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César Rodríguez Garavito

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Thiago Amparo

Thiago Amparo

“Percebemos que a democracia, na verdade, é incompleta se não vem com igualdade social”

César Rodríguez-Garavito

COLÔMBIA ADVOGADO PRESIDENTE E DIRETOR DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E JUSTIÇA GLOBAL DA ESCOLA DE DIREITO DA NYU, FOI DIRETOR DA ONG DEJUSTICIA

ELO ENTRE UNIVERSIDADE E ATIVISMO DEVE ESTAR NA BASE DOS DIREITOS HUMANOS

Professor e parceiro da Conectas diz que a organização orienta mudanças ao aproximar pesquisadores e movimentos de base

Reduzir a desigualdade entre organizações de direitos humanos do Sul Global e do Norte sempre esteve entre os mais ambiciosos objetivos da Conectas. Essa desigualdade tem se expressado historicamente tanto no protagonismo das vozes que revelam violações e reivindicam direitos como nos fluxos de financiamentos destinados a lidar com as violações e a busca da garantia desses direitos. “Essa relação segue sendo desigual, mas não tanto como há dez anos. Houve um avanço na medida em que organizações da sociedade civil, como a Conectas, passaram a realizar um trabalho mais articulado com outras organizações do Sul Global”, afirma César Rodríguez-Garavito, professor e diretor do Centro de Direitos Humanos e Justiça da New York University (NYU). César aponta como exemplos desse pioneirismo da Conectas o programa de estágios e intercâmbios com outros países de língua portuguesa e o programa de incidência em política externa em direitos humanos do Brasil, além de destacar o impacto decisivo do Colóquio Internacional de Direitos Humanos na geração de uma solidariedade Sul-Sul. “A Conectas esteve na vanguarda deste tipo de programa”, afirma César, que atualmente é membro do Comitê Externo de Acompanhamento da Litigância Estratégica da organização. A aprendizagem cruzada e a circulação de ideias acerca de jurisprudências em direitos humanos entre países como África do Sul, Brasil, Índia e Colômbia resultaram em

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maior presença e visibilidade do Sul Global nos processos de reforma legal desses países. “A Conectas tem ainda um mecanismo específico, que é preciso reconhecer: a Revista Sur, um espaço único, que não existe nem sequer no Norte Global”, aponta. “Porque não há uma revista como essa, que se publique em português, inglês e espanhol, com autores e autoras do Sul Global. Só a Sur”, admite César, que também é diretor editorial da plataforma Open Global Rights. “Hoje em dia, as ideias produzidas na América Latina, Ásia e África circulam mais, são mais visíveis e chegam mais rápido não somente ao restante dos países do Sul, como também naqueles do Norte.” César lecionava na Universidade de los Andes, em Bogotá, na Colômbia, onde criou o Programa de Justiça Global e Direitos Humanos. Quando teve seu primeiro contato com a Conectas, corria o ano de 2008, e ele desenvolvia uma pesquisa sobre formas de educação jurídica inovadoras na América Latina. “A Revista Sur me chamou a atenção por ser um exemplo de inovação em comunicação na área dos direitos humanos”, lembra César, que contribuiu com a Sur em diversas oportunidades e havia cofundado a ONG DeJusticia - Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad, em Bogotá. A confluência entre universidade e sociedade civil está no centro do trabalho de César e faz parte da gênese da Conectas, que trabalha com esta intersecção desde sua fundação, em 2001. “Assim como a Conectas, eu sempre tentei cultivar esse — p.72 lugar híbrido dos direitos humanos”, afirma. Para ele, quem atua em direitos humanos precisa estar atento às mudanças geopolíticas e se adaptar aos novos tempos. Em 2017, o 15° Colóquio apontava para o encolhimento do Estado como fator de enfraquecimento do acesso a direitos humanos no mundo.

Essa configuração global, bastante presente na América Latina, impõe às organizações de direitos humanos a necessidade de ocupar os espaços que antes eram preenchidos pelo Estado. Para César, a forma de incidir nesse contexto e evitar retrocessos é fortalecer a colaboração entre instituições. Em 2018, ele se mudou para Nova York e aumentou seus laços com a Conectas. Colabora com a instituição na área do litígio estratégico e em temas relacionados às mudanças climáticas. “Tenho muito apreço pela evolução da Conectas, que seguiu como uma organização com visibilidade internacional especialmente inovadora e criativa.” Esse perfil da organização, avalia ele, é cada vez mais importante. “Nos últimos dez anos, o contexto e as ferramentas mudaram na área dos direitos humanos. No começo dos anos 2000, houve um período de expansão e de otimismo em relação aos instrumentos e normas de direitos humanos

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como linguagem universal”, afirma. Criaram-se normativas internacionais para balizar denúncias enquanto a democracia parecia um destino certo. Depois, com o avanço para democracias liberais e autoritarismos populistas, que favorecem polarizações, esse processo se desacelerou. A democracia já não parece tão garantida assim. “Percebemos que a democracia, na verdade, é incompleta se não vem com igualdade social. Os direitos civis têm de estar acompanhados dos direitos econômicos e sociais”, afirma. “Vivemos um tempo de confrontação da realidade, o que fez com que o ativismo em direitos humanos se aproximasse de outros movimentos sociais, como o dos povos indígenas e aquele contra mudanças climáticas”, diz. “Esses movimentos mostraram novas formas de mobilização que precisam ser incorporadas pelos direitos humanos.” “Creio que a Conectas foi pioneira em dar ênfase às ferramentas jurídicas num modelo de ativismo híbrido e amplificado por meio de um trabalho sólido de comunicação. Mais recentemente, incorporou articulações com movimentos de base e se colocou adiante de outras organizações de direitos humanos.”

LEIA MAIS

+ Desenvolvimento e direitos humanos, por Juana Kweitel, César Rodríguez-Garavito e Laura Trajber Waisbich - Sur 17 (2012)

+ O futuro dos direitos humanos, por César Rodríguez-Garavito - Sur 20 (2014)

Por Maria Carolina Trevisan

Participantes de XI Colóquio visitam o Memorial da Resistência, antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), um dos símbolos da repressão política da ditadura militar em São Paulo. Foto: Leandro Viana/Conectas - novembro de 2011

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