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Contraponto - edição 137

Campanha busca diminuir números exorbitantes, direcionando vítimas para o início de um suporte assistencial, jurídico e psicológico

Por Gabriella Maya, Lis Voltas e Nicole Domingos

No cenário cotidiano das cidades, as queixas sobre o transporte público são frequentes: superlotação, atrasos e falta de segurança. No entanto, quando o foco se volta para as experiências das mulheres nesse ambiente, a discussão transcende os inconvenientes tradicionais. Para elas, a questão dentro dos coletivos está muitas vezes ligada ao medo e à ameaça de assédio que permeia suas jornadas diárias.

Dados da ONU colocam o Brasil na 5ª posição entre os países com maiores índices de violação dos Direitos das Mulheres. Números compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, mostram que 18,6 milhões de brasileiras sofreram violência física, psicológica ou sexual. Quando colocados dentro dos transportes públicos e privados, os números extrapolam e 97% das mulheres dizem já ter sofrido algum tipo de assédio.

Diante disso, o projeto “Justiceiras”, idealizado pela Promotora de Justiça Gabriela Manssur, criou uma rede de apoio com mais de 15 mil voluntárias, entre advogadas, médicas, psicólogas e donas de casa, dispostas a oferecer suporte online a todas que fizerem denúncias anônimas. Uma rede de mulheres unidas para informar, apoiar e fortalecer todas que estejam em situação de violência.

O projeto já ajudou mais de 14.000 mulheres, e as denúncias podem ser feitas através do site justiceiras.org.br, pelo número de WhatsApp (11) 996391212 ou pelo QR Code espalhado nos transportes públicos pela campanha “Coletivo de Respeito”. Pelo site, é possível se tornar uma voluntária e fazer parte da rede de apoio.

Com o objetivo de aumentar o alcance do projeto, o “Coletivo de Respeito” surgiu por parte da montadora de ônibus Mercedes-Benz, que expôs um QR Code à vista nos ônibus e metrôs de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. O código, ao ser lido pela câmera do celular, irá direcionar a vítima para o formulário das Justiceiras, o qual, ao ser preenchido, te direciona para o início de um suporte assistencial, jurídico e psicológico, que ajuda a vítima ou testemunha a pedir ajuda.

Estado e Sociedade: Uma Parceria Crucial

Clicie Carvalho, advogada e gestora do Projeto Justiceiras, destaca a importância da colaboração entre o Estado e a sociedade civil para combater a violência. Ela enfatiza a necessidade de regulamentações mais detalhadas para crimes como importunação sexual, a fim de garantir a punição adequada dos agressores. “Educação, políticas públicas e o envolvimento da comunidade são vitais para combater e prevenir crimes sexuais”, pontua.

A advogada deixa um chamado às mulheres que sentem medo ou vergonha ao denunciar, ressaltando a importância da união para pressionar por soluções, e encoraja as mulheres a falarem, usando os canais seguros fornecidos.

“Nesta batalha crucial contra o abuso, todos os projetos criados e geridos por mulheres para mulheres, representam esperança e empoderamento, e unem forças para transformar a realidade e construir um futuro mais seguro e respeitoso para todas”, finaliza Carvalho.

Consequências ocultas: saúde emocional de quem sofre o assédio

A importunação sexual dentro dos ônibus, trens e metrôs é uma realidade que causa impactos emocionais e físicos significativos. “Entre 10 pacientes, 10 já relataram abuso dentro e fora do transporte público. Seja na fase adulta ou na infância. Isso demonstra a prevalência do problema e a necessidade urgente de abordagens eficazes”, é o que aponta a psicanalista Simone Campos.

Ao explorar como essas vítimas reagem ao abuso, Campos enfatiza a complexidade das respostas emocionais: “Cada uma tem sua maneira de sentir o medo, mas raramente a mulher age com reatividade, muito por estar na maior parte das vezes sozinha, e sentir que pode correr o risco de ser julgada, mesmo sendo totalmente inocente. Essa reatividade contida pode levar a consequências emocionais e físicas na saúde dela.”

Diante da questão de campanhas como solução, a psicanalista também aponta para o aspecto da segurança e confiança: “Soluções são sempre bem-vindas, principalmente quando se trata do bem-estar da mulher, mas para haver mais denúncias é só se ela se sentir segura e protegida.”

A Voz Delas

Em entrevista para o Contraponto, a diarista Daniela compartilha seu relato dentro dos transportes públicos na capital paulista: “Comecei a pegar ônibus para ir trabalhar bem jovem. Naquela época eram bem mais lotados e não tinha nenhuma campanha de combate ao assédio, isso não era falado. Hoje ainda acontece, mas não é mais tão presente como quando eu era jovem”, relata.

Ela observa que apesar dos desafios, houve uma redução na ocorrência desses incidentes. “Quando eu era adolescente, tinha muita dúvida, ficava com muita vergonha e não sabia como falar, como me defender. Mas eu acho que hoje os homens estão mais apreensivos”. Quando questionada sobre o projeto “Justiceiras”, Daniela confessa que não está familiarizada com a iniciativa. Outra vítima de importunação sexual, Marcela, estudante de nutrição, também compartilha seu relato, quando um homem a abordou com comentários inapropriados: “Eu andava de transporte público todos os dias no ano passado e aconteceu de eu ser assediada no ônibus”, conta.

Em um cenário onde a justiça se faz pouco presente, Simone Campos destaca a necessidade de mais atenção por parte das autoridades: “Todas merecem ser notadas e tratadas com dignidade por parte dos governantes, com leis mais duras e que tragam medo aos abusadores”, finaliza a psicanalista.

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