O principio do fim apocalipse manel loureiro doval

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30 de março 20h41 Fazia calor no fundo daquela pequena vala. O sol brilhava inclemente no meio de um céu azul limpo e caía a prumo sobre Pritchenko e eu, deitados como lagartixas ao lado da cada vez menor poça de água de chuva, que se evaporava a olhos vistos naquela temperatura asfixiante. O ar vibrava com o calor, e os escombros que estavam a mais de dez metros de distância pareciam tremer no ar. O silêncio era absoluto, só quebrado pelos ocasionais estalos e rangidos das ruínas quando desmoronavam pequenos montes de pedras e pelo desagradável zumbido das moscas. Houve um momento em que ouvimos, ao longe, o latido de vários cães, mas o som se perdeu na distância depois de alguns minutos. Prit e eu tentamos construir um pequeno guarda-sol com os restos de um lençol rasgado, mas não tínhamos como fixá-lo, e, finalmente, desistimos. Estávamos fracos demais para fazer alardes de engenharia. Na realidade, nossa situação era lamentável. Estávamos sozinhos, praticamente desarmados, perdidos no meio de uma cidade abandonada e parcialmente arrasada, cercados de milhares de não mortos, esgotados, famintos e com uma poça d'água suja como única bebida. Não eram exatamente férias em Acapulco. Suávamos em bicas naquele calor tórrido. Eu fui até a borda da poça e bebi um pouco de água, fazendo uma concha com as mãos. Pude ver meu reflexo na superfície. Sorri. Minha imagem e a de Pritchenko eram assombrosamente parecidas. Após tudo o que havíamos passado, os dois estávamos com a barba incipiente, o cabelo sujo e embaraçado, a roupa esfarrapada (no meu caso, uma sunga e uma camiseta rasgada, já que o neoprene havia ficado abandonado naquele armário), a pele encardida e coberta de fuligem, as mãos sujas com as unhas quebradas, as feições afiladas pela fome e, imagino, um cheiro que em outras épocas eu qualificaria de nauseabundo; um mendigo de antes do Apocalipse passaria por um verdadeiro gentleman perto de nós. Disse a Víktor que, se um cliente do meu escritório pudesse me ver nesse estado, não me reconheceria. Rindo, ele me explicou que possivelmente Siunten também não o contrataria com essa pinta. Fiquei pensativo, recordando que, tempos antes, havia pensado em perguntar ao ucraniano quem, diabos, era Siunten, pois esse nome não me era absolutamente familiar. Na realidade, pensei mais friamente, não sabia nada do meu pequeno companheiro, além de que havíamos passado duas semanas de terror convivendo e que eu devia minha vida a ele pelo menos duas vezes. Abri a boca para lhe perguntar, mas bem nesse momento as sirenes do Zaren Kibish voltaram a soar no silêncio da tarde daquela cidade morta. O apito, rude e assustador, espalhava-se por toda a cidade. E incrível como podemos


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