós todos tocamos diversos instrumentos de uma canção para outra, então, eu acho que visualmente o nosso show é interessante. Sendo o tipo de banda que somos, fazemos parte de uma escola de pensamento que diz que tudo pode se tornar música, nós podemos tocar em uma diversidade de locais diferentes, de porões emporcalhados a grandes casas de shows”. E será que um dia teremos o privilégio de ver essa performance? “Eu desejo muito visitar o seu país. Nós, provavelmente, iríamos estar tão absurdamente entusiasmados por estar tocando aí que iríamos chorar”. Produtores de plantão, portanto, podem se ligar.

www.architectureinhelsinki.com

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Palavras: Ana Garcia | Foto: Rossana Menezes | Ilustração :mooz

“Estou fazendo uma série de textos falando sobre compositores do século XX pra quem entrar no site”, conta Lucas Alencar, do grupo Ahlev de Bossa. “Já coloquei texto sobre Jorge Antunes, que é brasileiro. Estou até pensando numa forma de elaborar mais as coisas, quem sabe deixar meu nick do soulseek pra baixarem as músicas de mim. Essa semana tem um texto sobre Flo Menezes”. Lucas toca guitarra e viola no Ahlev de Bossa, junto com Diogo Batista (guitarra), Mateus Alves (baixo), Rodrigo Palhares (bateria) e Túlio Falcão (sintetizador). Eles formaram o grupo em 2002, depois que terminaram a banda Airbag. Acabaram de lançar o disco de estréia pela Peligro.

Então o que você acha que está mais claro nesse primeiro disco? As influências de rock mesmo? Sim, na sua maioria. Lógico que o jeito da gente colher informações de estilos não é o convencional que eu acompanho pela internet e pela TV. A gente não copia um estilo, ritmicamente e melodicamente, mas não as negamos. Pós-rock, um pouco de progressivo, algo de chorinho. De erudito, no disco, música minimalista e eletroacústica. E ele é basicamente tonal. Já pensaram em usar voz? Na Ahlev de Bossa nunca. No começo da banda, que era o final da Airbag, uma banda que eu tinha com Diogo e Rodrigo Samico, ainda ficou aquela idéia de se usar vocal. Mas foi natural a retirada do vocal, até porque a gente parou de compor canções.

Qual é a ligação desses artistas e compositores com o Ahlev de Bossa? Somos ouvintes deles. Alguns da banda mais, outros menos. Na estruturação das músicas desse primeiro disco nosso não haverá muitas ligações diretas, mas no espírito e no jeito de se pensar música, existem várias. Já nas músicas novas que estamos começando a compor e arranjar, as ligações já são mais claras. Elas terão instrumentos “clássicos”? Possivelmente, mas utilizar instrumentos elétricos para funcionalizar uma música dodecafônica funciona bem. É esteticamente viável. Mas os instrumentos ‘clássicos’ das músicas antigas estarão possivelmente nas novas. Viola de arco e trompete com certeza.

O que aconteceu com a banda? Airbag fez uns shows. Era a continuação da primeira banda de Diogo, com Rodrigo no baixo. A gente já tava compondo músicas instrumentais. Não tinha sentido manter o nome e as músicas antigas. E foi nessa fase que eu e Diogo entramos na UFPE. Aí, o baterista antigo saiu e a gente passou um bom tempo só compondo na formação de trio.

“Perder a liberdade é perigoso. Para mim perder a liberdade é perder a criatividade” Lucas Alencar

Quais são as suas formas de colher informações? A banda em si mudou muito quando a gente começou a estudar música na universidade, mas geralmente o que nos interessa são os elos que fazemos no que estamos escutando. Aprofunde, por favor... O que a universidade tem ensinado, apesar das falhas e de todo seu atraso curricular, foi a gente conseguir sentar e começar a tirar uma música do nada. Técnica? Também. Audição, muita. E pensar em música mesmo. Criar um ritmo na cabeça, passar para um violão, ou para um teclado, ou até mesmo começar uma música na bateria. Alguém escreve em casa uma linha para um trompete, outro compõe um baixo durante o ensaio. É tudo muito espontâneo. Perder a liberdade é perigoso. Para mim, perder a liberdade é perder a criatividade. Você acha que não teria isso se não tivesse estudado música? Estudar música dá mais ferramentas para você compor, e para tocar música mesmo. Seja ela aleatória ou estruturada. Antes de estudar, falando por mim, eu geralmente, para compor, seguia algum estilo de banda que eu tivesse ouvindo muito. Hoje em dia, já dá pra pensar em música sem fazer isso. Se existir alguma influência de algo que eu esteja ouvindo, foi indutivo.

www.ahlevdebossa.com

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Palavras: Ana Garcia | Foto: Divulgação

Efterklang significa em seu idioma algo como reverberação. “Não precisa estar ligado ao som, pode ser usado para memórias que têm criado alguma reverberação”, conta o baterista Casper Clausen. Seja lá qual for a tradução exata, Efterklang implica que, como o seu nome, a música deveria reverberar na sua memória por muito tempo. O mesmo acontece com as orquestrações mínimas de Max Richter ou a música de câmara da Rachels. Eles reverberam. É uma experiência intensa, artística e emocional. É a trilha sonora dos seus sonhos. Efterklang usa extensivamente os vocais, alternando femininos e masculinos, acompanhados também por corais, ora sombrios, ora angelicais, impossíveis de serem entendidos, mesmo cantando em inglês. “Para a criação do disco Tripper, sabíamos que iríamos precisar de muitos músicos, mas não sabíamos que seriam tantos assim. Eles meio que apareceram com o tempo. Quando começamos a escutar o álbum, pensamos em colocar cello e flauta, e começamos a conhecer músicos excelentes que queriam nos ajudar. Tripper foi realmente um grande parque de diversões e conseguimos fazer exatamente o que queríamos”, conta Casper.

Mas antes da banda se transformar num coletivo, Efterklang era o projeto de Mads Brauer, Rasmus Stolberg e Casper, formado em 2001. Depois, outros músicos se juntaram a eles, como Rune Mølgaard Fonseca (piano), Thomas Kirirath Husmer (percussão), Karim Ghahwagi (vídeo - um dos meus integrantes favoritos que é responsável pelos visual durante os shows ao vivo. Ele também é o gênio por trás do vídeo “Prey and Predator”, a quarta faixa do álbum), Kristina Schjelde (trompete) e Hildur Ársælsdóttir e Edda Rún Ólafsdóttir, do Amina String Quartet, que também já tocaram com Sigur Ros. “As pessoas entendem Efterklang mais como uma banda, mas é um grupo de indivíduos diferentes trabalhando juntos como um coletivo. Cada um de nós vem de uma criação musical diferente e, portanto, aproximamos a música de uma forma diferente. Isso normalmente nos leva a ter diversas discussões, mas geralmente tentamos manter uma atitude aberta para as idéias diferentes que surgem”. Na verdade, Efterklang é mais que seis integrantes, sempre tem um grupo de amigos está sempre conectado e contribuindo para o resultado final. É um lindo coletivo sonoro.

www.efterklang.net

“Eu saí do Black Dice por razões moralistas e diferenças musicais”, conta Hisham Bharoocha. “Mas isso foi uma coisa boa”, ele continua. “Sério”.

Palavras: Ana Garcia | Ilustração: Hisham Bharoocha

Hisham é um músico e artista plástico japonês residente em Nova York. Formou-se em artes plásticas pela Rhode Island School of Design e atualmente toca no Pixeltan, um grupo da DFA. Tem o seu projeto solo chamado Soft Circle e vive colaborando com artistas como Animal Collective, Gang Gang Dance, Wolf Eyes, Boredoms e OOIOO. Recentemente lançou um 7” pela revista americana Fader, participou da trilha sonora de um filme americano junto com Kim Gordon e Yoshimi (Boredoms/OOIOO) e está no meio das gravações do Soft Circle, que ainda não tem data de lançamento. Mas o seu maior reconhecimento foi como antigo integrante dos barulhentos Lightning Bolt e Black Dice. “Eu estou muito mais feliz agora sozinho. Eu posso realmente focar nos meu pontos de vista musicais. A linguagem musical que eu tento usar é baseada no instinto humano. As pessoas normalmente são movidas pela percussão e voz, essas são reações primais que todo ser humano tem. Depois que você consegue atrair o ouvinte, você pode introduzir sons que as pessoas não estão familiarizadas, sem ter uma reação tão adversa. Isso é importante para o meu trabalho, seja visual ou em áudio. Se o produto final não pode ser tocado no momento em que é absorvido pelos seus sentidos, como você pode manter a atenção da audiência? Depois que você consegue atrair a audiência é que o artista pode desafiar os sentidos dela a partir de então. Esse é o meu ponto de vista”.

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Palavras: Viviane Menezes Foto: Jamile Vasconcelos

A reunião de músicos competentes da Paraíba, em 2001, fez surgir um dos grandes segredos do Nordeste o laboratório musical The Silvias: 20Horas Domingo. Calcados em rock progressivo da década de 70, do pós-rock, sons eletrônicos e, claro, o rock psicodélico de 60 - o nome foi extraído da clássica música de Luís Vagner e Tom Gomes cantada por Ronnie Von em 69 - o grupo é atualmente um dos mais criativos, porém complexos representantes do circuito independente da região. Essa complexidade toda se deve principalmente ao som repetitivo, às improvisações, podemos dizer, um mantra vanguardista que leva o público ao transe. É por isso que, a princípio, a música da banda pode causar uma certa estranheza a ouvidos menos treinados, como confirma o percussionista Cassiano, que também é do Chico Correa & The Eletronic Band. “Se você está acostumado a musica pulsante, muito ritmo e energia, com bateria ruidosa e essas coisas, pode achar estranho. A gente tem um ritmo e um clima que a principio é diferente, mas depois coloca todo mundo pra viajar”. Em 2003, o grupo, que até então só ensaiava em estúdio, começou a fazer shows. Naturalmente, com o decorrer de ensaios e apresentações, o som foi se moldando, tornando-se a cara da banda. “Acredito que o que ditou mais o som, o estilo da banda, foram as influências de cada membro, o que cada um gosta. Quase todo mundo da banda toca em outros grupos dos mais variados estilos, mas começou a se construir um som específico

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com influências que foram se agregando. E tudo isso levou ao som que é hoje”, diz Cassiano. Ainda em 2003, eles gravaram seu primeiro cd demo, intitulado Rec: in Para um sonho. O trabalho foi todo confeccionado no estúdio caseiro do guitarrista paraibano Júnior Espínola. No ano seguinte, sai Rosiane e entra Cassiano. Com isso, o grupo ganha novos elementos percussivos, principalmente de música oriental e indígena. No início desse ano, The Silvias ganhou o reforço vocal de Danita e o CD demo foi reeditado. Hoje, a formação se completa em Tiago Sombra (baixo, vocal, violão e percussão), Bruno Sérgio (teclado e baixo), Cassiano (percussão e efeitos eletrônicos), Danita (vocal e percussão) e Rodrigo (guitarra, violão e percussão). Porém, assim como o som é mutante, a banda também. Os músicos revezam os instrumentos no palco, o que é sem dúvida mais um atrativo para as pessoas que vão conferir de perto todo o clima musical desses paraibanos. O próximo passo do The Silvias é a gravação de mais um disco. Algumas músicas já estão sendo compostas. Mas dessa vez, o objetivo é que saia um CD oficial. Eles estão com o projeto do disco pleiteando apoio pelo Fundo de Incentivo à Cultura da Paraíba. É torcer e aguardar. Entretanto, quem quiser pode escutar algumas músicas no site da Trama Virtual.


Palavras: Ana Garcia Foto: Alejandro Ros/Divulgação Ilustração: mooz

Certas coisas que acontecem no mundo da música só aparecem quando são mostradas pela Europa ou pelos EUA. A Argentina, por exemplo, fica aqui do lado e mesmo para quem se interessa pelo intercâmbio musical, isso é difícil. Foi preciso uma gravadora inglesa, no caso a Domino Records, para que o mundo viesse a conhecer a cantora e compositora argentina Juana Molina. A trajetória de Molina é sem igual. Basta imaginar uma atriz como Tracy Ullman deixando a comédia de lado e ressurgindo como PJ Harvey. Ainda assim fica difícil entender a estranheza da coisa. Ela aprendeu a tocar violão casualmente com Vinicius de Morais e Chico Buarque, que eram amigos de seus pais. “Esses eram bons momentos”, lembra Molina. “Quando eu era menina, o meu pai tinha uma casa noturna para fazer shows e durante um verão o show era com ele, Horácio Molina, e artistas muito conhecidos como Vinícius, Toquinho, Chico Buarque e Agustín Pereyra Lucena, um guitarrista argentino muito famoso. Eu não lembro se Maria Creuza estava lá nesse ano. Depois eles alugaram uma casa, grande o suficiente para os músicos e os seus filhos durante todo o verão. Então, estávamos morando com Vinicius e os outros no mesmo teto. Eu lembro que, no início das tardes, quando já era quente demais pra ir pra praia, Vinicius ia tomar banho na banheira com a sua máquina de escrever e a garrafa de uísque. Toquinho ficava sentado com o seu violão e Chico no chão. Eles passavam a tarde toda tocando e escrevendo músicas. Ás vezes, eles tocavam para nós, as meninas que variavam entre três e dez anos”.

“Eles queriam que eu fizesse as pessoas rirem, mas a música que eu faço não se encaixa em um projeto de celebridade” Juana Molina

No entanto, sua vida musical foi colocada de lado nos anos 80, quando foi protagonista de uma novela cômica chamada Juana y Sus Hermanas, tornandose famosa no mundo hispânico. Quando engravidou nos anos 90, Molina foi obrigada a largar a carreira na TV e passou a compor. “A mídia não agüentava o fato de que eu era uma atriz antes de fazer música. Mas o que eles não sabiam era que eu era uma musicista antes de ser atriz e que só entrei nesse ramo para pagar as minhas aulas de guitarra. Eles queriam que eu fizesse as pessoas rirem, mas a música que eu faço não se encaixa em um projeto de celebridade”. Juana foi mal compreendida e esquecida por um bom tempo. O seu primeiro álbum solo, Rara, foi lançado em 1996 e não teve muita repercussão, nem na própria Argentina. Foi com Segundo, de 2000, que ela passou a ser conhecida dentro e fora dos limites de Buenos Aires. Em 2004, a Domino Records relançou Segundo e o seu disco mais recente, Tres Cosas - guitarras acústicas, vozes delicadas e interrupções eletrônicas. Infelizmente, os argentinos continuam sem saber como reagir à música feita por Juana, mas ela não pára de tocar pelo Mundo, como quando fez uma grande turnê com Savath & Savalas (projeto paralelo do produtor Prefuse 73), no ano passado. No Brasil, Juana Molina pode ser encontrada pela Peligro, que possui o disco Tres Cosas.

www.juanamolina.com

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“Desde o último disco, Ciclo da Dê.cadência (Instituto/YBrazil), eu praticamente parei o Cidadão Instigado”, conta Fernando Catatau. “Eu meio que me abusei de tudo, não estava mais a fim de fazer aquilo, até pensei em mudar o nome da banda”. Mesmo? Para qual? “Eu ia usar o meu nome. Foi meio... Acabei que cheguei num consenso comigo mesmo e achei legal. Continuei o nome Cidadão Instigado e mudei a forma de criar músicas, achei um caminho”. Palavras: Ana Garcia Fotos: Alisson Louback Gonçalves Ilustrações: Fernando Catatau e mooz

catártica. De fato, ele mergulhou completamente no As quintas-feiras no Milo Garage, em São Paulo, brega e busca nessa música de AM – que dominava, normalmente são concorridas e o lugar fica tão cheio que durante minha infância, a cozinha da minha casa, e é comum ver os atrasados do lado de fora, barrados na provavelmente a da casa dele também – o expurgo para porta, esperando que alguém resolva sair para que possam, as dores do coração. É tocante assistir ele interpretando enfim, entrar. Já ciente da fama do local, cheguei cedo e suas músicas ao vivo. O rapaz parece sentir a dor que garanti pelo menos a entrada. E nessa noite, o diminuto canta em cada célula do corpo. Cada nota emitida espaço estava mais apertado do que nunca. A chuva havia inundado o bar e, portanto, as pessoas se acumulavam no por sua guitarra me atingiu como um lamento, me fazendo pequeno salão e se espremiam contra as grades para pegar divagar sobre minhas próprias dores. “Ô cabra pra sofrer!”, gritavam da platéia. Um verdadeiro expurgo emocional. uma bebida na piscina que um dia fora o bar. Sessão de terapia perdida. Mas você sabe que a gente ignora tudo isso quando o Claro que não foi assim a noite inteira. Se tivesse sido, eu som é de primeira. E o dessa noite foi da melhor qualidade. estaria chorando minhas mágoas até agora. Quando a Fernando Catatau trouxe a formação completa para o banda resolve explorar fronteiras musicais, ela o faz com lançamento do Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências (Slag): ele na guitarra; Régis Damasceno propriedade. Uma levada de guitarrada se alterna com uma batida de hip-hop, numa canção que se estica numa no violão, guitarra e teclados; Rian Batista no baixo; Clayton Martin na bateria; e a ocasional participação de viagem psicodélica. Ou uma fábula incompreensível Thomas Rohrer na rabeca. Músicos sobre um pinto com peitos que vira um pop de lascar e de primeira categoria para interpretar que gruda deliciosamente nos ouvidos. Tudo funciona as criações de Catatau. A química entre ainda melhor ao vivo, muito por causa da carga emocional a banda é impressionante, o que torna tudo que é despejada nos acordes de cada canção. Nada é inocente, nada é fora de lugar, nada acontece por acaso. A mais superlativo ao vivo. A proficiência de todos interpretação delas ao vivo está longe de ser uma simples em seus respectivos instrumentos e o entrosamento demonstração de como se tocam as canções. É muito mais entre eles ajuda a destacar ainda mais as qualidades da música que é tocada. E tudo isso é fundamental para as do que isso. É uma experiência que te leva pelo singular canções da banda, porque emoção é o que conecta os coração de Catatau e que entorpece a platéia por tudo que músicos com a platéia e é o que conduz o som. acontece. Não que seja alguma coisa muito óbvia, o show é bastante simples, quase monástico. Na verdade, tudo se passa num nível mais abaixo, mais sutil de ser percebido, Tudo isso fica ainda mais explícito na figura do líder da banda: o cearense Fernando Catatau. Baseando o mas que tem um impacto maior. Garanto que me atingiu. repertório quase que inteiramente nas composições Voltei para casa refletindo um pouco mais e sentindo um pouco mais. Saí de lá um pouco mais Catatau. do segundo disco, o guitarrista consegue Filipe Luna transformar sua apresentação numa experiência

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Você considera esse disco brega? Não é brega. Não tenho muita essa história de me apegar a um estilo. A minha cobrança é comigo e com o meu sentimento. É o ponto de prioridade mesmo. Quando eu faço algo, ou ele é muito sentido ou eu já descarto. Essas músicas, “Te Encontra Logo...” e “O Tempo”, que são as duas românticas, pra mim são muito fortes. Elas realmente foram feitas sentidas. Têm direcionamento, têm para a pessoa que foi feita, tudo isso. Mas é natural que as pessoas remetam à música brega. Acho que é por causa do revival de Roberto Carlos. Lógico, mas o que eu posso falar? Não é um disco brega, tem a primeira e a última que são românticas. Vai ver que as pessoas nem escutam o resto, só a primeira música. Aí quando começa a sua voz estranha cantando “os urubus só pensam em te comer”, elas mudam de faixa... É, mas não dá pra falar muito sobre isso. Até sobre esse lance de música brega, a gente já fazia uma festa brega há muito tempo. Há uns quatro ou cinco anos, a gente fazia uma festa na casa do Maníaco, um amigo nosso, e era só pra dançar agarrado. Eu colocava o som porque tenho uma coleção gigantesca de música romântica e aí começou a ir muita gente, da Folha de S.Paulo, jornalistas... Eles começaram a escrever que estava rolando um negócio novo de brega. Aí a gente parou de fazer a festa. Entendo. Bem, não parece que você está mudando o que escuta e sim amadurecendo... Eu acho que é por aí. Eu não estou deixando de fazer... Eu sou roqueiro de adolescência, sempre fui. Sempre curti muito Pink Floyd, Jimi Hendrix, os clássicos mesmo. Só que, quando criança, um dos meus primeiros discos foi o de Roberto Carlos. Mas eu nunca tive mesmo... Nunca consegui compor uma coisa próxima... Eu sempre curti muito e, para mim, ele é um dos caras mais fodas. Agora é que eu comecei a cantar mesmo. Qual foi a primeira música que você sentiu que estava conseguindo fazer isso? No outro disco já tinha. Verdade, mas está mais evidente agora. Aquela “Imagem Roubada” e “Lá Fora Tem” foram as últimas músicas que eu fiz do último disco. Então, já caminhavam bem para isso. Nessas duas últimas foi quando eu comecei a tentar a cantar mesmo. Não que eu não tentasse antes, tem até umas coisas que eu falo e canto, mas eu me adentrei mais nesse. Tanto que eu falo bem menos agora. As músicas que são faladas são das antigas, até as desse disco novo”. Das antigas de quando? “Noite Daquelas” foi a segunda música que eu fiz, em 94. “Silêncio na Multidão” é dessa época também. São duas antigas...” Então você já tinha uma idéia do disco? Algumas eu sabia o que ia ser, mas outras até apareceram no meio da gravação. Uma foi “O Tempo”. “Te Encontra Logo” eu já tinha. Mas “Chora, Male” foi no meio da gravação. Tanto que elas são músicas que eu toco mais do que a banda. Pode ver que em “O Tempo” quase não tem alguém tocando.

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Tem o violino do Thomas (Rohrer), mas foram as coisas que fui criando sozinho. As suas músicas são autobiográficas? Sim, todas as histórias aconteceram mesmo e os personagens que eu crio é por causa de alguma coisa que está acontecendo. Eu penso muito no que aconteceu, eu imagino, desenho também na hora de criar, então eu faço toda uma história em conjunto. A minha música é uma trilha para as letras. É quase uma redação. Tem que ter um começo, meio e fim. Tem que contar tudo que eu passei. Você pode contar alguma história? Como assim? “O Tempo” marcou muito... É a melhor música. É a mais forte que eu fiz, mas acho que é muito forte para eu ficar falando... Talvez alguma outra? “O Pinto de Peitos”? Essa eu fiz para essa história de preconceito. Tem também “Apenas Um Incômodo” que é também sobre preconceito. Só que para “O Pinto de Peitos” eu criei um personagem para poder falar disso. É um pinto que tem um bico preto e peito e todo mundo se incomoda com o bico. Normalmente um pinto não tem peito, mas o incômodo mesmo é o bico. É viagem da minha cabeça. Não dá pra explicar, eu sei o que é, mas não sei explicar. Tem alguma outra? “Silêncio na Multidão” é uma música muito pessoal e fala bem muito de quando eu vim para São Paulo em 94. Foi uma época bem punk pra mim, não era um época que tinha tanta abertura para o Nordeste como hoje tem. Eu sofri muito preconceito mesmo. Vim pra cá com um amigo meu, mas ele foi embora logo em seguida. E eu fiquei, era muito só. Ficava bolando por São Paulo e ia pro Bexiga, porque morava ali perto, mas era muito deprê. Chorava muito. E por que você foi? Eu tinha uma banda em Fortaleza chamada Companhia Blue. Veio eu e o Boquinha (guitarrista de Otto). Ele era o vocal e guitarra da minha banda na época. A gente veio para batalhar com a banda. Na verdade, eu queria sair de Fortaleza e tentar alguma coisa. Mas foi muito foda porque ele foi embora, fiquei sem banda e fiquei só estudando e bolando. Então quando você morava em Fortaleza você não tinha o Cidadão Instigado? Ou era você sozinho? Eu cheguei com as músicas, arranjos, montei todo o projeto, toda a história, nome, tudo. Tinha linha de baixo feita, tudo. Passei um ano aqui e no Rio, ficava só compondo e cheguei com o negócio pronto. Eu acho excelente como você não deixou o seu sotaque de lado, ele continua muito forte. Faço questão de manter. Eu gosto de ser cearense e falar como um, mas eu não tenho muito orgulho da minha terra. Hoje em dia, não. Eu tenho orgulho de ser cearense, da minha família, toda a história que eu vivi lá. Fortaleza é uma cidade muito... desgastada, muito violenta. As pessoas têm uma distância do mundo e ficam sonhando com as coisas mais fúteis. O cara acha que o importante é ter carro importado. E ela já foi a cidade que tem mais carros importados. É foda isso. Você vai, chega em Fortaleza e vê aquela


arquitetura. É a coisa mais horrível do mundo. Fortaleza era linda, maravilhosa. Hoje querem imitar Miami porque acham que Miami é o grande lance. E tem os caras bem brabos mesmo. Quem é o culpado? Eu acho que é o povo mesmo. O pouco que se preocupa com isso não consegue fazer nada e nem se importa em fazer. É complicado. A política lá é muito braba mesmo... Juracy (Magalhães) foi o cara que praticamente destruiu a cidade, ele era o antigo prefeito e ficou lá por muito tempo. Nem sei muito bem o que falar dessa galera. Eu só fico muito triste toda vez que vou pra lá. Cidadão Instigado teria funcionado lá? Não. Não tem espaço para tocar lá. É péssimo. Já é difícil funcionar aqui. Aqui não tem espaço para shows. Na real, todos os lugares não têm muito espaço. A sorte é que aqui têm SESC, Itaú, esses lances assim é que são praticamente o ganha-pão do independente. Se for tocar em barzinho é aquela mesma capenguice, não muda. Fortaleza, São Paulo, tudo a mesma coisa. Eu vivo dizendo isso pro pessoal daqui. É... É o mesmo que tocar no Milo, Funhouse. Você toca em qualquer lugar. É massa, mas é capenga. Todo mundo acha que em São Paulo só vai encontrar lugares massa. Mas eu também acho que você tem que fazer o que está a fim. Eu vim pra cá porque eu tenho bastante trabalho. Com Cidadão eu não tenho tanto. Agora que a gente está lançando o disco novo, está começando a rolar uns shows, mas é muito obscura a história. Não dá para saber o que vai acontecer. Pode ser que a gente comece a fazer um monte de shows e de repente fechar no SESC. Isso é massa porque segura a onda. Se não rolar, tem aqueles barzinhos que não rola muita grana. E ninguém tem muita grana para ficar levando a gente para outros cantos. Eu acho que quem vem pra cá é para batalhar por alguma coisa mais para você, pessoal, do que tentar fazer sucesso. As suas colaborações com Vanessa da Mata e Otto são mais um trabalho ou você se encontra neles musicalmente? São os dois. Eu não toco com quem eu não gosto, só se rolasse muita grana e eu nem sei se conseguiria. Normalmente, eu toco se eu puder ser bastante eu. Se alguém disser como eu tenho que tocar, aí eu já estou fora. Eu não consigo. Eu tenho o meu jeito de tocar e não abro mão dele não. O Método Tufo já era um projeto seu? Era... Toquei uma vez no Rec Beat. A gente juntou os meninos, fizemos as músicas em uma semana e fomos lá tocar. Inclusive, lá fora a gente tem feito isso também. Mas era uma coisa que eu estava a fim de fazer, diferente do que eu faço no Cidadão. No Cidadão, eu tinha uma travação, era aquilo ali e acabou. Aí o Método Tufo era meio só para eu me divertir. Uma vez, eu fiz com um cara de hip-hop de Fortaleza, uma galera de artes plásticas que fizeram a arte gráfica do disco e mais uns amigos de vídeo. A gente fez uma instalação com a gente tocando com vídeo, uma doideira. O Método Tufo era isso - invenção. Agora eu peguei e juntei tudo. Por quê? Porque, na realidade, foi quase um rompimento. O Método Tufo era uma coisa que eu não tinha coragem de fazer no Cidadão. Agora eu coloquei para ter coragem de fazer.

montei vários projetos. Tenho um de música experimental. Tem tanta coisa que você pode fazer que não tem porque ficar se prendendo a uma linha. Não faz sentindo. Não sou experimental, não sou brega, não sou roqueiro. Eu gosto de tudo. Gosto desde o reggae e no que eu puder usufruir das coisas... Você está querendo atingir alguma coisa? A minha satisfação. Eu gosto de tocar, eu sou viciado em guitarra. Às vezes enjôo de música, aí não quero nem mais tocar, mas sou viciado nessa história toda. Adoro gravar. É a coisa que eu mais gosto. Estamos com um estúdio, o Totem, e estou delirando agora. Como você sente que está crescendo com músico? Eu tenho um divisor bem forte na minha vida que foi depois que eu comecei a trabalhar com outros artistas. Quando tocava só com o Cidadão eu era muito fechado. Era a minha história. Eu tinha um jeito de tocar e depois que comecei a tocar com outras pessoas, eu comecei a criar outras coisas como guitarrista e como músico. Isso me deu uma abrangência maior para me descobrir. Eu sempre me achei mais guitarrista do que qualquer outra coisa. Outro divisor foi quando mudei de guitarra. Eu tinha uma Gibson e passei a usar a Hofner, que é semi-acústica e também a Gianini, uma viola. Depois que mudei de instrumento foi um lance que também mudou o meu jeito de tocar completamente. Antes eu era muito mais roqueiro, bluseiro, e hoje eu já não me sinto assim. Isso foi um crescimento muito grande. Eu cheguei muito mais perto do que eu queria. Qual é a sua motivação? Prazer. Eu vi um amigo meu tocando - foi o Boquinha. E achei massa ele cantando e tocando. Aí montamos uma banda. Por isso que eu digo que eu só toco o que eu gosto. Desde o começo eu sempre tentei me preservar muito, para não virar um profissional da música. Isso pra mim é o fim. Ás vezes eu fico de mal da música porque eu escuto muito, toco todos os dias, e encho o saco mesmo, mas é fase. Aí vem uma coisa nova. Teve uns anos atrás que eu não agüentava ouvir mais nada. A minha mãe tinha um bar lá em Fortaleza. Era música todo dia e eu enjoei de tudo. Mas aí um dia eu escutei King Crimson, que nunca tinha escutado, e pirei. Seus pais gostam da sua banda? A minha mãe gosta muito. O meu pai conhece pouco, mas gosta também. Ele gosta muito do fato de eu tocar, sabe que estou fazendo o que eu gosto. Ele curte outras coisas. Eu nem sei direito o quê, mas ele gostava muito de Roberto Carlos. Foi com ele que comecei a ouvir. A minha mãe era mais MPB e eu nunca fui fã da MPB. Então eu parti para o meu pai. E com ele peguei muito dessa coisa de Roberto Carlos e música francesa, que eu gosto também. Quem lhe mostrou o rock? Adolescência. Coisas de moleque mesmo... Tinha uma época que eu quis ser hippie. Hippie triste.

Você acha que está seguindo alguma linha musical agora? Não, acho que nunca irei seguir uma. Eu faço o que eu estou a fim. Já

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Palavras Guilherme Werneck Foto: Divulgação

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Noite de sexta-feira, 4 de março. Espero na fila do Great American Music Hall para ver o único show que consegui reservar do Brasil antes de ir para uma viagem rápida de trabalho em San Francisco. Estou lá para ver um show da CocoRosie, que havia lançado em 2004, La Maison de Mon Rêve, um disco que vinha embalando meus sonhos há meses. CocoRosie é uma dupla formada pelas irmãs Sierra, 25, e Bianca Casady, 22. As duas são americanas - Sierra nasceu em Iowa e Bianca no Havaí – e tiveram uma vida nômade, acompanhando a mãe, uma professora de Cherokee que depois passou a pintar. Em 2003, Bianca resolveu visitar a irmã, que estava em Paris estudando ópera. A visita se estendeu e as duas irmãs, que não se davam bem na infância e na adolescência, se descobriram. O resultado dessa intimidade é La Maison de Mon Rêve, com seu blues que parece saltar da antologia de folk music do Harry Smith, mas que é temperado com doses certeiras de percussões eletrônicas e sons de objetos cotidianos, gravados e mixados numa mesa de quatro canais num apartamento em Paris. Em San Francisco, as irmãs Casady iam abrir o show para o Antony and the Johnsons. Antony tinha acabado de lançar o ótimo I Am a Bird Now e, certamente, tinha se transformado na voz gay mais quente do momento e era esperado com casa lotada na cidade mais gay do mundo. Na fila, drags montadíssimas, centenas de pessoas com a cara gorducha do Antony estampada em camisetas e todo mundo falando dele.

cerca de dois anos. “Fomos ver o Antony tocar num lugarzinho pequeno de Nova York. Primeiro, nós nos apaixonamos pela voz dele e depois ficamos muito amigos. Acho que o trabalho que fizemos juntos nesse momento é um resultado dessa amizade”. Menos insular que La Maison de Mon Rêve, Noah’s Ark traz uma interessante variedade de canções. Claro, o tom decadente do entre-guerras europeu permanece e as vozes continuam únicas. Inúmeras resenhas citam Billie Holliday, Bessie Smith e Cocteau Twins para tentar colocar as irmãs Casady numa moldura confortável. Mas a verdade é que, mesmo que apresentem semelhanças com a emoção sofrida de Lady Day, com o blues poderoso de Bessie Smith e com os trinados etéreos de Elizabeth Fraser, elas não podem ser reduzidas a essa ancestralidade óbvia, pois têm força e brilho próprios. Para além da reinvenção do folk neste disco, o CocoRosie também se abre para um certo exotismo, como em “Brazilian Sun”, e para o hip-hop alternativo, como na canção “Bisonours”, que tem a participação do francês MC Spleen. Embora tenha recebido críticas divergentes - a revista eletrônica Pitchfok o classificou como um dos discos mais irritantes de que se tem notícia -, Noah’s Ark contorna bem o problema de fazer um segundo disco depois de uma estréia arrasadora. O segredo é a diversidade. Uma diversidade que passa pelas participações especiais, pela feitura do disco na estrada e que transparece na capa pintada por Bianca: uma orgia de unicórnios que se contrapõe ao desenho de camafeu do primeiro disco, com Bianca e Sierra abraçadas.

Ninguém dava muita bola para o CocoRosie. Só duas meninas declaravam “Eu acho que nossas viagens afetaram o disco. Ele é mais turbulento, amor à dupla pintando em seus rostos os bigodinhos finos e retorcidos, tem mais altos e baixos. É uma viagem com mais pedras no caminho”, no melhor estilo “Paris é uma festa”, que Sierra e Bianca estampavam na disse Sierra. “O primeiro disco era meio uma só história e, quando eu capa de La Maison de Mon Rêve. penso nesse, eu penso nele como uma velha fotografia em preto-e-branco de uma grande família. Através da música, quem ouve, pode colocar uma O show foi daqueles inesquecíveis. Com os Ursinhos Carinhosos no lupa e focalizar cada personagem. E à medida em que um personagem telão, o CocoRosie tocou quase todas as músicas de La Maison de Mon é colocado em foco, é possível ver as suas histórias e a sua história, as Rêve e mostrou algumas canções novas. Antony tocou na seqüência, se coisas que ele experimentou e as coisas que ele viu. Acho que esse disco contorcendo atrás do piano, soltando sua voz única de cantor de opereta. é uma grande coleção de histórias dentro de uma mesma moldura”, No bis, Antony chamou o CocoRosie para um momento de improvisação. sintetiza. Cantaram uma música composta naquela tarde. Basicamente só um refrão que se repetia, algo entre um mantra e uma canção de ninar, que ganhava Uma coisa que contribui para essa mesma moldura é o fato de Noah’s força no encontro da voz teatral de Antony com os malabarismos líricos de Ark manter a ironia e a mordacidade das letras, mostrando que as Sierra e a voz áspera, mas afinada, de Bianca. Foi uma cena ritualística. irmãs são observadoras brilhantes, com uma visão curiosa do mundo e do amor, e que conseguem ser quase pueris em alguns momentos O que eu não imaginava era que o que eu tinha visto naquela noite tinha e, em outros, tecer véus sombrios e visitar zonas cinzentas, que se tudo a ver com Noah’s Ark, o disco que o CocoRosie lançou agora há mostram melancólicas, tristes, quase negras. Outro fio condutor do pouco, em setembro. A arca de Noé foi toda composta na estrada entre disco é a construção das canções intercalando o piano e o violão aos Paris e Nova York, onde Bianca e Sierra moram hoje. Transpira o novo sons de gravações de campo, à percussão eletrônica tosca, aos samples folk americano, uma volta à canção encabeçada por Antony, Devendra inusitados, como os miados e relinchos de “Bear Hides and Buffallo”. Banhart, Johanna Newson e, claro, pelo próprio CocoRosie. “Cada som que colocamos no disco é único nele mesmo. Nossas Em Noah’s Ark, Antony canta “Beautiful Boyz”, primeiro single paisagens sonoras acontecem naturalmente. Às vezes coletamos do álbum, e sussurra versos em francês em “The Sea is Calm”. Já samples com um jeito de gravações de campo. Em outras, é uma Devendra esparrama seu espanhol de gringo que morou na Venezuela questão de incorporar o que está à nossa volta no momento da criação. em “Brazilian Sun”, repetindo “Ay quando el sol cambia su color” É uma forma de visualizar e documentar o espaço no momento em sobre um fino arranjo, assombrado pelo vocal etéreo de Sierra. “A que estamos compondo as músicas”, diz Sierra participação de Antony e Devendra abriu um pouco o nosso som, e o disco tem um lance de comunhão”, diz Sierra, por telefone, de Nova Quem gosta do som do CocoRosie e de sua turminha do Brooklyn pode York, dias depois de terminar mais uma turnê com o Antony and the conferir, além de Noah’s Ark, a compilação Enlightened Family, lançada Johnsons, desta vez com o repertório do disco novo na bagagem. “A pelo selo recém criado por Bianca, Voodoo-Eros. O disco traz gravações turnê foi encantadora, somos grandes amigos, o que faz com que viajar caseiras de Devendra Banhart, Sierra Casady, Vashti Bunyan e mais juntos seja muito tranqüilo”, conta Sierra, que conheceu Antony há uma coleção de ilustres desconhecidos, apresentando ótimas canções.

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Por: Ana Garcia Fotos: Stuart Nicholls/ Divulgação Ilustração: mooz

Como conheci Tim Wheeler do Ash Fiquei três meses como bon vivant em Londres esse ano, na casa do meu irmão. Só curtindo, sem trabalho nenhum, especialmente durante o dia. Logo descobri que o Mário, do Wry, também ficava livre nesse horário. Quer dizer, o trabalho dele podia ser feito em casa, usando apenas computador e telefone. Já conhecia o Mário e o Wry há um tempão, mais precisamente há uns dez anos, quando vi o primeiro show deles em São Paulo, no extinto inferninho Urbania, abrindo para o Pin Ups. Para minha sorte, o Mário morava perto do meu irmão, num bairro vizinho. Quando percebi, estava indo quase todo dia à casa do Mário, que também funcionava como QG da Goo Goo Gang, um grupo de umas doze pessoas, todas de Sorocaba. Na própria casa moravam umas seis pessoas e a garagem funcionava como estúdio para ensaio. Um dia, quando cheguei, Mário estava mais excitado do que o normal: “Cara, você não vai acreditar quem vai chegar daqui a pouco para ver um ensaio nosso.”. Quem? “O Tim do Ash!” Até eu fiquei empolgado. Nessa eu perguntei se não haveria problemas de ficar na casa para poder ver o rockstar pessoalmente. E foi assim que conheci Tim Wheeler do Ash. Na casa estava eu, a mulher do Mário e o restante do Wry. Tim chegou pontualmente no horário marcado (como já era de se esperar) meio tímido, mas bastante simpático. Aceitou um café feito no jeitinho brasileiro e conversou com todos. Ele é baixinho e falante. Depois fui saber que ele tem somente 27 anos, a minha idade! Em certo momento ele perguntou o que tava tocando no som. “O 2° álbum dos Close Lobsters”, respondi. Ele não conhecia a banda. Peguei a capa do vinil e entreguei pra ele, explicando que era uma guitar band inglesa obscura dos anos 80. Ele ficou bastante interessado e disse que ia procurar ouvir. Aproveitei a deixa e mostrei para ele um CD que tinha acabado de ser lançado, a

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compilação The Sexual Life of the Savages, de pós-punk paulista dos anos 80. Os olhos do moço chegaram a brilhar. Indie kid é igual em qualquer lugar do mundo.

Para quem não sabe, Tim estava ali para assistir ao ensaio do Wry, pois na semana seguinte ele ia produzir algumas canções da banda num estúdio profissional. E sem cobrar nada por isso. Simplesmente porque gostou do som do Wry, que é descrito na mídia inglesa como “indiepunk encontrando shoegaze”. As gravações já aconteceram e ficaram ótimas. Serão lançadas no álbum Flames in My Head, que vai sair no Brasil pela Monstro Discos. Na Inglaterra, antes do álbum, a banda vai lançar o single “Airport Girl/In The Hell Of My Head” pelo selo Reckless Records. Gilberto Custódio Quando a banda tomou a decisão de ir morar na Inglaterra? Mário Bross: Pelo fato de cantarmos em inglês, desde o começo já tínhamos a intenção de vir morar em Londres. Todas as nossas influências musicais vinham daqui: The Jesus and Mary Chain, Blur e The Stone Roses. Mas há 10 anos, quando começamos, resolvemos fazer de tudo pra conseguirmos a grana. De certa forma, mesmo cantando em inglês, fizemos um nome no Brasil e sempre tocamos com casa cheia, fizemos álbuns legais e bem gravados, e até um festival chamado Circadélica para quatro mil pessoas, com bandas indie. Na época, só o Astromato cantava em português. Como vocês viviam inicialmente? Boas histórias? Somos uma gangue além de banda, nos chamamos Goo Goo Gang. São em torno de doze pessoas que vieram juntas pra Inglaterra. Vivíamos todos numa casa de quatro andares, a Guhauss, onde diversas festas aconteceram e muitas primeiras experiências. Foram dois anos assim, entre fantasmas e visitantes do Brasil, tivemos muitas historias. Como a do filho do Jimmy Page, um garotinho bonitinho, e a esposa Gimena que vieram assistir à final da Copa do Mundo de 2002 em casa. O garoto é roqueiro desde pequeno, selvagem, e com um secador de cabelo ele conseguiu queimar nosso carpete deixando manchas que nunca mais saíram e até um buraco. Quais foram as maiores dificuldades e como conseguiram superá-las? Sentir falta da família, dos amigos que ficaram e dos fãs do Wry, que, particularmente pra mim, foi bem grave. Tive meus períodos de stress carregado, tivemos uma fase em 2003, quando o Wry era uma banda um pouco mais “brava”, coisa que nunca fomos. Mas era tudo o reflexo da vida, que apesar de legal, também nos levava pros lados mais escuros da nossa mente. Em 2003, começamos a sentir falta daquele calor dos nossos shows e resolvemos dar um tempinho de shows em 2004. Como era esse Wry mais bravo? As pessoas comentavam logo após esses shows: “Hey, vocês não curtiram? Estavam com a cara feia no palco!”. Bem, na verdade a


gente até curtia aquele tipo de rebeldia. Rolou uma briga em um desses shows de 2003. Eu estava quase destruindo “com o maior cuidado” as decorações de um bar todo meio “Hawaii” no sul de Londres, quando um cara subiu no palco enquanto eu estava com meu amplificador na mão fazendo a maior microfonia e quis tomá-lo de mim, dizendo “Você vai quebrar todo o bar!”. Eu nem sabia o que fazer e o cara me empurrou pra fora do palco. Em menos de 1 segundo os caras da minha banda pararam a música, agarraram o cara e rolou a maior movimentação. Gente falando no microfone, gente gritando “Rock’n’ Roll!!!”. Outra vez, nesse mesmo ano, em Manchester, uns 30 hooligans (os carecas) estavam num show da gente. Estava tudo muito tenso, eles zoando com todo mundo e nos desafiaram a tocar punk rock. Quando começamos, logo na primeira nota, os caras amaram e gritaram com a gente... Não era bem punk rock, mas o nosso furor daquela época com tudo e com todos botou mais “guts” na nossa performance e apavoramos os carecas... Toda tensão foi lavada no ano seguinte com as novas composições e a nova casa. Quem vocês têm conhecido de famosos? Boas histórias? Tim Wheeler do Ash é o mais próximo. Além de ter produzido a gente, ele virou um amigo e até trocamos telefonemas de vez em quando. Ele está morando em Nova York agora, mas sempre está por aqui. Um dos dias mais legais que gravamos foi quando eu estava no carro dele e o celular dele tocou. Era Chris Martin do Coldplay (melhor amigo do Tim). Ele fala “Hey, estou mostrando aqui o X&Y pro Mario e parece que ele está gostando!”. Achei muito estranho e o Chris ainda pergunta quais músicas eu tinha gostado mais. Isso antes de sair o álbum. Ele nem me conhece, mas segundo Tim, Chris é um dos caras mais inseguros que ele conhece. Tem também The Rakes, que são todos nossos amigos. Eles fizeram o primeiro show deles com a gente usando todos os nossos equipamentos e eu fui a primeira pessoa que congratulou eles após um show no camarim. Que outros grupos são interessantes da cena? Cenas mesmo existem na América e até no Brasil. Aqui é diferente. Aqui a maioria tenta descolar o sonhado “record deal” milionário. Não tem muita cena não, a não ser a cena da NME. Essa sim eu diria que pode ser uma cena. Eles constroem todas as bandas que farão parte daqueles novos dois anos de cena. Eu gosto da NME, eu acho isso genial. Mas, abaixo disso, não existe cena. É muito bem organizado os shows e tal, mas aquilo que vemos acontecer no Brasil de bandas terem bastante público antes de serem públicas, aqui não rola. Franz Ferdinand já não é mais interessante. Maximo Park vai durar pouco. Hard-Fi quem sabe!? Talvez o Bloc Party, que eu adoro, vai continuar sendo interessante e The Rakes também. Mas eu estou em outra, eu gosto de Amusement Parks On Fire, de Nottigham. Engineers. Bullet Union, de Londres, a melhor banda agora pra mim. Eu adoro também iLIKETRAiNS e This Et Al de Leeds e TurnCoat, de Brighton. Vocês estão pra lançar o Flames in the Head. Poderia contar com quem foi gravado e quem colaborou? Durante a composição do álbum em 2004, entre uma demo e outra, procuramos um produtor, mas estava difícil. Os que apareciam não eram muito bons. Foi quando num sábado de maio deste ano, recebi dois telefonemas: um no celular, outro no telefone normal. Quem eram: Tim Wheeler e Gordon

Raphael (que produziu os dois primeiros dos Strokes). Meu, não acreditei. E foi por isso que o álbum acabou atrasando, pois decidimos gravar simultaneamente com os dois produtores músicas diferentes e ainda ter a nossa parte de tudo o que aprendemos no ano anterior. A parte produzida por Tim Wheeler foi feita no Miloco, onde bandas como Futureheads, Bloc Party e Razorlight já gravaram. Jimmy Robertson foi o engenheiro de som. Tim fez backing vocals em três faixas. A parte do Gordon foi feita em seu próprio estúdio chamado The Silver Transporterraum of London. Sim, Gordon é daqueles caras “Setentão” super psicodélico. Vocês vão até ouvir os sintetizadores que ele mesmo tocou. A nossa parte foi gravada em nosso próprio estúdio “Garage” e gastamos muitas horas, foi muito divertido. Como esse disco se diferencia dos outros? A sonoridade do Wry esta lá, continua forte, pois acho que será bem difícil sair. Muitos não entendem como conseguimos não soar como outras bandas, temos uma autenticidade grande nas nossas composições. Mas com certeza está bem mais maduro, em termos de letras e estruturas, um pouco mais polido e menos psicodélico ou indie-prog, como eu mesmo nos achava. Vocês estavam passando por infernos na cabeça para colocar esse título? Sim, eu principalmente, e é lógico sob influências dos caras e dos amigos mais próximos aqui da Goo Goo Gang. Têm vários trechos de músicas que foram baseados em algo que escutei dentro de casa, ou algum conselho que uma outra me deu e tal. Com tantas coisas vindo pra tomarmos, as festas e os primeiros shows, é claro que algum dia viria o dissentimento e depressão de todos aqueles bons dias... Eles vieram em forma de música pra mim e eu acho que soube tirar bom proveito. Amigos que se vão pra sempre, pessoas novas que entram. Saudades e brigas. Sexo e violência. Imigração, ser estudante e roqueiro. Todos esses assuntos, quase que diretamente eu botei nas musicas. As melodias casaram com as minhas emoções de uma forma que nunca tinha feito antes. Mas mesmo assim, vocês seriam o exemplo da banda que “conseguiu”, concorda? Não sei te dizer claramente, mas talvez, dentre as bandas “brasileiras que cantam em inglês e não têm nenhuma influência de samba ou funk ou metal”, nós somos a que conseguiu, talvez. Durante nossa carreira sempre soubemos que quase todas as bandas indie do Brasil queriam vir pra Londres. Bem, nós viemos. Ultrapassamos a fase de nos odiarmos e então nos amamos mais do que nunca e estamos aqui “disputando” (odeio isso!) com bandas que curtimos tanto. Mas é muito difícil. Londres é tão pequena e aqui rolam cerca de 500 shows de bandas novas por dia, entre todos os estilos. Não é fácil estar onde estamos mesmo que onde estamos não seja tanto. Alguma dica para aqueles que almejam também tentar a vida de músico na Inglaterra? Meu ponto de vista é de alguém que não teve dinheiro fácil pra investir, e digo que tem que ter muita dedicação e compaixão. Se vir como banda, que decida já no Brasil se está mesmo a fim de viver dia a dia com seus parceiros. É difícil viver em um país que não é o seu. Imagine querer um lugar mais elevado então. Tendo a dificuldade extrema em mente e sendo bem amigos uns com os outros e bastante confidentes, eu até apoio sua vinda. Mas se existe algum tipo de dúvida entre a própria banda, é melhor cantar em português e tentar de tudo por aí mesmo. O Brasil, afinal de contas, É O PAÍS DO FUTURO. E não estou sendo irônico.

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Palavras: Marcelo Garcia Foto: Divulgação

A primeira vez que ouvi Jim Black tocar foi num show em Boston com o grupo Human Feel. Nessa época, o seu guitarrista Kurt Rosenwinkel ainda andava com os óculos remendados com fita durex e esses “meninos” ainda eram considerados apenas estudantes recém-formados, apesar de seus professores e ídolos, como Scofield, Metheny e Goodrick, falarem que eles seriam os instrumentistas da próxima geração. Havia um senso de urgência no ar de Boston com esses cabeçudos tocando em esfumaçados botecos da cidade, como o Willow Jazz Club e o Middle Eastern. Junto com eles, Medeski, Martin & Wood, que tocavam inicialmente para uma audiência igualmente cabeçuda, começaram a atingir os jovens que gostavam de acid jazz e música com groove, além daqueles que amavam um bom e longo show de música experimental. O MM&W atingiu o mainstream enquanto o Human Feel continuou a explorar territórios angulares, atonais e riquíssimos, ritmicamente. Acho que com o grupo AlasNoAxis Jim conseguiu uma plataforma harmônica e melódica para jazzistas de musica instrumental e vanguarda entrarem um pouco em contato com os seus sonhos de criança: ter uma banda de rock. Mas uma banda que dê espaço de sobra para as coisas acontecerem espontaneamente. Jim, como baterista, viaja, leva o ouvinte e os músicos que acompanha a lugares inesperados. Explode, fazendo a banda espernear como uma criança mal-criada, mas mantendo o senso de um pulso imaginário que nunca é perdido, e, sempre, desenvolvido, dando a impressão de a banda funcionar como um organismo mutável e, acima de tudo, vivo. O que aconteceu com Human Feel? A banda nunca terminou, apenas colocamos o grupo em pausa (por volta de 1994) depois de muitos anos tocando juntos para tocarmos em outros projetos e para realizarmos outros desejos pessoais. Na verdade, tocamos juntos dois anos atrás para fazer dois shows em Nova York e soou melhor do que nunca. Uma das razões por que colocamos a banda em pausa foi porque ficamos cansados de bater as nossas cabeças na parede tentando conseguir trabalho para o grupo – os nossos nomes não eram grandes o suficiente para conseguir promotores fora dos EUA. Com o passar desses últimos 10 anos as coisas mudaram, então o nosso plano é escrever música nova e fazer uma turnê pela Europa com o Human Feel esse ano.

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Que tipo de coisa influenciava vocês naquela época? Quando Human Feel começou, estávamos escutando Albert Ayler, Ornette Coleman, Steve Coleman e Thelonius Monk, só para nomear alguns. Mas essa foi a primeira banda com a qual eu tive a oportunidade de trabalhar e desenvolver música original, então, desde o primeiro dia, escrever músicas e desenvolver o “nosso” som era o mais importante. Você tem tido bons resultados com o projeto do Human Feel e com os seus projetos solos, em termos de estilo e forma. Quais têm sido os comentários da sua audiência? Qual será o seu próximo passo? Eu fico feliz em ver que AlasNoAxis tem uma grande quantidade de fãs, muitos que são fãs antigos do Human Feel. Pelo menos com o disco Habvor a maioria dos comentários que eu recebo são a favor ao fato de que a banda está tocando principalmente músicas sem muitas improvisações longas. Eu gosto de escutar improvisações e solistas, mas, como muitos de nós, eu também gosto da forma como o cantor/compositor se relaciona com a música, o que foi o foco do nosso último disco, mas sem voz. Eu estou atualmente em casa escrevendo música nova para a banda, tentando estender a idéia da música enquanto procuro uma forma de expressar as minhas idéias sobre como a melodia, harmonia e ritmo poderiam soar. Eu também gostaria de gravar um disco só de improvisação com essa banda, em algum momento.

“Toda música diferente que eu quero tocar não cabe em apenas uma banda, o que naturalmente dá para cada grupo que eu tenho uma identidade e som que difere dos outros” Jim Black

Qual é o seu processo de composição hoje em dia? Soa como se a banda se desenvolveu durante o processo, harmonicamente e em termos de estilo, é bem bonito e pessoal, mas também parece que tem uma cabeça principal por trás de tudo. Basicamente, eu escrevo as músicas e depois junto com o resto da banda e trabalhamos nelas como um grupo. Eu toco com Skuli, Chris e Hilmar há mais de 10 anos e eles são obviamente alguns dos meus instrumentistas, arranjadores e compositores favoritos, tanto quanto amigos. Eu preciso o máximo possível das idéias deles e eu componho com o potencial de som e possibilidade deles em mente. Eu só quero ter a primeira oportunidade de escrever o material. Você está tentando atingir mais pessoas hoje ou você já chegou a um momento em que não se preocupa? Eu só posso fazer música com amigos que sentem o certo para nós, não importa o quão popular ou não popular, por dentro ou por fora, fácil ou difícil que seja para a audiência. O objetivo é ser honesto comigo mesmo e fazer música que 1) é o que eu quero escutar e 2) que eu acredito ser a melhor música que eu posso produzir naquele momento, não importa como ele é categorizado ou visto depois. Eu sei que algumas pessoas acham que uma banda como AlasNoAxis é muito simples comparada com o que eles esperam de mim depois de alguns anos, então eu só recomendo escutar outros projetos com o qual eu estou envolvido. Toda música diferente que eu quero tocar não cabe em apenas

uma banda, o que naturalmente dá para cada grupo que eu tenho uma identidade e som que difere dos outros. Você faz algum outro tipo de expressão artística além de música? Não, ou pelo menos não por enquanto, música é o suficiente. Cozinhar conta? Quais são algumas das suas primeiras memórias musicais? Tocando guitarra que o meu pai fez pra mim de papelão. Também escutando muito um EP do Jackson 5 que eu ganhei numa caixa de cereal nos anos 70, tocando com a minha bateria de papelão com panelas. Obviamente o papelão foi uma influência importante. O que levou você a escolher bateria e percussão? O meu pai dizia que eu estava sempre batendo nas panelas. Então, bateria e percussão encaixaram bem com a idéia. Na verdade, eu nunca pensei em não tocá-los – é estranho. Eu escrevo a maioria das músicas do AlasNoAxis numa guitarra com tons diferentes, mas eu nunca saberia fazer um solo, nem se pagasse. Eu sou melhor no piano. Eu também amo mexer com eletrônicos e passei muito tempo do ano passado fazendo um programa para o meu laptop e bateria eletrônica para usar em improvisação. Então você já introduziu samples ou algo eletrônico na sua música? Sim, já usamos alguns desses instrumentos para improvisar e colocar a música nos últimos dois discos do AlasNoAxis. Eu tenho outros projetos que são todos baseados em samples, tento fazer os laptops e coisas do tipo responder a um ambiente de improvisação utilizando diversos controles – tentando reduzir o tempo entre uma idéia e uma reação. O trio de Hilmar, TYFT, com Andrew D’Angelo, é um bom lugar para improvisar com os nossos instrumentos acústicos e eletrônicos. Eu também quero fazer um duo com Briggan Krauss (saxofone e laptop) e também com Skuli. Rock parece estar presente no seu passado musical, é verdade? Eu escutei rock clássico até os meus 13 anos e toquei em duas bandas de rock. Aí, um amigo meu de 15 anos começou a me infectar com jazz e improvisações e eu entrei numa banda de swing com meninos de 14 a 16 anos. Depois eu tive que descobrir como casar todos dentro de mim de uma forma que não houvesse um conflito, no qual eu ainda estou trabalhando. O que você está redescobrindo? O como é importante não me deixar pensar e me permitir entrar completamente na música enquanto tocando em qualquer situação. Não tem tempo para se preocupar com algo, se não eu não posso fazer uma outra nota. Eu tenho que lembrar de acreditar em mim mesmo e na minha experiência, assim tudo flui.

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Palavras: Ana Garcia Fotos: Divulgação Ilustração: mooz

Kevin Blechdom (seu nome verdadeiro é Kristin Erickson) lançou umas das maiores obras de arte da música eletrônica deste ano, o seu segundo disco solo Eat My Heart Out (Chicks on Speed). Uma mistura de programas caseiros no computador com música country, electro e baladas apaixonantes. As músicas são brilhantes, engraçadas, fofas, irônicas, incrivelmente dançantes e tristes. Eu estou falando de músicas para realmente cair na pista e chorar. Entende? Kevin consegue fazer coisas inacreditáveis. Sabe “Love You from the Heart”? Bem, ela gravou essa música enquanto sugava hélio de uma bola. Ela nem sabia o que estava falando até escutar o que gravou no dia seguinte. Aí você a escuta tossindo, rindo e perdendo o fôlego por causa do gás nos seus pulmões. E ela faz tudo isso enquanto abria o seu coração por causa do fim de um relacionamento distante. São aqueles estados emocionais mais instáveis possíveis, coisas de depressão clínica, quando a pessoa está prestes a entrar numa crise histérica. Você sabe como é. Todo mundo passa por isso. O mais incrível é como ela lida com coisas tão sérias - o álbum é muito engraçado, irreverente, cheio de ironias e bem consciente dos clichês da vida amorosa. A sua angustia é bem evidente nas suas letras: “You are my torture / And I am your chamber / Get out of me”, ela grita em uma das faixas, depois passa por momentos de claridade e canta “I don’t want to get over you / But I’m so scared that I might have to / In order for me to get on with me / I can’t wait around indefinitely”, e novamente volta a estar confusa “This is it baby / I love you / I fucking love you / So fuck you”.

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Você estava com raiva enquanto fazia esse disco? Não no começo, mas lá pro final eu comecei a ficar um pouco louca. Eu usei muita carga emocional e pessoal para as músicas e na minha vida real já tinha passado por muitas coisas ruins, mas eu tinha que continuar trabalhando no disco. Então eu tive que ficar voltando para esses sentimentos que já tinham terminado. Isso foi difícil. Mas, pensando agora, eu estou feliz por ter feito isso. O disco saiu e eu posso começar algo novo. Eat My Heart Out é sobre o fim de um relacionamento à distância? É sobre amor, isso é certo. É sobre alguns relacionamentos durante alguns anos e, também, têm algumas músicas doces de amor que a maioria das pessoas não consegue perceber. É sobre pessoas específicas, mas também sobre a minha mudança de San Francisco para a Alemanha. Foi um rompimento muito grande com o país e a cena musical que eu participava e aí tive que começar novamente. Eu realmente consegui me identificar com algumas das suas letras porque estou passando pela mesma coisa e eu não tenho idéia de como esquecê-lo. Desculpa por escutar isso. Eu estava tentando encontrar caminhos para sair das situações negativas que são bem viciantes, como quando a situação não está boa para você, mas de alguma forma você fica envolvida nela por algum motivo. E também o amor não é sobre esquecer as pessoas. Se você realmente o ama, então obviamente você não quer esquecê-lo. Mas precisa ter um limite para isso. E você tem que decidir o que é melhor para você. Juntar força pessoal para continuar com a sua vida é a forma. Pode ser difícil, destrutivo e temos que ter cuidado para não se tornar cíclico. Eu estava procurando formas para sair dessas situações negativas que ficavam se repetindo. Eu ainda espero encontrar uma saída e poder compartilhar essa mensagem através da música. Talvez assim ajudar outras pessoas a encontrarem o seu caminho. Se


não, pelo menos mostrar que elas não estão sozinhas nessa luta e que não deveria ser uma coisa embaraçosa. Faz parte da vida e lições têm que ser aprendidas de alguma forma. Mas parece que normalmente temos que aprender as lições sozinhas. É verdade, mas é tão difícil porque ele parece ser tão egoísta e só pensa nele e na sua música, enquanto eu estou aqui...esperando... Não espere. Tente ser mais egoísta. Pense em começar a se concentrar mais em você mesma e no que você quer fazer com a sua vida, e faça! Talvez você descubra que você é muito boa para ele e que foi tolice perder seu tempo e sua vida esperando por alguém. Mas é claro que ele provavelmente gosta de ter alguém esperando por ele e se você realmente o ama você fará qualquer coisa por ele, mas isso não soa justo. Você merece melhor. Se fosse fácil, mas de alguma forma eu consigo encontrar uma ironia nisso tudo. Parece que você também. Totalmente. Eu acho muito engraçado, essa coisa do amor. De uma forma, trabalhar no disco foi muito sobre desvendar e brincar com emoções contraditórias. O que é complicado porque você pode ter dois sentimentos por algo. Eu sempre penso nisso como um vício de cigarro. O fumante quer fumar, mas provavelmente não quer ter câncer e morrer. Então você tem sentimentos contraditórios. E humor é divertido. Eu gosto de fazer brincadeiras e de rir. Adoro bons filmes de comédia e amigos engraçados. É um alívio ter uma boa risada. Então por que não juntar tudo?

“Talvez você descubra que você é muito boa para ele e que foi tolice perder seu tempo e sua vida esperando por alguém” Kevin Blechdom

Nascida em 1978, com cinco anos de idade, Kevin começou a ter aulas de piano e aprendeu a tocar diversos instrumentos. “Eu sempre quis ser uma compositora e escrever musicais”, conta. “Eu escutava muita música clássica, mas quando comecei a comprar discos eram só de rock e depois de música eletrônica. Eu também gostava de blues e música eletrônica estranha. O importante era ser energético e intenso”. Kevin estudou em uma universidade só para mulheres, Mills College, em San Francisco, onde ela aprendeu tudo sobre fazer música no computador, criar sons com softwares que ela mesma programou no Max/MSP. Ela conheceu o seu ex-colaborador Bevin Kelley enquanto ambos tocavam numa festa em 98. Eles gravaram o primeiro disco nesse mesmo fim de semana e começaram a fazer músicas utilizando o nome Blectum From Blechdom, que teve alguns discos lançados pela Tigerbeat6 e outros selos. Depois de cinco anos, o duo se separou e Kevin se mudou para Berlin, onde o seu primeiro lançamento Bitches Without Britches, saiu pela Chicks on Speed em 2003. Antes de lançar Eat My Heart Out, Kevin esteve no Brasil durante o Sonar Sound São Paulo. Vestida com uma bata preta bordada e descalça, ela conseguiu arrancar gritos e risadas das pessoas que conseguiram conferir o show dela. Ela foi encantadora ao vivo. E terminou o show com “I Will Always Love You” de Whitney Houston. Cada vez que puxava o refrão, ela ia subindo uma oitava,

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até terminar a música deitada no palco, se esgoelando e fingindo ter um ataque. A capa do disco a apresenta segurando uma mão cheia de carne crua mostrando os seus peitos cheios de sardinhas. Ela diz ser uma brincadeira em homenagem às feministas dos anos 60 e 70 que faziam arte performática, como Carolee Schneemann, que organizou um show que tinha várias pessoas peladas sujando-se umas às outras com peixe, galinha e carne crua. A capa criou tantos problemas que a gravadora decidiu cobrir a imagem com um desenho para evitar censura no Japão, Inglaterra e EUA. Você conseguiu lançar alguma cópia com a capa original? As promos tinham a capa original, mas quando o selo mandou os discos para as distribuidoras, as da Inglaterra, EUA e Japão não poderiam distribuir os discos para lojas maiores por causa da capa. Então, o selo e eu decidimos que era melhor o disco estar nessas lojas para as pessoas poderem comprá-lo. Decidimos fazer uma outra capa por cima da capa original. É uma censura mais econômica. A foto com o peito e a carne era uma brincadeira no começo, mas se tornou real muito rápido. Para mim, era um clichê do que uma artista de arte performática faria, então eu tentei. Agora, eu faço uma versão ao vivo da capa do disco. Quais são as suas músicas favoritas do disco? “Too much to touch” e “Torture chamber”. Essas foram algumas das últimas faixas que escrevi pro disco e eu gosto porque elas me fazem sentir melhor. Se eu começo a me sentir mal, eu sempre toco essas músicas e isso realmente me ajuda. Talvez porque elas são as músicas mais novas ou talvez porque eu as escrevi quando estava realmente decidida a continuar com a vida.

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Você chegou a alguma conclusão sobre a vida? Eu me tornei mais protetora, o que é bom e ruim. Eu descobri que é difícil se manter aberta a novas situações depois que passamos por coisas ruins. Parece demorar muito para voltar a confiar e ser aberta novamente. O meu próximo disco será mais sobre confiança e terá um feminismo mais na cara. Você tem encontrado dificuldades em ser uma mulher nesse ramo da música? Sempre. A música eletrônica é realmente dominada pelas mulheres e sempre tem sido trabalhoso. Mas é muito mais fácil hoje em dia, já que estamos fazendo isso há muito tempo, mas agora a questão é a imagem ‘feminina’ que eu quero representar e como isso afeta o público. Antes era muito mais sobre tentar conseguir respeito na indústria, fazer as pessoas escutarem a música e querer lançá-la. Mas agora, para mim, é muito sobre a imagem feminina atual disponível para as pessoas consumirem e eu não me sinto representada por nenhuma dessas imagens, então eu quero criar uma nova imagem feminina para as pessoas verem. O que é difícil. Eu quero ser honesta com ‘quem’ as mulheres são e não fazer o mesmo papel sexy/passiva das mulheres. Dá pra sentir a resistência do resto do mundo em não querer mulheres fortes serem vistas pela sua natureza. As pessoas querem ver um homem fazendo tudo e quando não são eles fazendo, as pessoas têm muita dificuldade em acreditar. Mas agora, mais do que nunca, eu sinto que precisamos mudar isso. A parte triste de tudo isso é que tudo é tão sobre a imagem física... Isso é um tédio. Eu não quero escrever um disco sobre isso. Não é legal ser uma mulher que não quer saber da sua aparência e isso é uma loucura. O que é legal no mundo é ser uma puta loira submissa que chupa muito pau e que não é muito esperta. Eu tenho raiva do mundo por causa disso. Eu quero mudá-lo imediatamente.


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Há muitas maneiras de se conceber um disco ou uma música, a inspiração pode vir dos mais insuspeitos lugares. Porém, não é comum que essa criação seja conscientemente baseada em um livro. Quer dizer, mais ou menos, mas não é comum que se grave discos a partir de livros acadêmicos, ainda mais um como Negrophilia, de Patrine Archer-Straw – um livro que trata da fascinação dos parisienses pela cultura negra nos anos 20. Foi essa obra que despertou os neurônios criativos do MC e produtor norteamericano Mike Ladd. E, em se tratando dele, não é tão surpreendente que a inspiração tenha partido daí. Se pensarmos bem, é até esperado. Nascido em Cambridge, no estado de Massachusetts, filho da mistura racial (seu pai era branco e sua mãe negra), Mike sempre esteve em contato com o meio acadêmico. Sua mãe era professora universitária e, além de trazer o conhecimento acumulado nesses templos do saber, fazia questão de levar o filho para assistir aos shows de seus amigos e de outros artistas que passavam pela cidade. Tudo isso conquistou o pequeno Mike, que começou a tocar baixo e bateria em algumas bandas da sua cidade. O gosto pela literatura ainda se manifestava nas poesias que escrevia constantemente e pelas quais era muito respeitado – chegando a ter algumas publicadas no protesto literato In Defense of Mumia de 1996. Daí para se tornar um MC foi um pulo.

Palavras: Filipe Luna Fotos: Divulgação

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Hoje, Mike é um dos mais inovadores do seu estilo. Suas produções são naturalmente experimentais, transitando entre o hip hop e o free jazz. Seja em trabalhos solo ou sob a alcunha de Infesticons ou Majesticons, ele vem mostrando que sua música ultrapassou gêneros e agora vive na fronteira do indecifrável. Tornou-se único. Ainda mais com seu peculiar estilo de rimar que às vezes é recitado e interpretado como uma poesia ou fluido como uma rima de festa hip hop de quintal. Tem algo de não-usual em um livro que inspira um disco, ainda mais um livro tão acadêmico quanto Negrophilia, também título do seu álbum. Você pode explicar um pouco o que te motivou a fazê-lo? O tópico vinha perturbando a minha cabeça há algum tempo, antes mesmo de eu gravar o meu primeiro disco. Mas Patrine Archer-Straw contextualizou essa obsessão com os negros historicamente. Eu senti que lidar com o assunto e ignorar o livro dela seria uma injustiça. E como ela havia feito tão bem, o álbum poderia muito bem se focar nos temas do livro e ser uma exploração real do assunto ao invés de apenas alguns recortes esparsos. Você acha que viver em Paris ajudou a entender melhor o conteúdo do livro? Sim, me ajudou a ver como as coisas mudaram consideravelmente. Ainda há uma obsessão com a autenticidade aqui que é diferente da que ocorre nos EUA. E ainda há uma obsessão com a cultura negra, até certo ponto, porque há tantos negros por aqui apreciando a cultura negra com mais vitalidade que meio que tira um pouco da graça para eles. O interessante é que a obsessão pós-colonial com a cultura brasileira é grotescamente forte por aqui. Você deve saber disso.


O fato de que o disco foi inspirado num livro mudou de alguma maneira seu processo criativo? De certa maneira, é mais fácil se prender a apenas um assunto. Você se foca mais e, portanto, é mais fácil de escrever. Mas também é necessária certa quantidade de rigor intelectual. No entanto, também é assim com o pop num nível distorcido (quando eu tento), então, ainda assim, é mais fácil. Como que foi a composição de Negrophilia? Como foi trabalhar com Vijay Iver e Guillermo E. Brown? Quanto do que a gente ouve é deles e quanto é seu? Foi muito colaborativo, especialmente entre eu e Guillermo. Eu diria que o esforço conjunto foi mais ou menos 60-40, se não 50-50, dá pra ver nos créditos do disco. Tem também uma faixa escondida comigo, Vijay e Guillermo tocando instrumentos eletrônicos ao vivo. É muito diferente samplear algo que outra pessoa gravou de recortar e colar algo de que você participou da gravação como você fez nesse álbum? Nesse caso, não. Por um lado, porque, quando eu finalmente recebi os arquivos das sessões gravadas ao vivo, eles estavam tão misturados que era como se eu estivesse procurando em meio a um monte de discos tantos sons diferentes. No entanto, por um outro lado, é muito libertador porque eu não precisava me preocupar em pagar por samples e eu não precisava partir os sons apenas para disfarçá-los. Mas o hábito era tão grande que eu acabei partindo a maior parte das coisas de qualquer maneira. O conteúdo das letras de hip hop realmente se expandiu nos últimos anos. Há espaço para o estilo meio maluco e ficcional de MF Doom, o gangsta de 50 Cent, a mensagem positiva do Jurassic 5. Há também um estilo mais reflexivo e analítico, do qual você faz parte. Você acha que o hip hop consegue manter sua alma e seu vigor com esse estilo mais cerebral? Sim, eu acho que muita análise de, ou em, qualquer tipo de música é algo problemático. Entretanto eu também acho que música “simples” pode ser profundamente cerebral, então não deixe ninguém te diminuir só porque você está fazendo-os pensar. Na maioria das vezes, as pessoas estão apenas com raiva por você não se adequar na fantasia deles do que aquela música deve ser, especialmente música negra (os negros podem ser culpados do mesmo crime na música negra). Eu estou aqui especificamente para atormentar essas pessoas, em parte é isso que esse álbum faz. Ele bagunça as expectativas raciais e musicais. Torna-o difícil de vender, mas fode com a cabeça desses idiotas. Não tem nada a ver com música inteligente ou não, toda música é inteligente dependendo de como é usada. Se você usa Britney Spears para seduzir uma gatinha de quem você gosta na academia, e você se apaixona e forma uma família, isso é uma coisa bem esperta de se fazer e você só tem a agradecer a Britney e a equipe criativa dela. Prender-se na armadilha anticerebral é como um garoto classe média dizer para outro garoto classe média que ele não pode ser um revolucionário porque ele é classe média. Se Che Guevara tivesse

prestado atenção àquele idiota na escola, o mundo seria um pouco pior porque Che teria dado ouvidos a uma criança invejosa com medo da revolução. Há espaço para tudo, especialmente para se expressar. Sendo você o produto de interação racial e cultural, tendo uma família parte branca, parte negra, você sente que pertence mais a alguma das duas? Ou você se sente preso entre esses dois mundos diferentes? Meu pai, que era branco, morreu quando eu ainda era muito jovem. Por mais trágico que isso tenha sido, tornou a crise de identidade mais fácil de certa maneira. Eu sempre me identifiquei com minha mãe, que é negra. Além do mais, tradicionalmente, nos EUA, se você é apenas um quarto negro, você é considerado negro. Apenas com o advento de uma classe média racialmente misturada é que a identidade se tornou um assunto proeminente nos EUA. Eu acho que ser classe média foi um problema muito maior para mim do que a raça. Conte-nos um pouco sobre como você se envolveu com a música. Você tem memórias musicais da sua infância? Eu nunca vou esquecer quando eu descobri Axis: Bold as Love, de Jimi Hendrix, aos 11 anos de idade, Check Out My Melody, de Eric B. & Rakim, aos 15, Sex Machine, de Sly Stone, aos 14 e Potential, de Jimmy Castor, aos 12. Eu lembro exatamente onde estava e o que estava fazendo quando eu ouvi cada uma dessas canções pela primeira vez. Você imaginava que ia se tornar um MC quando estava na faculdade estudando Inglês? Eu rimava desde os 12 anos de idade, mas nunca pensei que isso fosse ser minha carreira até já ser tarde demais. Quem foram as pessoas que ajudaram a dar forma a sua música? Quem são suas maiores influências? Cara, essa lista é comprida e eu sempre deixo alguém de fora, apenas nomes aleatórios e sons: Jungle Brothers, Charles Mingus (Let My Children Hear Music), Archie Shepp (Attica Blues e Fire Music), Anthony Braxton (tudo), Coltrane (tudo, especialmente Infinity), Alice Coltrane (tudo), The Ghettovettes, Chubb Rock, Eric B. and Rakim, Vijay Iyer, Nat King Cole, Duke Ellington, Cecil Taylor, Sun Ra, Rahsaan Roland Kirk, Art Ensemble of Chicago, Funkadelic, Pharaoh Sanders, Putney Swope. Quem hoje em dia faz arte que você gosta? Quem que vale a pena escutar? Todo mundo tem que tirar o chapéu para os Neptunes, pelo menos um pouco. Sinto muito, mas para mim, o segundo disco da Kelis, “Drop It Like It’s Hot” e “Sim Simma” de Beenie Man tiveram alta rotação no meu som. EL-P sempre me instigou, assim como meus amigos: Anti-pop Consortium e Rob Sonic. Gostei muito do novo de Jamie Liddell pela total apropriação/negrofilia. Gosto de Jimi Tenor às vezes. As coisas de Vijay também. Alguns b-sides de Dizzie Rascal são muito loucos. Difícil de lembrar agora. Um monte de coisas antigas de mixtapes de amigos estão em alta rotação no momento. Qual é o lema que você segue? Continue mirando na alma e não na cabeça, e você pode ser tão louco quanto queira, e eu estarei feliz. Eu tento seguir esse lema.

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Palavras: Viviane Menezes Fotos: JoĂŁo Z e Arquivo Pessoal Almir de Oliveira

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Almir de Oliveira fundou o Ave Sangria, grupo pernambucano da década de 70 que foi importante pela sua irreverência e musicalidade à frente de seu tempo. Inicialmente, ele foi formado por Almir, Marco Polo, Ivinho, Agricinho e Rafles. Naquela época de contracultura, o Drugstore Beco do Barato, bar localizado no centro do Recife, antigo TPN (Teatro Popular do Nordeste), era o cenário perfeito para uma juventude que se descobria e contestava o poder político e a moral vigente. Foram batizados de Udigrudi. Mesmo depois do fim do Ave Sangria, e lá se vão 30 anos, Almir nunca deixou a música de lado. Agora, em seu novo projeto, ele tem a companhia de sua esposa Niedja nos vocais, do neto Caio César, percussionista, além de outros músicos. As composições seguem a linha do rock ‘n’ roll, vício que ele não abandona. Mas Almir também flerta com ritmos como bolero, chorinho e maracatu (mistura, aliás, presente já em sua antiga banda). A irreverência das letras e a ousadia da juventude permanecem. Não é à toa que seu novo trabalho, intitulado “Quem não conhece Lolita, não conhece o Recife”, conta a história de um travesti que escandalizava a cidade nas décadas de 50/60. Com a ajuda da sua produtora Bianca Simpson, Almir vem se apresentando no Recife e sente-se mais livre para compor e fazer planos de um novo CD e até um DVD. O que eles precisam agora é de apoio das instituições públicas e privadas para concretizá-los. A entrevista que você começa a ler é um retrato fiel e sincero de um músico que resistiu ao tempo, mesmo que muitas vezes tenha sido impedido de dizer tudo o que sentia ou pensava. Como surgiu a vontade formar a banda? Eu comecei a tocar com 16 anos em bailes e mais ou menos aos 18, comecei a compor. O grupo com o qual eu tocava nos bailes, Os Astecas, não queria fazer algo autoral. Então, um dia, falando com um dos músicos dos Astecas, Rafles, expus a ele a minha vontade de fazer um grupo que tocasse músicas próprias. Aí ele falou de um amigo que morava no bairro de Casa Amarela que também tinha essa vontade. Um dia, ele me levou na casa desse amigo, que era Marco Polo. No mesmo dia, eu conversei com Marco, que logo se interessou. Convidei-o para assistir ao ensaio dos Astecas. Ele foi e gostou. Na metade de 69, eu passei a tocar com Os Selvagens, que também era lá da Vila dos Comerciários (subúrbio do Recife). Foi quando eu conheci Ivinho e Agricinho. Onde vocês ensaiavam? O primeiro ensaio foi lá em casa e depois na de Ivinho. Quando a gente foi gravar o disco, ensaiamos na casa de Mário Teodósio (amigo do grupo), no Poço da Panela. A família dele foi passar uma veraneada lá em Pau Amarelo. Nesse tempo não era Porto de Galinhas não, era Pau Amarelo e Candeias (risos). Como a casa ficou vazia e na parte de trás tinha uma garagem, ensaiamos lá mesmo. Depois, o irmão de Paulo Rafael (outro amigo), que

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trabalhava na Compesa, arranjou para a gente tocar na Associação da Compesa. Era assim, na base da amizade. Os amigos nos emprestavam até instrumentos.

E por que a mudança do nome de Tamarineira Village para Ave Sangria? Tinha pessoas que falavam apenas Village ou não falavam o nome direito. E quando a gente fez o contrato com a Continental, eles acharam que seria melhor trocar por um nome que fosse mais fácil. Eu não queria, mas foi decidido. O nome foi dado por Marco Polo.

E como eram os shows? A gente bancava tudo, mas às vezes dividíamos os custos com uns amigos que nos ajudavam na produção. Fazíamos de tudo. Pregávamos cartazes na rua, distribuíamos panfletos... Num show do Perfumes y Baratchos, eu acordei cedo, distribuí panfletos da cabeça do Pina até a pracinha de Boa Viagem, aproveitei e peguei um bronze (risos). De tarde, carreguei e montei os instrumentos, passei o som para a Polícia Federal e toquei à noite. Tínhamos por obrigação tocar todo o show para a Polícia Federal, para que não tivesse nada de errado nas letras. Eles ainda ficavam na hora do show para ver como ia ser. Teve algum show interditado? Não. Mas de vez em quando alguém era “convidado” a depor. Flaviola foi chamado para depor na Polícia Federal. Quando a gente ia liberar letra de música, por exemplo, às vezes tinha um bate-bocazinho. Tinha uma música minha chamada “Sundae” que foi proibida. Era uma coisa meio psicodélica e eles não entendiam o que significava. Nessa confusão toda eu dizia: “Rapaz, vocês que são os especialistas em análise de letras não estão entendendo, imagina o povo que está aí passando fome”. Aí ele disse pra mim: “Se repetir isso, fica”. Você não podia dizer que nada estava ruim, só que estava bom, só que a gente não dizia isso. A gente falava do silêncio costurado na boca do guarda. Quem eram as pessoas que freqüentavam os shows? Tinha gente do Morro da Conceição à Boa Viagem. Pessoas de pouca instrução ou de grande instrução. Muitos artistas freqüentavam os nossos shows como Paulo Bruscky, Lula Côrtes, Tiago Amorim, Ângela Botelho, Mário Teodósio, e todo o pessoal que gostava de arte e que não estava satisfeito com aquela história de repressão. A nossa primeira apresentação foi num festival em Fazenda Nova já como Tamarineira Village. As pessoas dizem até hoje que a gente não tinha o nome Tamarineira Village, mas já tínhamos.

Mas o nome era bom... Eu prefiro Tamarineira Village. Quem deu esse nome foi Rafles, porque ele representa a nossa própria realidade. A maioria dos músicos saiu da Vila dos Comerciários, no bairro da Tamarineira. Tamarineira era o nome do hospício e do bairro e, portanto, tinha ligação com a loucura que a nossa música representava na época. Eu até hoje acho esse nome mais interessante, até porque também dava a idéia de uma comunidade musical, que era o que a gente queria fazer. Queríamos um grupo mais democrático do que foi o Ave Sangria. Porque o Ave Sangria terminou centrado em torno de Marco, apesar de ele ser o músico de mais prestígio. Agora, eu não acredito que isso tenha acontecido pelo fato dele ser jornalista. Outra coisa: as músicas das gravações não foram bem divididas, o grupo era para ter sido mais democrático e não foi. Como foi a gravação? Foi uma loucura (risos) porque deram pra gente uma semana para gravar e nunca tínhamos entrado num estúdio. Eu fiquei preocupado, porque pedi a um representante da Continental daqui, um maestro e tempo suficiente pra gente gravar um disco, pelo menos um mês. Era pouco, mas pelo menos a gente tava ensaiando. Mas quando a gente chegou ao Rio de Janeiro, não tinha maestro e foi só uma semana pra gravar. O estúdio só tinha bateria, não tinha instrumento nenhum, e tivemos que correr contra o tempo. Experiências que a gente queria fazer, como, por exemplo, colocar um caboclinho em “Geórgia, a Carniceira”, não foram possíveis. Não se podia errar, porque não dava tempo. Teve até uma música em que eu errei o baixo, mas ficou por isso mesmo. Eu ainda tentei conversar com o produtor para transformar as passagens de avião e hospedagem de hotel em hora de estúdio, mas não teve jeito. A gravadora, na verdade, não tinha muito interesse. Todos os artistas daquela época, no primeiro disco, não ganhavam muita atenção. E do meio mais underground quem estourou foi o Secos & Molhados.

Naquela época, como a mídia via o trabalho de vocês? Marco Polo já era jornalista? Isso facilitava? Jornalistas da época, como Celso Marconi, Walter Coutinho, esse pessoal sempre abriu espaço pra gente nos jornais. Marco já era jornalista. Ele começou no Diário da Noite. Em 69, ele foi para o Rio de Janeiro. Quando voltou, o pessoal do jornal já o conhecia e isso facilitava. Duas coisas foram importantes naquela época para a nossa divulgação: a TV Jornal do Commercio e a Rozenblit. Eu toquei em muitos programas de auditório. O Nordeste inteiro via aqueles programas. E a Rozenblit era um estúdio e a fábrica de discos que distribuía para todo o Brasil. Quando a TV e a Rozenblit acabaram, perdemos dois aliados importantes. Como surgiu o convite para gravar um disco pela Continental? Tinha uma outra gravadora que procurou Marco pra a gente gravar um disco, não me lembro o nome... Mas nós achamos que ainda não estava em tempo. Éramos ainda Tamarineira Village. Aí o Trio Irakitan passou por aqui e nos conheceu, porque a gente estava sendo comentado no sul do país. Então, eles nos indicaram pra Continental, já que a gravadora estava atrás de um grupo de rock do Nordeste.

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Após esse disco, o que aconteceu com a banda? Com um mês e meio de gravado, o disco estava em décimo lugar nas paradas da época por causa de “Seu Valdir”. Mas aí, houve a proibição do disco por conta dessa música. O princípio moral e dos bons costumes entendeu que a gente era um atentado. A música dizia: “Seu Valdir, o senhor magoou meu coração”, era um homem cantando para outro homem. Era uma apologia ao homossexualismo... E Seu Valdir existiu mesmo? Aquilo foi uma música que Marco fez para Marília Pêra cantar em uma peça, na época em que ele estava morando no Rio. Então, quando ele chegou por aqui, em 71, mostrou a música pra gente. Nós adoramos. Chico Buarque já tinha feito músicas semelhantes, mas como se ele fosse uma mulher. Mas, um homem falando pra outro homem era a primeira vez. Foi um escândalo... Tiraram os discos das lojas, das rádios... Um tempo depois, a Continental relançou o disco sem “Seu Valdir”. Mas aí não teve graça. Foram vendidos, em um mês e meio, de 15 a 20 mil discos. Para a época foi ótimo. Aliás, ainda hoje é ótimo. Hoje ele virou uma peça de colecionador.


Eu li que Charles Gavin, dos Titãs, queria relançar o disco do Ave Sangria dentro da Série ‘Dois Momentos’ da Continental. Como ficou isso? Na época em que Tom Capone era vivo, conversei com ele no Abril Pro Rock. Eu levei um clipping excelente do Ave Sangria. Eu disse ao Capone que se relançassem o disco, cinco mil eram vendidos apenas por aqui. Ele me deu o telefone dele, passei um mês ligando pro Rio, nunca tive uma resposta. E o projeto do menino dos Titãs era só para quem tinha dois discos. Mas poderia ter lançado com outra banda, mas até hoje não rolou. A master agora pertence à Warner. Em uma foto de divulgação do Ave Sangria, vocês aparecem junto a uma menina semi-nua deitada. Quem era ela? E, afinal, quem fez a capa do disco? Até hoje a gente mantém um segredo (risos). Ela era uma menina da sociedade, hoje já é uma senhora. Talvez o marido dela não goste. Mas ela era menor de idade na época, por isso que ficou de costas. Ninguém de maior topou, aí ela disse que fazia. Mas o sentido daquela foto era chocar mesmo, porque as coisas mais simples naquela época se tornavam um estardalhaço. Era uma coisa de ser rebelde, subversivo. Laílson (cartunista e músico pernambucano) fez a capa do disco. Inclusive modificaram, não era exatamente assim. Não quiseram pagar Laílson direito e fizeram essa maquiagem. Na capa original, a ave não estava estática, ela voava. Tinha uma caveira de boi, uma coisa nordestina. Porque mesmo sendo rock, tínhamos uma musicalidade do Nordeste. Conta uma história interessante dessa época... Essa história é interessante e inédita. O pessoal estava tocando com Alceu Valença, entre janeiro e fevereiro de 75. Alceu estava montando um show em São Paulo e a Globo queria fazer um quadro do Fantástico com ele. Até que um dia a mãe de Ivinho ligou lá pra mim dizendo que o Ave Sangria tinha que ir pro Rio de Janeiro. Eu fui à casa dos meninos avisá-los que tinha coisa pra fazer no Rio. Passou o tempo, quatro ou cinco dias e outro recado da mãe de Ivinho: “Almir, leve o Ave Sangria pra lá”. Daí eu fui à Rede Globo daqui saber o que estava acontecendo e eles confirmaram com o Rio. Dei o nome completo de todos e viajamos por conta da Globo. Quando chegamos lá, não era pra ser a gente, apenas os meninos que acompanhavam Alceu. Mas a Globo ligou pra Continental e pediu que ela bancasse os nossos custos. A Continental aceitou, mas colocou a condição de também fazermos um Fantástico. Gravamos o especial, mas nunca foi ao ar, porque o grupo acabou. Mas vocês tinham consciência de que estavam fazendo uma música de vanguarda? Com certeza. A idéia da gente, primeiramente, era de fazer uma música que expressasse o que a gente era. Vínhamos de uma classe operária, dizíamos o que pensávamos, aquilo chocava. Éramos influenciados pelo rock ‘n’ roll, pelo movimento existencialista e hippie, por toda essa contracultura que estava surgindo no mundo. Então, resolvemos aderir a esse tipo de pensamento, porque era a nossa própria natureza. Mudamos até de hábitos. Porque era o seguinte: naquela época, quando a gente se encontrava com as meninas, não tinha essa história de beijo no rosto não, era aperto de mão. Isso de usar o cabelo grande não existia, das meninas andarem junto com os meninos, só se fosse com o irmão. Então, a contracultura daquela época modificou também a forma de viver das pessoas, o relacionamento ficou mais aberto, até as diferenças das classes sociais ficaram menos separadas. Ali na Vila tinha um pessoal burguês, mas a gente se relacionava bem. O clube Náutico, no entanto, só era freqüentado pela burguesia. Eu ia para o América, que era mais povão (risos).

E dentro desse contexto de contracultura, onde entravam as drogas? A meu ver são coisas que tiram você do objetivo principal: a música. Hoje em dia eu não sinto nenhuma falta de bebida, de nada. Talvez eu tenha superado isso, mas em outras épocas eu até tenha precisado por conta das minhas carências financeiras, emocionais e profissionais. Só que eu acho que existem outros mecanismos pra você compensar essas faltas sem precisar agredir o corpo e a mente. O livro do jornalista José Teles, Do Frevo ao Manguebeat, é fiel àquela época? Não. Quando as pessoas falam de Ave Sangria só publicam o que Marco Polo ou Ivinho dizem. Tem coisas que aconteceram naquela fase do Ave Sangria que eles não contam. Teles me procurou, mas tem coisas que eu falei ou falo, que não sai. Quem começou essa banda fui eu e ninguém do Ave Sangria fala isso e nem está no livro de Teles. Quem tocou no Ave Sangria deveria dizer como realmente foi, mesmo que a mídia puxe para um lado. É a recompensa que todo músico quer, no mínimo. E outra coisa, não seríamos nada sem os amigos que nos apoiavam. Você tem algum ressentimento por isso? Nenhum pelo seguinte: você pode considerar que uma coisa é um castigo ou uma oportunidade. Eu não sei o que seria de mim se o Ave Sangria tivesse dado certo. Eu não sei o que seria de nós... Será que ia dar certo? A gente presume que seria melhor, não é verdade? Mas eu acho assim, tudo na vida a gente tem que utilizar como oportunidade. Até aquela história da proibição do “Seu Valdir”. Olha, até hoje o pessoal comenta. João Alberto (colunista e jornalista local) chega à televisão e diz que aquilo era um atentado aos bons costumes e que não gostava. Aí vem a pergunta que não quer calar: Por que o Ave Sangria acabou? Bem, eu acho que tem vários aspectos. Mas o principal é: um grupo sem a estrutura financeira, não consegue se sustentar. Eu pelo menos nunca tive um contrabaixo na minha vida... Israel não tinha bateria... A gente não tinha nada. Nós tínhamos uns violões, violas e guitarras. E aí, depois que o disco começou a tocar e foi proibido, aquilo foi um choque muito grande pra gente. Teríamos que começar da estaca zero. Continuamos tocando até o final de 75, que foi quando veio o Festival Aventura e a gente não se inscreveu. E o pessoal foi definitivamente tocar com Alceu, porque precisavam de grana. Mas quero deixar bem claro que Alceu não teve nada a ver com o fim do grupo, como se comentou na época. Os meninos é que não queriam mais o Ave Sangria. Se hoje eu fosse fazer o Ave Sangria, com os mesmos músicos, mas com estrutura, seria muito melhor. Com dois anos de Tamarineira tínhamos mais de cem músicas. E era assim, eu fazia uma música e mostrava a Marco e ele depois chegava com uma pra mim e assim por diante. Teve até uma matéria feita por Teles em que Laílson dizia que eu e Marco tínhamos rivalidade. Nunca teve isso. Pelo contrário, a gente se estimulava. Existe alguma possibilidade de volta do Ave Sangria? Existem algumas dificuldades. Marco não quer mais seguir a carreira musical. Se chamar Ivinho pra tocar, ele toca. Rafles também. Agricinho não dá mais. Paulo Rafael vive no Rio de Janeiro. Então, é por tudo isso que se torna complicado. Não é nada pessoal, mas cada um seguiu a sua vida. Eu continuei com o meu trabalho solo, porque não sei viver sem a música. Tocava por ali e acolá e isso já me alimentava. E digo mais, se eu tivesse tido a oportunidade de ser apenas músico, não teria sido engenheiro.

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Palavras: Sandro Garcia Foto: Consuelo Gregori

Foi realmente difícil fazer este Top 20. Vários discos ficaram de fora: álbuns do The Jam como Sound Affects; alguns da primeira leva do punk como o primeiro do The Clash, The Stranglers, Buzzcocks; o pós punk da Siouxsie and the Banshees como o disco Hyaena; Ocean Rain do Echo & the Bunnymen; Smiths com Hatful of Hollow; Galaxie 500 com This Is Our Music; os álbuns do Luna, principalmente o Penthouse; Teenage Fanclub; Pete Towshend, a série com suas demo tapes chamada Scoop; os nacionais Violeta de Outono; o primeiro do Ira!; as demos do Plato Divorak e o disco de sua extinta banda, a Lovecraft. Enfim, em meu Top 20 acabaram prevalecendo bandas e artistas dos anos 60, afinal, foram estas as bandas que mais ouvi. E foram elas, que em sua maioria, serviram e ainda servem de inspiração para os meus trabalhos.

Sam Cooke Live at Harlem Square Club, 1963 (RCA) Sam Cooke é um dos melhores cantores de soul music de todos os tempos. Este disco ao vivo mostra suas interpretações arrebatadoras, seja em baladas ou faixas mais energéticas, atingindo uma completa interação com o público. Este álbum foi um presente do meu pai, no início dos 90. Na época, eu estava passando por um período de “vacas magras”, e ele acabou me fazendo esta boa ação.

V.A. Atlantic Rhythm and Blues 1947-1974 Vol. 5 (1962-1966) (Atlantic) Esta coleção tem sete volumes que dão um panorama bem amplo do R&B e soul americano, traz artistas da Stax de Memphis e também da Atlantic. Este volume da coleção é o que mais ouvi. Esta coleção serviu de inspiração para montarmos o The Charts em 90. O nome da banda, aliás, foi tirado do encarte do disco, onde a palavra charts estava presente em vários lugares.

The Byrds Fifth Dimension (Columbia/Legacy) Colocaria todos os discos do Byrds nesta lista, mas foi esse que acabou entrando pela característica pioneira. É nele que se encontra “Eight Miles High”, música que na época foi censurada por acharem que a banda fazia alusões a drogas, isso entre 65 e 66.

Love Forever Changes (Elektra) Outro disco que traz esta atmosfera de folk-rock e psicodelia, considerado por todos como a obra-prima da banda. Para mim, esta opinião também prevalece. Arthur Lee, um dos primeiros hippies negros de Los Angeles, conduziu seus companheiros de banda rumo a uma ousada obra musical e foram iluminados quando gravaram este disco.

The Millenium Begin (Columbia) Relativamente desconhecido, Begin foi o disco que agrupou músicos e produtores, formando um super-grupo de rock-barroco-psicodélico (nele estavam ex-integrantes de bandas como Music Machine e Association e o produtor Curt Boettcher). A idéia que permeava a época, de fazer discos conceituais, também atingiu a banda, só que aqui a preocupação foi também voltada à qualidade de gravação das obras-primas que o grupo compôs, e o resultado está em Begin, um álbum que é capaz de fazer as produções de George Martin com os Beatles parecerem simples demo-tapes.

Beach Boys Pet Sounds (Capitol) Pet Sounds já é tão comentado pelo planeta afora que quase ficou de fora da lista... Brincadeirinha!!!

Buffalo Springfield Buffalo Springfield Again (Atco) O grupo deixou em sua trajetória relâmpago três ótimos discos. O repertório destes álbuns é um caso de polícia de tão bom. Fico com esse de 67 por pura necessidade de escolher um.

Jefferson Airplane Surrealistic Pillow (RCA) Figuras emblemáticas do folk-rock psicodélico de São Francisco, o Jefferson Airplane juntou músicos inacreditáveis que davam sustentação ideal às belas vocalizações de Marty Balin e Grace Slick. Uma obra prima que traz faixas idem, como “Today”, “Embryonic Journey” e “White Rabbit”.

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The Creation Making Time (Edsel) Biff, Bang, Pow (Retroactive) A obra deste super-grupo mod inglês (dos anos 60) é outro caso que me chama atenção pela qualidade das composições e também da gravação. Várias faixas da banda poderiam estar nos discos do Ride nos anos 90 ou até nos atuais do Oasis. O Creation desenvolveu uma linguagem ultramoderna em suas composições. Pete Townshend, do Who, fez parte do fã-clube da banda... não é brincadeira!


The Action Ultimate Action (Edsel) Eu conheci a banda no início dos anos 90, através de um amigo, o Sérgio Barbo (que discoteca no Matrix e é um grande conhecedor de bandas sixties). Ele me emprestou o LP dos caras e me lembro que fiquei ouvindo a banda mês após mês. Suas composições com pitadas de soul e Pop Art refletiram com exatidão perfeita o clima mod da Inglaterra. A edição que tenho em casa é a versão em CD deste disco em vinil que foi lançado pela gravadora Edsel nos anos 80 e que trazia um texto na contracapa feito por Mr. Paul Weller. Reggie King, o vocalista, era tido como um dos melhores cantores “brancos” de soul da Inglaterra ao lado de Steve Marriot.

os backing vocals. A música “Friday on My Mind” foi gravada pelo Bowie no álbum Pinups e um dos compositores da banda, o guitarrista George Young, é irmão mais velho de Angus e Malcolm Young do AC/DC.

The Kinks

Something Else by the Kinks (Reprise) Fiz recentemente no meu blog um texto falando dos Kinks. Contei um pouco da história e também falei como conheci os discos através do William - um cara muito bacana, mais velho que eu, e que tinha uma loja de discos na praça do Patriarca no Centro velho de Sampa. Comecei de traz pra frente, ou seja, ele me apresentou (ou melhor, vendeu) vários álbuns da década de 70 e 80, e depois fui até os discos clássicos dos 60. Neste mesmo texto, confesso que tive uma fase Small Faces Kinkmaníaca. É, sem dúvida, a banda que mais tenho Small Faces (Deram) discos. Gosto de todos com algumas exceções de O primeiro álbum dessa explosiva banda mod álbuns dos oitenta. O meu preferido de sempre é o inglesa traz músicas de deixar qualquer um fora de Something Else. si: “Shake”, “You’d Better Believe It”, “Sorry She’s Mine”, “Sha-La-La-La-Lee” e “ Whatcha Gonna Do About It”. Um instrumental coeso somado aos insuThe Beatles peráveis vocais do franzino Steve Marriot. Revolver (Capitol)

The Who The Who Sell Out (MCA) Esta é outra banda que eu incluiria todos os discos na lista. Sou um velho fã destes arruaceiros ingleses, seja a banda na fase mod, ou hard, hippie ou pop, não tenho preconceitos. Na minha adolescência, quando ouvia o disco em um walkman pelas ruas da cidade, as músicas me transportavam até a Inglaterra. Por que somos tão imaginativos quando temos 15 anos?

The Easybeats Friday on My Mind (Repertoire) Este grupo australiano acabou indo para a Inglaterra e lá, sob a produção de Shel Talmy (Kinks e Who), gravaram, entre vários discos, este de 67, um feliz casamento de um ótimo produtor com músicos excelentes e criativos. A banda criou um som super pessoal cheio de frases de guitarras que acompanham

Não há como deixá-los de fora de uma lista de prediletos. Curto vários discos deles como o Rubber Soul, onde começam a explorar uma sonoridade mais psicodélica e folk, mas o Revolver é o meu disco de cabeceira dos rapazes de Liverpool.

Pink Floyd The Piper at the Gates of Dawn (Capitol) O mestre Syd Barret, pilotando a nave Pink Floyd, levou todos do furacão da Swinging London para o espaço sideral. E foi uma viagem colorida e surrealista. Fica difícil definir este disco sem “viajar” um pouquinho. Neste álbum, Syd Barret e a banda mostram-se exatos no equilíbrio entre o uso de drogas lisérgicas e a criatividade.

Yardbirds Roger the Enginner (EMI/Columbia) Os Yardbirds começaram com uma banda de R&B, na linha dos Stones e Animals. Eric Clapton, o

primeiro guitarrista, queria manter o grupo nos esquemas de blues purista, mas não conseguiu e acabou deixando a banda, para, em seu lugar, entrar o experimentalismo de Jeff Beck. Neste disco, com as guitarras de Beck, a banda cruza suas bases do R&B com a psicodelia britânica. O resultado (em minha opinião) é o melhor disco do grupo e um dos meus discos prediletos de todos os tempos.

The Hollies Evolution (Sundazed) Os Hollies, para mim, são uma espécie de Byrds inglês. A banda traz um ótimo instrumental, vocais magníficos, além de composições inspiradas. Este disco é o meu preferido deles e, pelo que li no encarte do CD, é também o da banda. Com o fim do Hollies, o guitarrista Graham Nash acabou se juntando ao David Crosby, Stephen Stills e Neil Young e juntos formaram a Crosby, Stills, Nash e Young.

The Move The Move (Repertoire) Oh não! Outra banda inglesa dos anos sessenta. Esta também não poderia ficar de fora da minha lista de preferidas. The Move acerta a mão neste disco que traz todo clima mod inglês com pitadas de pré-psicodelia. As composições e guitarras de Roy Wood são um espetáculo.

Caravan Caravan (Verve) Neste primeiro álbum, o Caravan representou como nunca o som de Canterbury (cidade de onde vieram outros grupos com sonoridade semelhante). É estranho tentar classificar o repertório deste álbum. Não é beat, pop, progressivo ou só psicodélico. Na verdade, há um pouco de tudo isso contribuindo para formar uma sonoridade única. O disco traz clássicos como “Place of My Own” e “Ride”, que me serviu de inspiração para compor “Vítimas da Op-Art”, gravada pelo Momento 68 no álbum Tecnologia.

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Palavras: Todd Hyman | Ilustração: Abby Portner

Animal Collective Eu trabalho com música há anos, já que fui DJ, diretor Eu era um grande fã desde quando eles começaram. Eu achava (e musical numa rádio universitária e trabalhei em lojas continuo achando) que eles têm o melhor show ao vivo de Nova York. de discos e selos. Mas eu sempre resisti em começar Então, um dia, eu falei com eles sobre começar um selo. Eu conhecia uma gravadora porque o meu gosto musical estava Dave e Noah porque eles trabalhavam numa loja de Nova York chamada mudando constantemente. Quando eu me mudei Other Music (www.othermusic.com) e muitos dos meus amigos para Nova York no final de 98, isso mudou. trabalharam lá. Eu pensei que seria bom ter um lugar onde Animal Eu estava trabalhando numa loja de discos Collective poderia lançar as suas músicas e as músicas dos seus amigos. e com vários amigos começamos uma noite Eles adoraram a idéia e assim nasceu a Paw Tracks. de discotecagem numa boate local. Estávamos tocando muita coisa eletrônica estranha que mais Greg Davis ninguém na cidade estava tocando na época. Depois Conheci Greg Davis através de uma noite de DJ/laptop que eu começamos a fazer shows ao vivo com laptops. Havia tantos comandava chamada “Invisible Cities”. Greg veio de Boston para tocar na nossa noite algumas vezes. Um pouco depois ele me mandou o seu talentos que eu pensei que precisava de algum tipo de primeiro disco como Greg Davis chamado Arbor. Era uma mistura bem representação, aí eu comecei o selo Carpark.

A minha motivação foi simplesmente tentar colocar pra fora certo tipo de música. Eu me refletia em selos como Thrill Jockey e Matador como exemplos. Selos que na época estavam lançando discos que soavam bem diferentes, fazendo o seu melhor para não serem rotulados com apenas um som específico. Claro que muito disso tem mudado nos últimos sete anos com essas gravadoras... Mas até agora, eu acho que a minha motivação tem sido a mesma. Eu apenas trabalho com mais tipos de música agora. Eu fiquei entediado com a música “eletrônica”. Então agora eu também tenho o Acute Records com o meu amigo Dan Selzer e a Paw Tracks com os meninos do Animal Collective. Mas eu sou a única pessoa no escritório. Eu poderia contratar outra pessoa, mas ainda não temos dinheiro suficiente entrando. A minha namorada me ajuda bastante. Sou apenas eu e o meu computador.

intrigante de computadores com música acústica. Não demorou para ser um lançamento da Carpark.

Glenn Branca Dan e eu estávamos planejando fazer alguns relançamentos juntos. O seu amigo Weasel Walter estava remasterizando The Ascension, de Glenn Branca. Ele disse a Dan que Glenn estava procurando alguém para relançálo. Entramos logo nessa oportunidade. The Ascension sempre foi um dos melhores discos de punk/guitar daquela era. Foi um prazer fazer parte deste lançamento.

Ariel Pink Ariel Pink entregou para o Animal Collective um CD-R em Los Angeles durante uma turnê que os meninos estavam fazendo alguns anos atrás. O CD ficou no chão da Van durante semanas até que alguém decidiu colocar o disco dentro do estéreo do carro. Eu fiquei sabendo depois que o disco não saiu do som durante semanas. Quando eu recebi uma cópia, eu sabia que tinha algo especial. Quando eu finalmente conheci Ariel, eu sabia que tínhamos um artista verdadeiramente original em nossas mãos.

Com o Acute, um amigo meu me apresentou a Dan em 2001 Jane ou 2002. Ele estava planejando lançar um CD de uma banda Jane é Panda Bear, do Animal Collective, e Scott Mou. Scott foi uma das primeiras pessoas que eu conheci quando me mudei para Nova York de Nova York de no wave chamada The Theoretical Girls, mas em 1998. Ele trabalhava na mesma loja de discos que eu durante anos. não sabia como fazer isso. Já que eu tinha experiência em ter Fazíamos discotecagens juntos. Eu não consigo acreditar que até hoje uma gravadora, e o pós-punk sempre foi uma das minhas nunca assisti a um show ao vivo do Jane. Eles só fizeram dois ou três áreas favoritas na música, eu pensei que poderíamos trabalhar shows em Nova York. Eu sempre estava fora da cidade ou algo assim. juntos. Com a Paw Tracks foi diferente. Eu era um grande fã Essencialmente, Scott toca e distorce discos minimalistas de techno e da banda Animal Collective desde o seu começo. Eles eram Panda Bear canta por cima. Meio como torradas de techno... realmente os únicos de uma banda boa ao vivo em Nova York na época... Pelo menos era o que eu pensava. Havia muita confusão com todos os nomes deles, Panda Bear, Avey Tare, e eles tinham um monte de lançamentos em selos diferentes. Então, eu reuni o grupo para começar um selo. Eu pensei que seria mais fácil e faria mais sentido para as coisas deles saírem sempre do mesmo lugar. Eles gostaram da idéia e Paw Tracks nasceu!

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Ilustração: Lovefoxxx

Cansei de Ser Sexy Cansei de Ser Sexy (Trama Virtual) O Cansei de ser Sexy está intimamente ligado à vida noturna paulista e à Internet. As integrantes da banda sempre são vistas nos melhores clubes da cidade. Chamam atenção pela beleza e pelas atitudes espevitadas. Arrasam numa pista de dança e sempre dão certo brilho glamouroso e estrelado em qualquer festa que apareçam. Em relação à Internet, é só dizer que Lovefoxxx, a principal vocalista, foi uma das celebridades mais conhecidas do Fotolog no começo da mania flogger que assolou o país nos últimos dois anos. Atualmente a mania vem gradualmente se dissipando e é bem capaz que ninguém mais lembre desse fato nos próximos anos, pois Cansei de ser Sexy não é, ao contrário do que muitos pensam, só hype gratuito, imagem e pose, conforme pode ser conferido nas 14 faixas desse ótimo álbum homônimo. Buscando referências na new wave dos anos 80 tipo The B-52’s e Devo, no casio-pop lo-fi de Stereo Total e Chicks On Speed ou até mesmo no electro de Fischerspooner e Miss Kittin, o Cansei de ser Sexy se destaca justamente por misturar tudo de forma inteligente, resultando num som atual e moderno. Interessante notar que cada integrante da banda tem certa característica própria, o que nos leva a perguntar: qual a sua CSS predileta? A extremamente cool Ira ou a endiabrada Lovefoxxx? Sem contar as ótimas letras, cheia das frases de impacto, fina ironia e – principalmente – muito humor. Aposto que elas gostam de Le Tigre, Britney Spears e Tati QuebraBarraco com a mesma intensidade. E estão certíssimas: por isso é tão legal. Gilberto Custódio

ENTREVISTA com Lovefoxxx Por: Tathianna Nunes O que você achou da produção do disco? Adrisney, Adriano Cintra, é o responsável. Posso falar? Achei impecável, assim como o Adri é. Fazer o quê? Ainda bem que senti uma mega diferença porque às vezes eu não gosto das gravações antigas do Cansei... Tá, às vezes gosto, às vezes não gosto. Mas, até agora, o nosso primeiro disco, nunca deixei de gostar. Como foi o processo de composição para esse disco? Foi basicamente assim: O Adri fazia as bases e mandava por e-mail. Eu fazia a letra. Carol, Ana, Ira e Luiza criavam arranjos. Ou eu fazia uma letra, mandava por e-mail pro Adri e ele fazia uma melodia totalmente diferente do que eu tinha pensado com a letra e a base para Bezzi. Ou a Luiza Sá começou a jogar um monte de coisas no ar e fazia o começo e eu chegava em casa e fazia o fim numa cartolina que estava grudada na parede... Acho que para o próximo disco vai ser mais legal, vai ser mais entrosado. Como você define o disco? É uma alegria. Ontem estava ouvindo no caminho para a depilação e fiquei tão feliz do nada... Mandei um CD pra uns amigos de uma revista de Brooklyn. Eles receberam e mandaram um e-mail falando o que acharam. Aí quando esse tipo de coisa acontece, eu escuto o disco inteiro como se fosse a outra pessoa que escutou pela primeira vez. Aí eu fico meio ansiosa e tensa... É bom. Qual é a sua música favorita? ”Let’s Make Love and Listen Death from Above”.

Essa é minha música preferida. Adoro a parte só do baixo. Death From Above super muda meu humor. Fico feliz, fico imaginando o clipe, eles (Jesse e Sebastien) saindo de uma cortininha tocando na hora do solo do baixo. Adoro “This Month, Day 10” versão show, é muito mais animada. Como foi que a Trama procurou vocês? Foi difícil negociar o contrato? Eles impuseram muitas coisas? Eles não impuseram NADA! Acredita?! Eu adoro a Trama e a Trama Virtual. Adoro ir até lá. A gente ganha um monte de presentes. Somos todos amigos, almoçamos juntos, tomamos um cafezinho... Tem os caras dos vídeos, o Beto e o Jardel. Antes eu achava que o Beto não gostava da gente, mas depois descobri que ele é quieto mesmo. Ele foi câmera do “Alala” e “Off the Hook”. O João Marcelo uma vez abriu o armário fantástico com todos os CDs da Trama. Eu saí de lá com uns 48 discos. Até meia eu já ganhei lá. Tá, na época, o Miranda era diretor da Trama Virtual. Ele viu o nosso quarto show...que tinha sido um estrupício. Pra mim foi um horror. Adri também tinha odiado, ele tava quase querendo acabar com a palhaçada. Tipo, sair fora do Cansei de tanta raiva que ele teve do show. O som tava ruim, a bateria andava, tava todo mundo bêbado. Mas o Miranda adorou justamente por causa dessa zorra. Que bom, não é?! Eu lembro que na época, o Eduardo Ramos estava com interesse de nos lançar pela Slag, mas a gente queria fazer um selo nosso e lançar. Mas aí, em novembro, tivemos uma conversa com o João Marcelo, André e Miranda. Tinha certeza que o primeiro assunto da conversa seria “Música em português”, mas não foi nada disso. Eles queriam o Cansei do jeito que ele é. E como uma vez eu disse: isso é amor.

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Animal Collective Feels (Fat Cat) Feels é o disco que todo mundo esperava. Aliás, todos aqueles que não conseguiram digerir bem o estranho freak-folk que o Animal Collective criou nos outros lançamentos. Aqui tem de tudo e ao mesmo tempo: desde baladinhas de quebrar o coração a barulhos violentos. Alguns dizem que eles viraram pop. Eu acho que os malucos apenas se organizaram. Ana Garcia

Antony & the Johnsons Aphex Twin (AFX)

foto: divulgação

Analord (Analord/Rephlex) | AFX-LFO (Warp) | Hangable Auto Bulb (Warp) Segundo todas as fontes, 2005 seria um ano calmo para Aphex Twin. Poucos shows (pelo menos um histórico com o Whitehouse em Londres), muita concentração para seu próximo álbum (afinal seu último disco data de 2001) e ainda menos papo (como sempre). Mas neste tal ano “calmo”, Richard D. James lançou/relançou nada menos do que 15 discos que não deixam a menor dúvida de o quão psicopata este ser é. Começando pela série Analord, o conceito era simples: músicas criadas apenas com equipamentos eletrônicos antigos, coisa pré-computadores, pré-Pro Tools… Com estas armas em mãos, uma de suas maiores influências – a acid house – veio a tona e muito do que escuta em Analord remete aos clássicos do início da acid house, como Phuture, A Guy Called Gerald e 808 State. Obviamente nem só de acid house vive o menino. As clássicas peças de música concreta, drum & bass e as estranhezas de sempre, fazem parte dos 12 volumes de Analord. Caso você seja um fã maluco de Aphex Twin, seus Analords descansam em um lindo suporte de couro e neste caso, sua coleção hoje vale cerca de 1000 dólares. Mas não relaxe ainda. Pois na semana seguinte após a chegada do último Analord, a Warp anunciou o lançamento de um split do LFO com…. AFX! Com mais duas músicas das mesmas sessões de Analord! Obviamente todo mundo saiu comprando o disco (2000 cópias limitadas), que se revelou um item totalmente dispensável (sendo a música do LFO o grande momento deste split). E terminando o ano - o que são mais 10 libras para quem já gastou 400? O já lendário Hangable Auto Bulb, EP que marca o início do namoro de Aphex Twin com o drum & bass, ganha uma re-edição em CD e vinil depois de anos custando uma pequena fortuna nas lojas de usados. Juntando todos estes discos em uma linda manhã de sábado, com um copo de daiquiri em minhas mãos, chego a cinco conclusões sobre Richard D. James: 1) Seus fãs são todos um bando de psicopatas; 2) Seus fãs têm dinheiro para gastar; 3) Seus fãs comprariam até um disco seu com 60 minutos de silêncio gravado; 4) Seus fãs estão dispostos a defender sua carreira até o fim do mundo; 5) Seus fãs querem ter absolutamente tudo o que ele lançar na sua vida. Sim, sou um destes fãs. Eduardo Ramos

Afrirampo Kore Ga Mayaku Da (Tzadik) Desde a sua formação em 2002, as irmãs Oni, guitarrista, e Pikacyu, baterista, têm conseguido uma ascensão fora do controle na cena musical do rock de vanguarda. Já gravaram com Acid Mothers Temple, fizeram turnês com Lightning Bolt e Sonic Youth, tocaram no All Tomorrow’s Parties com Yoko Ono, Sean Lennon e Vincent Gallo, e já foram capa de diversas revistas, inclusive da inglesa Plan B. Não demorou para o selo experimental de John Zorn, Tzadik, lançar o primeiro disco da dupla nos EUA, depois de uma mão cheia de

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lançamentos caseiros só encontrados no Japão. Kore Ga Mayaku Da mostra exatamente porque tudo para elas tem acontecido tão rapidamente. Existe algo realmente único com o rock primitivo criado pelas duas, que muitas vezes é chamado de “stomp ‘n’ roll”. Elas utilizam vocais estranhos, ora sussurrando, ora terminando uma música em gritos agudos sem nunca perder uma batida. Elas fazem aquilo que Afrirampo significa: “naked rock” (rock cru). Comparações com o início do Boredoms ou Melt Banana são inevitáveis. Ana Garcia

I Am A Bird Now (Secretly Canadian) O disco começa com uma nota ao piano seguida das primeiras palavras da canção “Hope There’s Someone”. Não existe introdução. Vai-se direto àquilo que confere a característica primordial desta banda: a voz de Antony Hegarty. Poderia ser uma metáfora de como esse nome, aparentemente de uma hora para outra, surge para o mundo com um trabalho que sustenta algum status de cult. O fato é que I Am a Bird Now é o segundo trabalho da carreira de Antony & the Johnsons cuja estréia aconteceu em 2000 com um disco homônimo. Além disso, a banda é formada por gente que está há muito tempo circulando no meio musical de Nova York. Músicos com formação em conceituadas escolas de música. O que pode ser constatado pelo preciso acabamento instrumental das músicas, principalmente a presença discreta das cordas, que não buscam sobrepor-se ao vocal, dando espaço para que as letras melancólicas apareçam nas interpretações de Hegarty. Como já foi dito antes, e como o próprio nome da banda leva a crer, tudo gira em torno de sua voz. Tão ambígua quanto a própria figura andrógina de Antony, percebe-se mais a influências de cantoras como Nina Simone, Billie Holiday e até mesmo Joni Mitchell, embora também possa fazer referências cantores como Scott Walker, Morrissey e Boy George – que empresta a voz para um dueto com Antony na música “You Are My Sister”. O álbum ainda conta com as participações Rufus Wainwright e de Devendra Banhart cantando respectivamente nas faixas “What Can I Do?” e “Spiraling”. Lou Reed também aparece tocando guitarra em “Fistful of Love”, que destoa das demais, apresenta um arranjo que vai crescendo ao longo da melodia e lembra Bryan Ferry. Nota: a capa traz uma fotografia de Candy Darling (figura conhecida na cena nova-

iorquina dos anos 60 imortalizada na música “Candy Says”, de Lou Reed) no seu leito de morte. ão precisa dizer mais nada. Luiz Otávio Pereira

Ariel Pink Worn Copy (Paw Tracks) Ariel Rosenberg está sentado no chão de seu pequeno apartamento em Los Angeles e está segurando um gravador de quatro canais. Conecta um microfone velho no aparelho e começa a cantar bem devagar e em falsete uma espécie de R&B, acompanhado por uma batida sem sentido e por uma guitarra meio infantil. Não sei se foi exatamente assim o processo de gravação de Ariel Pink’s Haunted Graffiti (Paw Tracks, 2004), mas seu segundo disco Worn Copy passa essa impressão. Os cortes de tesoura, as colagens, o clima lo-fi (parece que ele pegou uma fita K7 velha e resolveu gravar e regravar em cima) estão bem presentes nas 17 faixas do álbum. Worn Copy parece uma rádio sendo sintonizada em uma estação AM. É tosco, mas muito bom. A primeira música, “Trepanated Earth”, ilustra bem a sensação de confusão do disco, bem como a sensibilidade pop de Ariel Pink. Nela, Ariel resmunga algo romântico antes de sua outra personalidade interromper em “The Human Race Is A Pile of Dogshit!”. Tathianna Nunes

Black Dice Broken Ear Record (DFA/EMI) Dizem que os primeiros shows do grupo raramente duravam mais do que 15 minutos. Mas isso foi há anos. As pessoas mudam. Hoje, Black Dice é uma apresentação organizada de som e improvisação acumulada em estruturas baseadas em conceitos visuais. Essas mudanças começaram a ser perceptíveis depois que estrearam na DFA em 2002 com Beaches & Canyons. Black Dice tomou uma aproximação mais relaxada e atmosférica com as suas experimentações, diversificando um pouco o som, mostrando que esses meninos são capazes de fazer silêncio, pelo menos ocasionalmente, como podemos perceber em Broken Ear Record. Descrever o som da banda é um trabalho difícil - Lightning Bolt, Melt Banana, Harry Pussy e Merzbow podem funcionar como comparação. Mas foda-se, você pode jogar qualquer coisa ali dentro – barulhento, psicodélico, brutal, transcendental, jazzy, conceitual, livre – está tudo lá. O Broken Ear Record tem até um ar dançante. É um excelente disco. “Heavy Manners” é a melhor faixa. Só queria ver o pessoal da EMI coçando


a cabeça pensando que seria mais um LCD Soundsystem. Ana Garcia

Black Rebel Motorcycle Club Howl (Sony) O BRMC surgiu como uma grata promessa, arrancando elogios e comparações com The Jesus and Mary Chain. Bastava escutar “Whatever Happend to My Rock and Roll”, primeiro hit, e comprovar as semelhanças com os irmãos Reid. Mas o tempo passou e nem só de J&MC vive o BRMC. A referência ainda está lá, intacta, mas divide espaço harmoniosamente com ritmos americanos como o blues, folk, gospel e o soul. “Shuffle Your Feet”, música que abre Howl, terceiro disco, dá a deixa – lembra os tempos inspirados do início de carreira de Bob Dylan. Nas letras, referências à religiosidade e espiritualidade. Saem de cena dúvidas sobre o futuro do Rock ‘n’ Roll do começo de carreira. O BRMC está mais preocupado com o futuro das nossas almas em um ótimo disco que pode decepcionar quem espera a mesma pegada dos discos anteriores. Guilherme Gatis

por chatice, o outro provavelmente faz por falta de opção: deve ser uma tristeza ser um indie kid na pequena cidade de Itaperuna, interior do RJ. Isso explica o longo período entre o primeiro e segundo álbum: quase dez anos. Também explica a profunda melancolia com que Colares destila suas letras ácidas, diretas e pessimistas, que preenchem o disco de cabo a rabo. Em certos momentos a voz rouca e sonolenta chega a sumir, tamanho desencantamento do rapaz em relação a praticamente tudo. A belíssima capa mostra pétalas voando livremente ao vento, como se estivessem indo embora para algum lugar desconhecido, é exatamente o que passa a música do Cigarettes: pretensiosamente desleixada e livre de maiores regras, simplesmente deixa fluir. Vai de baladas mais intimistas, como “Used to Feel” e “Gloomy Sides”, até momentos mais agitados, como “All the Reasons” e “Different Stories”. Certamente agradará velhos fãs da banda, assim como conquistará novos velhos fãs, principalmente quem gosta de Pavement, Jesus & Mary Chain, Pelvs e coisas do tipo. Gilberto Custódio

Clap Your Hands Say Yeah Boom Bip Blue Eyed in the Red Room (Lex) Esse é o segundo LP do Boom Bip e é, sem dúvida, uma prova de que música eletrônica às vezes também tem soul e substância. Recheado de instrumentos de corda, percussão e beats de vanguarda, Blue Eyed in The Red Room traz consigo uma atmosfera melancólica e delicada, com cara de tardes de domingo de inverno. Juntamente com o Four Tet, o Boom Bip é uma banda eletrônica experimental, mas que ainda assim possui uma boa melodia por trás, sendo isso o grande trunfo dela. Márcio Custódio

Cigarettes All is Well (Slag) E parece que baixou de vez o J. Mascis no Marcelo Colares: além dele ter a mesma pegada na hora de solar a guitarra e a mesma tonalidade cansada na voz, tipo “quero morrer, me deixa em paz”, nesse segundo disco o carioca resolveu tocar todos os instrumentos (exceto bateria) no Cigarettes, assim como o norteamericano vem fazendo desde os anos 90 no Dinosaur Jr. e carreira solo. Mas enquanto um faz isso

Clap Your Hands Say Yeah (Independente) Foi lançado recentemente aqui na Inglaterra o primeiro trabalho do Clap Your Hands Say Yeah, oriundos de New York City. São doze músicas que soam como se o Talking Heads fosse de Glasgow e seu primeiro álbum lançado pela Postcard Records. A voz do vocalista Alec Ounsworth é bem similar a de David Byrne. Muita gente não suporta a voz de Ounsworth, muito aguda, de um jeito esquisito e desesperado. Eu acho “esquisitamente” legal, se é que vocês me entendem. O instrumental lembra o Arcade Fire, menos orquestrado e mais rock, com dedilhados e riffs crus e diretos. Minhas faixas prediletas até o momento são “Is This Love?”, “Over And Over Again (Lost and Found)”, “The Skin of My Yellow Country Teeth”, “Heavy Metal” e “In This Home on Ice”. Márcio Custódio

Continental Combo Continental Combo (Monstro) A banda paulista Continental Combo lança agora seu primeiro CD, depois de dois EPs editados por conta própria. O trio, encabeçado pelo indie hero Sandro Garcia, é evolução direta do finado Momento 68, e traz no sangue a psicodelia inglesa praticada ali. Mas a soma de influências vai além: mod e folk, Byrds e The Who, a lista pode ser imensa - a vantagem é que a banda

é competente o suficiente para pegar o melhor de cada integrante, um pouco de cada mundo, e produzir um trabalho original. O novo disco repete faixas dos dois EPs, somadas a algumas músicas inéditas. Abre com “Nova Manhã”, canção que já nasceu hit, e segue com algumas pérolas como “Cósmica, Impedância, Solidão” e “Paisagem Pintada Com Chá” e uma música do Momento 68, “Étre le Jouet”. Um álbum sensacional. Eduardo Viveiros

The Coral The Invisible Invasion (Sony) The Coral, uma das promessas da atual safra do rock inglês, ganhou destaque emulando o underground sessentista sem cometer o erro de “modernizar” suas influências. Semelhante às bandas dos anos 60, o The Coral tem uma boa produção - The Invisible Invasion é o quarto disco em apenas quatro anos de carreira. De cara, o disco não chega a empolgar tanto a quem já escutou o homônimo álbum de estréia da banda ou gostou das músicas byrdianas do Magic And Medicine. Canções como “Arabian Sands”, “In the Morning” e “Leaving Today” merecem um destaque positivo em um disco que deixa a incômoda sensação de mais do mesmo. Guilherme Gatis

Coralie Clement Bye Bye Beauté (EMI) A música pop tem essa capacidade de se renovar sem precisar inovar. Nos anos 60 existiu um pop francês realizado por nomes como Françoise Hardy, Jane Birkin e Serge Gainsbourg. Em 2002, Coralie Clement, uma francesa de 20 anos, lança seu primeiro disco, Salle Des Pas Pardus, no qual pairam a influência desses artistas e uma atmosfera sessentista, mas nada forçado ou pretensioso. Três anos depois, ela volta com um novo disco, Bye Bye Beauté (o primeiro dela a ser lançado no Brasil), com o qual consegue, mais uma vez, se renovar sem se preocupar em inovar. A voz doce e suave e as referências ao pop francês continuam presentes, embora não predominem. Coralie agora pega emprestadas texturas e timbres de guitarras do indie rock americano. O trabalho de Benjamin Biolay - compositor e irmão mais velho - nos arranjos e na produção consegue a dosagem perfeita entre a doçura da voz de Coralie, o despojamento das guitarras indie e o bom acabamento do pop francês presente principalmente nos teclados vintage. Luiz Otávio Pereira

Death From Above 1979 You’re A Woman, I’m A Machine (Last Gang) A banda tem essa coisa de gritaria, barulho, distorção e ao mesmo tempo consegue ser dançante. O princípio de “menos por mais” também se aplica a essa dupla canadense de baixo e bateria. Num caminho entre White Stripes e Lightning Bolt, o disco do DFA 1979 tem a medida certa de experimentação e barulho ensurdecedor, que ainda é pop. Mas a essa altura, note bem que o conceito de “pop” já está bem distorcido e você não irá encontrar nas faixas de You’re A Woman, I’m A Machine uma musiquinha que você consiga cantarolar nas ruas. Os riffs combinados com as frases gritadas nas músicas são tensos, nervosos e têm forte influência de grupos como Rocket From The Crypt, Mooney Suzuki e Queens of the Stone Age. Jarmeson de Lima

Dee Rangers Backs to the Past Bollocks to the Future (Elk) Dee Rangers é uma garage band sueca, com batidas upbeat, vocais bem abertos, riffs dotados de três ou quatro acordes e paradinhas na hora certa. É difícil não se empolgar com o clima festivo de Backs to the Past Bollocks to the Future. “Shale Your Ass” soa ótima em alto volume. Covers como “Les Cactus” (Jacques Dutronc) e “Money” (aquela que todo mundo pensa que é dos Beatles) estão presentes em versões bem intensas e animadas. “No Need to Worry” mostra que os Dee Rangers estão no mesmo patamar de boas bandas de garagem que ocupam o mainstream, ao mesmo tempo em que “Total Despair” mostra como a coisa era feita nos tempos dos primeiros discos dos Kinks. Renato Henriques de Souza

Diplo Florida (Slag) A compilação de remixes e experimentações nas 12 músicas é de uma sobriedade e mesmo “sombriedade” hipnotizantes. Se Diplo faz sucesso na pista, o disco dele é para uma degustação muito mais tranqüila. Nos EUA, a Flórida costuma ser pousada dos velhinhos, mas para essa aqui, tem que ter as idéias ainda novinhas na cabeça. Tem ainda um funk carioca empurrado lá na última faixa, apenas na versão brasileira do disco. Bruno Nogueira

Echo and the Bunnymen Siberia (Cooking Vinyl) O Echo and the Bunnymen já foi uma das poucas bandas que importavam e

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foto: divulgação

Franz Ferdinand

You Could Have It So Much Better (Domino/Trama) A história do rock mostrou que um disco não é suficiente para dar rosto a uma época. A década de 60 nasceu com Please Please Me (63), mas amadureceu com o Sgt. Peppers (67). O primeiro LP do Led Zeppelin deu o pontapé dos anos 70 (ainda em 69!), sendo depois superado pelo Never Mind The Bollocks (77). A disputa da década de 80 ficou entre o Speaking In Tongues (80) e o Doolittle (89). E no final de século, o Nevermind (91) fez a jogada e o OK Computer (97) pegou o rebote. Para quem gostava de rock há menos de cinco anos, Is This It dos Strokes e White Blood Cells do White Stripes (ambos de 2001) eram ótimas novidades para o novo milênio. Mas a turma que já era vivia no primeiro Rock In Rio se dividiu: uns viram com bons olhos (meu caso), outros criticaram ferozmente a cara-de-pau deles em secar Velvet Underground e Led Zeppelin e acharem isso bonito. Aí veio o Rapture nos Estados Unidos e o Franz Ferdinand no Reino Unido. Ambas definiram melhor o tal do “novo rock”: guitarras + eletrônica + atitude. A coisa em si também não era nova, mas a sonoridade parecia ter algo com estilo e coragem. O Rapture cumpre o que promete, mas eles (ainda) não querem ser mais do que uma banda muito divertida. O primeiro disco do FF já mostrava que eles vieram pra ficar: “Take Me Out” é a melhor música para as pistas dos últimos anos. Seus clipes cheios de delírios estéticos e o jeito dândi de Alex Kapranos e seus asseclas tem sido “a cara” dos anos 2000. E é por isso que You Could Have It So Much Better, a continuação dessa saga, periga ser o marco dois da década. Está tudo lá. Rock, pista, sarcasmo, ambigüidade sexual, influências artísticas sutis e inusitadas. Só a dupla que abre o álbum, “The Fallen” e “Do You Want To”, já converte em suor todos os 75% de água do ser humano ouvinte. “Walk Away” é música de seriado da Sony, no melhor dos sentidos - tem até violão! Depois vem a explosão de “Evil and a Heathen”, que nos lembra que eles têm uma reputação a zelar. E assim a montanha-russa segue, entre a suavidade de “Eleanor Put Your Boots On”, as batidas marciais (consolidada como outra marca da banda) de “I’m Your Villain” e porradas como “Well That Was Easy”. É bem verdade que parece bastante com o disco de estréia. Mas só pra continuar na cartilha do rock, a banda precisa ser esperta para mudar de estilo no tempo certo. Se o Franz Ferdinand ainda precisa de tempo - e outros discos - para nos explicar como o rock vai soar daqui pra frente, então só nos resta esperar. Dançando, claro. Muita água vai rolar e o Interpol ainda é um rival à altura, mas os escoceses parecem saber o que estão fazendo. Fiquemos atentos. Márcio Padrão hoje só administram burocraticamente sua carreira, assim como o U2 e os Rolling Stones, sem as mesmas proporções comerciais. Não estão mais interessados em arte e intelectualidade. Ian McCulloch continua um monstro como cantor e poeta, as melodias mantêm o nível, mas a banda (basicamente Will Sergeant) parou no tempo. O som garboso segue o manual do rock oitentista perfeito e estagnado e, por sorte, estão longe das últimas

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tendências alternativas do rock inglês. Os arranjos poderiam ter sido feitos há vinte anos atrás, com a diferença de que não há nesse álbum uma obraprima como “Bring on the Dancing Horses” ou “The Killing Moon”. Carlos Fernando Reis

Electrelane Axes (Too Pure) Tomando-se o pós-rock como um termo bem abrangente, que

normalmente é colocado em bandas de músicas mais instrumentais, dá para abrigar Electrelane sob este rótulo principalmente pela clara influência do krautrock - a mesma influência que provoca comparações com o Stereolab. Neste terceiro disco, lançado um pouco mais de um ano depois do anterior, The Power Out (Beggars Banquet), a banda inglesa formada por quatro garotas resolveu se trancar no estúdio de Steve Albini e gravar todas as faixas ao vivo. O resultado é um trabalho que se mostra vigoroso na maior parte das treze músicas e que se revela também um elaborado trabalho de arranjo, a partir de uma formação aparentemente simples: guitarras, baixo, bateria e teclados. Principalmente teclados. O disco vai desde uma bela melodia de piano em “If Not Now, When?”, passando por experimentações com ruídos em “Business or Otherwise” e “Come Back”, até o arranjo grandioso de “Suitcase”. Luiz Otávio Pereira

Electric President Self-Titled (Morr) Electric President é o novo projeto de Ben Cooper, 23, e Alex Kane, 21. Eles já trabalharam juntos sob o nome de “Radical Face Versus Phalex Sledgehammer” e já lançaram alguns EPs, todos gravados no quarto de Ben com poucos equipamentos. E dessa vez eles quiseram mudar um pouco. A idéia para o álbum de estréia foi integrar o computador o máximo possível no processo todo, mas sem fazer dele um disco eletrônico. Então, dá pra perceber que começaram a gravar as músicas acusticamente, inclusive as vozes, e depois cortaram e seqüenciaram tudo no computador, se tornando algo completamente novo. Lembra um pouco Death Cab For Cutie, sem aquela raivinha de adolescente. Um bom disco para escutar a qualquer momento do dia. Ana Garcia

Espers Espers (Locust) Mais uma banda folk no pedaço. Só que essa é boa. O trio Espers vem da Filadélfia/EUA, e esse é seu primeiro álbum, lançado recentemente aqui na Inglaterra. Contando com oito faixas, o disco é uma viagem serena, que te envolve aos poucos com suavidade melódica e algumas experimentações aqui e ali. Os vocais são divididos entre uma garota e um rapaz, e às vezes lembra o Galaxie 500. Altamente recomendado pra quem gosta das passagens folk do Dirty Three. Márcio Custódio

Faichecleres Indecente, Imoral & Sem Vergonha (Antídoto/Acit) Banda revelação lá pelos idos de 2002, os sulistas do Faichecleres finalmente entregam o tão prometido - e adiado - álbum de estréia. As músicas, apesar de velhas conhecidas de quem já encontrou com a banda em algum lugar, ganharam bastante com o tempo de forno: estão mais redondas no registro em estúdio, que deve ter sido um pouco mais comportado e sóbrio do que as apresentações ao vivo. São treze faixas, impregnadas de anos 60 - do rock chicletóide à pegada mais elaborada. Já é um bom trabalho se prestarmos atenção só ao instrumental, mas é claro que as letras descaradas e infames, que fizeram a glória da banda, se destacam. O hit “Ela Só Quer Me Ter”, do trocadilho já escancarado no título, está lá, mas outras ótimas faixas ocupam o disco, incluindo uma cover de Júpiter Maçã “Casalzinho Pegando Fogo”. Em tempos como os de hoje, de bandas que levam a sério demais essa idéia de fazer releituras de décadas passadas, é ótimo ter um grupo como o Faichecleres, que prefere se divertir em primeiro lugar. Eduardo Viveiros

Fantômas Suspended Animation (Ipecac) Se não dá para dizer que existe um estilo de música para desenhos, existe o senso comum de que tal música soaria como música para desenhos animados. Valendo-se disso, Fantômas utiliza elementos musicais que vão desde jazz a percussões primitivas, passando por citações de ópera, efeitos sonoros e diálogo de cartoons, música infantil e sons de jogos eletrônicos para criar seu quinto disco, Suspended Animation. A base de tudo é o metal, e, contrariando o preconceito de que músicos de metal não conseguem enxergar muito além do próprio estilo, o Fantômas consegue ser uma banda vigorosa que passeia em uma diversificada teia de referências e elementos. Compostas por Mike Patton, as músicas são curtas, parecem pequenos módulos independentes, mas se integram perfeitamente ao conceito geral do disco. As ilustrações inocentes e desconcertantes do japonês Yoshitomo Nara presentes na capa e no encarte servem como tradução visual para as músicas. Luiz Otávio Pereira

Four Tet Everything Ecstatic (Domino) Esse é o quarto álbum de Kieran Hebden sob a alcunha do Four Tet, e novamente é um belo exemplo de música eletrônica feita por um pulso humano, onde, por mais


experimentais que sejam os beats, eles ainda harmonizam-se entre si. A faixa “Sun Drums and Soil” tem uma batida rítmica marcante, enquanto ouvimos percussões e experimentação ao fundo. Já “Smile Around the Face” é quebrada nas batidas, porém com pitadas pop aqui e acolá. Pra quem quer boa melodia para um chill-out, a pedida é a música “And Then Patterns”, que tem quase cinco minutos, mas poderia facilmente se deslizar para mais de dez. Possui fluxo. Já quem prefere esquisitice e experimentação, as faixas “High Fives” e “Turtle Turtle Up” podem ser uma boa. Se você procura por algo criativo dentro da linha eletrônica, o Four Tet com certeza é a solução. Márcio Custódio

Hrsta Stem Stem In Electro (Constelation) Mike Moya foi um dos membros fundadores do Godspeed! You Black Emperor, mas saiu antes mesmo de a banda lançar seu primeiro disco. Com o Hrsta, Mike chega a esse segundo disco de forma espetacular, misturando violões folk a vocais etéreos, fantasmagóricos, como em “Blood on the Sun” e “Gently Gently”, guitarras post-rock quase hipnóticas na nervosa “Swallow Tail’s”, e muita psicodelia em “... and We Climb” e “Une Infinité de Trous em Forme D’hommes”. Mike se encarrega das guitarras, piano e vocais, mas conta com a colaboração de peso do pós-rock canadense, como Eric Craven (Hangedup) no baixo, Harris Newman (Sackville) na bateria e vocal, Beckie Foon no cello e vocal, Gen Heistek na viola e vocal e Sophie Trudeau no violino, além da competente produção de Howard Bilerman (Silver Mt. Zino, Black Ox Orkestar, Thalia Zedek). George Frizzo

Jane Fonda Esses Dias Não Irão Pra História (Mudernage) Quando se ouve o disco do Jane Fonda, lançado neste ano, em Natal, percebe-se que o título é uma ironia pretensiosa. O disco pode sim ir pra história do rock independente do Brasil. Apesar do ar “poser” da banda, as apresentações - e isso proferido por Humberto Finatti - são verdadeiras comoções. Salvo umas chupinhadas descaradas do Deftones em alguns riffs, o disco é bem criativo e

tem ótimas letras. Pesado, virtuoso e radiofônico. Tem encarte muito bem cuidado. Destaque para as faixas “Até Ficarmos Bem”, “Homens São Feios”, “Gatos e Cães” e “Supernova”. Perdoe o fato dos caras terem tocado no Ceará Music. Deviam estar interessados em cerveja de graça e mulheres. Rodrigo Levino

Jamie Lidell Multiply (Warp) Viva o seu tempo! O surpreendente disco do inglês Jamie Lidell, Multiply, demorou cinco anos para ser feito e é uma mudança radical em relação a seu primeiro trabalho solo, Muddlin’ Gear, de 2000, e seus trabalhos com o Super_Collider. Sem meias palavras, o disco é simplesmente fabuloso e transforma Jamie no maior soul man da atualidade. Evoca Marvin Gaye, Stevie Wonder, Al Green, James Brown e Prince sem nunca ser uma imitação. Entenda, o que Jamie captou dessas lendas da música negra foi a alma, a emoção que os mesmos conseguiam colocar nos seus trabalhos. É música que significa alguma coisa, música que consegue ser de extrema qualidade e se manter acessível. É música pop que atinge a alma humana. O álbum foi gravado em Berlin com alguns grandes músicos canadenses e britânicos radicados por lá. Tem instrumentos musicais, porém a composição é constantemente processada em computadores. O próprio cantor afirma em entrevistas que buscava aquele sentimento que o som da Motown tinha e procurou utilizar técnicas de gravação que transportassem a mesma crueza, a mesma honestidade daquela música. Todas as músicas refletem perfeitamente o que Jamie vive. Desde “What’s the Use”, que celebra a vida e suas complicações, até as mais sombrias como “Multiply”, que trata de uma fase difícil vivida por ele. “Music Will Not Last” ainda cita abertamente Marvin Gaye e “When I Come Back Around” é tão Prince que dói, mas não canso de afirmar, e preciso reforçar esse ponto, nunca isso é feito gratuitamente. Ele nunca copia, ele interpreta e isso faz uma diferença fundamental. Porque, veja bem, Jamie é um cara que pertence ao seu próprio tempo e, o que é mais importante, não tem medo de vivê-lo. Filipe Luna

Jens Leckman When I Said I Wanted to Be Your Dog (Secretly Canadian) Jens Lekman é dono de uma das vozes mais talentosas e mágicas da música pop atual. Não acredita? Então escute o álbum de estréia deste sueco de 23 anos que soa como uma mistura de

Jonathan Richman, Stephin Merrit e Calvin Johnson. O disco consegue ir do lo-fi de “Tram #7 to Heaven” ao pop orquestrado de “A Higher Power” sem causar estranheza. As letras giram em torno do papel de perdedor sem sorte no amor que o músico encarna. Em “You Are the Light”, Lekman, apaixonado, é preso por atender pedidos de sua amada. Será que ele aprendeu com a experiência? Não. Em “Do You Remember the Riots”, Lekman causa um incêndio por causa de uma garota. E sua falta de sorte está presente nas onze músicas do disco. Romance para este sueco implica em táticas desesperadas que vão de vandalismos até cantar em casamentos. Tathianna Nunes

Jesu Jesu (Hydra Head Rec) Após ter passado por uma crise nervosa que causou o fim do Godflesh, em 2002, o guitarrista, vocalista e compositor Justin Broadrick usou como terapia o processo de composição do que viria a ser o primeiro disco do Jesu. Diferente de seu trabalho no Godflesh, aqui, Justin procura trabalhar mais as melodias vocais conduzidas pelas harmonias dos teclados, sobrepondo a distorção saturada, sonoridade comum em seus projetos. O andamento continua lento e pesado, com drones sobre drones de distorção e seu timbre característico de guitarra. Soam como se o My Bloody Valantine tocasse em câmera lenta, uma melodia triste e fria. Os resquícios de sua antiga banda ainda podem ser notados em músicas como “Friends Are Evil” e “Man/Woman”. Mas o ritmo de Jesu é diferente, é mais lento, introspectivo, quase claustrofóbico, onde Justin se fecha em um casulo sonoro, transparente. Músicas como “Your Path to Divinity”, “Tired Of Me”, “Sun Day” e “Guardian Angel” são puro resultado da beleza aliada ao caos. George Frizzo

Kaiser Chiefs Employment (B-Unique) O Kaiser Chiefs, de Leeds/UK, dá toda a pinta de que é uma banda de um álbum só. Tomara que eu esteja errado. Esse disco de estréia é puro brit-pop quadrado, divertido, inglês e dançante. É Blur e Menswear na cara dura e fim de papo. Bom pra uns, ruim pra outros. Como li na Time Out certa vez, impossível uma banda americana soar assim. A música “Everyday I Love You Less And Less” é o grande hit e já vem sendo tocada nas pistas indies aqui de Londres à exaustão. Márcio Custódio

Kaizers Orchestra Maestro (Vertigo/Universal) A banda é um sexteto de Bergen (Noruega), formado em 2000. Maestro é o terceiro disco e o primeiro que eu ouço deles. A influência de Talking Heads é impressionante, ainda mais do que no Franz Ferdinand. Há, porém, uma grande diferença entre o Kaizers Orchestra e o FF: o que o segundo tem de charminho indie, o primeiro tem de bom humor. As músicas trazem aquele ar de galhofa que David Byrne & cia. sabiam aplicar tão bem nos seus sucessos. Só não me pergunte sobre as letras, porque são todas na língua nativa deles. Depois você cola as letras na ferramenta de idiomas do Google para saber o significado emocional de estrofes como “Men eg vett at eg har arbeid i KGB”. Maestro é pra ouvir batendo o pé e assoviando as melodias enquanto toma uma cerveja gelada. Márcio Padrão

Konono N° 1 Congotronics (Crammed) A série Congotronics é uma idéia do selo belga Crammed para registrar a cena musical existente no Congo. Konono N° 1 foi a banda escolhida para dar início ao projeto. Quer dizer, isso se você puder chamar o Konono de banda. Fundado há 25 anos atrás por Mingiedi, parece mais um ajuntamento de gente disposto a fazer barulho, muito barulho. Eles tocam alto para que o som supere o barulhento cotidiano da capital Kinshasa e chegue até os ouvidos de seus finados ancestrais. Para isso usam de tudo, desde panelas e calotas de carro, até o instrumento chamado de likembe. Tudo isso através de amplificadores caseiros, o que produz um som espectral, do além mesmo. Junte com a batida cíclica, estilo afro-beat, e você tem uma combinação perigosa. A música vai te hipnotizando aos poucos, sem você notar. A primeira vez que ouvi, comecei balançando a cabeça, daqui a pouco os ombros e, quando menos percebi, estava eu no meio da sala, olhos vidrados, semi-nu, um verdadeiro pajé africano encarnado num branquinho classe-média, louvando os deuses, a terra e os elementos. Uma experiência transcendental. Filipe Luna

LCD Soundsystem LCD Soundsystem (DFA/EMI) Quando um artista ou banda faz um disco de estréia tão elogiado pela crítica é comum fincar o pé atrás e se revestir de ceticismo para as músicas tão badaladas. No caso do LCD Soundsystem, que desde o lançamento do single “Lose

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experiências e gravar novas músicas. As 18 faixas de Jardin Interior são o resultado do último encontro – uma combinação de felicidade e melancolia em 35 minutos. “Por Todos Lados” traz o lado mais folk e belo da banda, com uma voz feminina suave com violão, mas o disco é recheado por barulhos bizarros, violão desafinado, eletrônico e vozes masculinas. Ana Garcia

Los Hermanos

Tony da Gatorra

foto: Eugênio Vieira

Só protesto (Peligro) Acho que nunca pediram para que o advogado de um artista escrevesse a resenha do disco de seu “cliente”. Então, por favor, não reclamem se essa resenha não disser o que normalmente se espera de uma. Tony da Gatorra faz parte de um movimento que não se autodenomina “Braz-ill” (a nomenclatura é criação de um amigo meu). Chega de música polida! Chega de música que traz conforto! Chega de estéticas já conhecidas! Esses seriam os motes desse movimento que não se autodenomina “Braz-ill”. Tony da Gatorra causa transtorno em quem escuta suas músicas. O transtorno vem dos timbres que saltam de seu instrumento, a gatorra. Essa bateria eletrônica amalgamada com um sintetizador em forma de guitarra é o símbolo de sua singularidade e inventividade: seu Antonio, 54 anos, construiu um instrumento para falar, para se expressar, para protestar! O transtorno vem de suas letras (você nunca escutou alguém ser tão franco e verdadeiro em toda sua vida!). Tony canta letras de protesto contra a fome, a desigualdade social, enfim, o capitalismo! Seu ritmo é irregular, errante, ébrio, pois acompanha a emoção de suas letras, que ele sente na pele todos os dias. A vida em Esteio (RS) é difícil. Mal dá para viver do conserto de televisores, videocassetes e aparelhos de som. Mas Tony segue cantando. Quer no Fórum Social Mundial, quer na Esquina Democrática de Porto Alegre, quer no Milo, quer no festival No Ar Coquetel Molotov 2006, Tony quer protestar! Suas músicas são compostas por sons de uma caixa, de um bumbo e de um prato, além dos solos em que tudo se mistura. Cada letra ganha um tipo de batida diferente. Em “Assassino”, Tony canta sua ira contra a violência que corrompe o Brasil. “Droga Fatal” aborda a droga produzida pelo governo e que mais mata os brasileiros: a fome. “Meu nome é Tony” (um hit por natureza), que narra a epopéia de Tony, do impulso inicial de construir a gatorra até o dia em que a OMB o proibiu de se apresentar em um festival em São Paulo (Tony obteve uma sentença que declara que ele não é obrigado a se vincular à OMB) não está no disco (fica para o próximo, previsto para o início de 2006), mas é a promessa de que o protesto está apenas começando. Bruno Ramos My Edge” é festejado como salvação da lavoura como (mais) uma junção harmoniosa entre o rock e o eletrônico, a tendência é fincar os dois pés atrás. Mas não por muito tempo. Músicas como “Daft Punk is Playing at My House”, “Too Much Love”, “Times to Times” e “Got to Give It Up” quebram rápido a barreira da desconfiança. James Murphy, homem por trás do LCD, conseguiu em seu disco duplo músicas que agradam aos roqueiros menos radicais e que fazem sucesso nas pistas de dança ao mesmo tempo. Forte candidato para o posto de “disco do ano”. Guilherme Gatis

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Las Malas Amistades Jardin Interior (Pysch-o-Path) Las Malas Amistades surgiu em 1994 quando alguns estudantes de cinema e arte de uma universidade da Columbia se juntaram para tirar um som completamente informal, espontâneo e, de certa forma, estranho. Eles começaram a escrever músicas coletivamente e passaram a documentar tudo num 4-track. O resultado foi o primeiro lançamento Colossal Youth (Psycho Path), de 2001. Desde então, os estudantes têm se espalhado pelas Américas, mas continuam muito amigos, se reunindo esporadicamente em Bogotá para dividir as suas

Quatro (Sony/BMG) Dorival Caymmi compõe para o Tortoise. É mais ou menos essa a sensação que transborda do mais recente disco dos barbudos. É louvável a postura do Los Hermanos ao longo da carreira. Desde o Legião Urbana que uma banda brasileira, popular e influente não se apresenta tão desconfortável com o seu próprio sucesso quanto eles. Eles sempre subvertem a situação, ainda que não seja de uma forma totalmente intencional. Depois do estouro do hit “Anna Júlia”, lançaram o novobuarquiano Bloco do Eu Sozinho. Depois da consagração do Ventura, eles vêm com esse Quatro, contrariando todas as expectativas de novo. Adeus ao overdrive e harmonias convencionais. Viva a ultra-melancolia, alternada com espasmos de felicidade na alma, aquela que dá quando o sol desponta na praia deserta de domingo. Há discretas pistas do passado da banda, como o sambinha “Paquetá”, o pop-soft “O Vento” ou o quase-rock “Horizonte Distante”. Mas se você é fã do primeiro disco, aquele com umas músicas ska-hardcore, passe longe. Se nunca ouviu falar deles, seja bem vindo ao Los Hermanos versão 2005. Só não estranhe se o próximo disco for diferente do que você esperava... Márcio Padrão

Low The Great Destroyer (Sub Pop) Apesar da sonoridade indiscutivelmente Low, esse oitavo trabalho da dupla americana surpreende pelo pique das canções. O que antes era devagar, lento e triste, agora está um tanto quanto irradiante, com as canções numa média de três minutos de duração e com compasso um bocadinho acelerado. Sim, o Low também consegue fazer música pop. Nas primeiras audições, eu achei estranhas aquelas guitarras barulhentas, mas depois entrei no clima. Parece que comigo todo disco bom é assim. Se eu gosto de algo logo de cara, é porque certamente isso não vai durar. Bom são aquelas obras que te cospem na cara nos primeiros encontros, mas que depois pedem desculpas, fazem cara de melosos e

te abraçam. Mas enfim, Low é Low. Difícil eles darem bola fora, então, mais um clássico para você. Márcio Custódio

Maximo Park A Certain Trigger (Warp) Quando esse quinteto surgiu no começo desse ano, fiquei meio desconfiado, afinal diziam que era mais uma banda pós-punk angular chupando o Gang of Four. Pois eu digo, jornalistas preguiçosos que disseram isso: Maximo Park é muito mais que um sub Futureheads. Sim, obviamente o fato de ambos os grupos serem de cidades vizinhas no norte da Inglaterra e abusarem de riffs angulares lhes dão alguma semelhança, mas o Maximo Park, de Newcastle/UK, tem uma veia mais pop enraizada em sua música. Sob as guitarras classudas, você tem os teclados ao fundo, e ambos fazem a base perfeita para o vocalista figurão Paul Smith cantar em seu sotaque carregado do norte inglês. Fora que possuem um jeitão nerd danado. A NME diz que o som deles é jerk-rock. Esse disco não tem sequer uma música dispensável. Eu diria que é o encontro de Pulp, Futureheads e Psychdelic Furs. É o que mostram as faixas “Apply Some Pressure”, “Graffiti”, “Now I’m All Over The Shop” e “The Coast Is Always Changing”. Márcio Custódio

The Magic Numbers The Magic Numbers (EMI) A primeira coisa que vi e ouvi deles foi o videoclipe de “Forever Lost”, algo que remetia a desenhos animados pop antigos, como os do The Archies e Jackson 5. Na segunda vez que vi o clipe, chorei. A música pop ainda consegue provocar isso. E depois que ouvi o disco todo, percebi como ele é realmente muito bom. A banda tem influências de Beach Boys, Byrds, Neil Young e The Mammas & The Pappas, ou seja, pop perfeito. Eles são dois casais de irmãos, mas não são de mentirinha como os White Stripes. As duas garotas e o guitarrista são bem gordinhos, totalmente fora dos padrões estéticos de sex appeal, o que dá uma sensação de que é a banda dos seus amigos de escola ou dos seus vizinhos de bairro. Nenhuma pose ou afetação. André “Balaio” Gomes

MQN Bad Ass Rock ‘n ‘Roll (Monstro) Guitarras bem altas e vocais perto do berro. Quem duvida da fórmula despretensiosa de rock’n’roll do MQN, basta conferir o nome de faixas como “Come Into This Place Called Hell” e “My Baby Sold Her Heart to the


Devil”. Barulheira super afinada pela banda de Goiânia que faz do segundo disco um manual sobre como se divertir com um tipo de rock cada vez mais raro entre os independentes de destaque. Daqueles que a gente dá carreira, bate cabeça, funga o nariz e cospe no chão. Bruno Nogueira

Out Hud Let Us Never Speak of It Again (K7) Esse é um projeto paralelo dos caras da banda !!!, de Nova York. Ao invés de punk-funk, que é a característica deles, resolveram produzir algo mais na praia eletrônica, e se deram bem. Com vocais femininos, o disco é composto por petardos dance-music com estilo singular, alguns indo mais para a linha acid-house e electro-groovy, outros com uma veia mais pop, assemelhando-se aos hits do New Order. Se a dance-music podre de FM se inspirasse em bandas como essa, o mundo seria um lugar mais legal. Márcio Custódio

Pato Fu Toda Cura Para Todo Mal (Sony) O Pato Fu é das poucas bandas que conseguem agradar a públicos díspares, dos fãs das baladas doces aos que ainda vibram quando a banda reverbera os experimentalismos que marcaram os primeiros álbuns, no começo dos anos 90. Discos novos do quinteto (o tecladista Lulu Camargo entrou para a banda depois da parceria no disco gravado ao vivo para a MTV) apresentam sempre essa fórmula que atende satisfatoriamente aos dois tipos de fãs. Toda Cura Para Todo Mal não foge dessa linha. O disco tem as baladas radiofônicas como “Anormal” e “Agridoce”, com forte influência de Roberto Carlos, dividindo bem o espaço com músicas como “Uh Uh Uh, La La La Iê Iê”, “O Que É Isso” e “Estudar Pra Quê?”, que lembram o Patu Fu mais experimental. O disco traz uma inovação interessante – todas as músicas têm clipes de animação, que são exibidos gratuitamente no site da banda. Guilherme Gatis

Patrick Wolf Wind in the Wires (Tomlab) Patrick Wolf é um irlandês de 21 anos armado de um arsenal poderoso: violinos, viola, órgãos, harpas e um inseparável laptop. Aparado nessa munição, ele apresenta seu segundo álbum, Wind In The Wires. O violino majestoso de “The Libertine” abre o disco, que lembra uma orquestra sinfônica enquanto se afinam os instrumentos, acompanhada por bandolins, acordeons, batidas eletrônicas sujas e por efeitos de estúdio. WIW começa falando de liberdade, pássaros, banalidades, crises existenciais até chegar em “Land’s

End”, última e melhor faixa, que traz a opinião do músico sobre a indústria fonográfica (“It’s a wild stretch of land / Such a sad place to be”). Tathianna Nunes

Paul McCartney Chaos and Creation in the Backyard (Capitol) Parece que MacCa finalmente perdeu o pudor de assumir as raízes de sua ex-banda-que-todo-mundo-sabe-qual-é. O 21° disco solo do compositor mais popular do rock pode ser considerado um dos seus trabalhos mais coesos e um desejo ainda maior de cantar para as massas. Praticamente todas as 13 canções de Chaos... são potencialmente assoviáveis. “Fine Line”, a primeira, nem de longe lembra o tom introspectivo de “Vanilla Sky”, composta por Paul para o filme homônimo de 2001. É uma música pop alegre e redonda como poucas lançadas nos últimos cinco anos. E o passado do cidadão de Liverpool ecoa no corinho de “Promise to You Girl”, ou na semelhança de “Jenny Wren” com “Blackbird”, “Mamunia” e tantas outras canções de violão de McCartney. Mas sejamos justos: em casos como “How Kind of You” e “Friends To Go”, há elementos familiares com sonoridades atuais, provavelmente uma cortesia do produtor Nigel Goldrich. No frigir dos ovos, o disco não possui aquela chama criativa dos álbuns Band on The Run e McCartney II, mas soa como aquela velha reunião de amigos no bar, igual a tantas outras, embora sempre possua algo novo e prazeroso. Márcio Padrão

The Pipettes ABC (Transgressive) Imagine uma situação hipotética, onde Phil Spector resolvesse produzir um daqueles cultuados singles da Sarah Records. O resultado seria algo muito semelhante ao ABC, das Pipettes. O lado Phil Spector estaria presente nos divertidos jogos entre vocais e backings, gerando um brill-building pop de primeira qualidade. Já o lado Sarah Records estaria no amadorismo quase descompromissado do som, fundamentado em acordes simples e baterias certeiras, com todas aquelas marcas registradas do mais autêntico e obscuro pop britânico. A melodia pegajosa de ABC, os climas interessantes de “Judy (Wotcha Gonna Do?)” e “sabor de quero-mais” dos apenas 1:21 minutos de “Simon Says” provam isto tudo, da mais divertida maneira. E além de tudo, é memorável o fato de o som das Pipettes ser algo único e criativo. Enquanto metade do pop britânico atual busca um intelectualismo pós-punk e a outra

metade reprocessa versões mercadológicas de baladas radioheadianas, as Pipettes simplesmente são as Pipettes, e o resto que se dane. Palmas! Renato Henriques de Souza

Rádio de Outono Rádio de Outono EP (Coquetel Molotov) O primeiro disco deve ser um momento crucial para uma banda por causa de uma certa preocupação em mostrar a que veio logo de cara. No caso do Rádio de Outono, a banda apostou em enfatizar sua opção pelo pop, ou pop n’ roll, como está devidamente apresentado na vinheta de abertura. E se trata, de fato, de um disco de pop, mas com alguma pegada aqui e ali, tanto que das sete músicas, pelo menos três são daquelas que a primeira audição já basta para sair cantarolando. Nos arranjos existe um nítido predomínio dos teclados, com vocais despretensiosos seguindo as melodias. É inevitável dizer que a banda não tem guitarras. E os integrantes parecem apostar nisso como diferencial. O baixo e a bateria mostram-se corretos, mas é em “Só o pó” que esses elementos se destacam dando vigor e uma base sólida para a verdadeira parede de teclados da música. É o ponto alto do disco. Em termos de referências, dá para citar B-52s (clara inspiração para “Além da Razão”), Beach Boys, muito da Jovem Guarda e até música infantil. Luiz Otávio Pereira

SeuZé Festival do Desconserto (Mudernage) Às vezes as influências de uma banda desfilam numa linha tênue entre o descaramento e a nova roupagem. O SeuZé, apesar do disco bem gravado, faixa e meia cai nessa armadilha. A mistura de baião, blues e samba soa bem, apesar da cara de “nordeste anos 70” encontra Zeca Baleiro, soando bem repetitivo. Mesmo com letras bem sacadas, com influência da literatura de cordel à cultura popular, chega uma hora que cansa de tanto sertão, seca e coronel. As coisas boas do disco ficam por conta das faixas “Sai Galada”, “O Anti-Herói” e “Plantando no Céu e Colhendo no Inferno”. Vale pela boa qualidade dos músicos, mas isso é bem melhor e mais interessante assistir ao vivo, onde o grupo costuma fazer boas e divertidas apresentações no melhor estilo comédia dell’arte. Rodrigo Levino

Sigur Rós Takk (EMI) Quando o Sigur Rós passou pela primeira e única vez pelo Brasil, no festival Free Jazz em 2001, seu som lento e hipnótico cantado em uma língua estranha simplesmente destoou de todo o restante da programação do festival. Para alguns soou estranhíssimo, mas para outros, conquistou de imediato. Depois de três anos em absoluto silêncio, os islandeses do Sigur Rós nos presenteiam com Takk (“Obrigado” em Islandês), seu quarto disco oficial e o primeiro a ser lançado por uma major, a EMI, que mostra o quarteto indo além dos climas viajantes, característica dos discos anteriores, investindo em músicas menores e mais condensadas, com mais instrumentações e arranjos melódicos. “Takk”, a primeira, serve de introdução climática, quase como um sussurro que anuncia “Glósóli”, musica quieta que cresce e explode no final, lembrando as performances do Godspeed! You Black Emperor. Em “Hoppípola”, percebemos o quanto a banda pode construir melodias belíssimas, chegando a um resultado quase sinfônico causado pelo piano e instrumentos de corda adicionais. Sem dúvida uma das mais bonitas do disco. “Mea Blonasir” traz bastante guitarra, um peso que urge em meio a clima etéreo, que prepara os ouvidos para “Sé Lest”, delicada e quase infantil, como se a banda criasse um mundo dos sonhos. Em seguida temos a belíssima “Milano”, essencialmente pop conduzida pelo piano, enquanto que “Gong” tem um andamento quase triphop, lento e cadenciado, onde o vocal é mais presente. “Andvari” e “Svo Hljótt” se mostram duas tradicionais músicas do Sigur Rós, lentas, belas e urgentes. O disco fecha com a tristonha “Heysátan”, conduzida pelo piano de forma solitária simbolizando o fim de um sonho ou o acordar. George Frizzo

Sons and Daughters The Repulsive Box (Domino/Trama) O quarteto Sons and Daughters vem lá da terra do Franz Ferdinand: Glasgow/Escócia. São dois rapazes e duas garotas responsáveis por um som robusto e vigoroso, recheado de guitarras sujas. Esse disco, o primeiro da banda, traz dez faixas up-beat, curtas e diretas, sem nenhuma firula ou coisa do tipo. As melodias são um tanto dark, mas ainda assim com uma veia pop. Bem apropriado para quem gosta de Nick Cave, PJ Harvey, Siouxsie, etc. Destaques: o single “Dance Me In”, “Medicine”, “Taste The Lást Girl” e “Monsters”. Márcio Custódio

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foto: Diogo (/disturbios)

Eu Serei A Hiena

Eu Serei A Hiena (Travolta) Formado em meio a e por membros de bandas de Hardcore conhecidas, como Dance Of Days, Discarga e Ratos de Porão, o Eu Serei a Hiena surge como um sopro de criatividade para instigar nossos ouvidos cansados do marasmo do rock nacional. Nesse seu disco de estréia, o ESAH nos apresenta apenas 8 músicas, sendo que três são instrumentais, três cantadas por vocalistas especialmente convidados e dois remixes feitos por Maurício Takara e Thiago “Chakal” Behrdt, respectivamente. Em seu som, percebemos fortes influências dos andamentos quebrados do Fugazi, do peso das guitarras do At The Drive-in e dos lampejos jazzísticos do Tortoise, nas partes calmas. Mas comparar seria uma injustiça, não se pode negar que o ESAH tem bastante personalidade, que é reforçada pela competência de seus músicos. Um detalhe bastante interessante fica para as três músicas cantadas, uma em português com refrão em inglês, cantada pelo Rodrigo da banda de Hardcore Dead Fish, outra em espanhol e inglês, cantada pelo argentino Boom Boom Kid, e a última totalmente em inglês, cantada por Alexandre Cruz, mas todas seguem uma linha temática, falando da solidão e dos limites causados pelo caos urbano de metrópoles como São Paulo. George Frizzo

Stephen Malkmus Face the Truth (Matador) Quando você ouvir esse disco, a princípio, não vai achar que é de Stephen Malkmus. Ou pelo menos o Stephen Malkmus que fez álbuns que ainda eram resquícios do Pavement. A diferença já começa na abertura do CD. O início de “Pencil Rot” já dá uma dica que Stephen está querendo brincar um pouco com sonoridades pop, distorções e moog pra depois nos brindar com aquilo que sabe fazer melhor: refrões nonsense e melodias irônicas. Dá pra sentir que em Face the Truth ele se sentiu mais à vontade pra compor coisas diferentes e musiquinhas que fugissem um pouco desse estilo indie-lo-fi. É claro que não é uma mudança radical, mas dá pra encontrar faixas como “Kindling for the Master”, que tem um bom groove com teclados de uma era disco 90’s ou “Freeze the Saints” que é quase um alt-country. Digamos que esse disco está para sua carreira, o mesmo que Wowee Zowee representou para a discografia do Pavement. Ou seja, ouça de todo jeito! Jarmeson de Lima

Supergrass Road to Rouen (Capitol) “Ganhamos vários prêmios por revelação e os prêmios pararam por

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aí”. O comentário é de Danny Goffey, baterista do Supergrass. Não é sempre que uma banda estreante aparece com músicas como “Allright” e “Caught by the Fuzz”. Mas a ironia de Danny aponta dois erros comuns quando se trata do Supergrass: 1) tratar a banda como “one-hit-wonders” e 2) mais grave ainda, ignorar os onze anos de uma carreira sólida. De volta, com seu quinto álbum, Road to Rouen, Supergrass está mais calmo, explorando mais as variações vocais de Gaz Coombes. Músicas como “Tales of Endurance”, “Pts. 4, 5 & 6”, “Roxy” e “Sad Girl” confirmam a impressão de que a banda conseguiu a façanha de dosar suas influências, experimentando outras sonoridades sem o perigo de deixar de soar “Supergrass”. Não são todas as bandas que conseguem isso. Guilherme Gatis

tara_code Azul e Roxo (Independente) Andréa May e Gilberto Monte são os músicos por trás do projeto tara_code. Calcada em uma sonoridade eletrônica, a banda soteropolitana passeia por um mundo de imagens e cores, como bem sugere o nome. Percebe-se claramente que não é apenas um trabalho musical, mas uma sinestesia. Imagens, cheiros, sensações são passadas ao ouvinte,

vide “Azul e Roxo”, faixa que dá título ao CD. Produzido pelo próprio Gilberto Monte com ajuda de Arto Lindsay, Azul e Roxo não é um disco simples. Ama-se ou odeia-se. Não existe um meio termo, o que talvez possa ser explicado pela batalha entre os sintetizadores e as guitarras. Algo muito comum hoje em dia - o rock em comunhão com o eletrônico - e nem todo mundo consegue fazer isso bem e agradar ao público. Porém, aqui nesse caso, o duo consegue atingir o seu objetivo de forma inteligente e original. Escute a intrigante “O Avesso da Tristeza” (cantada por Andréa de trás para frente) e comprove. Viviane Menezes

Tegan and Sara So Jealous (Vapor) Direto do Canadá, esse é o terceiro disco das irmãs gêmeas lésbicas Tegan e Sara e jorra sensibilidade pop logo com a primeira faixa “You Wouldn’t Like Me”. Contando com membros dos New Pornographers como músicos de apoio, So Jealous é um disco pop-rock cativante que pode soar enjoativo no começo, mas depois ficamos viciados nele. As letras falam de amor e desilusões e, cantadas nas vozes sensíveis e warm das garotas, lhe darão uma sensação prazerosa única. Ouça as músicas “I Know I Know I Know”, “I Bet It Stung” ou “Walking With the Ghost” e você verá que não estou errado. Márcio Custódio

Totonho e os Cabras Sabotador de Satélite (Trama) Exemplo mais clássico da criatividade nordestina em reprocessar suas batidas regionais com os samplers eletrônicos. O segundo disco de Totonho, primeiro 100% pela Trama, rima com a vontade de experimentar de Chico César, Cordel do Fogo Encantado e Otto. Em alguns momentos soa bobo ao falar que “o peito da morena / quando aperta faz fom fom”. Bruno Nogueira

V.A. Não Wave: Brazil Post Punk 1982-1988 (Man) The Sexual Life of the Savages: Underground Post Punk in São Paulo (Soul Jazz) Antes de falar sobre esses discos, falaremos de Luiz Calanca. Ele fundou a Baratos Afins em 1978. Primeiro como uma loja de discos e depois como um selo que tem no seu cast nomes como Arnaldo Baptista, Fellini, Kafka, Vultos, Akira S., Voluntários da Pátria, Gueto, Smack e Mercenárias; todas bandas da referência pós-punk das cenas de

Londres, Nova York e Berlim. Vinte anos depois, duas coleções de bandas pós-punk brasileiras são lançadas no mesmo mês. A primeira, Não Wave: Brazil Post Punk 1982-1988, é lançada pelo selo alemão No Man e a segunda, The Sexual Life of the Savages: Underground Post Punk in São Paulo, pelo inglês Soul Jazz. As compilações são semelhantes, mudando apenas por conta do gosto pessoal dos organizadores. A Não Wave tem músicas escolhidas pelo Andy Cumming com a ajuda de Alex Antunes, jornalista e músico do Akira S., e do guitarrista Miguel Barella, do Agents, Voluntários da Pátria e Gang 90. Já The Sexual Life... teve as suas faixas escolhidas por Tetine. Ambas têm boas seleções musicais, mas se for para escolher uma, fico com a primeira. Ana Garcia

Violins Grandes Infiéis (Monstro) Enquanto o Los Hermanos parte ‘para cabeça’, cada vez menos rock e mais MPB, o espaço que eles abriram com os dois primeiros discos, é preenchido por bandas como Gram, Poléxia e Violins, sendo que, nesse último caso, eles ainda acrescentam influência de bandas britânicas como Coldplay, Keane e Radiohead fase The Bends. O apelo épico nas melodias causa certa dramaticidade que comoverá emo-kids do Brasil inteiro, caso esses deixassem de lado a energia punk das bandas emo e partissem à procura de algo mais calmo, complexo e abrangente, mas nem por isso menos pesado. O peso do Violins está nas letras e no clima angustiante que toma conta da maioria das canções, sempre quebrando ritmos e oscilando entre guitarras distorcidas e calmaria completa. Esse é o 3º disco dessa banda de Goiânia que antes cantava em inglês e se chamava Violins And Old Books. Ninguém pode negar que evoluíram pacas. Aonde será que vão chegar? O que acontece no Brasil com uma banda como Violins? Nada, né? Gilberto Custódio

We Are Scientists Nobody Move Nobody Get Hurt (Virgin) “If you wanna use my body / go for it”. Prova inegável que existem nerds no Reino Unido, o We Are Scientists fez de seu disco de estréia, item necessário na prateleira de quem não resiste fechar os olhos e fazer pose quando escuta o Weezer. A comparação é inevitável, ao ponto de dizer que eles já são o equivalente britânico da banda de Rivers Cuomo. Não faltam no homônimo riffzinhos instigados e músicas que devem virar cartaz de festa muito breve. Bruno Nogueira


Palavras: Viviane Menezes

Lulina

Fóssil Desconforto (Open Field Records/ Peligro Discos) Dizer que é apenas rock soaria como covardia, porque eles estão muito além. A verdade é que é difícil definir o som desses talentos de Fortaleza... Talvez uma Epopéia sonora?! Tem post rock, noise, distorção, camadas e camadas de guitarra e, claro, improvisação. As variações constantes, a massa sonora, levam o ouvinte a um mundo de ambientações e relaxamento quase de ioga, a despeito do nome. O EP possui apenas três músicas, mas que valem por treze, porque a média de tempo é de quase 11 minutos. Portanto, para os fãs de Mogwai, Tortoise, Godspeed You Black Emperor!, My Bloody Valentine e afins, é um prato cheio. http://geocities.yahoo.com.br/ffozzill

Ártico Blue Aqui na Terra (Ettanoise e Musicland Records) Pelo o amor, somos capazes de qualquer coisa. E Armando Turtelli sabe disso. Foi por causa desse sentimento tão nobre que ele saiu do interior de São Paulo, Campinas, deixou a sua banda Astromato e seguiu com a esposa para João Pessoa, onde ela foi chamada para trabalhar. Agora, mais uma vez, ele seguiu o seu coração. O resultado é o seu segundo disco solo, Aqui na Terra, lançado em julho deste ano, uma parceria da Musicland Records com o blog Ettanoise do Aldemi Sousa. O cuidado é percebido em cada detalhe. Das músicas à foto de capa, passando pela mixagem, tudo tem o dedo de Armando, que atualmente também faz parte da Superdrive. As letras falam de amor, da vida, de sossego, Armando está feliz. O músico gravou sozinho todos os instrumentos. As guitarras tão presentes nas suas outras bandas continuam, porém o que prevalece são as melodias suaves e baladinhas pop. Aqui na Terra possui uma versão para uma música do My Bloody Valentine, “Drive it all over me” e não contente, Armando musicou um poema de Fernando Pessoa chamado “Feliz Dia Pra Que É”. E pra fechar bonito, o disco conta com os vocais da esposa e causadora, Daniela Kuhn. www.musiclandrecords.yd.com.br

Bolhas na Pleura (Independente) Antes de tudo, eu tenho que dizer: Lulina não é Pato Fu. Lulina é simplesmente Luciana Lins, uma menina-mulher, autoditada, genial, vanguardista, fofa, lo-fi, inspiradíssima, que anda fazendo uma das melhores músicas do rock independente deste país. A cantora pernambucana tem as melhores sacadas em letras. Quem iria escrever tão naturalmente sobre novalgina? Bolhas na pleura? Ets? A Avó? Apenas ela. As canções nascem do seu dia-a-dia, das suas experiências, emoções e, principalmente, do seu olhar sobre as coisas que a cercam. Coisas tão íntimas, mas ao serem compartilhadas conosco, passam a nos pertencer. Não tem como não se identificar. Afinal, pessoas com uma infância dita ‘normal’ tomaram alguma vez na vida novalgina para sarar a febre. As canções de Lulina parecem não acabar, ela já tem uma coleção invejável de discos. Ao todo são sete e detalhe: todos gravados em casa. Bolhas na Pleura parece ser a ultima demo da cantora, porque em breve ela estará lançando o seu primeiro disco oficial pela Slag, de São Paulo – cidade onde mora atualmente. Lulina não precisa tocar bem guitarra, não precisa ter a voz perfeita, porque ela é puro coração. É talento que Deus dá, já diria Gilberto Gil. www.tramavirtual.com.br/lulina

Shiksa Grandes Momentos da História (Independente) Apesar de ter lido a entrevista que Ana Garcia fez para o Coquetel Molotov, escutado uma ou duas músicas, não tinha percebido o quanto esse quarteto paulista é genial. Após vê-los ao vivo e in locum, foi quando a ficha caiu. Talvez eles sejam melhores no palco do que em disco. Vá lá, a gravação não é tão boa, isso deve ser levado em consideração. Grandes Momentos da História é um disco peculiar, pois todas as músicas começam com a palavra ‘invenção’. Exemplos, “A Invenção da Cultura”, “A Invenção do Trabalho”, “A Invenção da Roda” etc. É justamente a história da humanidade contada pela Shiksa. E de forma inteligente e crítica, sem ser chato. Shiksa faz ‘rock sem convicção roqueira’, como eles dizem. Isso porque, apesar da cozinha básica, baixo, bateria e guitarra, os brinquedinhos, o flerte com o post rock e até jazz, dão um charme todo

especial ao grupo. Algumas vezes me lembraram Mutantes. Os efeitos vocais e a flauta doce da vocalista Helena Weisz são uns shows à parte. As letras inteligentes e bem humoradas completam: “Satã se cansou de trabalhar. Agora quer encostar a pança. Satã resolveu se aposentar. E levar uma vida mansa”.

luz. A concepção musical do CD, de ser uma série com três volumes, vem de Scoop, do The Who, Pete Townshend. A Open Field/Peligro promete colocar no mercado, em um futuro próximo, o restante do material que complementará Enigma Central Park. http://sandrogarcia.zip.net

www.nemo.com.br/shiksa

Chambaril

Le Bustier en Dècadence

Chambaril (Bazuka Discos) Chambaril é vanguardista sem ser pretensioso. O grupo é formado por Cláudio N., Pi-R e Igor Medeiros, ambos músicos e produtores de Recife, inclusive do projeto Media Sana, que mistura música e imagem. O disco de 14 faixas mescla genialmente sons como hip hop, funk, guitarradas, black music, samples e música pop. O disco foi concebido no quarto de Cláudio entre loucura e sanidade, com instrumentos precários e um computador caseiro. Chambaril é toda a arte de Cláudio que ficou parada durante um ano para finalmente ser lançada. A mixagem ficou por conta do Ambiente Familiar Studio onde Pi-R e Igor trabalham em outros projetos. O disco do Chambaril é uma obra atual e atemporal.

Mímesis Minimalista (Independente) Essa turma, atualmente, vem fazendo uma das melhores músicas de rock de Recife. Esqueça os ditos movimentos e se concentre nas bandas. Além do Le Bustier em Décadence, as meninas das Barbis, Paulinho do Amparo com seu 3 Et’s Records, The Playboys, bandas amigas e que transitam entre Olinda e Recife, têm mostrado ousadia e independência (com I maiúsculo) em seus trabalhos. Mímesis Minimalista é um disco bom, mas muito bom MESMO. Há influência dos anos 60 com aquela coisa do tecladinho a la minimoog, do hard rock dos 70 e, principalmente, do rock brasuca dos anos 80 (a parte mais obscura, o post–punk da Gang 90, Akira S & As garotas que erraram etc). Mas não se prenda a rótulos. Aliás, o nome do CD, que remete ao minimalismo, é, talvez, de forma resumida, o caminho pelo qual a banda quer seguir - a de buscar uma sonoridade sua e que é também inerente ao conceito minimalista. As letras inteligentes e desconcertantes são um caso a parte. “Vou comer minha geladeira. Em cima da prateleira. Ela vai gozar friozinho...”. A única ressalva é que algumas das letras remetem a piadas internas da cidade e ao círculo de amizades do grupo, o que para uma pessoa de fora pode não fazer tanto sentido. Mas de resto, eis uma banda que nos tramite alegria e a esperança de um dia termos um rock mais sábio em Recife, quiçá no Brasil.

www.tramavirtual.com.br/chambaril

Sandro Garcia Enigma Central Park: Demos Vol. 1 (Open Field Records/Peligro Discos) O novo trabalho do Sandro Garcia é uma coleção maravilhosa de canções guardadas. Isso porque, por sorte nossa, o músico, que fez parte de outros grupos já consagrados como é o caso do Charts, Momento 68 e atualmente Continental Combo, reuniu em seu primeiro trabalho solo as músicas mais cruas, digamos assim, que posteriormente foram gravadas pelas suas bandas. Enigma Central Park foi produzido pelo próprio Sandro, que também tocou quase todos os instrumentos. O disco foi bem aceito em termos de crítica e público, não apenas pela ótima trajetória musical e incontestável de Sandro, mas, principalmente, pela capacidade que ele tem em colocar pra fora verdadeiras obras de arte. Algo que impressiona. Confirme escutando “Aretha Aretha”, “Jazzy Man Metrópole” e a música que dá título ao disco, “Enigma Central Park”. Um verdadeiro e delicioso passeio pelo jazzy-folk; um clima meia

www.lebustier.cjb.net

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Palavras: Gilberto Custódio Foto: Heike Schneider-Matzigkeit

Bearsuit

Comanechi Rude / Mr. Baba (White Heat) Essa banda de Londres é composta somente por um guitarrista e uma baterista, mas não tem nada a ver com White Stripes: são bem mais sujos, viscerais e empolgantes do que o hype norte-americano. Ao invés de blues e Led Zeppelin, puxam para o lado punk barulhento do Jesus and Mary Chain. Também lembram ícones riot grrrls como Huggy Bear e God is My Co-Pilot. As duas canções desse debut single são matadoras e certamente vão agradar quem procura confusão em forma de barulho e bons riffs entupidos de sujeira numa canção pop. Já lançaram mais um single, I Knew / Naked, que eu mal posso esperar para ouvir. A gravadora por trás é a White Heat, que na verdade é um projeto que acontece toda terça no clube noturno Madame Jo Jo´s em Soho, bairro central de Londres. Um dos projetos mais legais e bem sucedidos da cena atual, com o dinheiro do sucesso resolveram investir em singles de 7”. Esse é o primeiro lançamento do selo, mas já lançaram mais três!

Chargr / What You’ve Never Seen Snow Before? (Fortuna Pop!) Taí o último single de uma de minhas bandas atuais prediletas: Bearsuit! Tive a oportunidade de ver um show deles em Londres e foi a coisa mais fantástica que poderia ter acontecido: fiquei sorrindo do começo ao fim. Eles usam MUITOS instrumentos inusitados, qualquer coisa que faça algum barulho diferente, incluindo brinquedos e ferramentas diversas. Uma diversão só! A banda tem três garotas que ficam na frente dividindo vocais e instrumentos, todas adoráveis que não se agüentam e dão risada o tempo todo, além de um vocalista-guitarrista nerd de óculos que é um perfeito indie-kid. Diversão pura! Super alto astral. Não raramente me peguei dando gargalhadas devido às atrapalhadas trocas de instrumentos e poses das garotas. Mas vamos ao single! “Chargr” mostra bem o espírito da banda, cheia dos sons estranhos, gritos e vocais divididos entre todos integrantes, além de a música mudar de andamento diversas vezes. Um verdadeiro hit alternativo. O lado B é mais tranqüilo e começa com sinos de brinquedo para cair numa melodia deliciosa, com direito a trompetes e guitarras distorcidas. Esse single faz parte do novo e segundo álbum, Team Ping Pong (Fantastic Plastic Jukebox). Taí uma banda que tenho vontade de entrevistar. Em estúdio é ótimo, mas ao vivo, nossa... Foi um dos melhores shows da minha vida. www.bearsuit.co.uk

The Brights

Naked (White Heat) Dessa vez o compacto é vermelho e o lado A exala sensualidade por todos os poros, começando por “Naked”, onde a garota canta que gostaria de estar sem roupas de forma sexy e guitarras turbinadas despejam riffs sujos e marcantes, seguido por “I Knew”, onde a garota pede para que ele puxe seus cabelos. Algo como Yeah Yeah Yeahs encontrando The Kills. O lado B é instrumental e mais agressivo ainda, lembra Mudhoney com a macaca. A capa mostra a dupla que forma o Comanechi, sendo que ela levanta a saia a ponto de a ponta da calcinha aparecer. Essa é uma de minhas bandas prediletas de 2005.

Girl in a Bric-a-Brac Shop / The Sea Will Tell (Bitterscene) Uma das mais agradáveis revelações de tempos recentes é essa banda, cujo primeiro e viciante single é um verdadeiro hit a la Postcard Records, nos remetendo a nomes como Orange Juice e Aztec Camera, tudo numa roupagem atual e moderna, que os coloca ao lado de...de... Olha, não me vem nenhum nome na cabeça. Uma miragem pop perfeita em meio a tanto caos angular pós-punk e blá-blá-blá. Tomara que eles continuem ativos, firmes e fortes. Mal posso esperar pelo próximo single. Ah sim, essa gravadora Bitterscene na verdade é um projeto indie em um clube na pequena cidade inglesa Chelmsford. Aquela velha história: com o dinheiro do clube eles resolvem lançar o single da nova banda predileta. A Creation começou assim...

www.comanechi.com

www.thebrights.co.uk

Comanechi

The Hit Parade Born in St Ives / Beauty Queen (JSH Records) O Hit Parade está de volta. Clássica banda indiepop que costumava gravar para a Sarah Records no começo dos anos 90, lança em 2005 esse simpático single 7” em vinil pela gravadora própria, a JSH Records. Isso explica o encarte de oito páginas intitulado “Guia da Indústria Musical para Iniciantes”, uma espécie de

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manifesto contra grandes e pequenas gravadoras. As canções continuam a mesma coisa de anos atrás: pop simples, ensolarado, apesar de levemente melancólico. No próprio site eles modestamente se auto-intitulam “London’s No.1 Pop Group”. No compacto temos duas canções, sendo que o lado A é mais upbeat e o lado B mais baladinha introspectiva. Mas se você não conhece a banda, recomendo ir atrás de canções do nível de “My Favorite Girl” e “See You in Havana”: clássicos indiepop instantâneos. Depois tente não ouvir o resto. www.the-hit-parade.co.uk

International Airport / Teenage Fanclub Association (Geographic) Muito interessante esse split 7”: as duas bandas de Glasgow tocam a mesma música, original do 2o álbum do International Airport, que conta com um brasileiro na formação (o Cris, ex-Sleepwalkers). A banda responsável pelo lado A são os compositores originais de “Association” e encontramos uma singela canção que passa o clima de preguiça pósalmoço dominical, um sossego que lembra a última fase dos Pastels. Já a versão do Teenage Fanclub acrescenta mais vigor e energia, como era de se esperar, mas nada que a deixe pronta para pistas de danças ou algo assim: continua sendo uma balada calma e tranqüila, que é como eu imagino que deva ser a vida numa cidade como Glasgow. Ah sim, vale dizer que Geographic é a nova gravadora de Stephen Pastel. Faça parte da associação você também! Coisa fina!

Legend! na época era um fanzine e um personagem, que hoje em dia atende pelo nome de Everett True, editor da excelente revista Plan B. Nesse compacto temos o homem prestando um tributo ao Television Personalities. Duas faixas gravadas ao vivo num pub em Brighton: “If I Could Write Poetry” e “A Sense of Belonging”. Recomendo somente para fãs mais dedicados. É super lo-fi, só uma voz desafinada e um teclado tosco em drone. Na verdade, vale pela letra de “A Sense of Belonging”, uma das melhores de todos os tempos, que nessa versão é declamada com notável paixão. www.planbmag.com

The Priscillas Gonna Rip Up Your Photograph / Brain Surgeon (Damaged Goods) Primeiro single dessa banda formada só por mulheres de Londres que apostam num rock’n’roll visceral, porém muito melódico e agradável, quase caindo para o bubblegum. Vi um show delas e ao vivo é cheio das poses splatter rock star, com direito a muita roupa de couro, super-decotes, movimentos sincronizados a la Kiss, cortes de cabelos 50’s e sangue de mentirinha. Em estúdio perdem um pouco a potência garageira, mas ganham no apelo pop, colocando-as entre Holly Golightly, Kenickie, The Donnas, The Muffs, coisas assim. Esse vinil é transparente. Já lançaram um segundo 7”, intitulado “All My Friends Are Zombies”. Vale dizer que as Priscillas são Jenny Drag, Guri Go-Go, Kate Kannibal e Mavis Minx. Adoro! www.thepriscillas.com

www.dominorecordco.com

Smoosh Júpiter Maçã A Marchinha Psicótica do Dr. Soup (Monstro) O particular mundo de Júpiter Maçã. Quem explica? Aonde termina o artista e começa a loucura? Talvez nem o próprio saiba. Esse compacto tem duas peculiares canções que marcam a volta do Júpiter Maçã em estúdio desde o clássico álbum Sétima Efervescência, lançado há quase dez anos atrás. Nesse meio tempo ele adotou a alcunha Júpiter Apple, a língua inglesa e lançou um álbum que flerta com a bossa nova via Stereolab, deixando de lado o rock garageiro debochado pelo qual ficou conhecido desde a época de Cascavallettes (banda gaúcha famosa nos anos 80). Agora com Júpiter Maçã, ele volta a cantar na língua pátria, mas musicalmente continua maravilhosamente imprevisível. É o que notamos ao ouvir “A Marchinha Psicótica do Dr. Soup”, que, como o próprio nome diz, é uma marcha a la jovem guarda com toques tropicalistas e uma letra maluca no melhor estilo psicótico de maçã (sopa de maçã?). Quem espera rock de garagem no b-side, pode desistir. Temos uma canção chamada “Mademoiselle Marchand”, que é o ponto perdido entre Serge Gainsbourg e Arnaldo Baptista. A psicodelia garageira pode ser encontrada no hit radiofônico “Síndrome de Pânico”, que infelizmente ficou de fora do compacto e atualmente só pode ser encontrada em mp3 no site Trama Virtual. www.monstrodiscos.com.br

The Legend! Sings the Songs of Daniel Treacy (Unpopular) The Legend! inaugurou a legendária gravadora Creation em 83, com o compacto “73 in 83”. The

Massive Cure (Unpopular) Imagine uma banda formada por duas irmãs norte-americanas de 11 e 13 anos, que no currículo já contam com a abertura de shows do Pearl Jam e President of the United States of America, capa da revista Plan B, um álbum e esse single lançado na Inglaterra? Esse é o Smoosh. O som? Bateria, teclados e uma voz para lá de fofinha, lógico. Pensou em Hanson? Errou. Aqui a inocência e ingenuidade soam verdadeiras, coisa que não acontece com Hanson. E às vezes isso é o que mais importa. Como se não bastassem, as duas músicas desse compacto são ótimas. Dá para botar as duas numa mix tape ao lado de clássicos do pop e ninguém vai perceber que se trata de garotinhas com menos de 15 anos tocando. www.smoosh.com

The Tears Lovers (Independiente) Essa é fácil um dos melhores singles do ano. “Lovers” dos Tears é como Suede em sua melhor fase. Sem tirar nem pôr. Quer dizer, na época áurea do Suede até os b-sides dos singles eram clássicos, coisa que não anda acontecendo com os singles dos Tears. “Because You’re Worthless” é o melhor nome para lado B lixo que eu já vi. Desprezo total, haha! Pelo menos o vinil é verde e custou apenas 99 pence, coisa linda.

Teenage Fanclub Fallen Leaves / Falling Leaf (PEMA) Como é bom ter a Teenage Fanclub de volta! Depois de quase cinco anos sem lançar nada novo, agora com gravadora própria, a Pema Records, sem pressão de ninguém, eles voltam com esse single que – surpresa! – é puro Teenage Fanclub. Apesar de “Fallen Leaves” não ser nenhum hit do nível de “Everything Flow’s” ou “The Concept”, é uma boa canção pop e mesmo assim está anos-luz a frente de qualquer banda “moderninha” do chamado new rock, é bom frisar. E ainda tem o lado B, inédito e mantendo a tradição dos singles anteriores, tão boa que poderia facilmente ser um lado A. Aliás, quando será que vão lançar uma compilação reunindo todos b-sides? Vai sair um discão, com certeza. Vale dizer que a Slag vai lançar o novo álbum no Brasil. www.teenagefanclub.com

Tender Trap Oh Katrina (Fortuna Pop!) Essa é a nova banda de Amelia Fletcher, que a essas alturas dispensa apresentações. Esse foi o primeiro single, que tem três faixas, sendo que a ótima “Badge of Love” é exclusiva. “Oh Katrina”, excelente canção pop que foi lançada em 2002, soa estranha depois do furacão que acabou com New Orleans. Coincidência nervosa, hehe. Já lançaram um álbum intitulado “Film Molecules” e o novo single deverá ser lançado brevemente pela Matinée Recordings. Tender Trap, assim como toda banda que Amélia já tocou, é essencial. www.fortunapop.com

Wry Come and Fall (Monstro) Antes de começar a tecer elogios e mais elogios para as três canções presentes nesse compacto, vale a pena descrever o pequeno estúdio aonde elas foram gravadas, o qual tive a oportunidade de conhecer. Uma garagem situada no bairro de Stoke Newington em Londres, com capacidade para somente um carro. Como ninguém na casa tinha carro (casa essa que era o QG da Goo Goo Gang de Sorocaba-SP em Londres), encheram a garagem de colchões para abafar o som (uns 20 no mínimo!), bateria, amplificadores, pedais, instrumentos etc. e transformaram o pequeno espaço num estúdio de ensaio. Mal cabiam os quatro integrantes da banda, não tinha janelas, portanto o ar era quente com cheiro de homem suado e colchão velho. Um espaço minúsculo ao lado da bateria para algum eventual expectador, que foi onde fiquei. É lógico que desse espaço só se ouvia a estrondosa bateria do Renatão, notório animal das baquetas. Mesmo assim fui apresentado às novas canções do Wry. Guitar pop clássico e melódico de linhagem barulhenta no melhor estilo Ride, Placebo ou Ash da palavra. Acontece que essas três canções foram gravadas nessa garagem de ensaio, sem maiores segredos. E a gravação está a quilômetros de distância da média nacional. O que acontece na Inglaterra? Será que o ar tem alguma influência ou o acesso a equipamentos de primeira qualidade realmente faz a diferença? Os dois. E talento pra coisa, lógico. Isso Wry tem de sobra. www.wrymusic.com

www.thetears.org

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Palavras: Guilherme Barella Ilustração: mooz

Tudo começou no início dos anos 70, quando o Black Sabbath levou o blues-rock da época para caminhos nunca antes explorados. Pegando pesado, literalmente, no grave e diminuindo o andamento drasticamente, nascia ali o heavy metal. Uma década depois, foi a vez dos Melvins e Neurosis, cada qual por seu caminho particular, levarem os ensinamentos dos mestres a um novo limite. Finalmente, enquanto Seattle via nascer o grunge, a Sub Pop também lançava uma banda que viria a se tornar tão influente em sua esfera quanto qualquer medalhão dos camisas de flanela. O Earth, em muitas épocas, uma bandade-um-homem-só de Dylan Carlson, nunca atingiu o sucesso que seu som revolucionário pedia - a mesma história de sempre -, mas se limites servem para serem quebrados, o Earth desafiou o então estagnado heavy metal e criou algo único, que podemos chamar de drone metal. O que era lento, agora é quase parado. O que era grave apenas, agora faz as caixas de som tremerem. O que era pesado, agora virou imóvel. Bom, se você acha que alguém foi longe demais, sempre aparece um outro para provar que ainda tem muito chão pela frente. Por outro lado, o trash metal norte-americano dos anos 80 fazia algumas bandas pensarem da mesma maneira. Trouble e Saint Vitus davam novo fôlego ao metal criando o doom metal. De volta aos anos 90, o stoner rock surgiu para resgatar as idéias do Black Sabbath e

um círculo se fecha. Porém, já que falamos de extremos, nosso lance é fora dessas fronteiras. Depois de fazer carreira no submundo do doom metal, a dupla Sunn0))) transformou sua obsessão pelo Earth (Sunn era a marca de amplificadores que o Earth usava) em algo que denominaram power ambient. Heavy metal e ambient music nunca fizeram tanto sentido juntos. Stephen O’Malley e Greg Anderson estão entre os grandes responsáveis por esse novo metal: além de liderar um pelotão de novas bandas no gênero, tocam a gravadora Southern Lord, lar não somente de contemporâneos expressivos como Khanate e os japoneses do Boris, mas também dos ícones revitalizados Earth e Saint Vitus. Eles levam a sério o que fazem. Na porta ao lado, o selo Hydra Head fica com a outra metade das bandas que importam, de Isis a Pelican. Se você acha que estou sendo muito específico, eles têm até um sub-selo, a Tortuga, para bandas como Old Man Gloom e 5ive (não a boy-band, engraçadinho). Vale a pena salientar que o Japão importa as melhores bandas do estilo, desde os supracitados Boris ao Corrupted, bandas que compartilham preferências, no mínimo, esquisitas por Nick Drake e Venom. No meio do caminho, lá atrás nos anos 90, vale citar o Sleep, com álbuns com títulos como Volume

One (puro Black Sabbath) e Holy Mountain (que virou nome de mais um selo dedicado ao culto do novo metal). O grupo assinou com uma gravadora multinacional e passou dois anos fumando a pequena fortuna que caiu em seus colos, para finalmente entregar a pérola Dopesmoker (jura?), que acabou mudando de nome para Jerusalem. Nada menos do que uma única canção com mais de uma hora de duração, um épico de metal e maconha. A gravadora até gostou, mas queria dividir em faixas. A banda negou e assim se passaram dois anos, até que um dia eles perceberam que não tinham mais o que fumar e resolveram acabar com o grupo. Aqui no Brasil, a gravadora de Juiz de Fora, Essence Music promete lançar até o final do ano o disco mais recente do Boris, enquanto emplaca discos exclusivos de artistas como Merzbow e Henrik Nordvargr Björkk. No som, os cearenses do Fossil misturam Neurosis e Godspeed You! Black Emperor em canções imensas em baixa freqüência. Post rock + heavy metal = post metal. Pronto, mais um rótulo. Aliás, metal progressivo é um bom rótulo também. De São Paulo, o Elma é um quinteto com três guitarristas e integrantes de bandas como Are You God? e Polara. Não tão viajante, mas tão lento, pesado e barulhento quanto uma mistura de Melvins e Pelican. Ambos os grupos estão preparando seus discos de estréia, pelo selo Peligro / Open Field.

O novo metal em 13 discos: Black Sabbath: Black Sabbath (Vertigo; 1970) Saint Vitus: Heavier Than Thou (SST; 1991) Melvins: Lysol (Boner; 1992) Earth: Earth 2 (Sub Pop; 1993) Neurosis: Through Silver in Blood (Relapse; 1996) Boris: Absolutego (Special Low Frequency Version) (Southern Lord; 2001)

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Isis: Oceanic (Ipecac; 2002) Sleep: Dopesmoker (Tee Pee; 2003) Pelican: Australasia (Hydra Head; 2003) Sunn0))): White 2 (Southern Lord; 2004) Corrupted: Se Hace por los Sueños Asesinos (HG Fact; 2004) Asva: Futurist’s Against the Ocean (Web of Mimicry; 2005) Om: Variations of a Theme (Holy Mountain; 2005)


Palavras: Jarmeson de Lima | Foto: Kleide Teixeira / Divulgação | Ilustração: mooz

Palestra e Show: Recife - 17/10/2005 Sim, Tom Zé é um ótimo objeto de estudo. E um grande professor ao mesmo tempo. Em cada música dele, você encontra uma lição. E cada show se torna uma palestra. E é preciso estar bem atento a tudo o que ele tem pra nos ensinar porque em qualquer conversa, por mais banal que seja, ele tem sempre algo interessante a dizer. Durante a sua passagem por Recife neste ano, tive a oportunidade de fazer três coisas: entrevistá-lo, assistir a uma palestra dele e ainda ao show, que foi aberto ao público na Rua da Moeda. Vale lembrar que Tom Zé é um artista bissexto em terras recifenses. Suas passagens por aqui são raras, porém memoráveis. O que faz com que quase toda a cidade altere a sua rotina unicamente para encontrá-lo. “Recife está na minha história. Aqui nasci de novo, artisticamente, e aqui fui salvo pelos médicos do Unicordis, há uns três anos. Quer mais do que isso?”, relembra ele. A convite da Prefeitura do Recife, Tom Zé veio à cidade para proferir uma palestra dentro da Semana de Artes Visuais em que falasse sobre plástica sonora e arte visual. O convite e o motivo da palestra podem parecer estranhos, mas Tom Zé jamais se abalaria com qualquer tema. Inclusive porque ele considerou o tema um tiro no alvo certo: “Adolphe Appia, que foi um dos primeiros teóricos do teatro moderno, tinha dito que a música é uma arte temporal; as artes plásticas são artes espaciais; e o teatro é uma arte espaço-temporal. Fiquei tão danado com esse maldito Appia que lutei imensamente, no princípio de ‘Estudando o Pagode’, para fazer a música dançar entre as qualificações de arte temporal e arte espacial”. E mais, mesmo tendo arte e performance como temas principais em sua palestra no Recife, Tom Zé também falou sobre sexo, relembrando outra palestra que participou discursando para universitários em São Paulo. “Tem mulher que diz que deu, mas que não gozou. Ela então é virgem, porque fez sexo, não fez amor”, argumenta ele. E entre um e outro momento e frases divertidas, Tom Zé tenta explicar ao público o que é “estudar o pagode”: “‘Estudando o Pagode, Segregamulher e Amor’ tem um tema importante, como vocês sabem. Cada relação humana tem sutilezas, brutalidades e filigramas jamais suficientemente estudadas e cantadas; a relação homemmulher, notadamente”. Além disso, para a surpresa do público, vem defender os pagodeiros a seu modo: “Quando fiz o disco sobre samba, não havia uma semana em que farpas deixassem de ser atiradas a sambistas e fãs de sambistas. E o samba sempre teve uma riqueza extraordinária, com tantas ramificações e diversidade. Agora é a vez do pagode, feito por pessoas de pouca

escolaridade, criadas pela cultura de massa, viver essa confusão lato-sensu. O pessoal do pagode poderia fazer mais e melhor, se soubesse e pudesse. E os intelectuais ainda querem que eles façam música de qualidade”. Como Tom Zé tornou-se uma referência musical sem espaço ou tempo definido, tentei saciar minha curiosidade sobre alguns aspectos de sua carreira. Quando lhe perguntei se, nesses mais de 30 anos, ele se sentiu deslocado do cenário musical brasileiro, ele respondeu: “Eu comecei sem casa nem teto. O que eu fazia não era classificável. O Tropicalismo me recebeu e me deu classificação temporária. A dificuldade de classificação sempre foi um problema para o que eu faço; as pessoas querem dar nomes a tudo. Mas o que me afastou dos meios de comunicação foi a vontade de experimentar. E não sei fazer outra coisa a não ser gostar de ir adiante, observar. Assim, não tem nada de pretensão, é jeito. Quero provocar interesse em mim mesmo e nas pessoas”. E de suas inspirações para compor, ontem e hoje? “Os acontecimentos de minha cidade Irará me inspiravam. Os cantos de Irará me motivavam. As notícias do mundo me inspiram. Mas o que eu ainda não sei fazer é ter um grande estímulo”.

“Não sei fazer outra coisa a não ser gostar de ir adiante. Não tem nada de pretensão, é jeito. Quero provocar interesse em mim mesmo e nas pessoas” Tom Zé

Longe das cadeiras e das mesas onde aconteceu a palestra, Tom Zé encena em palco a tal opereta que “Estudando o Pagode” pretende ser. Canta quase todas as músicas do disco e faz performances com suas backing-vocals, interagindo com o público num conjunto de pergunta/ resposta/coro. Se dá ao luxo ainda de cantar “Politicar”, do Com Defeito de Fabricação, e alfinetar a complicadíssima situação política nacional. “Vou fazer um discurso aqui. Espero que vocês aprovem. Eu ia discursar na ONU, mas depois que o Lula e o Severino Cavalcanti discursaram lá, acho que só me resta agora discursar no puteiro”, declara. Mas o show não foi a aula que todos esperavam, o som deixou Tom Zé, literalmente, na mão com o microfone. Ao final do show, anunciou que estaria dando autógrafos a cada um que comprasse seu disco novo. “Quem não tiver dinheiro agora, peça emprestado, faça cotinha, passe um cheque, mas não deixe de comprar o disco”, pedia o cantor com jeito de marketeiro improvisado, mas com boas intenções. Sua simplicidade anda sempre em parceria com uma sapiência que vez por outra nos surpreende com uma boa tirada, uma citação bibliográfica ou uma experiência de vida. Definitivamente, Tom Zé é um grande professor.

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Ilustração: Michael Arms ( michael@lobo.cx )

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