As secas que desafiam a vida no Vale

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O SÃO PAULO 22 a 28 de janeiro de 2013

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Geral As secas que desafiam a vida no Vale Morre fundador da Comissão Justiça e Paz da CNBB

Morreu no dia 15, no Rio de Janeiro, Tibor Sulik, membro fundador da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Tibor, nascido no dia 27 de abril de 1927, em Tornovecz Nad Varum, região que hoje faz parte da República Theca, ficou conhecido por ser um militante das causas sociais.

Movimentos uniram forças e percorreram comunidades de Berilo (MG) para escutar as histórias do povo Fotos: Nayá Fernandes/O SÃO PAULO

NAYÁ FERNANDES

ESPECIAL PARA O SÃO PAULO NO VALE DO JEQUITINHONHA (MG)

“Em missão da Pastoral dos Migrantes a 28 comunidades rurais do município de Berilo (MG), constatamos uma situação desesperadora para a sobrevivência e dignidade humana. Vimos que várias dessas comunidades rurais estão sofrendo com a seca e a total falta de água potável e não potável”, escreveu José Carlos Alves Pereira, membro da Colegiada Executiva Nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) em uma Petição Pública enviada na terça-feira, dia 15, ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Terra, água, juventude e bem viver foi o tema escolhido para a realização da 28ª edição da missão no Vale do Jequitinhonha, promovida pelo SPM entre os dias 13 e 19. A missão reuniu 60 pessoas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraíba, Piauí e Bahia, que visitaram as comunidades de Berilo com a realização de encontros com crianças, jovens, mulheres, trabalhadores, visita às casas, noites culturais, oficinas temáticas, seminários. A seca na região foi a pior dos últimos 15 anos. Num percentual de 80% da população que vivem na zona rural, cerca de 75% ficaram sem água até para cozinhar. A falta de chuva, porém, não é o único problema que assola a população de Berilo e dos demais 79 municípios do Vale, espalhados numa área de 85.467,10 km², no

nordeste do Estado de Minas Gerais. Falta trabalho, incentivo para os agricultores produzirem, fiscalização do governo para impedir as grandes empresas de monocultura que destroem as nascentes dos rios. Faltam projetos para educação de crianças e jovens, respeito aos direitos das comunidades quilombolas, apoio às iniciativas de pequenos grupos, associações e cooperativas que surgem na região. Secas que desafiam a vida do povo, dos rios, desafiam o cultivo da terra, a permanência dos pés de pequi (fruta típica da região que serve de sustento) cada vez mais escassos, as grandes cidades que ficam abarrotadas de pessoas que migram sem alternativas. Para escutar as dificuldades vividas pelo povo daquela região e tentar, junto a ele, organizar atividades que postulem mudanças, é que anualmente universitários, leigos, religiosos, seminaristas, sacerdotes e voluntários partilham as dores, alegrias e sonhos dos moradores do Vale. “Aqui falta oportunidade. A gente tem que sair e ir pra São Paulo trabalhar”, disse Jean Pierre, 22 anos, da comunidade quilombola Vila de Santo Isidoro que migra para o corte de cana desde os 14. O drama vivido por ele repete-se na fala e na história de quase todos os jovens que compõem os 13.510 habitantes de Berilo. “Eu espero consciência. Consciência para que as pessoas entendam que todos são iguais e vivam a unidade”,

disse Custódio Souza, também migrante do Vale para o corte de cana do interior do Estado de São Paulo. Os desejos descritos acima foram ditos por trabalhadores, a maioria deles migra para o corte de cana e a colheita do café e fica fora do Vale entre seis e oito meses do ano em fazendas no interior de Minas, São Paulo e Mato Grosso. Eles se reuniram na comunidade Vila de Santo Isidoro na noite do dia 15, num encontro coordenado por Maria Eva Santos, da cidade de Jenipapo de Minas, agente da Comissão de Pastoral da Terra (CPT) e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Para mim, a missão é um dever como cristã e como cidadã. Esta semana deixei muita coisa para vir. É um momento de escuta e partilha. O migrante raramente conta maravilhas. São histórias de dor e sofrimento. Com isso, a gente serve para sustentar a fé e esperança e contribuir para promover a justiça”, comentou Eva. “É preciso conhecer a realidade do povo, suas lutas e anseios para abraçar a causa. Precisamos aprender com a peleja do povo. O pessoal não esmorece e mostra alegria no rosto. De onde vem essa força? Da mística que todos nós precisamos aprender”, disse dom Marcello Romano, bispo da Diocese de Araçuaí (MG), na abertura do seminário sobre Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, que aconteceu no sábado, 19, na conclusão da missão.

O clamor por justiça no Jequitinhonha ressoa na voz da comunidade disse dona Jandira Gomes, 80 anos, nove filhos, apenas três moram no Vale. Sensibilizar a Igreja a Ela mora na comunidade caminhar com os migranrural de Roça Grande, por tes e com os mais pobres onde passa o rio Araçuaí, foi o objetivo da missão região onde os moradores promovida pelo SPM. temem ser construída uma Foram muitas as vozes de barragem. pessoas que pedem socor“Durante esses dias aqui ro e clamam por uma vida no Vale, percebi que exismais digna. tem propriedades que conAndré Cândido Teixeiseguem produzir mesmo ra, da comunidade rural Vai com a seca. O problema não Lavando, conta o drama da é da seca, mas das cercas, luta contra as grandes emnão somente aquelas que preiteiras de plantação de cercam as propriedades, eucalipto que destroem as mas as cercas do conhenascentes dos rios. “Desde cimento. Meu pedido é o ano “trasado” a gente para que os estudantes que vem sofrendo descaso das adquirem conhecimento empreiteiras. Aqui percrítico possam disseminá-lo to tem sete nascentes. As para combater o conheciempresas vinham de São mento que só beneficia os Paulo. A gente se juntou e grandes e exclui os pequefoi pra lá, mas fomos ameanos. É preciso fomentar um çados. Eu convido o pessoal conhecimento que surja a lutar contra isso, mesmo a partir do povo e sirva ao estando sendo ameaçado. povo”, disse A empreiteira Leonardo Fervem de longe “Chê, Zumbi, Antônio reira Reis, 25 e garanto que anos, que eslá, na terra deles, não tem Conselheiro, na luta por justiça, tuda a questão da migração plantação de nós somos companheiros” na Universieucalipto”. Grito dos trabalhadores no encerramento do encontro, dade de São “A qualidaenquanto estouravam um balão onde estava escrito de da água dis- um direito negado de acordo com a opnião de cada um. Carlos em São Paulo. (NF) tribuída pela DA ESPECIAL PARA O SÃO PAULO

Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copanor/Copasa) na cidade de Berilo é um desrespeito à população. Os moradores comprovaram que a água estava sendo distribuída sem tratamento e isso é um crime, porque pagamos pela água limpa e ela está suja, é crime de estelionato e contra o Código de Defesa do Consumidor”, declarou Múcio Amaral Murta, advogado que escreveu uma carta ao povo de Berilo e a distribuiu entre a população para noticiar o fato ilícito e criminoso. “Aqui tem muita casa de família. Se a barragem chegar vai acabar com tudo. E muita gente não pode viver na cidade, se virar água, o que vamos fazer, o que vamos comer? Eles dizem que vão indenizar, mas o dinheiro acaba, a terra não”,


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