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Maria da Gloria Faria
Breves Comentários sobre a Lei nº 14.460, de 25 de outubro de 2022, que transforma a ANPD em autarquia de natureza especial
Maria da Gloria Faria1
Resumo: Os presentes comentários visam destacar as mudanças introduzidas pela Lei 14.460 de 25 de outubro de 2022 nas disposições da Lei 13.709/18 (LGPD), com maior ênfase para a transformação, definitiva, da Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD - em autarquia de natureza especial, com gestão administrativa e financeira descentralizadas, como o são as demais autarquias. O texto aprovado, fruto da conversão da MP - 1.124 de 13 de julho de 2022, não sofreu emendas, mantendo-se fiel à proposta encaminhada ao Congresso pela Presidência da República.
Abstract: The present comments aims to highlight the changes introduced by Law 14.460 of October 25, 2022, in the provisions of Law 13.709 of August 14, 2018, with greater emphasis on the definitive transformation of the National Data Protection Authority - ANPD - in an autharchy of special nature, with decentralized administrative and financial management as are the other autharchies. The approved text, resulting from the conversion of PM - 1.124 of July 13, 2022, has not been amended, remaining faithful to the proposal submitted to Congress by the President of the Republic.
Palavras-chave: Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ANPD, Autonomia administrativa e financeira, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, LGPD.
Keywords: National Data Protection Authority, NDPA, Administrative and financial autonomy, General Law of Personal Data Protection, GDPR.
Sumário: 1. Introdução; - 2. Proteção de Dados no Brasil; - 3. Lei Nº 14.460 de 25 de outubro de 2022; - 4. Transição para o novo modelo, - 5. Atuação da ANPD - 6. Conclusão.
1 Maria da Gloria Faria - advogada, bacharelada pela UERJ, pós-graduada em Direito Empresarial pela UCAM, pós-graduada em Seguro pelo IAG Master Seguros da PUC-Rio, especialista em Direito Previdenciário pela UERJ, Conselheira do Instituto Ação pela Paz, conselheira da AIDA Brasil. Sócia do escritório MOTTA & FARIA Advocacia.
1. INTRODUÇÃO
A Medida Provisória nº 1.124/22 teve o texto aprovado pelo Congresso Nacional (ambas as casas, Câmara e Senado) sem emendas, sendo convertida na Lei 14.460 que Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e transforma a Autoridade Nacional de Proteção de Dados em autarquia de natureza especial e transforma cargos em comissão.
Possivelmente, a alteração mais importante trazida pela acima referida lei, a constante de seu Art.1º, que determina: Art. 1º Fica a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) transformada em autarquia de natureza especial, mantidas a estrutura organizacional e as competências e observadas os demais dispositivos da Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018.
A transformação da ANPD em autarquia especial, (...) dotada de autonomia técnica e decisória, com patrimônio próprio (...), solidifica um caminho próprio para um modelo de órgão regulador mais compatível com os termos e ações de proteção de dados em vigor na União Europeia- e tornando-o mais aderente aos parâmetros da OCDE.
2. PROTEÇÃO DE DADOS NO BRASIL
A proteção de dados pessoais, em nosso País, tem como marco regulatório a Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018, nomeada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que, inclusive, alterou a Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. 2
2 Lei 13.709/2014 - Art. 7º (...) X – (...) exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, ao seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei e na que dispõe sobre a proteção de dados pessoais. (Vigência) Art. 16. (...) II – (...) de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular, exceto nas hipóteses previstas na Lei que dispõe sobre a proteção de dados pessoais.
Por sua vez, a Lei 13.853, de 18 de julho de 2019, oriunda da Medida Provisória 869, de 2018, alterou à redação da LGPD, inclusive, para instituir a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados prevista no Art. 55-A e seus parágrafos, e o Art. 55-C e seus seis incisos, que trata da composição da ANPD.
Ainda que a LGPD, tenha tido acrescida a seu texto, desde 2019, a criação da ANPD, esta só veio a dar os primeiros passos, e ser, efetivamente, criada em novembro de 2020.
3. LEI Nº 14.460/22, ALTERAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DA ANPD
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, nasceu órgão da administração pública federal integrante da Presidência da República3, e já contava, desde 2019, por conta da Lei 13.853, com a previsão de vir a ser, dentro de um período de 2 anos, transformada em autarquia especial.
A natureza jurídica de autarquia especial coloca a ANPD mais próxima de outras autarquias fiscalizadoras nacionais e europeias, vindo a conferir, conforme as próprias palavras do Poder Executivo, mais confiabilidade ao sistema regulatório brasileiro de proteção de dados.4
A nova redação dada pela MP nº 1.124/22 ao Art.55-A, aprovada sem emendas e convertida na Lei 14.460/22, além de atribuir forma jurídica mais adequada ao órgão regulador, aplica a boa técnica legislativa ao englobar as prerrogativas de autonomia técnica e decisória da autarquia, bem como a origem e independência de seu patrimônio.
Art. 55-A. Fica criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, autarquia de natureza especial, dotada de autonomia técnica e decisória, com patrimônio próprio e com sede no Distrito Federal.
3 Art. 55-A. Fica criada, sem aumento de despesa, a Autoridade Nacional de Proteção de dados (ANPD) órgão da administração pública, integrante da Presidência da República (Incluído pela Lei n° 13.853 de 2019). 4 Rádio Senado, Pedro Pincer, em 18/10/2022, às 21h10.
Ainda no caminho da melhor técnica legislativa, trazendo clareza e objetividade, o Art. 55-C, que trata da composição da ANPD, teve a redação do seu inciso V alterada para designar uma Procuradoria como órgão de assessoria jurídica, cujos procuradores a representarão judicial, extrajudicial e consultivamente. Art. 55-C. A ANPD é composta de: (...) V – procuradoria; e (...)
Relativamente às funções e cargos, assim são tratados nos artigos abaixo transcritos.
Art. 2º. Fica criado 1 (um) Cargo Comissionado Executivo nível 18 (CCE-18) de Diretor-Presidente da ANPD.
Parágrafo único – O cargo de que trata o caput deste artigo fica criado sem aumento de despesas, e diante a transformação de 1 (um) CCE-17 e de 1 (um) CCE-2 alocados na estrutura da ANPD.
No que tange às determinações sobre o corpo técnico da ANPD, está previsto ainda, na Lei, que sejam alocados na autarquia servidores ingressantes da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, observado o disposto na Lei nº 7.834, de 6 de outubro de 1989.5
4. TRANSIÇÃO PARA O NOVO MODELO
Vale ressaltar o tratamento, um tanto vago quanto ao lapso temporal, dado à transição da ANPD para autarquia nos Art. 4º, Art. 5º:
Art. 4º. A estrutura regimental da ANPD como órgão integrante da Presidência da República continuará vigente e aplicável até a data de entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD como autarquia de natureza especial. Art.5º. Ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da SecretariaGeral da Presidência da República e do Diretor-Presidente da ANPD estabelecerá o período de transição para o encerramento da
5 Art. 6º da Lei 14.460.
prestação de apoio pela Secretaria Especial de Administração da Secretaria-G da Presidência da República à ANPD.
Assim, integram o conjunto de providências para que a ANPD se torne, efetivamente, uma autarquia, a definição de uma Estrutura regimental e Ato Conjunto do Ministro de Estado Chefe da SecretariaGeral da Presidência da República.
5. ATUAÇÃO DA ANPD
No atual modelo, a ANPD avançou na produção de materiais informativos, educativos, de orientação de qualidade. É possível citar, como exemplo dessa produção, os guias orientativos publicados pela ANPD com o objetivo de esclarecer dispositivos e conceitos da LGPD.6
Como já mencionado, a ANPD, buscou a proximidade e o empenho conjunto com seus regulados para divulgar regras de boas práticas e incentivar o uso de ferramentas de compliance para uma eficácia maior no tratamento preventivo, com menor atuação repressiva.
MARTHA LEAL expõe7 a vasta produção da ANPD até então, concluindo que a mensagem principal, em 2021, foi sobre a importância da conscientização, da orientação e da mitigação dos riscos. Foram publicadas 17 portarias; quatro acordos de cooperação técnica, com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e já se anuncia o acordo de cooperação técnica com o Ministério da Educação e Cultura sobre a orientação de dados pessoais de crianças em fase escolar; seis materiais educativos com parceiros, entre guias e cartilhas; realizadas sete consultas à sociedade, incluindo tomadas de subsídios, consultas e audiências públicas; tendo sido recebidas mais de 3,1 mil demandas,
6 Site oficial da ANPD https://www.gov.br/anpd/pt-br. 7 Martha Leal, é advogada especialista em proteção de dados, pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, mestranda em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlántico e pela Universidad Unini México e pósgraduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília-IDP, na Revista Consultor Jurídico em artigo de janeiro de 2022.
incluindo dúvidas e consultas relativas ao cumprimento da LGPD, pedidos dos titulares e denúncias de descumprimento da lei.
6. CONCLUSÃO
É possível concluir-se que a ANPD, além das ações de conscientização e prevenção, vem se preparando para uma atuação mais efetiva. Os quatro Relatórios de Análise de Impacto Regulatório8 apontam no sentido de acelerar a avaliação e o estabelecimento das sanções administrativas. Enfim, deduzir-se que sua transformação em autarquia com autonomia administrativa e financeira, corpo técnico e verbas próprias, deverá contribuir para que isso ocorra em menor tempo.
As novas disposições e alterações introduzidas pela Lei 14.460/22 vieram, atender a previsão legal de 2019, de transformar a autoridade fiscalizadora em autarquia e dar-lhe autonomia administrativa e financeira dentro de dois anos.
Agora que a transformação da ANPD em autarquia já existe na letra da lei, que entrou em vigor no mesmo dia de sua publicação, fazse necessária que a transformação ocorra de fato, com uma previsão clara de data dos prazos para a transição.
Os desafios são muitos e permanentes. Dentre eles, a concorrência que a ANPD sofre na sua competência punitiva, visto que o Judiciário vem aplicando a LGPD em queixas e conflitos judicializados. Olhandose para a experiência internacional, é possível avaliar a dificuldade de se alcançar um equilíbrio entre tantos agentes econômicos, equilíbrio este até hoje não dominado pela União Europeia e sobretudo por alguns de seus países membros, tais como França e Alemanha. Ainda assim, avançou-se muito em tempos difíceis de pandemia, perdas econômicas e financeiras, e até mesmo, particularmente no caso de nosso País, que viveu uma conjuntura de incerteza, no turbilhão dos desafios de um ano eleitoral.
8 https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes [Acesso em 27/10/2022].