Jornal Bienal 12 - Bienal de Artes do Mercosul

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Confundo os casais. Há uma grande quantidade de namorados. Há apaixonados? Margarita com Antonio, Claudia com Bartolomé, Sonia com Pedro, Isabel e Ricardo, e assim vai, e assim por diante. Qual é a linguagem deste amor?, me pergunto enquanto os observo, pois nem palavras completas têm, só possuem casualmente o extravio de uma sílaba terrivelmente fraturada. Então, qual é o acordo?, a partir de qual instante?, qual estética amorosa os mobiliza? Vejo diante de mim a matéria da desigualdade quando eles rompem com os modelos estabelecidos, presencio a beleza aliada à feiura, a velhice anexada à juventude, a relação paradoxal do manco com a caolha, da letrada com o analfabeto. E aí, nessa descompostura, encontro o cerne do amor. Compreendo exemplarmente que o objeto amado é sempre uma invenção, a desprogramação máxima do real e, nesse mesmo instante, devo aceitar que os apaixonados possuem outra visão, uma visão misteriosa e subjetiva. No fim das contas, os seres humanos se apaixonam como loucos. Como loucos.

DIAMELA ELTIT

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“Anteontem e ontem à noite e hoje de manhã... Anteontem e ontem à noite e hoje de manhã...”

canta uma das asiladas pelos corredores do pátio de uma das seções. Canta uma toada, uma toada que me parece simétrica ao seu corpo que se dilata, que se contorce devido a uma paralisia lateral, um corpo parcialmente impedido, mas não por isso menos afetuoso. Canta com uma voz sentimental que me emociona. Emocionada pelo seu canto, cumprimento o último casal da manhã. Não se lembram há quanto tempo estão juntos: “Muito... muito”, dizem.

BIENAL 12 FEMININO(S): VISUALIDADES, AÇÕES E AFETOS


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