Revista UEG Viva - Número 3

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UEG Revista da Universidade Estadual de Goiás Anápolis, Ano 4, nº 3, novembro 2017

Resistência Karajá A prática turística no Vale do Araguaia obrigou os povos indígenas locais a readaptarem seu modo de vida a fim de preservar sua cultura

Entrevista: Maria Zaira Turchi Presidente da Fapeg e presidente do Confap, a professora reflete sobre a profícua parceria com a Universidade

Riquezas (in)finitas

Campeões da inclusão

Ameaça em rede

Pesquisador da UEG alia produção de filmes biodegradáveis com matériaprima extraída do Cerrado à preservação do bioma

Medalhista nas Paralimpíadas Rio 2016 é um dos destaques dos projetos de extensão realizados por professores do Câmpus

Pesquisa no ambiente escolar de Sanclerlândia alerta sobre os danos do cyberbulling

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UMA UNIVERSIDADE CONSTRUÍDA POR TODOS A Universidade Estadual de Goiás recebe estudantes, professores e servidores de praticamente todos os municípios do Estado de Goiás. Com câmpus e polos espalhados por todo o estado, é uma comunidade acadêmica formada por mais de 25 mil pessoas, que executam atividades administrativas, cursam graduação ou pós-graduação ou desenvolvem projetos de pesquisa e ações de extensão.

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São milhares de pessoas que, ao terem suas vidas transformadas, transformam a vida do povo goiano.


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UEG Viva REITORIA

Revista da Universidade Estadual de Goiás Anápolis, Ano 4, nº 3, novembro 2017

CHEFE DE GABINETE Juliana Oliveira Almada PRÓ-REITORA DE GRADUAÇÃO Maria Olinda Barreto PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO Ivano Alessandro Devilla PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO, CULTURA E ASSUNTOS ESTUDANTIS Marcos Antônio Cunha Torres PRÓ-REITOR DE GESTÃO E FINANÇAS Lacerda Martins Ferreira PRÓ-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Christiano de Oliveira e Silva

Revista DIRETOR DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL Marcelo Costa ASSESSORA ADMINISTRATIVA Jacqueline Souza Pires EDITOR-CHEFE Marcelo Costa EDITORES Alisson Caetano Maria Clara Dunck

REVISÃO Maria Clara Dunck DIAGRAMAÇÃO E ARTE Camila Morais FOTO CAPA Graziano Magalhães

PUBLICIDADE INSTITUCIONAL Alyne Lugon Bruno Miranda de Oliveira Camila Morais Graziano Magalhães João Henrique Pacheco Lucas Gomes Arantes RELAÇÕES PÚBLICAS Letícia Cruz Maria da Glória Marreto Rita Maura Boarin Marcella Martins Santos

Riqueza do Cerrado na conservação de alimentos 16 De Goiás para o mundo: professor estuda produção de filmes biodegradáveis

AUDIOVISUAL Nabyla Carneiro Silva Marcos Rogério Val Fernandes Júnior Publicação do Centro de Comunicação Institucinal (CeCom|UEG) Rod. BR-153, Quadra Área, Km 99 CEP: 75.132-903/Anápolis - GO Tel. Geral: (62) 3328-1404 Impressão Serrana Gráfica e Editora Tiragem: 5.000 exemplares

ENTREVISTA

Caminhos para a inovação 14 Proin.UEG completa seis anos e lança o projeto Pro Sol: conheça

Cultura 20 Autoria feminina na literatura movimenta cena cultural e acadêmica do Estado

SUMÁRIO

REITOR Haroldo Reimer

JORNALISMO Adriana Andre Rodrigues Alisson Caetano Bárbara Zaiden Fernando Matos José Carlos Áraujo Núbia Rodrigues Stephani Echalar

EXPEDIENTE

Universidade Estadual de Goiás

Imersão na tecnologia apropriada por Lelé 24 Pesquisa apresenta um dos maiores arquitetos brasileiros de todos os tempos Ameaça em rede 26 Cyberbullying é um tipo de violência que cresce entre os jovens

ueg.br

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UEG Viva


Perspectivas e desafios para o financiamento na universidade pública 07 Reitor da UEG, professor Haroldo Reimer apresenta artigo sobre o tema

CAPA

Ressignificações e resistências do povo Karajá 30 O processo de transformação e ressignificação dos Karajá de Aruanã

Produção científica em bom amparo 10 Confira entrevista com a professora e presidente da Fapeg Maria Zaira Turchi

38 Artigos Os textos mostram que o tripé ensino, pesquisa e extensão é bem articulado na Universidade

44 Fotografia Uma viagem imagética por São Jorge, epicentro cultural da Chapada dos Veadeiros 48 Porta fechada para educação no

campo Conheça a realidade de estudantes do assentamento Nova Piratinga

52 Esporte e lazer na extensão do

ensino superior Prática esportiva envolve comunidade e atletas com ou sem deficiências

56 Arte Nossa Cineasta tematiza a era do registro virtual

UEG Viva

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EDITORIAL

A Universidade Estadual de Goiás, inserida em várias realidades, apresenta nesta edição da revista UEG Viva aspectos da produção acadêmica de sua comunidade. Alavancar o futuro e participar da vida do povo goiano são motes que têm fomentado as ações da Universidade no atual reitorado. Em seu artigo, o reitor, professor Haroldo Reimer, aponta perspectivas e desafios para a sustentabilidade financeira da Universidade, a partir de oportunidades proporcionadas por parcerias com setores público e privado, alimentadas por investimentos em ciência, tecnologia e inovação. O incentivo à pesquisa e a expansão do número de programas de mestrado e doutorado também têm colaborado para o fortalecimento da UEG no cenário regional, bem como para a melhoria de sua performance na captação de recursos junto à Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás, como destaca sua presidente, professora Maria Zaíra Turchi. Essas ações de gestão somadas às iniciativas de pesquisa buscam soluções criativas e inovadoras para questões urgentes, como a conscientização ambiental. Essa problemática é objeto de investigação do professor Diego Acheri, que trabalha na produção de um filme biodegradável para cobertura de alimentos produzidos por espécies do cerrado. Por meio de produções literárias de mulheres, Maria Clara Dunck discute a histórica invisibilidade das mulheres na literatura e apresenta parte da produção feminina de Goiás, a partir da experiência da escritora Pilar Bu. A forte presença feminina em nossa Universidade também está representada por cinco pesquisadoras que apresentam à revista artigos de suas pesquisas, nos campos da educação, da cultura popular, do meio ambiente e da fotografia. Atos de violência e intolerância no ambiente escolar têm pautado intensas discussões em veículos de imprensa e redes sociais. A pesquisa desenvolvida pela professora Luisa Mendonça sobre cyberbullying aponta que a intensidade e a repercussão dos ataques são multiplicadas de forma intensa por conta das particularidades da rede mundial de computadores. Além disso, alerta para os prejuízos que esse tipo de ação violenta pode causar às vítimas e ao bom convívio social. O mito de surgimento do povo Karajá é a inspiração inicial para a matéria que apresenta a pesquisa de professores da UEG sobre uma comunidade indígena no município de Aruanã. A resistência desse povo e as ressignificações e sincretismos gerados pela proximidade com comunidades não indígenas apontam desafios para que essa etnia continue existindo e vivendo como Karajás. Por fim, é apresentada uma discussão sobre os processos de produção de imagens digitais na atualidade e as experiências mediadas pela tecnologia, na perspectiva da poesia e da estética proporcionadas pelo trabalho visual do cineasta e professor Rafael de Almeida. 6

Os conteúdos da Revista UEG Viva são um reflexo do crescimento quantitativo e qualitativo das pesquisas que nascem, se amadurecem e geram conhecimento em nossa Universidade UEG Viva


Perspectivas e desafios para o financiamento na universidade pública UEG Viva

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istoricamente, as academias são espaços privilegiados para produção de conhecimento. Seu modelo – a universitas – pressupõe a circulação da universalidade do saber. Das salas de aula e laboratórios de pesquisa saíram grandes avanços tecnológicos que ajudaram a moldar as estruturas de poder cultural, social e, claro, econômico. Não raras vezes os avanços são fomentados por demandas situadas para além das fronteiras das universidades, revelando relações intrincadas que não podem ser negadas por qualquer pretensão de autossuficiência das comunidades acadêmicas. A construção do conhecimento implicou quase sempre a construção de relações de poder, impulsionadas a partir da observação sobre objetos e, por sua vez, sobre a realidade.

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A pesquisa brasileira deu passos significativos nas últimas décadas e hoje ocupa a 13o posição no ranking de produção intelectual no mundo.

As universidades precisam ser fortalecidas em seus próprios espaços de autonomia, que nunca deve se revestir de soberania. Em seu fortalecimento, a Academia precisa se abrir ao diálogo colaborativo com a sociedade, os arranjos produtivos e o poder público. Essa relação – universidade, sociedade, empresa, governos – é chamada de tríplice ou quádrupla hélice, conceito que evoca uma discussão ainda não resolvida: a de que a universidade deve se dedicar somente à pesquisa básica ou, também, à pesquisa aplicada. A pesquisa básica é fundamental para preparar novos pesquisadores, que farão pesquisas aplicadas às demandas qualificadas. Para isso, até por questões estratégicas, as universidades necessitam de financiamento público, no caso das instituições públicas, com abertura para modelos alternativos complementares, como o financiamento privado. Os atuais problemas subjacentes aos ajustes fiscais apontam para as dificuldades de expansão do financiamento público. Nos limites e horizontes dos financiamentos assegurados, a lógica imposta é otimizar os recursos humanos e equipamentos. Esse compartilhamento é altamente recomendável em tempos de desaceleração de financiamento, e em algumas situações o contexto poderá sugerir retração de ações e projetos. Outro movimento pode ser a transposição dos limites da universidade por meio de parcerias estratégicas em projetos privados ou em políticas públicas. Esse é um modelo controvertido, pois envolve discussões ideológicas cristalizadas em

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determinadas palavras-chave, como privatização de espaços públicos. Contudo, essa estratégia tem ganhado espaço internacionalmente nas últimas décadas, com variantes regionais. Há 60 anos a Sociedade Fraunhofer, na Alemanha, oferece soluções tecnológicas para as demandas dos setores produtivos. O instituto se tornou corresponsável pelo elevado ranking tecnológico alemão com seus 50 centros de pesquisa e mais de 20 mil pesquisadores que atuam além das fronteiras alemãs. Outro bom exemplo é o acordo de cooperação da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), cujo objetivo é fomentar a instalação de centros tecnológicos em várias partes do Brasil. Esse modelo pressupõe a universidade tradicional com formação científica no horizonte da pesquisa básica, com o compartilhamento de pesquisadores entre universidade e sociedade. Outra formatação considera as universidades corporativas, comum na Coreia do Sul, quando as próprias corporações industriais mantêm os

centros de pesquisa e as universidades. Ou seja, os financiamentos públicos são complementares ao orçamento de origem privada, predominando a pesquisa aplicada, lastreada por sólido ensino em áreas básicas das ciências. Há ainda universidades com as pesquisas básica e aplicada manejadas por institutos ou laboratórios setoriais, com excelentes recursos externos e aplicação isenta das amarras dos processos típicos e necessários da administração pública. Em recentes viagens ao exterior, integrando missões, tive a oportunidade de visitar espaços assim, de natureza híbrida: metade do orçamento é alavancado por financiamento público; a outra metade por iniciativa privada entre outras. O câmpus em Jongeblue, da Universidade de Liège, na Bélgica, mantém um dos mais consistentes grupos de pesquisa mundiais em biotecnologia de reprodução animal. Para o governo, a excelência do centro de pesquisa responde a demandas continuadas e emergentes, razão pela qual é abastecido com orçamento matricial público e também privado.

As universidades necessitam de financiamento público com abertura para modelos alternativos complementares, como o financiamento privado UEG Viva


REITORIA

A Universidade de Wageningen, na Holanda, alia ensino de qualidade à pesquisa básica. Contudo, no mesmo câmpus, com formato jurídico distinto, funcionam vários institutos de pesquisa, segregados por áreas que oferecem soluções para demandas de setores empresariais específicos. A pesquisa brasileira deu passos significativos nas últimas décadas e hoje ocupa a 13ª posição no ranking de produção intelectual no mundo. Qualquer avanço agora exigirá mais investimentos e otimização dos recursos humanos e laboratoriais. Um modelo integrativo representa uma saída para um país onde quase não existem recursos humanos de alto nível com domínio de pesquisa básica e possibilidade de plena inserção em espaços desvinculados dos programas de pós-graduação stricto sensu. Segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Brasil há mais de 3 mil programas com cursos de mestrado e doutorado, em que os recursos humanos de alto

nível estão instalados. Projetos de avanço tecnológico para todo o País deveriam cultivar o diálogo com esses recursos já existentes. A Agência USP de Inovação, o InovUERJ e o Centro Regional de Tecnologia e Inovação (CRTI), este da Universidade Federal de Goiás (UFG), são exemplos de espaços acadêmicos que dialogam com empresas. Aqui, o InovaGoiás – um arrojado projeto do governo – integra vários de seus órgãos para catalisar recursos. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) trabalha em conjunto fomentando projetos de diferentes recortes vinculados à Academia. E em processo de instalação pelo governo está uma rede de institutos tecnológicos, com o claro intuito de acelerar a formação de mão de obra especializada com o objetivo de colocar Goiás entre os estados mais competitivos em termos de produtividades no Brasil. Nesse sentido, em 2015 foi criada, na Universidade Estadual de Goiás (UEG), a Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia (AITT). Esse departamento estabelece interfaces com setores produtivos da sociedade por meio de projetos que aliam condições laboratoriais a recursos humanos de alto nível a fim de dar respostas a demandas no campo da produção econômica. A Agência de Inovação dá continuidade ao importante trabalho realizado pelo Programa de Incubadoras (Proin.UEG), do qual saíram projetos que ao longo de seis anos se transformaram em promissoras microempresas. Como uma universidade pública goiana em fase decisiva de amadurecimento, a UEG integra o InovaGoiás, apostando na cooperação entre ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento não só do Estado mas de todo o País.

A UEG integra o InovaGoiás, apostando na cooperação entre ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento não só do Estado mas de todo o país.

Prof. Haroldo Reimer Reitor da Universidade Estadual de Goiás; pós-doutor em História pela Unicamp; doutor em Teologia; graduado em Direito, Filosofia e Teologia UEG Viva

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Alisson Caetano Nabyla Carneiro

Produção científica em bom amparo À frente da Fapeg há seis anos, a professora Maria Zaira Turchi revela como a Fundação enxerga a contribuição da UEG para o desenvolvimento de Goiás, um Estado que mesmo sendo tão jovem já se destaca quanto ao financiamento de pesquisas

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ENTREVISTA

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“Não é possível falar em desenvolvimento econômico, social e cultural se não houver um caminho de suporte às áreas da educação, ciência, tecnologia e inovação”, ressalta a presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), professora Maria Zaira Turchi, em entrevista à revista UEG Viva.

Em fevereiro de 2011, Zaira Turchi aceitou o desafio de estar à frente da presidência da Fapeg, posição para a qual levou sua bagagem de pesquisadora e gestora, construída ao longo de sua trajetória profissional, com posições de destaque na Universidade Federal de Goiás (UFG) e na vice-presidência da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Doutora em Letras, e professora titular da UFG, Zaira Turchi segue uma trajetória atuante, contribuindo não só para a consolidação da

Revista UEG Viva - Como tem sido a experiência de estar desde 2011 à frente da Fapeg? Zaira Turchi (ZT) - A Fapeg é uma fundação jovem, com apenas 12 anos. A experiência na Fapeg desde 2011 me possibilitou liderar programas e projetos de parcerias tanto nacionais quanto internacionais. Além disso, nos dois últimos anos fui vice-presidente do Confap, tendo sido eleita neste ano, também, como presidente da Instituição, e pude conhecer, assim, profundamente a estrutura do Conselho, as Fundações associadas, os programas e projetos nos quais somos parceiros. Ter uma fundação no Estado que possa financiar a pesquisa científica, tecnológica e de inovação, além de induzir e apoiar áreas estratégicas do conhecimento, é fundamental, seja para a comunidade científica, setor empresarial ou para a sociedade de Goiás. E um de nossos focos tem sido abrir mais as parcerias entre as universidades, as instituições de pesquisa científica e o setor empresarial na área da inovação. Revista UEG Viva - Qual é o papel de uma Fundação de Amparo à Pesquisa (FAP)? ZT - A contribuição mais significativa de uma FAP é ter programas regulares que possibilitem o investimento na formação de recursos humanos altamente qualificados, por meio de bolsas em diferentes modalidades, e a articulação dos pesquisadores junto a programas nacionais e internacionais. Na medida em que existe e faz os editais, uma FAP também qualifica os pesquisadores para submeter os projetos com cada vez mais mérito científico. Esses pesquisadores passam por avaliações e recebem o parecer dos nossos consultores indicando melhorias e caminhos a serem seguidos. A Fundação tem esse papel pedagógico importante e torna os pesquisadores mais competitivos para concorrer nacionalmente e internacionalmente. Desde 2012 lançamos editais de bolsas de mestrado e doutorado para todos os Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu (PPGSS) das Instituições de Ensino Superior no Estado e fomentamos projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação. Se uma Fundação não tiver continuidade em suas ações, com editais regulares lançados todos os anos, ela não se consolida, nem dá segurança para a comunidade científica. Revista UEG Viva - Quais foram os principais incentivos oferecidos pela Fapeg nos últimos anos? ZT - No pilar Pessoas, foram muitas as modalidades, sobretudo de bolsas. Também oferecemos recursos para os PPGSS, por meio do acordo de

UEG Viva

Fapeg, mas para a melhoria do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em todo o País. Confira, na entrevista a seguir, um pouco mais sobre o papel da Fapeg no fortalecimento da comunidade científica de Goiás. Editais, parcerias internacionais, captação de recursos pela UEG e o Programa Inova Goiás são alguns dos temas que norteiam este diálogo. Desses assuntos, mostra-se que o nosso Estado é fértil e dispõe do fôlego necessário para tornar-se referência nos âmbitos da pesquisa e da inovação.

cooperação com a Capes. Já cumprimos todas as metas e estabelecemos um novo acordo, neste ano, com a Capes de R$ 78,4 milhões com recursos deles e da Fapeg. Esta é a importância de ter uma fundação estadual: só é possível negociar [financiamentos] se existe um recurso de contrapartida, assim como a credibilidade de que esse recurso vai ser aportado e a confiabilidade de que [o orçamento] vai ser bem executado. A responsabilidade de todo o processo de execução, desde a seleção de projetos até a prestação de contas, é da Fundação que assina o convênio. É isso que a Fapeg faz: se temos novos acordos e editais é porque a Fundação tem conseguido preencher essas exigências. E isso tem trazido importantes recursos para Goiás. Revista UEG Viva - Em termos de estrutura e competitividade, como as universidades goianas se relacionam e se comparam aos outros estados? ZT - Hoje, a Fapeg participa de todos os editais e acordos de cooperação que o Confap articula junto às agências nacionais e internacionais. Em Goiás, temos equipes de pesquisa muito reconhecidas e nossos pesquisadores têm contribuído em diferentes áreas, sendo sempre contemplados em editais, nacionais e internacionais, que lançamos no contexto do Confap, envolvendo todos os estados brasileiros. Os resultados dos editais confirmam que Goiás dispõe de instituições e pesquisadores altamente capacitados. O Governo de Goiás tem um papel preponderante ao apoiar o fomento à pesquisa científica e à inovação e ao dar credibilidade e solidez à Fapeg de modo que a Fundação possa estabelecer parcerias exitosas e ampliar as oportunidades para a pesquisa produzida no Estado. A Fundação tem participado com credibilidade, honrando os compromissos de todos esses acordos de cooperação, convênios, editais e chamadas públicas, o que favorece o estabelecimento de acordos de cooperação, dando oportunidades aos pesquisadores do nosso Estado. Revista UEG Viva - E quanto às parcerias internacionais, o Estado de Goiás também tem tido êxito? ZT - Temos uma parceria muito forte com o Reino Unido, com a França e com a União Europeia. Neste contexto, é importante dizer que a Fapeg tem tido a condição de aderir a estes acordos e editais conjuntos. Nossos pesquisadores e nossas instituições concorrem num patamar muito qualificado, com condições de desenvolver

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ENTREVISTA

pesquisa em colaboração com grupos do exterior. A internacionalização faz parte da agenda de ciência do Confap e também do Governo de Goiás, por meio da Fapeg. Os grandes desafios são globais e possuem perspectivas regionais. A pesquisa científica de excelência, na fronteira do conhecimento, acontece em redes colaborativas que envolvem pesquisadores que atuam em diferentes instituições brasileiras, cooperando com grupos internacionais de referência. Isso faz com que a ciência alcance resultados efetivos, além de projetar fortemente a ciência feita aqui. Em Goiás, estamos liderando e construindo projetos juntos com parceiros internacionais, o que mostra muito a capacidade do Brasil e da nossa ciência em propiciar uma melhor condição de vida para as pessoas e construir um mundo melhor. Revista UEG Viva - De que forma o Inova Goiás vai impulsionar o Estado nesse cenário? ZT - Há capacidade e precisamos fomentá-la de forma contínua e a longo prazo. O Inova Goiás é uma iniciativa importantíssima do governo para destacar a inovação como ponta de lança para o desenvolvimento. É isso que o Inova faz: procura reunir vários órgãos, secretarias e busca compreender e estimular os processos que levem à inovação, ampliando, assim, a competitividade de Goiás com outros estados brasileiros. Revista UEG Viva - Como a Fapeg observa o aumento de pesquisadores da UEG? ZT - A UEG tem feito um caminho fantástico de avançar na pesquisa e na pós-graduação. Um caminho absolutamente necessário para o status de uma universidade. Hoje, a UEG tem muito mais programas do que há alguns anos. Isso reforça o nosso cenário científico e a Fundação precisa continuar respondendo a essa crescente demanda da comunidade científica. É muito importante pensarmos que os fomentos concedidos para a pesquisa e formação de recursos humanos qualificados estão diretamente vinculados à capacidade instalada em cada uma das instituições. Na medida em que a UEG expande os seus programas, investe em pesquisa, apresenta projetos, ela também constrói a possibilidade de receber mais recursos. Hoje, a Fapeg recebe uma demanda muito alta da UEG e, proporcionalmente, tem concedido bastante recursos.

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Na medida em que a UEG expande os seus programas, investe em pesquisa e apresenta projetos, ela também constrói a possibilidade de receber mais recursos

Revista UEG Viva - Quais são os programas e editais de agências financiadoras dos quais a Fapeg participa? ZT - Em âmbito nacional, a Fapeg possui acordos de cooperação com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e com as agências federais, como CNPq, Capes e Finep. Com o CNPq, por exemplo, são desenvolvidos programas extremamente importantes, como o Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (Pronem) e o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), com fomento a pesquisas nas fronteiras do conhecimento; o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD); o Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), entre outros. Outro edital relevante é o de Desenvolvimento Científico Regional (DCR), que atrai pesquisadores de outros estados para Goiás. Além da modalidade de regionalização, há a interiorização, destinada aos pesquisadores que eventualmente fizeram sua formação e atuaram em Goiânia, mas que vão com esse incentivo para as instituições no interior do Estado. Revista UEG Viva - E esse papel de interiorização se relaciona muito com o papel da UEG, que está presente em 45 cidades espalhadas por Goiás. ZT - Está totalmente alinhado. Quando negociamos essas parcerias, temos muito claro esse cenário

das instituições de Goiás. No caso da UEG, lidamos com sua capilaridade e necessidade de atrair doutores para os importantes centros do interior, que lidam com temas e áreas estratégicas para o Estado. A UEG tem concorrido aos nossos editais e tem sido contemplada. Certamente, isso vem ao encontro da missão da Universidade e do seu plano de atuação, dos seus objetivos. Revista UEG Viva - Os investimentos da Fapeg na UEG têm sido expressivos há alguns anos. Como você avalia isso? ZT - A UEG tem 11 programas de mestrado e dois programa de doutorado. Cada programa recebe anualmente uma cota de bolsas para o investimento na formação de recursos humanos altamente qualificados. Além disso, temos o edital da Capes, com mais bolsas para a formação de pesquisadores e a participação de pesquisadores da UEG em projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação contemplados pela Fapeg. Acho válido destacar, também, que o Programa de Incubadoras (Proin.UEG) tem feito um trabalho extremamente importante junto às empresas na capacitação e na formação de empreendedores. Em 2015, quando foi realizado o último edital para incubadoras, o Proin.UEG foi contemplado com bolsas e fomentos, além de recursos da ordem de R$ 60 mil. Também temos bolsistas de pós-doutorados contemplados da UEG. Isso é muito significativo. Revista UEG Viva - Todos esses investimentos que você citou afetam diretamente a produção de projetos e ideias inovadoras. ZT -Não é possível falar em inovação se não tiver investimento na pesquisa básica. Cada vez mais precisamos trabalhar em rede, em colaboração. Não tem jeito, os nossos temas acabam sendo globais. Precisamos construir redes sólidas, com financiamento contínuo e regular, e acreditar que por meio da ciência, da tecnologia e da inovação nós vamos trazer desenvolvimento econômico e, sobretudo, desenvolvimento social. Temos que investir nisso e é para isso que fazemos ciência: para melhorar a qualidade de vida das pessoas, por isso investimos em educação. Esse é um caminho para o mundo melhor, mais harmonioso, com mais possibilidade de diálogo, saúde e trabalho. Essa é a nossa meta, esse é o mundo que queremos.

UEG Viva


UEG,

pública, gratuita, de qualidade e ao alcance de todos.

142 graduações em andamento em todo o estado + 11 novos cursos em 2018: Agronomia em Posse Sistemas de Informação em Trindade Educação Física (Bacharelado) na ESEFFEGO Psicologia em Inhumas Medicina em Itumbiara e 6 cursos de Direito: Palmeiras de Goiás Morrinhos Pires do Rio Aparecida de Goiânia Iporá Uruaçu


Caminhos para a inovação A UEG aposta no empreendedorismo como mais uma possibilidade para atuação do corpo docente. Além do Proin.UEG, que em 2017 completa seis anos, a Universidade lança o ProSol, que tem como foco o empreendedorismo solidário

Fernando Matos

A Brasil Vital é produtora de spirulina e diversos produtos saudáveis e inovadores a base dessa microalga Foto: Acervo Proin.UEG Buscando cada vez mais ampliar o horizonte de atuação dos seus estudantes, a Universidade Estadual de Goiás (UEG) vem consolidando seu ecossistema de inovação e tecnologia a fim de oportunizar melhor desempenho àqueles que buscam no empreendedorismo uma porta de entrada para o campo profissional. Comumente associado à abertura de novos negócios, na UEG o empreendedorismo é entendido, sob um ponto de vista amplo, como o processo de realização e desenvolvimento de projetos e ideias que geram melhorias nos processos de serviços e produtos em diversas áreas. Segundo Bruno Alencar, coordenador do Programa de Incubadoras da Universidade Estadual de Goiás (Proin.UEG), o programa tem trabalhado para disseminar a cultura do empreendedorismo na comunidade acadêmica. “Nós atuávamos, principalmente, nos processos de incubação, mas percebemos que é importante desenvolver, antes dessa fase, o perfil empreendedor dos estudantes em sala de aula. E temos desenvolvido trabalhos nesse sentido”, observa.

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Assim, o Proin.UEG tem criado uma série de ferramentas para motivar os estudantes da Instituição a desenvolverem ideias e projetos que podem futuramente se converter em negócios. “Nós temos proporcionado aos estudantes uma rede de oportunidades para que eles percebam como desenvolver de maneira satisfatória suas ideias e projetos. Criamos a Liga de Empreendedorismo para dinamizar ainda mais esse aprendizado, a partir de visitas externas a ambientes de inovação e tecnologia, como forma de aproximar os nossos estudantes da realidade do mercado”, afirma.

Parcerias O Proin.UEG também tem buscado fortalecer cada vez mais parcerias com instituições de peso no mundo do empreendedorismo, como a Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Essas parcerias têm resultado no desenvolvimento de importantes ações, além de promover uma agenda de atividades permanentes, que inclui a realizações de seminários de aprimoramento de

práticas empreendedoras e de desenvolvimento de ideias. Em 2017, em parceria com o Sebrae, a UEG oferece cursos de formação a distância para docentes da Instituição, que incluem disciplinas de empreendedorismo aos estudantes, além de curso à comunidade externa. “Com essas ações nós buscamos estar cada vez mais próximo da comunidade acadêmica, e assim promover com mais qualidade o empreendedorismo na UEG”, analisa Bruno.

Empreendedorismo em todas as áreas Quando se fala em empreendedorismo no universo acadêmico, uma das questões levantadas é sobre estender seu alcance para além dos cursos das áreas tecnológicas ou ligadas à área empresarial. Segundo Bruno, essa visão ainda predomina; entretanto, ele ressalta que o conceito trabalhado na UEG garante a inserção de ideias e projetos de todas as áreas no ambiente de inovação e tecnologia da Instituição. “Veja bem, nós trabalhamos com o desenvolvimento de projetos e

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ideias que buscam melhorar o desempenho do que é oferecido. E todas as áreas precisam desenvolver e aprimorar suas tecnologias”, afirma. Nesse sentido, em 2017 a UEG iniciou os trabalhos da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários (ProSol), que possui papel fundamental para a promoção de ações de desenvolvimento da economia solidária em Goiás. Os trabalhos incubados na ProSol auxiliarão no desenvolvimento de projetos de grupos populares – da criação à inserção no mercado – que impulsionem a geração de emprego e renda a partir dos princípios da economia solidária. O objetivo é fortalecer empreendimentos que possam impactar de forma positiva na sociedade e, assim, promover a inclusão social. Para o reitor da UEG, professor Haroldo Reimer, estimular o empreendedorismo gera nos estudantes a vontade de buscar alternativas para negócios ainda não exploradas pelo mercado. “É salutar despertamos em nossos estudantes o perfil empreendedor e fazer com eles desenvolvam projetos e ideias que façam a diferença em um cenário cada vez mais competitivo”, analisa. Ainda para o reitor, a perspectiva da ProSol é atingir perfis cada vez mais diversificados, tanto de estudantes quanto de projetos. “É isso que buscamos: diversificar e estimular a criatividade e o perfil empreendedor em todas as áreas de conhecimento contidas na Instituição”, conclui.

Floê Cosméticos, cujos produtos são desenvolvidos a partir de matéria-prima do Cerrado. Foto: Nabyla Carneiro

"é salutar despertarmos em nossos estudantes o perfil empreendedor, e fazer com eles desenvolvam projetos e ideias que façam a diferença em um cenário cada vez mais competitivo" Professor Haroldo Reimer, reitor da UEG

Proteção intelectual Um braço importante para os pesquisadores da UEG foi a criação, em 2015, da Agência de Inovação e Transferência Tecnológica (AITT), que tem como objetivo fortalecer e fomentar o campo de inovação da Instituição, além de buscar licenciamentos de patentes próprias e celebrar contratos de transferência tecnológica em interação com o setor privado. O professor Eduardo Braz Pereira Gomes, coordenador

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da AITT, explica que a proteção intelectual é um processo importante para quem faz pesquisa na UEG. “A agência tem como objetivo proteger a propriedade intelectual da Universidade e também a interação com o setor privado para buscar parcerias e o desenvolvimento de novos conhecimentos, que se desdobrarão em patentes futuramente”, observa.

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Riqueza do Cerrado na conservação de alimentos O professor Diego Ascheri pesquisa plantas do Cerrado na produção de filmes biodegradáveis para cobertura de alimentos. Estudo gera produtos resistentes que ajudam a preservar o bioma

á imaginou assar uma pizza sem retirar aquela película plástica transparente que a protege? Isso é possível, com os filmes biodegradáveis desenvolvidos a partir de resíduos de alimentos ou amidos vegetais, como os de milho e batata, por exemplo. Na Universidade Estadual de Goiás (UEG), o professor Diego Ascheri está ligado ao curso de Química Industrial e à pós-graduação Lato Sensu em Engenharia Agrícola, ambos ofertados no Câmpus Henrique Santillo, em Anápolis. Ele faz pesquisas nessa linha, usando matéria-prima inédita e sustentável. Ele produz filmes biodegradáveis de plantas do Cerrado – e também de espécies exóticas que se adaptaram ao bioma. É o caso da parreira-do-mato (Cissus verticillata), do lírio-do-brejo (Hedychium coronarium) e da fruta-de-lobo (Solanum lycocarpum), analisadas no estudo Elaboração e caracterização de filmes biodegradáveis à base de amidos do Cerrado para utilização póscolheita. Por ora, a pesquisa concentra-se nos filmes biodegradáveis, que preservam a qualidade dos alimentos por tempo bastante superior ao dos filmes plásticos. Essa cobertura biodegradável evita a troca de gases entre o alimento e o meio ambiente, como vapores formados pela perda de umidade do alimento acondicionado. Os filmes oriundos dessas plantas também demonstraram maior resistência em relação aos de amidos convencionais, como os da batata. Em relação ao filme plástico, a vantagem não tem preço. A película “vegetal” se decompõe em até seis meses. Já a degradação do filme sintético pode levar séculos. O lírio-do-brejo foi uma das primeiras plantas com as quais o professor trabalhou nessa linha de pesquisa, desde 2005, nove anos após chegar à então Universidade de Anápolis (Uniana), que posteriormente foi incorporada à UEG. No mesmo ano, ele concluiu seu pós-doutorado no Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Parte do estudo, que utilizava bagaço de jabuticaba, era relacionado ao filme biodegradável. O foco principal, no entanto, era a criação de um papelão com boas propriedades mecânicas. Desde então, essas descobertas são aplicadas na produção de conhecimento. Cerca de 40 estudantes já trabalharam o assunto na iniciação científica; 18, no mestrado; outros 16, em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). “Nossa pesquisa faz ver que há materiais para substituir parte da produção de amidos convencionais”, explica Diego Ascheri. Esses conhecimentos são aplicados na disciplina Bioquímica de Alimentos, do curso de Química Industrial.

José Carlos Araújo João Henrique Pacheco

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No laboratório de Química da UEG, o professor Diego Ascheri e a mestranda Verônica Machado, que também estuda produção de filmes biodegradáveis

Viabilidade econômica Mesmo sendo um campo novo, as pesquisas despertam interesse externo. Diego Ascheri lembra que, ao apresentar sua pesquisa em congresso na cidade de Cancún (México), em 2014, questionaram por que ele não busca viabilidade econômica para os estudos. O próprio Diego responde: “É como desenvolver um combustível muito melhor que o petróleo, mas com custo de produção caro”.

Sustentabilidade O uso industrial dos filmes biodegradáveis tem forte conotação ecológica. “Plantas amiláceas (que produzem amido) do Cerrado podem ser usadas na extração de amido comercial; assim, pode-se evitar a morte do bioma”, idealiza o professor. Afinal, explica, são plantas de fácil proliferação, cultivo e preservação. Por outro lado, alimentos nobres, como milho, batata e tomate, poderiam ser direcionados exclusivamente ao consumo humano. Das três plantas, o lírio-do-brejo, originária da Ásia, é a mais fácil de achar. No Brasil, ela é considerada praga. É encontrada em terrenos úmidos, roubando espaço de espécies nativas. Suas raízes são muito fibrosas e contêm látex. A extração do amido exige a separação do látex, por meio de solvente, o que dificulta o processo. Já a fruta-de-lobo produz uma polpa, na qual é mais fácil retirar o amido. A planta tem outra vantagem ambiental. Eficiente removedora de poluentes, poderia ser utilizada no tratamento de esgotos. Há cerca de seis meses, o professor voltou a pesquisar o amido dessa planta, nativa e abundante no Cerrado. O professor conta que, ao trabalhar com alunas do curso de Engenharia Agrícola, pediu que trouxessem das férias de julho amostras para experiências. Na volta às aulas, Diego foi surpreendido com 200 kg. “Uma aluna me disse que na fazenda do pai da patroa existem hectares e hectares da fruta”, conta. A parreira-do-mato leva desvantagem nesse aspecto. Embora a raiz da qual se retira o amido chegue a 5 metros de comprimento, a planta leva muito tempo para ficar adulta. A esperança de uma redução no tempo de maturação da raiz pode estar na biogenética, área bastante explorada no Brasil pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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Ele conta ainda que recebeu de um colega, do USDA (United States Department of Agriculture – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, na tradução do inglês), pedido informal de amostra do amido da parreira-do-mato. O professor, claro, negou. “Eu quero é estudar esse produto naquele país”, disse, rindo. Uma das alternativas para viabilizar a produção desses filmes seria o cultivo combinado das três culturas. Dessa forma, ao dispor de matéria-prima em diferentes épocas do ano, a produção intermitente do amido estaria garantida. Por ora, Diego Ascheri se realiza com os frutos colhidos no campo científico-acadêmico. “Para mim, é muito importante, pois são amidos não convencionais ainda não estudados”, conclui o professor.

Mestranda da UEG, Verônica Machado busca destacar as diferenças entre os biofilmes produzidos da batata e do milho daquele da parreirado-mato, do lírio-do-brejo e da fruta-de-lobo

Verônica Sales Machado, egressa do curso de Licenciatura em Química, hoje é mestranda em Engenharia Agrícola, no Câmpus Henrique Santillo. Ela trabalha um tema semelhante ao do professor Diego Ascheri, seu co-orientador. O projeto tem como objetivo destacar as diferenças entre o biofilme produzido da batata e do milho daquele da parreira-do-mato, do lírio-do-brejo e da fruta-de-lobo. O filme biodegradável será envolvido no cajá-manga já colhido, para que Verônica verifique a qualidade da cobertura orgânica. O resultado pode ser um produto que garanta maior tempo de vida ao fruto, tanto nas gôndolas do comércio quanto nas casas dos consumidores. O interesse pelo tema, segundo a estudante, surgiu durante a preparação do mestrado, na leitura de artigos científicos. Quando ela começou o curso, em janeiro deste ano, descobriu tratar-se da mesma área de pesquisa do professor Diego. O mestrado termina em fevereiro de 2018, quando Verônica defenderá sua dissertação. Pode ser a porta de entrada para o sonho de se tornar professora.

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Como produzir filme biodegradável em laboratório Filmes biodegradáveis ou coberturas alimentares são filmes à base de amido extraído de vegetais como milho, batata, mandioca, tomate, entre outros. Veja os principais passos para sua produção em laboratório:*

Com o amido extraído, mistura-se água e glicerol (álcool usado com plastificante) na concentração que se pretenda. Daí é produzida uma solução, que é aquecida a 90 °C, sob agitação. Nesse processo, o amido gelatiniza.

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A gelatina é despejada em uma placa petri de 8 cm de diâmetro. A espessura e propriedades mecânicas do filme serão definidas pela gramatura da solução filmogênica aplicada na placa.

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A placa com a solução é levada à estufa, onde fica cerca de 24 horas, aquecida a 35 °C.

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Em seguida, a placa é colocada no dessecador, onde fica por outras 24 horas, para que o filme seja descolado.

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A experiência está concluída. Eis o filme biodegradável.

* Na indústria, o processo de produção é contínuo, infinitamente mais rápido

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CULTURA

Literatura de autoria feminina: resistir para existir A histórica invisibilidade das mulheres na literatura revela uma sociedade construída sobre alicerces patriarcais. Consciente da necessidade de romper essa tradição, a literatura de resistência feita por mulheres movimenta a cena cultural e acadêmica de Goiás

Maria Clara Dunck Camila Morais

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ense na estante de livros que você possui em sua casa. Em seguida, faça uma conta rápida: do total de exemplares que está lá, quantos foram escritos por mulheres? A maioria? A minoria? Bom, eu tenho um palpite: provavelmente, a quantidade de livros escritos por mulheres será menor do que a de livros escritos por homens. Para Virginia Woolf, considerada uma das mais proeminentes figuras da literatura mundial, há uma série de limitações que dificultam a emancipação intelectual das mulheres e, consequentemente, a inserção delas na carreira literária. Em 1929, a escritora inglesa publicou o ensaio Um teto todo seu, em que descreve as condições das mulheres na época, como a impossibilidade de terem “um teto todo seu”, onde pudessem se concentrar nos estudos ou no ofício da escrita, com tranquilidade e independência. As mulheres estavam destinadas a se dedicar exclusivamente aos cuidados da casa, da família e do marido, não possuindo recursos financeiros para arcar com o aluguel de um escritório, por exemplo. Woolf também denuncia o isolamento das mulheres, que eram impossibilitadas de viver fora do espaço doméstico. O cerceamento geográfico silenciava a mulher para o mundo: ela estava presa no “lado de dentro” da casa, o que a deixava “do lado de fora” da movimentação artística, cultural e científica. O silenciamento histórico das mulheres as excluiu da tradição literária, e o pouco espaço que elas conquistaram foi por meio de muita luta e resistência.

Virginia Woolf em 1902 Foto: George Charles Beresford

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CULTURA

Mulheres são menos publicadas Um teto todo seu foi escrito no século XX, mas a restrição de gênero reverbera no século XXI. Desde 2010, a organização Vida: Women in Literary Arts realiza anualmente uma contagem de quantas mulheres e homens são publicados ou têm seus livros revisados por publicações literárias notáveis dos Estados Unidos. Em 2012, seu inventário registrou que apenas 25% dos livros resenhados no The Times Literary Supplement e 23% no The Nation eram de autoria feminina. Em 2014, o resultado não mudou muito: 27% e 29%, respectivamente. Na última contagem da Vida, em 2015, começou-se a vislumbrar uma ascensão. O melhor número registrado até agora pela Vida contabiliza uma média de 38% de participação feminina. Apesar do aumento de 11 pontos percentuais, a publicação sobre autoria feminina ainda é significativamente menor em comparação à masculina, o que denuncia a desigualdade de gênero na imprensa especializada e, consequentemente, o menor espaço de divulgação da literatura feita por mulheres. O caso famoso relatado pela escritora norte-americana Catherine Nichols também é um bom exemplo do quanto a mulher é preterida no mercado editorial. Em 2015 ela submeteu um resumo de seu romance ao crivo de diferentes agentes literários, primeiro utilizando seu nome, depois um pseudônimo masculino. No primeiro caso, ela recebeu apenas duas respostas positivas. No segundo, como George, dezessete agentes se interessaram em publicar seu livro.

Literatura goiana de resistência

Em 2015 ela submeteu um resumo de seu romance ao crivo de diferentes agentes literários, primeiro utilizando seu nome, depois um pseudônimo masculino. No primeiro caso, ela recebeu apenas duas respostas positivas. No segundo, como George, dezessete agentes se interessaram em publicar seu livro contemporânea no 1º Colóquio de Estudos Literários. Pilar Bu, que também é mestranda de Literatura da Universidade Federal de Goiás (UFG), falou sobre as escritoras periféricas e as poesias produzidas na periferia. A escritora voltou ao câmpus neste ano para participar do XIV Encontro dos Acadêmicos de Letras (Enal), que foi realizado nos dias 28 a 30 de março, também no Câmpus, dessa vez com o tema Linguagens, literatura e resistência em “tempos de crise”. Como lembra o professor Alex Bruno, em momentos de crise, educação, arte e cultura, de forma geral, são colocadas em segundo plano. A temática escolhida para o evento visa contribuir para fomentar os estudos voltados às questões da linguagem e da cultura sob a égide da resistência. “Resistir é uma palavra de forte impacto, e o objetivo é refletir de que forma as linguagens e a literatura têm lidado com o tempo presente e as problemáticas sociais que envolvem a educação”, conclui.

O silenciamento histórico das mulheres as excluiu da tradição literária, e o pouco espaço que elas conquistaram foi por meio de muita luta e resistência

Felizmente o conformismo não faz parte da história de luta das mulheres por equidade de direitos e expressão. E Pilar Bu é uma das vozes da nova geração de escritoras de Goiás que assumem a postura combativa na hora de fazer literatura. Prestes a lançar sua primeira obra impressa, Ultraviolenta, pela Kotter Editorial, Pilar Bu revela que sua motivação para escrever parte da certeza que ela tem de que as mulheres podem transformar espaços de dor em afeto. “Compartilhar as dores e as lutas nos faz mais fortes para transformar e ressignificar o que julgamos ser injusto”, afirma. Em outubro do ano passado, Pilar foi convidada pelo professor Alex Bruno, coordenador do curso de Letras do Câmpus São Luís de Montes Belos da UEG, para participar de uma mesa-redonda sobre literatura

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Como quem compõe música no inferno eles disseram que minha escrita era uterina mas meus poemas gritam os filhos que eu nunca tive eles disseram que eu seria como uma sinfonia em branco mas meus versos sangram caos dor desobediência rebeldia qualquer homem medíocre vende mais livros do que eu qualquer homem medíocre ganha mais prêmios do que eu qualquer homem medíocre escreve versos mais belos que os meus eu não escrevo para ser aceita eu não escrevo para ser submissa eu não escrevo para ser adorável escrevo pelo direito inalienável de existir Pilar Bu

Pilar Bu, escritora e mestranda em Literatura pela UFG Foto: Polli Di Castro

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Maria Clara Dunck é escritora, pesquisadora de literatura de autoria feminina e cursa doutorado em Literatura na Universidade de Brasília (UnB) Foto: Arquivo pessoal

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José Carlos Araújo Arquivo Rede Sarah

Imersão na tecnologia apropriada por Lelé Coordenados pela professora Anelizabete Alves Teixeira, estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UEG se envolvem com a arte e a técnica de Lelé, um dos maiores arquitetos brasileiros de todos os tempos

Hospital da Rede Sarah, em Brasília, é uma das obras planejadas por Lelé: projeto aproveita luz e ventilação naturais, dispensando o uso de ar-condicionado e reduzindo risco de infecção hospitalar Fonte: Arquivo Rede Sarah

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evar acadêmicos a uma imersão na técnica e na arte de um dos maiores arquitetos brasileiros tem sido o objetivo da professora Anelizabete Alves Teixeira, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ela é autora do projeto A tecnologia apropriada na obra de Lelé: análise de projetos e estudo de interação entre tecnologia e arquitetura, que avalia a racionalização e industrialização dessa importante área do conhecimento e da indústria da construção civil. E ninguém no Brasil conseguiu aliar tecnologia e arquitetura de forma tão marcante quanto João Filgueiras Lima, o Lelé, criador de soluções para construções pré-fabricadas e em série. Lelé especializou-se na fabricação e no uso de prémoldados, bem como desenvolveu processos de industrialização de argamassa armada. Para Anelizabete, falar de tecnologia apropriada é falar dos processos e sistemas construtivos que mais se adéquam às realidades culturais, sociais e ambientais de uma região. É também considerar, para uma construção, quais são os materiais disponíveis e de custo viável, sem necessidade de importação, além do baixo consumo de energia e mão de obra disponível. Enfim, elementos que propiciem autonomia ao construtor.

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A professora lembra que a ideia do projeto surgiu em 2015, “numa resposta ao que se vivencia em sala de aula”. De acordo com Anelizabete, os alunos geralmente dão muito valor às disciplinas de projetos, que são, de fato, essenciais – mas não exclusivas. E isso acaba também sendo revivido na carreira profissional, quando se dá muita ênfase ao projeto, sem antes pensar plenamente nos materiais e no sistema construtivo. “Acho que tem de ser o inverso. Antes de a gente conceber, tem de pensar nos materiais disponíveis, na acústica, térmica, economia”, enumera Anelizabete. “A partir daí é que devemos começar a desenvolver o projeto, com base numa ideia do que será utilizado”, ensina. Com essa preocupação, nasceu o projeto de pesquisa, para divulgar entre alunos a importância da interação entre tecnologia e arquitetura.

“Obra suja” A professora lamenta que no Brasil seja seguido o mesmo sistema construtivo da década de 1970, com a utilização em massa dos pilares de concreto, da alvenaria de bloco cerâmico, da argamassa preparada no canteiro de obras, do “tijolinho” sobre o outro. É a construção tradicional, lenta, com maior quantidade de mão de obra. Ou seja, uma “obra suja”, no sentido literal.

“Não que esse sistema seja errado ou que não seja bom, mas acho que temos de evoluir”, minimiza Anelizabete, ao ressaltar a necessidade da “industrialização da arquitetura”. Nesse caminho proposto, uma das opções é a pré-fabricação, marco de Lelé. “[Na pré-fabricação] temos obras mais limpas, mais rápidas, com menos operários. São obras mais racionalizadas”, defende a professora.

Ninguém no brasil conseguiu aliar tecnologia e arquitetura de forma tão marcante quanto João Filgueiras lima, o lelé

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Com essa visão, ela defende que seja aplicado um tempo maior no planejamento, no detalhamento do projeto, o que não ocorre com frequência. E, muitas vezes, nem é por culpa do profissional, mas por pressão do próprio cliente. “Os problemas devem ser resolvidos no papel, não na obra”, propõe. Na opinião da professora, esse é um dos diferenciais que os arquitetos e urbanistas formados pela UEG devem ter. “Eles devem estar preparados para o novo mercado de trabalho, que busca um profissional diferenciado, que saiba construir de maneira tradicional, mas que tenha a mente aberta para as novas tecnologias”, aconselha. Ao mesmo tempo, o projeto trabalhado pela professora e seus estudantes cumpre importante papel acadêmico, por meio da iniciação científica. “Os alunos aprendem a fazer pesquisa e leituras, a interpretar e escrever, o que é uma exigência para aquele estudante que pensa seguir a carreira docente, pois a iniciação científica é prérequisito do mestrado e doutorado”, orienta Anelizabete.

A trajetória de Lelé Nascido em 10 de janeiro de 1932, no Rio de Janeiro, João Filgueiras Lima, o Lelé, formou-se em Arquitetura na Universidade do Brasil, também no Rio, em 1955. Foi responsável por obras que transformaram a forma como o Brasil olhava sua arquitetura. Trabalhou na construção de Brasília; criou a Fábrica de Escolas do Rio de Janeiro e os Centros Integrados de Educação Pública no Rio de Janeiro (ambos em parceria com o sociólogo Darcy Ribeiro) e a Fábrica de Equipamentos Comunitários em Salvador. Lelé ficou marcado como criador de soluções para construções pré-fabricadas e em série. Especializou-se na fabricação e no uso de pré-moldados e desenvolveu processos de industrialização de argamassa armada. Sua obra está impressa nas formas da Rede Sarah de Hospitais, em Brasília, Salvador, Curitiba, São Luís, Fortaleza, Belo Horizonte, Belém e Macapá. Nesses edifícios, os projetos aproveitam luz e ventilação naturais, dispensando o uso de ar-condicionado e diminuindo o risco de infecção hospitalar. “Quem quiser projetar um hospital atualizado tem antes que conversar com o Lelé”, disse certa vez Oscar Niemeyer. Para Lúcio Costa, Lelé era um dos três mais importantes nomes da Arquitetura Modernista Brasileira. Para o colega com quem também trabalhou na construção de Brasília, Lelé era “o arquiteto onde a arte e tecnologia se encontram e se entrosam”. A contribuição de Lelé à arquitetura foi reconhecida por meio de diversos prêmios e homenagens. As mais importantes menções foram a medalha de ouro da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos (FPAA) e das Américas, e o prêmio recebido no 24º Congresso Panamericano de Arquitetos, em 2012. Lelé morreu no dia 21 de maio de 2014, em Salvador. Ele tinha 82 anos.

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Fotos do pátio do Hospital da Rede Sarah, em Brasília, e do interior do ginásio de reabilitação infantil Fonte: Arquivo Rede Sarah

TCC de estudante recebe nota 10 O estudante Eduardo Feitosa, então no 10º período (este ano fará o 11º) do curso de Arquitetura e Urbanismo da UEG, é um dos quatro estudantes que participam do projeto de iniciação científica A tecnologia apropriada na obra de Lelé: análise de projetos e estudo de interação entre tecnologia e arquitetura, coordenado pela professora Anelizabete Alves Teixeira. Influenciado pelo tema, Eduardo conquistou nota 10 no projeto Arquitetura emergencial: complexo emergencial em Rio do Sul (SC), concluído em 2016. O projeto estabelece um complexo emergencial na cidade de Rio do Sul, vizinha ao porto de Navegantes/Itajaí, em Santa Catarina. E utiliza como base contêineres, material abundante na região, para servir de soluções habitacionais e abrigos emergenciais para famílias desabrigadas. Segundo Eduardo, o projeto foi inspirado no desejo de abordar um tema atual e de relevância social. “Nos últimos anos, é cada vez maior o risco de deslocamento de famílias vítimas de desastres e guerras”, explica. A professora Elizabete acredita que, pela relevância temática e pela nota obtida, o projeto de Eduardo Feitosa pode ser indicado ao Opera Prima, um dos mais importantes concursos de projetos de arquitetura para alunos de graduação no Brasil.

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Ameaça em rede Pesquisadora da UEG investiga no ambiente escolar de Sanclerlândia os danos causados por um tipo de violência cada vez mais comum: o cyberbullying

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sensação de anonimato, a distância espacial ou a facilidade com que se pode criar rapidamente um perfil falso em uma rede social talvez sejam os fatores que colaboram para que cada vez mais pessoas se sintam confortáveis para atacar outras ou espalhar discursos de ódio na internet. Basta lembrar os muitos casos de violência virtual que ganharam repercussão no país no último ano. Famosos e anônimos têm diariamente suas contas inundadas por comentários depreciativos, além do número alarmante de sexting – imagens de exposição íntima – compartilhado por meio de mensagens eletrônicas sem consentimento de quem está retratado nas fotos. Uma passada rápida de olhos pelos comentários nos sites dos maiores veículos de comunicação do Brasil revela o tom com o qual as pessoas estão tratando umas às outras no ambiente virtual. As agressões são muitas, e a forma como elas são publicizadas na rede dinamiza o alcance e o constrangimento das vítimas nesses casos. É uma nova forma de bullying, que se revela muito mais próxima de todos nós do que a princípio se pensava.

Fernando Matos Nabyla Carneiro

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"Quando o bullying se torna cyberbullying, a dimensão dos ataques é multiplicada. O que antes era feito entre quatro paredes, numa sala de aula ou no pátio da escola, agora é visualizado por um público gigantesco" Luisa Mendonça, professora do curso de Licenciatura em Informática do Câmpus Sanclerlândia da UEG

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Foi essa percepção que levou a professora Luisa Alves de Mendonça, do curso de Licenciatura em Informática do Câmpus Sanclerlândia da Universidade Estadual de Goiás (UEG), a buscar entender as engrenagens do cyberbullying.

A professora observa que o cyberbullying é uma reconfiguração do bullying tradicional, que surgiu com o avanço das tecnologias de comunicação. “É a adequação do bullying à internet e às novas tecnologias digitais”, analisa.

“A partir das experiências das aulas práticas de Estágio Supervisionado em uma escola de ensino médio da cidade de Sanclerlândia foi possível perceber uma elevada frequência de situações em que acontecem intimidações, insinuações e insultos praticados por jovens entre si, com ataques verbais por meio de mensagens eletrônicas nas redes sociais”, afirma.

Violência cotidiana As inquietações da professora deram origem à pesquisa Cyberbullying escolar: uma violência que vai além do mundo virtual, realizada em 2016 com professores e estudantes de ensino médio do Colégio Estadual Deputado José Alves de Assis, em Sanclerlândia, Goiás. A pesquisa contou com a

participação dos estudantes Felipe Costa Bueno e Wellington Moura de Sousa, do 4º ano do curso de Licenciatura em Informática. Uma das questões observadas é que muitas vezes as pessoas não se percebem em meio a essa violência, sejam elas agressoras ou vítimas. “A maioria dos alunos convive com essa nova forma de violência e muitas vezes nem percebe que é vítima ou até mesmo agressora”, afirma. Ainda segundo a professora, essa forma de agressão toma proporções inimagináveis. “O que antes ficava dentro da escola agora é colocado à

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vista de todos os alunos da comunidade, chegando às cidades circunvizinhas e sem demorar muito pode alcançar uma proporção nacional”, exemplifica. Não é preciso muito esforço para se lembrar de algum vídeo viral que inicialmente foi tomado como piada e que em pouco tempo acabou se tornando febre nas redes sociais. A piada muitas vezes esconde um problema social sério que acaba sendo imperceptível para quem não reflete antes de clicar no botão “compartilhar”. “Muitas vezes o agressor começa com uma brincadeira e deixa-se levar; quando percebe chegou ao ponto em que a vítima já sofreu uma série de consequências”, observa.

Perfil das vítimas Segundo a pesquisa há duas formas de manifestação do cyberbullying: a direta, quando o agressor não tem a mínima intenção de ficar no anonimato; e a indireta, quando o agressor age de forma covarde e não quer ser identificado. A professora observa que as agressões se manifestam a partir de diferentes ferramentas: mensagens de texto, compartilhamento de imagens ou pelas redes sociais, sites e e-mails. “O objetivo é depreciar, humilhar, difamar, fazer ameaças e aterrorizar uma pessoa ou um grupo escolhido como alvo”, observa. Ainda de acordo com Luisa Mendonça, as principais vítimas são as pessoas que se encontram fora dos padrões estabelecidos socialmente. As ameaças geralmente se concentram na crítica depreciativa da moral, do corpo, do modo de ser, de se vestir ou de se comportar de alguém. Grupos minoritários e indivíduos em situação de vulnerabilidade são as vítimas preferidas para os ataques. A pesquisa aponta a prevenção como melhor alternativa para acabar com a violência virtual. “São necessários que mais projetos, principalmente de conscientização do bullying e cyberbullying, sejam implantados em todas as instituições. Acredito que a melhor forma de combater essa violência seja a utilização de recursos e programas que mostrem o real prejuízo que a prática traz para a sociedade de um modo geral”, conclui.

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As ameaças geralmente se concentram na crítica depreciativa da moral, do corpo, do modo de ser, de se vestir ou de se comportar de alguém. Grupos minoritários e indivíduos em situação de vulnerabilidade são as vítimas preferidas para os ataques

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Ressignificações e resistências do povo Karajá Os Karajá de Aruanã têm convivido com a prática invasiva do turismo desorganizado. Para manter as tradições, eles enfrentam um processo de transformação dos modos de vida e buscam se reestruturar

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região do Vale do Araguaia sempre foi a casa do povo indígena Karajá, que está espalhado por estados como Goiás, Tocantins e Mato Grosso. O estilo de vida deles está intimamente ligado às águas, assim como as várias versões que narram suas origens. Uma delas conta que os Iny (como os Karajá se autodenominam) viviam no fundo do Rio Araguaia. Entre os rituais desse povo estava um rigoroso resguardo pós-parto, tanto para as mães quanto para os pais. Nessa fase era proibido o acesso a uma parte específica do rio, mas um jovem pai acabou desrespeitando a regra. Ao mergulhar, ele atravessou um buraco que o levou ao mundo exterior. Encantado com as cores e belezas, ele teria voltado para o fundo do rio e em seguida trouxe os outros integrantes da aldeia para viver fora das águas. No mundo exterior, os Iny experimentaram pela primeira vez a morte de animais, pessoas e plantas. Algumas narrativas contam que essa sensação desagradável os fez querer voltar para o mundo das águas. Mas o retorno foi impossível e por isso o povo Karajá vive às margens do Rio Araguaia. Outra versão do mito de surgimento conta que Aruanã era um peixe que, cansado de viver no fundo do rio e encantado pelas belezas das terras que o rodeava, foi transformado pelo deus Tupã em um humano. Assim, Aruanã teria passado a viver no mundo exterior às águas, onde constituiu família e aldeia.

Bárbara Zaiden Nabyla Carneiro Camila Morais

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Tradição oral Entre os povos tradicionais as histórias geralmente são compartilhadas oralmente, passadas de geração em geração pelos membros mais velhos das famílias. O objetivo desses contos é representar a imagem e o pensamento de um povo e, invariavelmente, com o passar do tempo, as narrativas sofrem transformações e ganham novas versões. Entre os povos indígenas existem motivos específicos que marcam essas diferenças, como as vivências em aldeias mais isoladas, os troncos linguísticos e as etnias presentes na raiz de uma família. A professora Lorranne Gomes da Silva, no Curso Tecnológico de Gestão de Turismo do Câmpus Cora Coralina da Universidade Estadual de Goiás (UEG), explica que essa diferença pode ser uma estratégia de manutenção cultural. Segundo Lorrane, a razão é simples: durante séculos os povos indígenas brasileiros vêm sendo ameaçados e violentados. Historicamente, eles buscam mecanismos de proteção das suas famílias, que lutam por direitos ao território e à preservação de suas tradições.

OS ANIMAIS DOMÉSTICOS DESCANSAM SOB A SOMBRA DAS MAGUEIRAS, ONDE AS CRIANÇAS JOGAM FUTEBOL E SE LAMBUZAM AO COMER AS FRUTAS DO PÉ. FREQUENTEMENTE ESSA TRANQUILIDADE É INTERROMPIDA QUANDO UM AUTOMÓVEL DE TURISTA ENTRA NA ÁREA “Há detalhes sobre rituais, festas, formas de pensar, a cosmologia e a metafísica indígena que nunca vamos saber. Pode ser que nenhum pesquisador consiga alcançar esses assuntos particulares, porque essa também é uma forma de proteger a cultura deles”, afirma. Desde 2008 a professora tem contato com os povos indígenas e na UEG desenvolveu o projeto de pesquisa Reconfigurações culturais no modo de vida indígena: o povo Karajá do Cerrado Goiano, ligado ao Curso de Geografia do Câmpus Quirinópolis.

Cultura protegida O povo Karajá da cidade de Aruanã vive nas aldeias Buridina e Aricá Bdéburé. A aldeia Buridina (ou Área 1) está completamente inserida na cidade de Aruanã, às margens

No dia-a-dia de Buridina aldeia e cidade se misturam

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do Rio Araguaia. Dali, o pôr do sol é incrível e vê-se, do outro lado do rio, já no Mato Grosso, outro território que pertence ao povo Karajá (a Área 2). Ali eles caçam, plantam e passam a noite a pescar.

De frente para o Araguaia O sol intenso sobre a cidade de Aruanã não perdoa quem ousa enfrentá-lo. Misturado à umidade, o calor deixa o corpo mole, e se banhar nas águas do Rio Araguaia parece ser a única solução para quem não está acostumado com o clima. Na aldeia Buridina, o povo Karajá não aparenta desconforto com o clima ou com as picadas de pernilongos – diferentemente de quem apenas visita o lugar.

Os mais velhos são responsáveis por resguardar os saberes do povo

"Eu falo que eles são um povo teimoso, porque eles teimam em viver. Não apenas em viver, mas viver como povo Karajá. Isso é forte, porque se não fosse, eles não continuariam existindo lá" Edevaldo Apareido de Souza, professor do curso de Geografia do Câmpus Quirinópolis da UEG

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As casas são construções comuns, feitas de tijolos, telhas de barro, algumas com azulejo, outras apenas com cimento no chão. A maioria delas foi construída com as portas de entrada voltadas para o rio. A professora Lorranne explica que essa é uma herança cultural, baseada a narração de origem desse povo, que tem relação direta com a existência do Rio Araguaia. Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de Aruanã apontam que atualmente existem 361 Karajás no município, sendo que 245 ainda moram nas aldeias Buridina e Bdéburé; e 116 estão desaldeados. No projeto de pesquisa desenvolvido na UEG constatou-se que o casamento interétnico (entre indígena e não indígena) está entre os principais motivos pelos quais esse povo deixa suas aldeias.

Turismo invasivo Buridina é tranquila e, em grande parte das vezes, silenciosa. O canto dos pássaros pode ser ouvido junto com o balanço das águas do Araguaia. Os animais domésticos descansam sob a sombra das mangueiras, onde as crianças jogam futebol e se lambuzam ao comer as frutas do pé. Frequentemente essa tranquilidade é

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interrompida quando um automóvel de turista entra na área, seja para conhecer, seja para comprar artesanatos, peixes ou tartarugas. Assim como ocorre no dia a dia da aldeia, o turismo entrou na vida dos Karajá sem planejamento e de forma totalmente invasiva. Professor do curso de Geografia do Câmpus Quirinópolis da UEG, Edevaldo Aparecido de Souza oferece apoio às pesquisas do projeto de pesquisa e explica que as consequências do turismo são diversas, pois transforma o modo de vida desse povo. “O turismo chega à aldeia, essa área do entorno do Araguaia, de uma forma não planejada, não consultada aos índios, e captura as experiências indígenas. O contato com os turistas se intensifica e eles acabam vendo, estrategicamente, uma forma de se manter por meio da venda de seus produtos

e suas capturas. Assim, há o comércio dentro do que é permitido para a pesca”, explica. A professora confirma: não houve planejamento do turismo local de Aruanã para inserir os povos indígenas nessa dinâmica. Segundo ela, tudo ocorreu de forma muito rápida e eles ficaram à mercê desse processo. “Há uma invasão dos turistas na aldeia e os Karajá tiveram que se adequar a essa dinâmica. Ainda existe o impacto disso na pesca, na produção de lixo, no ambiente como um todo”, explica a pesquisadora. A aldeia Aricá Bdéburé (ou Área 3) é mais distante e tem menos casas, bem como menos moradores. O acesso de turistas é menos frequente. Assim como na Buridina, às vezes o descarte de lixo não é realizado corretamente: restos de alimentos e de materiais não utilizados chamam a atenção.

"EU CHEGUEI À CONCLUSÃO DE QUE O GRANDE DESAFIO DOS SÉCULOS XV, XVI E XVII ERA A SOBREVIVÊNCIA DESSES ÍNDIOS AOS MASSACRES E PERSEGUIÇÕES. HOJE, VEJO QUE O GRANDE DESAFIO DOS POVOS INDÍGENAS É PERMANECER NOS SEUS TERRITÓRIOS" Lorranne Gomes da Silva, professora no Curso Tecnológico de Gestão em Turismo do Câmpus Cora Coralina da UEG

Resistir para sobreviver “Foi a primeira vez que eu tive contato com índios. Eu tinha a visão de que os Karajá eram mais isolados, que tinham menos contato com a cidade e mais com suas tradições”. Cursando o terceiro ano de Geografia no Câmpus Quirinópolis da UEG, Yan Carlos hoje tem uma visão diferente. Ele decidiu participar do projeto de pesquisa porque sabe que tem sangue indígena: a bisavó foi retirada de sua aldeia e obrigada a se casar com o bisavô, que era fazendeiro. À semelhança de Yan, poucos brasileiros conhecem a realidade dos indígenas no País, e é comum comentários que generalizam suas necessidades e vivências, ao afirmarem que, de alguma forma, “eles perderam as tradições, não são mais índios”. Mas, segundo o professor Edevaldo, precisamos olhar essas formas de vida por dentro, compreender os indivíduos e os comportamentos sociais. “Se tirarmos os óculos de homem branco e colocarmos os óculos dos indígenas, podemos ler nas atividades e nas relações desses povos que eles conseguem manter suas tradições”, afirma.

Reconfigurar para preservar Segundo a pesquisa da professora Lorranne, as transformações que marcam os modos de vida dos Karajá são uma forma de adaptação às realidades construídas ao redor deles. Ao se referir a essas transformações, a pesquisadora utiliza o termo “ressignificações“, ou seja, um novo sentido ou significado que é dado às vivências de um povo. Ela explica que isso é inevitável e que colabora para transformar os elementos da vida indígena como alimentação, rituais, língua, produção de artesanato. A pesca, que antes era de subsistência, agora é fonte de renda a partir do transporte de turistas de canoa e da venda das coletas. Homens e mulheres trabalham na cidade em atividades inerentes ao modo de vida não indígena. O álcool foi introduzido na vida das aldeias. Na culinária, a tartaruga e o peixe passaram a ser servidos com frango e carne de gado. A língua materna Karajá, chamada Inyryb, é falada por poucos jovens. O nome indígena de cada membro (acompanhado de um não indígena), por sua vez, é algo que parece ter sido mantido em quase todas as famílias.

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O artesanato tinha a essência do ensinoaprendizagem e foi transformado em comércio. As bonecas de argila, chamadas Ritxoko, são um exemplo claro de adaptação. Elas eram produzidas pelas mulheres mais velhas, que ensinavam às meninas. Hoje, poucas crianças estão ligadas a essa atividade. Originalmente, as bonecas não possuíam braços e pernas, mas isso causava estranhamento no turista. Então, para não comprometer a fonte de renda provinda do artesanato, essa arte foi modificada. Hoje, as Ritxoko são patrimônio cultural brasileiro, tombadas pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Novos valores, crenças e costumes fazem parte das transformações pelas quais passa o povo Karajá de Aruanã. A inserção da tecnologia e outros elementos não indígenas nas aldeias transformaram os hábitos e experiências desse povo.

Permanência ameaçada O professor Edevaldo explica que essas transformações são a garantia de que os Karajá continuem existindo e sendo um povo, com suas peculiaridades e tradições mantidas. “Eu falo que eles são um povo teimoso, porque eles teimam em viver. Não apenas em viver, mas em

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viver como povo Karajá. Isso é forte, porque se não fosse, eles não continuariam existindo lá”, afirma.

A arte indígena é parte constante da cultura local

“O grande desafio dos povos indígenas no período da colonização era a sobrevivência aos massacres e perseguições. Como táticas de vida, eles desenvolveram a resistência. Hoje, no Século XXI, eu percebo que o grande desafio dos povos indígenas, além de sobreviver é permanecer nos seus territórios, frente às pressões e invasões de suas terras por empreendimentos econômicos”, explica a professora. Conforme a Constituição Brasileira, a apropriação de territórios indígenas é vetada. No caso dos Karajá, isso não acontece. Em Aruanã, por exemplo, um guarda-barcos foi construído sobre um cemitério indígena; acampamentos turísticos estão em área de preservação ambiental; há uma escola não indígena dentro de uma aldeia. E, apesar de terem seus direitos assegurados em um documento, na prática, é essa a realidade enfrentada pelo povo Karajá e por outras etnias brasileiras.

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ARTIGOS Nas próximas páginas a revista UEG Viva dá voz às suas professoras para que, de suas próprias escritas, o corpo docente mostre suas pesquisas e a relevância de seus estudos.

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Marlene Barbosa de Freitas Reis

Maria Cristina de Freitas Bonetti

Professora da Universidade Estadual de Goiás. Docente do Programa Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT). Pós doutora em Gestão da Informação e Conhecimento pela Universidade do Porto, Portugal. Doutora em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ.

Professora e Pesquisadora da Universidade Estadual de Goiás. Coordenadora Adjunta de Pesquisa no Câmpus Pirenópolis. Mestre e Doutora em Ciências da Religião (PUC-Goiás). Analista em Cultura (Secult- Goiânia). Vice Presidente do Conselho de Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental da Cidade de Goiânia.

Samantha Caramori

Leciana Zago

Professora do Câmpus Henrique Santillo, em Anápolis. Membro permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais do Cerrado (Renac), em Anápolis

Professora do Câmpus Itumbiara. Mestre e doutoranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais do Cerrado (Renac), em Anápolis

Júlia Mariano Ferreira Costa Professora do curso de Cinema e Audiovisual do Câmpus GoiâniaLaranjeiras. É mestre em Arte e Cultura Visual (UFG) e especialista em Fotografia: práxis e discurso fotográfico (UEL). É jornalista e fotógrafa. UEG Viva


A pesquisa como eixo articulador ARTIGOS de conhecimentos ARTIGOS Por Marlene Barbosa de Freitas Reis

É sabido que a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão consolida o papel social da universidade no processo de geração e de divulgação de conhecimentos. Desse modo, é fundamental que nós, professores-pesquisadores, busquemos meios para que essa articulação se consolide e se materialize em práticas verdadeiramente indissociáveis – o que ainda é um grande desafio. Pensando nisso, desenvolvi um projeto de estágio de pós-doutoramento, realizado em 2015, na Universidade do Porto, em Portugal. Na ocasião, também articulei ações que se desdobraram em atividades de pesquisa, ensino e extensão. O principal objetivo foi registrar, analisar e divulgar os conhecimentos realizados a partir dos projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos no Câmpus Inhumas da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Para o desenvolvimento da pesquisa, foram propostos eixos de trabalho, que dialogaram entre si. O primeiro tinha o objetivo de analisar a contribuição dos projetos de pesquisas desenvolvidos para o aprimoramento da formação e do conhecimento dos professores e acadêmicos envolvidos no processo formativo. Já o segundo eixo teve como foco identificar nos projetos de extensão os aspectos fundamentais que os compõem e as respectivas contribuições para a melhoria do conhecimento e da formação pessoal, científica e acadêmica dos discentes. O terceiro eixo pretendeu analisar a relevância dos conhecimentos produzidos na pesquisa e extensão, além das contribuições para a autoformação e heteroformação do professor pesquisador e extensionista. Por fim, o quarto eixo verificou a importância do uso da internet como espaço digital na geração e divulgação de conhecimentos. Como forma de disseminação do resultado desse estudo, foi realizado o I Simpósio de Pesquisa e Extensão da UEG, o Simpex, no Câmpus Inhumas, em 2015. Por meio dessa ação, apresentamos à comunidade local todos os projetos de pesquisa e extensão em vigor naquele ano. O I Simpex significou a materialização da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, pois entendemos que a

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extensão deve ser priorizada de forma que nenhuma ação possa estar desvinculada do processo de formação, da utilização dos conhecimentos produzidos e da geração de novos conhecimentos para retroalimentar o ensino. Os resultados obtidos com as atividades decorrentes deste projeto evidenciaram que a articulação ensino-pesquisaextensão é fundamental para a democratização do conhecimento acadêmico, além de fortalecer o elo entre a universidade e a comunidade universitária e local, ressignificando a relação de parceria e o cumprimento da função social da UEG. Essa integração reforça a perspectiva de que o ato de conhecer requer uma ação dialógica e transformadora sobre a realidade por meio de uma busca constante. Ou seja, “conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito que o homem pode realmente conhecer”, conforme pontua o educador Paulo Freire. Porque é desse modo, enquanto docente-pesquisadora, que assumo o desafio de motivar a implementação de estratégias que possibilitem o fortalecimento e a integração da UEG, por meio de uma via de mão dupla com a comunidade. E para fortalecer, ainda, o relacionamento entre docentes-pesquisadores, para que novas pesquisas possam ser realizadas numa perspectiva formativa, interdisciplinar e transdisciplinar, extrapolando os muros da universidade.

a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão consolida o papel social da universidade no processo de geração e de divulgação de conhecimentos

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Qualidade dos solos ARTIGOS do Cerrado ARTIGOS

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Por Leciana Zago e Samantha Caramori

O Cerrado Brasileiro abrange cerca de dois milhões de quilômetros quadrados com área de baixa declividade, representando um atrativo para a agricultura mecanizada. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), novas áreas têm sido desmatadas para expansão de sistemas de produção agrícola. Nesse contexto, surge a necessidade de monitoramento das condições do solo, já que a produtividade está intimamente relacionada à fertilidade. A análise de características físico-químicas do solo é realizada há várias décadas para verificar a necessidade de adubação, e, por isso, é uma prática bem estabelecida entre produtores rurais. Entretanto, a fertilidade do solo não está relacionada apenas a características como teor de macronutrientes (fósforo, potássio, magnésio, cálcio), teor de nitrogênio e carbono, mas também a organismos que habitam esse ecossistema. Os microrganismos participam da ciclagem de nutrientes, pois produzem enzimas que são liberadas para o meio externo e permitem a quebra de grandes moléculas. Essas moléculas menores podem ser novamente assimiladas – tanto pelos próprios microrganismos como pelas plantas. Por isso é necessário avaliar a atividade da comunidade microbiana, a fim de conhecer, de modo global, as condições de fertilidade do solo. Essas foram algumas motivações para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa de mestrado de Leciana Zago, sob orientação da professora Samantha Caramori, no Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado (Renac).

Após a coleta, foram analisados diversos teores, entre eles os de macronutrientes, matéria orgânica, carbono orgânico total, nitrogênio total, saturação por base, saturação por alumínio, capacidade de troca catiônica, pH, umidade, teor de argila e silte e a bioquímica do solo. O estudo revelou que o teor de matéria orgânica, componente importante para a sobrevivências de espécies de plantas e animais, é maior nos ecossistemas preservados (por exemplo, o cerrado nativo) do que em áreas agrícolas, mostrando assim o efeito negativo da remoção da vegetação nativa. A avaliação dos parâmetros bioquímicos também demonstrou que a atividade dos microrganismos é menor em áreas de cultivo agrícola. Além disso, onde são plantadas diferentes espécies ao longo do ano (soja e milho, por exemplo) há menor impacto ao solo e maior possibilidade de ganhos de fertilidade, já que as práticas de manejo estimulam a atividade microbiana no solo.

O estudo revelou que o teor de matéria orgânica, componente importante para a sobrevivências de espécies de plantas e animais, é maior nos ecossistemas preservados do que em áreas agrícolas

Na pesquisa foi feito o monitoramento das condições dos solos em seis municípios do Estado de Goiás, durante os períodos de chuva e de seca, nos anos de 2014 e 2015. Para realizar os estudos foram coletadas amostras de solo, em cada município, em áreas de cultivo de cana-de-açúcar, soja, milho e cerrado nativo – sempre próximo às áreas agrícolas.

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A máscara de boi e os ARTIGOS mascarados de Pirenópolis ARTIGOS Por Maria Cristina de Freitas Bonetti

Esse artigo revisita algumas manifestações da cultura popular brasileira, como o boi e suas respectivas máscaras e destaca o modo dinâmico como as mesmas ultrapassaram a dimensão ritualística e adquiriram diferentes tonalidades, podendo se tornar um produto de consumo cultural ao se transformar em mercadorias ofertadas ao turismo. A chegada do boi em Pirenópolis e a sua inserção na Festa do Divino possibilitou que o mito do boi e as máscaras fossem constituídas como performance artística por meio de movimentos estéticos e simbólicos e da sua reinvenção pelos brincantes. Assim, privilegiamos a ‘chegança dos mascarados na Festa’ e clima carnavalesco em pleno Pentecostes criado pelos cavaleiros com máscara de boi.

apoteótica quando se finda o ciclo das novenas e folias − É temporada de Festa em Pirenópolis, e os mascarados fazem o carnaval! O tempo profano é suspenso e o sagrado surge em meio à alegria e reinvenções. Segundo “o povo do lugar”, sem mascarado não há Cavalhada! Eles surgem com gritarias e seus chocalhos silvam pelas ruas de pedra da histórica “Arraial da Meya Ponte”.

No mundo pós-colonial as manifestações oriundas de festividades cíclicas sobreviveram da herança dos nossos colonizadores e se transformaram em cultura popular e urbana. Possivelmente foram reinventadas dos cortejos dionisíacos e das saturnálias romanas, que enfatizavam a teatralidade materializada, o corpo e sua movimentação em espaços, assemelhando-se a performances carnavalescas.

O religioso permite que o oculto se manifeste, representando um folguedo satírico e trágico. E nesta temporalidade carnavalesca, muitos dizem ‘é tempo do diabo’, não o teológico, mas o que separa e modifica o que está cristalizado. Nada fica igual após os quatro dias de performatização dos mascarados; seus legados culturais se reinventam e se opõem ao momento caótico do presente.

As funções rituais dos mascarados parecem revestidas de um caráter profano, resquícios das festividades pagãs da qual se originam, mas, há laços com o sagrado cristão. Por isso, eles gozam de força e liberdade, com competência de destruir ou admoestar segundo a sua vontade; de conectar o natural ao sobrenatural, de prevenir e organizar o devir de toda a comunidade a que pertencem, que os alimenta e lhes confere legitimidade para a sua existência.

As máscaras celebram as diferenças, traçam diálogos e se articulam com outras representações; expressam a identidade da cidade, principalmente a do boi, por ser frequentemente utilizada para divulgação de eventos locais e do estado de Goiás como símbolo legitimador do patrimônio imaterial pirenopolino.

Ao pesquisar as representações do mito do boi e as máscaras em cada região do Brasil , identificamos que a memória cultural foi construída e reinventada por meio de agentes culturais e grupos sociais mediadores da relação produção/consumo desses autos. Neste sentido, seus valores de uso e de representação foram modificados e subjugados às lógicas mercadológicas e midiáticas.

Destarte, as realidades complexas do festejo foram construídas a partir dos processos lusitanos de comunicação metafórica da arte, reconfigurada na dramaturgia popular e na associação com a miscigenação étnico-cultural na colonização brasileira. A simbologia encontrada nos Rituais da Festa do Divino sobreviveu nas manifestações artísticas derivadas das tradições lusitanas, daí a permanência da máscara de cabeça de boi, recriada em Pirenópolis na década de 1930.

Em Pirenópolis a Festa do Divino acontece há quase 200 anos. Os mascarados foram surgindo de forma secreta e aleatória. Todos se preparam para a sua chegada

AS MÁSCARAS CELEBRAM AS DIFERENÇAS, TRAÇAM DIÁLOGOS E SE ARTICULAM COM OUTRAS REPRESENTAÇÕES: EXPRESSAM A IDENTIDADE DA CIDADE UEG Viva

Ano após ano, o palco é da arte popular, que emerge da memória da comunidade, que construiu um patrimônio inventado pela vontade de participar do “carnaval dos mascarados”. Quando eles chegaram às Cavalhadas? É difícil precisar! As histórias contadas ultrapassam os limites da imaginação, a tradição é ressignificada nos ritmos singulares dessa temporalidade. É o passado revisitado nas narrativas do ‘povo do lugar’.

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Subjetividades (im)perpétuas ARTIGOS em fotografias ARTIGOS Por Júlia Mariano Ferreira Costa

Era para ser apenas uma saída fotográfica despretensiosa, para fotografar coisas triviais... Coisa de fotógrafo com tempo livre em uma cidade nova. O cenário escolhido pode parecer, à princípio, estranho ou até mesmo mórbido, mas fotógrafos buscam encontrar cenas interessantes para serem registradas mesmo em lugares onde outras pessoas não julguem tão atraentes, como um cemitério. Em meio aos túmulos, buscava detalhes, ângulos variados para registrar. Monumentos, placas, flores, detalhes que passariam despercebidos por um observador menos atento, que estivesse naquele ambiente fazendo o que a maioria faz: visitar o túmulo de algum ente ou amigo querido, fazer uma oração, uma prece, levar flores ou velas. Por esse motivo, a minha presença causava estranheza nos transeuntes. Olhares curiosos miravam me, mas não eram capazes de me distrair. A iluminação estava incrível naquela manhã de início de inverno no norte do Paraná. Os cliques eram despretensiosos até o momento que visualizei no visor de LCD da câmera o preview última imagem capturada. Naquele instante tive um insight. O que eu vi ali era muito mais do que eu havia enxergado e pensava ter capturado. Um pedaço de um túmulo com uma placa de metal com a palavra “Perpétuo” gravada nela. Uma cena que certamente não despertaria interesse, se não tivesse sido registrada por meio de uma câmera fotográfica. Mas a natureza fragmentária da fotografia permite-nos reavaliar uma realidade, ao observar, por meio do recorte em uma imagem fixa, questões perdidas na invisibilidade do convívio cotidiano. Além do mais, o fotógrafo, diante de suas próprias imagens, não é remetido somente ao passado do que foi representado. Ao contrário, esse passado se mescla com lembranças e circunstâncias do momento de sua realização. E a fotografia ainda remete também a seus sonhos, desejos, lembranças. Desse modo, a percepção de uma fotografia intercala no fotógrafo passado e presente de modo inseparável.

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Seria uma fotografia simplória, se não tivesse ativado tantas reflexões sobre o sentido daquela palavra, ponderações sobre os motivos pelos quais ela estava gravada naquele local, os costumes de se utilizar esse elemento nos túmulos, e toda a dicotomia de vida e morte que era capaz de representar... Aquela fotografia tocou-me, afetou-me de tal forma, que passei muitos meses à procura de outros perpétuos. Incessantemente minha busca continuava, até que já não havia mais cemitérios ali para serem explorados e parti para buscar mais perpétuos, outras significações em cidades distintas. O Perpétuo emerge com a vida que se finda, edificando a morte. Irrompe a memória que persevera, mesmo diante do corpo que se esvai. Pretende ser imutável, mas perece. Almeja a eternidade, mas renuncia, deixando apenas vestígios. Cravado em placa de metal, permanece, mas apagase na deformidade de matérias módicas. Ora convive com plantas secas e flores murchas, ora com adereços que persistem graças à sua essência artificial. É fugaz, mesmo reivindicando ser perdurável. Enferruja, murcha, descasca... É perpétuo apenas enquanto persiste, insiste, perdura, perpetua. Depois, finda! Para ver as fotos do ensaio perpétuo, acesse: https://www.flickr.com/photos/juliamariano/albums/72157686295240026

O FOTÓGRAFO, DIANTE DE SUAS PRÓPRIAS IMAGENS, NÃO É REMETIDO SOMENTE AO PASSADO DO QUE FOI REPRESENTADO. AO CONTRÁRIO, ESSE PASSADO SE MESCLA COM LEMBRANÇAS E CIRCUNSTÂNCIAS DO MOMENTO DE SUA REALIZAÇÃO

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MAIS DE

400 MIL PESSOAS ATENDIDAS EM TODO O ESTADO PELOS PROJETOS DE EXTENSÃO DA UEG

ANUNCIO

Os projetos desenvolvidos nos câmpus asseguram o contato direto e estreitam os laços entre academia e sociedade, possibilitando o diálogo necessário para o desenvolvimento de saberes científicos conectados com a realidade. Os projetos têm levado às comunidades locais soluções para suas demandas e beneficiado milhares de pessoas em todo o Estado.

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Ponto de encontro

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ão Jorge é uma vila pertencente ao município de Alto Paraíso, em Goiás, que de tão típica parece fazer parte de um roteiro de novela. Com ruas de terra e seus 600 habitantes, o lugar é bastante pacato. A não ser pelos fins de semana, feriados prolongados e temporadas de férias, quando turistas de diversas origens chegam para se misturar à paisagem. Mas poucas datas levam tantos visitantes a São Jorge quanto o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que sempre acontece nas duas últimas semanas do mês de julho.

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Stephani Echalar É aí que chegam comunidades calungas, etnias indígenas, grupos de folia, artistas e, é claro, o público, que vai assistir e participar de toda a programação do evento. Nessas duas semanas, brasileiros de todas as regiões do País e estrangeiros de vários países têm a oportunidade de conhecer a Sussa, dança típica das mulheres Calunga. Ou o Terno de Moçambique, que desfila nas ruas com seus tambores, cantorias e sapateados. À noite, eles assistem a peças de teatro de grupos regionais, dançam ciranda e coco de roda, levantando a poeira dos caminhos feitos de terra. E o mais importante: quando vão embora, levam consigo a lembrança desses costumes. E assim, sua memória e tradição seguem vivos.

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O Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros ocorre anualmente na Vila de Sรฃo Jorge, em Goiรกs

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Porta fechada para educação no campo Pesquisa realizada pela professora Francilane Eulália, da UEG, mostra que é alto o número de escolas rurais fechadas em Goiás. E aponta possíveis causas do problema, que afeta crianças de praticamente todo o Estado

José Carlos Araújo João Henrique Pacheco

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os 7 anos de idade, Ana Eduarda acorda às 5h30 para ir à escola, a cerca de 10 quilômetros de casa, na zona rural de Formosa (GO). Até abril de 2015, porém, sua jornada era mais leve. Ela estudava na Escola Municipal Altina Neres, a poucos metros de onde mora, no assentamento Nova Piratininga. A unidade foi fechada pela prefeitura, a exemplo dos inúmeros casos registrados pela professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Francilane Eulália de Souza. Ela é autora do estudo Dicotomias e territórios em disputa no fechamento de escolas no campo no Estado de Goiás. Docente do curso de Geografia do Câmpus Formosa, Francilane mostra que, do ano 2000 a 2015, o número de escolas no campo em Goiás caiu de 1.824 unidades para 575. Reflexo do que ocorre também em nível nacional. Segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC), de 2001 a 2011 foram fechados 37.776 estabelecimentos de ensino rurais do País. Para tentar reverter o quadro, o MEC propôs o Projeto de Lei 5.534/12, sancionado em 2014. Pela lei, antes de fechar uma escola rural, a comunidade precisa ser ouvida e a Secretaria de Educação precisa justificar a necessidade do fechamento. Boa parte do estudo, segundo Francilane, está pronta, e inclui o mapeamento dos casos, com seus respectivos números (leia no quadro). Para mapear e identificar as escolas no Estado, a pesquisadora utilizou o sistema de divisão territorial em mesorregiões geográficas do IBGE. “Agora, o desafio é ir aos municípios, entender o fechamento das escolas, conversando com os moradores”, aponta a professora. Nessa etapa, ela vai tentar identificar os elementos que vêm impulsionando o fechamento de escolas, bem como suas consequências.

Hipóteses Algumas hipóteses já foram identificadas. Uma delas é o que a professora chama de “paradigma do capitalismo agrário”, em que aponta diferentes visões do grande produtor agrícola e do camponês. Nessa perspectiva, Francilane identifica uma dualidade entre agronegócio e campesinato. O primeiro busca gerar riqueza, e acaba expulsando o camponês. E uma das formas de se fazer isso, de acordo com a professora, é deixar o camponês sem escolas.

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Ou seja, não há interesse do poder público em manter a vida no campo, pois, de acordo com a professora, “campo bom é o que dá dinheiro”. “Já no campesinato, o sujeito escolhe ser camponês, não um grande produtor, diferentemente até do agricultor familiar, que surge no bojo do capitalismo agrário e que quer, um dia, ser um grande produtor”, diz a professora. O estudo aponta o transporte de estudantes como um dos elementos-chave do fechamento de escolas. Ao mesmo tempo em que é indispensável, é também um incentivador. Afinal, avalia a professora, é bem mais barato investir no transporte que manter uma escola aberta, o que acaba incentivando a gestão pública a fechar as unidades educacionais.

Estudo aponta o transporte de estudantes como um dos elementos chave do fechamento de escolas. Ao mesmo tempo em que é indispensável, é também incentivador

Número de escolas rurais fechadas no Estado de Goiás por mesorregiões

Em 2007 haviam 172 escolas no campo; em 2015 já eram 117, fechamento de 55 escolas. 15 município apresentaram diminuição Nova Iguaçu de Goiás, Trombas e Campinorte não deixaram de ter escolas rurais em 2015

NORTE Em 2007 havia 62 escolas rurais na região; em 2015 esse número caiu para 47 – diminuição de 15 escolas. O maior fechamento de unidades rurais ocorreu em Faina: 7 escolas

NOROESTE

LESTE

CENTRO

Entre 2007 a 2015, a região registrou fechamento de 102 escolas e abertura de outras 23 O município que mais fechou escola na mesorregião (e no Estado), foi Pirenópolis: 12

Em 2007 eram 130 escolas, caindo para 97 em 2015, com fechamento de 33 escolas. 43 municípios não contam com escolas rurais

SUL Em 2007 foram registradas 140 escolas; em 2015 esse número havia caído para 121, com fechamento de 19 escolas. 46 dos 82 municípios não contam com escola rurais

QUEDA DE 68% No ano 2000, Goiás contava com 1.822 escolas no campo; em 2015, eram 575, queda de 68%.

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RANKING A mesorregião Leste apresenta maior ritmo de diminuição de escolas, seguida por Norte, Centro Goiano, Sul e Noroeste.

AUSÊNCIA NAS ESCOLAS Até 60% dos municípios nas mesorregiões Centro e Sul goianos estão em vias de consolidação do movimento de fechamento de escolas, que pode resultar na total ausência de escolas.

MAIOR REDUÇÃO O período de 2008 e 2009 registou o maior número de diminuição de escolas, com média de 26 por ano.

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Identidade campesina Em 2015, a Secretária Estadual de Educação de Goiás registrou o transporte de 50.347 alunos da rede estadual de ensino do campo para a cidade. E houve registros de até 7 horas de ida e volta. “Como obter bons rendimentos se as crianças chegam cansadas às salas de aula, após longa viagem em transportes de má qualidade?”, lamenta a professora. Outro elemento que fomenta o fechamento das unidades rurais é o sucateamento da infraestrutura. Não raro, falta o básico, como água tratada, banheiro e merenda. Em muitos casos, as turmas são monosseriadas, com alunos de várias séries em uma só sala. Dessa forma, entende a professora, “o abandono da escola (rural) também leva à fuga para a cidade.”

Acima: Escola Municipal Altina Neres, na zona rural de Formosa, está fechada desde o primeiro semestre de 2016 e deixou de atender estudantes do assentamento Nova Pirapitinga

A próxima fase do estudo, Francilane pretende aplicar em um pós-doutorado. Ela também planeja transformar a pesquisa em livro, onde citará a participação fundamental da pesquisadora colaboradora Cassia Betânia Rodrigues e das bolsistas de Iniciação Científica da UEG Gisele Leite Bibiano, Tainara Alves de Jesus Abe e Daniela Lopes Rocha. “É um projeto do qual nos apropriamos para continuar nos qualificando”, diz a professora Francilane Eulália.

Ao lado: professora Francilane Eulália, na porta da Escola Municipal Altina Neres, na zona rural de Formosa: “o abandono da escola (rural) também leva à fuga para a cidade”

“Eu sei ler, você não sabe” No grupo de 8 alunos transferidos em 2015

“Aqui, as meninas implicam”, reclama Gabriely.

gar a uma estrada de chão. Algumas descem ao lado

para a Escola Júlio César Lacerda, no Distrito

Na escola no assentamento, todos dividiam a

da porteira de cada chácara e caminham cerca de 1

de Santa Rosa, Ana Eduarda, de 7 anos, se

mesma sala, e os laços eram mais estreitos. Até

km até a casa. Às vezes, sozinhas.

destaca pela inquietação, na sala escolhida

a “tia” era a mesma: a professora Maria do Carmo

pela diretora Ivani Buzanelo para uma conversa

Caixeta, também transferida para a Júlio Lacerda.

O ônibus pega de novo o asfalto para ir ao outro

com a reportagem da revista UEG Viva. A

Ela trabalhou na Escola Altina Neres de janeiro

lado do assentamento, em novo trajeto de chão. Ana

menina não para de conversar com a colega

a maio de 2015. Agora, ensina alunos do 1º ao

Eduarda desce logo a seguir. Embora more perto da

de sala Gabriely, também de 7 anos. “Eu sei ler,

4º ano. “Até o lanche eu tinha de fazer; não tinha

fábrica de farinha desativada, ela tem de caminhar

ela não sabe”, diz Gabriely. “Sei, sim, você é que

ajudante, numa fase difícil que é a alfabetização”,

até outra propriedade, onde a mãe, Ana Lúcia, tra-

não sabe”, rebate Ana Eduarda.

conta a professora, hoje responsável apenas por

balha em uma fábrica caseira de farinha.

turmas do 4º ano. Ao responder sobre quem gostava da nova escola, todos levantam a mão. Mas, ao

Ana Eduarda foi ao encontro da mãe no carro da Ao lado da porteira

sugerir uma hipótese de estudarem na antiga

reportagem. Chegou rápido. Mas, nos dias normais, quando a mãe não chega a tempo de levá-la na

unidade, a resposta também é uníssona:

Ao final da aula, a criançada pega o ônibus

garupa da bicicleta, a menina tem de caminhar, sob

“sim”. E a principal justificativa é o cansaço.

escolar, um veículo de meia idade, sem cinto

chuva ou sol. Perigoso? Para a mãe, não. “Viiii, aqui

Todos dizem acordar por volta das 5h30. “Lá

de segurança, muito menos ar-condicionado.

todo mundo é vizinho”, descarta. Por enquanto, vai

(na antiga escola), a gente podia andar de

O motorista é o único responsável por toda a

ser assim. Pelo menos até que Júlia Fernanda, de

bicicleta”, acrescenta Melrick Pereira, de 10

garotada. No veículo, as crianças percorrem um

3 anos, esteja na idade escolar, e faça companhia

anos, agora no 5º ano.

trecho de uns 3 quilômetros de asfalto, até che-

para a irmã.

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Esporte e lazer na extensão do ensino superior

José Carlos Araújo João Henrique Pacheco Arquivo pessoal / Lorena Spoladore

Projetos de extensão realizados por professores do curso de Educação Física do Câmpus Eseffego envolvem paratletas e pessoas da comunidade em geral. E até formam campeões

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E

m 2006, uma garota de 11 anos dava os primeiros saltos no que se transformou em uma carreira vitoriosa no esporte paralímpico brasileiro. A criança é hoje a campeã mundial e medalhista paralímpica Lorena Spoladore, uma das personagens da história de um dos projetos de extensão realizados no Câmpus Eseffego da Universidade Estadual de Goiás (UEG). São projetos que estão produzindo – com a inclusão de pessoas com deficiência no esporte, no lazer e na convivência social – um legado tão importante quanto os títulos e medalhas conquistados. Alguns desses projetos são coordenados pelo professor Gleyson Batista Rios, responsável pela disciplina Educação Física e Diversidade Humana. A conexão entre Lorena e Gleyson foi outro professor de Educação Física, egresso da Eseffego, o treinador de atletismo José Adriano Bispo Araújo, conhecido como “Jabá”. Foi ele quem procurou o apoio de Gleyson, em 2014, para o trabalho que realizava com paratletas. Entre eles estava Lorena Spoladore, medalhista de prata e bronze na Paralimpíada Rio 2016. Da parceria entre Gleyson e Jabá surgiu em 2015 um projeto de extensão de atletismo; e em 2016, mais dois projetos, um de atletismo e outro de natação. Todos tinham como foco pessoas com alguma deficiência. Também foram realizados, como pilotos, um projeto de tênis e outro de ginástica geral, nos quais eram atendidos cerca de 20 alunos, vinculados à Associação Paralímpicos do Futuro (Apaf) e à Associação Down de Goiás (Asdown).

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Participação dos estudantes Os projetos também têm como objetivo a formação acadêmica, por meio da participação dos estudantes do curso de Educação Física. No ano passado, estavam envolvidos 12 alunos. Incluem, ainda, a participação de outros docentes voluntários, como Bárbara Andressa Rocha e Elen Cristine Gomes Prado. Outro apoio importante é o do professor Vicente Paulo Batista Dalla Déa. É com ele que Gleyson define o direcionamento dos projetos de práticas corporais que atendem pessoas com defi-

ciência. “Planejamos as prioridades, as práticas que serão ofertadas, os critérios de seleção de acadêmicos, além de compartilharmos com os professores colaboradores a coordenação de cada projeto específico”, explica Gleyson. Só no ano passado foram atendidas mais de 50 pessoas, entre atletas e paratletas. Segundo Gleyson, o mais importante é trazer essas pessoas para o esporte e o lazer, com todos os benefícios que essas práticas oferecem. “Isso vai se refletir, também, no profissional que busca atender às demandas de uma sociedade que deve se organizar para a inclusão”, acrescenta o professor.

"Nós queremos ter aqui a presença de pessoas com deficiência, e contamos com o poder público das várias esferas como parceiros, para ampliarmos os trabalhos" Gleyson Batista Rios, professor da Eseffego

Poucos espaços Com esses projetos, a Eseffego se apresenta como um dos poucos espaços em Goiânia para o acesso dessas pessoas a atividades físicas e recreativas. A elas é oferecido, com acompanhamento de profissionais capacitados, o treinamento adequado em espaços apropriados, como piscinas e pista de atletismo. Os trabalhos realizados ali, destaca Gleyson, são também uma opção para o convívio dessas pessoas entre si e delas com estudantes, professores, servidores e com a comunidade em geral, que também vai à Eseffego praticar esportes.

Para 2017, quatro projetos e parceria com o Crer Para este ano, está prevista a realização de quatro projetos para pessoas com deficiências no Câmpus Eseffego da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Três deles serão desenvolvidos pelo professor Gleyson: musculação e treinamento funcional; natação; e atletismo. O quarto projeto, tênis, será coordenado pelo professor Vicente Paulo. O trabalho de musculação e de treinamento funcional começou em fevereiro, com pacientes encaminhados pelo Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer). Gleyson lembra que também está sendo feito contato com o técnico da seleção brasileira de vôlei sentado e egresso da Eseffego, Antônio Guedes, para introduzir esse esporte e a bocha nos projetos de extensão. A seleção brasileira de vôlei sentado foi medalha de bronze na Paralimpíada Rio 2016. Gleyson sonha ainda com o badmínton e o futebol de 7 para pessoas com paralisia cerebral. Para que esses projetos floresçam, é fundamental o apoio de outras instituições. “A gente vem pensando na possibilidade de se aproximar da Agel [Agência Goiana de Esporte e Lazer] pra ver se conseguimos contratos para os alunos como estagiários, ou até mesmo com escolas do município, que poderiam ser parceiras, sem ônus para elas, como é o caso do Crer”, planeja. “Nós queremos ter aqui a presença de pessoas com deficiência, e contamos com o poder público das várias esferas como parceiros, para ampliarmos os trabalhos”, acrescenta. E o Crer pode representar um grande incentivo para outras instituições se aproximarem desses projetos.

Com o colega “Jabá”, professor Gleyson orienta paratletas em treino, otimista com o futuro do trabalho de inclusão

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Atletas consagrados deixam pegadas no Câmpus Eseffego

muito amiga, praticamente uma irmã”, diz Lorena, ao referir-se à amiga.

A parceria entre os professores Gleyson e Jabá começou em 2015, quando Jabá o apresentou seu trabalho realizado com paratletas. Juntos, buscaram parcerias com instituições que atuavam com pessoas com deficiência. O primeiro acordo foi com o Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (Cebrav), da Secretaria do Estado da Educação, Cultura e Esporte (Seduce), com o qual Jabá trabalhava. “Com a colaboração do professor Jabá, vários atletas se destacaram em nível regional e até internacional”, comemora Gleyson.

Alternativa importante

Nessa lista estão Gabriela Vieira da Silva, de 17, tetracampeã escolar brasileira e goiana de velocidade, além de tricampeã no salto em distância; Samuel Eckert, hoje paratleta do Sesi Santo André (SP); e Gilberto Marques dos Santos, velocista de número 10 no ranking mundial em 2016. Um caso, porém, merece ser destacado, o de Lorena Spoladore. Ela foi medalha de prata no revezamento 4x100m T11-13 e de bronze no salto em distância na Paralimpíada Rio 2016. À revista UEG Viva, por telefone, Lorena lembrou do início da carreira. Os primeiros passos foram dados com o professor Luís Eduardo, também no Câmpus Eseffego da UEG, em 2006.

Treinos oficias Em 2009, ela conheceu o professor Jabá, que a treinou até 2013, nas provas de corrida. Ambos treinavam no Câmpus Eseffego, na Praça de Esporte do Setor Pedro Ludovico e também em Senador Canedo. Os treinos oficiais eram realizados sempre no Câmpus Eseffego. Para Lorena, o apoio de Jabá e da Eseffego foi decisivo em sua carreira. Antes de conhecer o treinador, quase abandonou a carreira. Manteve o foco e acabou se tornando campeã mundial de salto em distância, em Toulon, na França. Em 2014, Lorena mudou-se para São Paulo, onde mora e treina com a seleção brasileira de salto em distância. Além da formação de paratletas que possam se destacar, Lorena vê outros benefícios no trabalho realizado no Câmpus Eseffego. “É um trabalho fundamental, pois tira o deficiente de dentro de casa e dá a ele objetivos”, diz, em análise semelhante à de outra atleta, que ainda treina no Câmpus Eseffego e é grande amiga de Lorena: Gabriela Vieira Santos. “É minha filhota,

Velocista nos 100m, 200m e 400m, Gabriela ressalta os benefícios desses projetos. “O mais importante é a socialização, pois o deficiente não tem muitas opções”. Para ela, o esporte representa uma alternativa importante na integração social. “Muitos são introvertidos, e no esporte a gente se comunica, se desenvolve socialmente; a competição ajuda também na autoconfiança”, avalia. O grupo de atletas conta com Edmar de Oliveira Santos, de 62 ano, medalhista de ouro, prata e bronze em competições nacionais, nos 100m, 200m e 400m. Ele começou a treinar há cerca de 7 anos, quando a perda paulatina da visão se tornou cegueira total. “Fiquei em depressão profunda, mas encontrei o remédio aqui, com o professor Jabá”, revela. E não foi só isso: “Pesava 102 quilos, hoje estou com 76; deixei tudo na pista”, brinca. Mas nem todos que treinam com acompanhamento dos professores no Câmpus Eseffego apresentam potencial para se tornar atleta, olímpico ou paralímpico. “Essas pessoas também têm nossa preocupação”, diz Gleyson. “Avançamos na perspectiva de treinar pessoas com deficiência junto com as pessoas sem deficiência”, emenda. Dessa forma, acredita, ajudamos a promover saúde, lazer e qualidade de vida para todos.

Campeã mundial, medalhista de prata no revezamento 4x100 e bronze no salto em distância na Paralimpíada Rio 2016, Lorena Spoladore é uma das atletas que treinaram no Câmpus Eseffego da UEG Fonte: Arquivo pessoal/ Lorena Spoladore

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ARTE NOSSA

Ciclo produtivo em benefício da formação

Stephani Echalar Arquivo pessoal / Rafael de Almeida

Rafael, além de diretor e produtor, é professor do curso de Cinema e Audiovisual da UEG e diretor do Câmpus Laranjeiras - Goiânia Fonte: Arquivo pessoal

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egistrar os instantes da vida é parte de ser humano. Desde as pinturas nas cavernas e os hieroglifos nas pirâmides, seja com letras ou imagens, descrevemos os momentos na tentativa de revivê-los. A experiência única, o momento efêmero, a felicidade que veio e passou... Tudo isso, agora, pode ser gravado e revisitado. Mas, o que separa o presente da lembrança quando se vive os momentos atrás da tela do smartphone, na tentativa de gravar uma vida inteira? São essas reflexões que surgem ao assistirmos Para não esquecer (2016), filme do diretor goiano Rafael de Almeida. O curta reúne trechos em super-8 e imagens digitais, gravadas durante o tempo em que esteve fora do Brasil cursando o doutorado. São gravações domésticas, registros do tempo passado na companhia de amigos e da noiva. “O filme questiona o lugar ocupado pela nossa compulsão pelo registro, com a intenção de tudo guardar, tudo reter, tudo capturar. Sendo assim, é como se o olhar intermediado por aparelhos substituísse a mirada que de fato encontra o mundo e suas coisas. Com isso, o presente se perde em favor de um futuro que possa olhar para um passado pouco vivido”. Enquanto filmava e fotografava suas futuras lembranças, o cineasta percebeu um comporta-

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mento padrão das outras pessoas que passavam por ele e seus amigos durante as viagens. “O fato de estar em um país distante a princípio me impulsionou a fotografar mais as viagens que fazia. No entanto, a partir de um determinado momento passei a notar o quanto o registro ocupava boa parte da experiência”, conta o diretor. “Notei isso em especial a partir do comportamento de outros turistas, o que me fez ter interesse em registrá-los enquanto fotografavam compulsivamente suas experiências”. E como fica a ordem das coisas, a relação entre registro e lembrança com o avanço das mídias digitais? É possível viver uma experiência plenamente registrando-a enquanto ela ocorre? “Com a profusão de imagens que vivemos na contemporaneidade, facilitada pelas tecnologias digitais, é inevitável que o registro e as lembranças se mesclem cada vez mais”, pontua o realizador. No âmbito pessoal, Rafael busca uma relação diferente com as memórias registradas. “Tendo a me relacionar com as imagens como elementos que não coincidem com as lembranças, mas que, sim, são capazes de ativá-las”. Rafael, além de diretor e produtor, é professor do curso de Cinema e Audiovisual da UEG e diretor do Câmpus Laranjeiras - Goiânia. A afinidade com a sétima arte surgiu na graduação, quando cursava Comunicação Social. “Fiz algumas oficinas e cursos livres que me permitiram começar a experimentar os processos de realização audiovisual como forma de contar histórias. Venho experimentando desde então”. Para não esquecer estreou em setembro do ano passado, no 14º Vancouver Latin American Film Festival, e também fez parte da programação da 18ª Muestra Internacional Documental de Bogotá, em outubro. Um teaser do filme está disponível para visualização no canal de Rafael no site Vimeo. Confira o vídeo pelo QR code disponível ao lado.

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Para nĂŁo esquecer (2016), Rafael de Almeida

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Z I R R T A A M RICUL R U C G E U E D A A D I S D R E V I N U MA

, U A C I O T D Á N I R U C R O T M S E N D . E S CO I D A A M D I L Z E A V U Q A D M A O C C E A V I S U INCL

A nova matriz curricular da Universidade Estadual de Goiás (UEG) foi elaborada, com a perspectiva de orientar o estudante a ser protagonista de sua trajetória acadêmica. Essa implementação busca favorecer uma formação cidadã e, assim, proporcionar ao estudante mais que um desenvolvimento profissional, oferecendo a ele as ferramentas para que seja agente de mudanças sociais. Conheça mais em www.desenvolvimentocurricular.ueg.br

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