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Festival Cultura e População de rua: Fome de quê?

Evento contou com apresentações artísticas, tendas de serviços e debates sobre o acesso à cultura pelas pessoas que vivem em situação de calçada em São Paulo

Por Sônia Xavier, Thainara Sabrine e Victória da Silva

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Apopulação em situação de rua no Brasil superou o número de 281 mil pessoas, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2022. A região sudeste concentra mais da metade desse grupo (151 mil) e, somente no estado de São Paulo, são mais de 80 mil indivíduos vivendo em situações precárias. De acordo com dados do CadÚnico (2023), a população negra é maioria em situação de rua, sendo 7 em cada 10 moradores.

Além das dificuldades de acesso à alimentação e saúde, essa população é privada, muitas vezes, de vivenciar experiências culturais pela cidade, sendo extremamente difícil encontrar medidas que as incluam em espaços culturais no país.

Como tentativa de driblar essa dificuldade, o Museu da Língua Portuguesa e o Sesc São Paulo organizaram o primeiro Festival Internacional de Cultura e População em situação de rua. O evento aconteceu entre os dias 16 e 18 de agosto, no centro de São Paulo e contou com apoio de ONGs e instituições que prestam serviços para pessoas em situação de calçada, além da prefeitura da cidade.

O Festival contou com shows musicais, apresentações artísticas, tendas de serviços, almoços e mesas de debate sobre o direito ao acesso à cultura pelas pessoas que vivem em situação de rua.

existência de espaços, para que a população de rua possa se expressar, deve ser contínua.

Opinião compartilhada com Rebecca Maurício, integrante do Núcleo Práticas de Redução de Danos (Centro de Convivência É de Lei), que ressalta a importância de tornar os ambientes culturais já existentes mais inclusivos para pessoas em situação de rua: “tornar esses espaços seguros e acolhedores para pessoas em situação de calçada, é um dos pontos a se discutir”.

Maurício pontua que transformar o pensamento sobre o que é cultura de forma não elitizada é um mecanismo que contribui para a redução do preconceito de quem vive à margem. “Múltiplas expressões culturais e linguagens artísticas surgem em contextos em que as pessoas estão muito vulnerabilizadas, a cifra hip-hop, o samba, slams. Essas expressões inclusive são símbolos de resistência política [..] estar aberto a olhar para as pessoas em situação de rua para além dos estigmas do ‘cracudo’, do ‘criminoso’, mas como sujeitos potentes é um outro ponto importante”.

Pedro* (nome fictício), morador de rua e visitante no evento, afirmou que uma das maiores dificuldades para participação em eventos como esse é a discriminação, “muita gente não vem, velho, porque tá sendo muito discriminado. Vamos supor, você vai numa festa, você é discriminado, você voltaria lá de novo?”.

já tem voz, o festival está ampliando essas vozes e potências”.

A cultura está essencialmente ligada à cidadania. A falta de acesso dessas pessoas caracteriza desumanização, gerando mais um motivo para o afastamento delas da sociedade. As iniciativas de programas como o Pop Rua, É de Lei e outros, demonstram o que poderia ser feito em maior quantidade através de políticas públicas que efetivamente contribuam para o processo de pertencimento das pessoas vulnerabilizadas à sociedade. A cultura não está relacionada apenas ao ato de fazer ou apreciar arte, mas também de se reconhecer e encontrar acolhimento dentro de seu próprio território.

O festival aconteceu no centro da cidade e utilizou espaços do Museu da Língua Portuguesa e Sesc Bom Retiro

O Padre Júlio Lancellotti, ativista na causa, em entrevista ao Contraponto, reconhece o evento “como uma demonstração de que a população de rua constrói e vive a sua cultura”, mas ressalta que essas ações não podem ser esporádicas e que a

Laura Vasconcelos, estudante de psicologia e visitante do evento, menciona que o desenvolvimento de eventos como do festival possibilita que as outras pessoas vejam a vida de moradores em situação de calçada – que são invisibilizados pela sociedade, pelos “olhos” deles. “Além dessa visibilidade, a cultura pode tirar pessoas da rua, ou tornar essa experiência menos dolorosa”.

O jornalista e co-fundador da ONG SP Invisível, Vinicius Lima, diz que a parte mais importante do evento é a promoção da cultura produzida pelas pessoas na rua, “a galera da rua já faz arte, pintura, música, teatro [...] porque é aquela ideia, ninguém dá voz para ninguém, todo mundo

“Sem dúvida, este foi um acontecimento muito importante que valorizou as construções já presentes no território, mas que, por ter sido organizado pelo MPL e pelo SESC São Paulo, ganha a afirmação de instituições culturais públicas e reconhecidas, tomando para si a responsabilidade do debate da garantia de direitos da população de rua. O evento frisou também a importância de construções intersetoriais, que consigam dar conta de um cuidado integral de fomentar a cultura, e que o exercício da cidadania se faz em conjunto com a assistência social, com a saúde, com a defensoria pública, com acesso a banho e alimentação digna”, complementa Rebecca Maurício.

Um palco em frente ao Museu foi montado para que as pessoas se apresentassem

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