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10 Oculomotricidade

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Oculomotricidade Sidney Júlio de Faria e Sousa Milton Ruiz Alves

As forias fazem parte do diagnóstico diferencial da astenopia e das cefaleias frontais. Os estrabismos são importantes fontes de ambliopia. O diagnóstico, mensuração e tratamento clínico dessas condições exigem familiaridade com os recursos ópticos que afetam o sistema oculomotor. O presente capítulo inicia pela abordagem de prismas e dos efeitos prismáticos pelo fato de serem elementos fundamentais no estudo da oculomotricidade.

PRISMAS E EFEITOS PRISMÁTICOS

Os prismas são peças ópticas, de secção triangular, capazes de desviar a direção de feixes de raios paralelos, sem interferir com a vergência deles.1 Em função disso, apresentam grande número de aplicações.

Devido à secção triangular, os prismas têm um ápice e uma base. Quando o material óptico que constitui os prismas é de densidade homogênea, o poder prismático é idêntico em toda a sua extensão. Cresce, apenas, com a abertura angular do ápice. Em virtude disso, se alinhados vários prismas de mesmo poder, de modo que a base de cada um toque o ápice do antecedente, o efeito final da combinação é idêntico ao de cada prisma, em separado. Essa propriedade é que deu margem ao prisma de Fresnel, que nada mais é do que um conjunto de minúsculos prismas, de mesmo poder, alinhados sobre uma fina lâmina de material transparente.2 Os prismas de Fresnel permitem a confecção de prismas laminados de grandes dimensões com baixíssima espessura (Figura 1).

Embora os prismas sempre desviem a luz para a base, quem olha através deles vê a imagem deslocar-se para o ápice (Figura 2).

Na clínica, o que importa é a posição da imagem, não a direção da luz. Como o ápice dos prismas é que determina a posição da imagem, é para ele que a atenção deve ser voltada. O ápice do prisma deve ser sempre apontado para onde o olho desvia ou para onde se deseja que ele desvie (Figura 3).

Em Óptica, os prismas são graduados em função do ângulo do desvio da luz refratada. Em Oftalmologia, eles são gradu-

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

θ θ

Prisma clássico

Figura 1 Peculiaridades dos prismas.

Imagem

Objeto θ

Prisma de Fresnel

Figura 2 Efeito prismático.

ados em dioptrias prismáticas (∆). Uma dioptria prismática é o poder de um prisma que desloca de 1 cm a imagem de um objeto situado a 100 cm do olho.3 Duas dioptrias prismáticas deslocam 2 a 100 cm, e assim por diante. A posição dos prismas, relativa ao olho, é classicamente identificada pela posição das suas bases. Daí os termos: prisma de base nasal, de base temporal, de base superior e de base inferior.

Na clínica, os prismas são usados para: 1) medir os desvios latentes e manifestos; 2) medir as amplitudes de fusão; e 3) promover a visão binocular.

A desvantagem do uso dos prismas é que eles alteram a posição das imagens do ambiente para que estas se acomodem ao desvio ocular. Por isso, tendem a perpetuá-lo, e não a tratá-lo. Além disso, deterioram a estética dos óculos, a ponto de serem impraticáveis para desvios maiores que 15 ∆ (Figura 4).

A condição necessária para a indicação de prismas no tratamento dos des-

A imagem desloca-se para o ápice

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Figura 3 Ápice do prisma e desvio ocular.

Figura 4 Óculos com lentes prismadas.

vios oculares é que exista fusão bifoveal. Não havendo fusão, não há benefício algum em alinhar a imagem à fóvea do olho desviado. Por isso, os prismas não estão indicados nas microtropias.4 O ângulo horizontal minúsculo destas, por si só, já revela a falta de fusão; se houvesse fusão, os olhos seriam prontamente alinhados.

As tropias até 15 ∆ são ideais para o tratamento com prismas, desde que tenham potencial de fusão bifoveal. Como elas tendem a oferecer estética razoável, o tratamento só se justifica na presença de diplopia. Outra condição importante na indicação de prismas é a concomitância do desvio. Concomitância é a propriedade do desvio de se manter relativamente imutável nas nove posições diagnósticas do olhar. Se o desvio varia com o olhar, a prismação não consegue eliminar a diplopia. Resumindo, as três condições para in-

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

dicações de prismas são: 1) desvio ≤ 15 ∆; 2) concomitante; e 3) com potencialidade de fusão bifoveal.

Em termos do posicionamento, os ápices dos prismas são colocados sempre apontando para o sentido do desvio: nas exotropias para a têmpora; nas esotropias para o nariz; nas hipertropias para cima; e nas hipotropias para baixo.

Em termos de graduação, procura-se prescrever 80% do valor total do desvio. O restante deve ser compensado pela fusão motora. Antes da prescrição, é necessário testar a reação aos prismas em armação de provas. Frequentemente, o desvio vai aumentando durante os testes, exigindo progressivamente mais prismação.

Se a prismação exigida for horizontal, os prismas devem ser divididos equitativamente entre os olhos. Se for vertical, e de até 3 D, o prisma deve ser colocado no olho apropriado de tal modo que a base fique voltada para cima. Isto por motivos estéticos.5 Acima desse valor, ele pode ser distribuído igualmente entre os olhos.

A conferência de lentes prismadas pode ser feita com os seguintes passos: 1. Com caneta hidrográfica e régua milimétrica, trace uma linha horizontal que passe pelo terço superior de ambas as lentes dos óculos (Figura 5). 2. Com o meio da régua centralizado no meio da ponte da armação, marque sobre essa linha um ponto em cada lente, correspondente aos limites, direito e esquerdo, da distância interpupilar.

Esses pontos seriam os centros ópticos das lentes, caso não houvesse prismação (Figura 5). 3. Coloque os óculos no lensômetro, com a concavidade voltada para baixo e com o ponto de referência da lente direita alinhado com o centro do retículo do instrumento. 4. Observe para que lado a mira luminosa se deslocou. No lensômetro, ela sempre se desloca para a base do prisma. Se se deslocar para cima, é porque o prisma é de base superior; se se deslocar para baixo, é porque é de base inferior, e assim por diante. 5. Se, no passo anterior, não for possível visualizar mira luminosa, é porque ela está fora dos limites do retículo do instrumento. A prismação é muito grande.

Nesse caso, coloque um prisma da caixa de provas sobre a lente examinada.

Teste várias posições até que a imagem apareça (Figura 6). 6. Use os círculos concêntricos do retículo do lensômetro para medir o deslocamento da mira luminosa, quantifi-

DIP Figura 5 Marcas com caneta hidrográfica para a conferência da prismação.

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1 2 3

Figura 6 Retículo do lensômetro e mira luminosa. 1) Sem prismação. 2) Prisma de base inferior. 3) Prismação acima da capacidade do retículo.

cando, assim, o efeito prismático. Os círculos concêntricos estão separados uns dos outros de 1 D prismática. 7. Repita os quatro últimos passos cuidando para que a lente seja a do olho esquerdo.

EFEITOS PRISMÁTICOS DAS LENTES ESFÉRICAS

Tal como ocorre nos prismas, as lentes esféricas também desviam os raios luminosos. Ocorre que, nos prismas, os raios refratados continuam paralelos após a refração. Nas lentes, quanto mais periférico o raio, maior o seu desvio.6

Na lente positiva, o centro deixa passar a luz sem modificar sua direção. Por isso, o efeito prismático do centro é nulo. Mas, à medida que a luz se afasta do centro, os raios refratados vão convergindo progressivamente para se manterem alinhados ao foco posterior. Cada metade da lente pode ser considerada, portanto, como formada pelo alinhamento de infinitos prismas, de bases voltadas para o centro, de graduações progressivamente maiores, no sentido da periferia (Figura 7).

Do ponto de vista prático, embora os raios refratados se desviem para o centro, o importante é lembrar que as imagens vistas através da lente positiva se deslocam para a periferia. Continua válida a regra de que os deslocamentos das imagens sempre acompanham os ápices dos prismas.

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Figura 7 Lentes esféricas convencionais positivas (1) e negativas (2) e as respectivas lentes de Fresnel.

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Na lente negativa, o centro deixa passar a luz sem modificar sua direção. Por isso, o efeito prismático do centro é nulo. Mas, à medida que se afastam do centro, os raios refratados vão divergindo progressivamente mais para se manterem alinhados ao foco anterior. Cada metade da lente pode ser considerada, portanto, como formada pelo alinhamento de infinitos prismas, de bases voltadas para a periferia, de graduações progressivamente maiores (Figura 7). Embora os raios refratados se desviem para a periferia, as imagens vistas através da lente negativa se deslocam sempre para o centro, para onde apontam os ápices dos prismas.

Quanto maior o poder esférico, mais forte a progressão da força dos prismas. O motivo disso é que, quanto mais forte a lente, mais próximo o foco. Quanto mais próximo o foco, maior a variação da vergência dos raios que o formam. Quanto maior a vergência do raio refratado, maior o efeito prismático. Conclui-se que a magnitude do efeito prismático das lentes esféricas depende de duas variáveis: do poder da lente e da descentralização do olhar. Então:

∆ = D × d (cm)

Onde ∆ é a magnitude do efeito prismático, D o poder da lente e d a descentralização do olhar, em centímetros. A exigência da descentralização em centímetros é para que os resultados sejam expressos em dioptrias prismáticas. A direção do efeito prismático é sempre a do ápice do prisma. Para identificar a direção do efeito prismático, basta representar as lentes positivas por dois prismas que se tocam pela base, e as negativas, por dois prismas que se tocam pelo ápice (Figura 8). Por exemplo, quando se olha através de uma lente positiva de +8,0 D, cerca de 10 mm abaixo do centro óptico, submete-se o olhar a um efeito prismático de base superior, porque a porção inferior da lente pode ser representada por um prisma de base superior, de magnitude igual a 8,00 × 0,10 = 0,8 ∆.

FUSÃO E FORIAS

Quando se olha para um objeto, cada olho capta a imagem deste sob um ângulo discretamente diferente. Essas imagens

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Figura 8 Representação das lentes positivas, como dois prismas que se tocam pela base (1), e das negativas, como dois prismas que se tocam pelo ápice (2). Embora essa representação não seja correta, ela facilita o estudo do sentido do efeito prismático.

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são transformadas em estímulos elétricos pelas retinas e enviadas ao córtex occipital, onde são fundidas em uma impressão visual única. O fenômeno é chamado de fusão sensorial. A disparidade angular entre as imagens confere a sensação de tridimensionalidade à percepção final. Todavia, para que haja a fusão sensorial, é preciso que as imagens de ambos os olhos sejam semelhantes em conteúdo, forma, tamanho e nitidez. Para cada uma dessas características, existe uma tolerância que, uma vez ultrapassada, inviabiliza a fusão. A condição primordial para que essas exigências sejam satisfeitas é que ambos os olhos estejam alinhados no mesmo sítio de interesse. Se os eixos visuais se cruzarem antes ou depois, acima ou abaixo, do sítio de interesse, cada olho estará olhando para um alvo diferente, e as imagens correspondentes serão necessariamente díspares. Nessa situação, o cérebro experimentará a sensação de diplopia. Uma vez que os músculos extraoculares não apresentam propriocepção, a visão dupla é a única pista que eles têm para identificar o desalinhamento dos eixos visuais. Se o desalinhamento puder ser corrigido, por meio da redistribuição dos estímulos à musculatura extrínseca ocular, o desequilíbrio oculomotor será do tipo latente ou foria. Se não puder ser corrigido, ele será definido como tropia ou estrabismo.

Nas forias, a diplopia fornece o estímulo e a orientação para o alinhamento dos eixos visuais. Por exemplo, se os olhos se cruzam antes do objeto de interesse, o olho que estiver recebendo o estímulo na fóvea informará que o objeto se encontra em frente. Esse olho passa a ser considerado o olho reto e se torna o ponto de referência para a caracterização da diplopia. Seu vizinho, tido como desviado para dentro, recebe o estímulo na retina nasal. Como esta tem valor espacial temporal, ela informa a existência de outra imagem no lado temporal. Uma vez que a imagem do olho direito é vista à direita e a do olho esquerdo à esquerda, a diplopia é homônima. Diante desse tipo de diplopia, o cérebro sabe que deverá afrouxar a inervação do reto medial do olho desviado, para tornálo menos convergente. Do ponto de vista motor, o olho inicialmente desviado para o nariz realiza um movimento de dentro para fora, para que a fusão sensorial se processe. Esse tipo de movimento recebe o nome de movimento fusional ou fusão motora. O movimento de dentro para fora denuncia um desvio latente nasal, indiferentemente denominado de esoforia ou endoforia.

Se os olhos se cruzam após o objeto de interesse, o olho que estiver apontado para o objeto será considerado reto, e seu vizinho, o desviado para fora. Este último receberá o estímulo na retina temporal. Como essa área tem valor espacial nasal, será percebida uma segunda imagem no campo nasal. Uma vez que a imagem diplópica é vista no lado oposto ao do olho desviado, a diplopia é do tipo cruzada. Diante dela, o cérebro sabe que deverá contrair o reto medial do olho desviado para acentuar a convergência. O movimento de fora para dentro revela um desvio latente temporal ou exoforia.

Os desalinhamentos verticais latentes são denominados de hiperforias ou hipoforias, dependendo do olho fixador. Se o

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

olho não fixador estiver acima, ele realizará movimento fusional de cima para baixo, desvendando a hiperforia. Se estiver abaixo, fará movimento de baixo para cima, denotando a hipoforia.

Amplitude fusional

A capacidade do sistema oculomotor de compensar as forias pode ser avaliada pela amplitude fusional. A amplitude fusional é dividida em: amplitude de convergência, amplitude de divergência e amplitude fusional vertical. A primeira compensa os desvios divergentes; a segunda, os convergentes; e a terceira, os desvios verticais.

Para testar a amplitude de convergência, induzem-se desvios prismáticos divergentes, com prismas de ápice temporal colocados na frente de um dos olhos, estando ambos abertos. À medida que a diplopia, gerada pelo prisma, é compensada, ele é imediatamente trocado por outro, mais forte. O maior prisma neutralizado pela fusão motora quantifica a amplitude de convergência fusional. O mesmo vale para a amplitude de divergência. A diferença é que, nesta, os ápices dos prismas devem estar voltados para o nariz. No teste da amplitude vertical, os prismas são colocados na vertical, com ápices voltados para baixo ou para cima, indiferentemente. Esses testes são geralmente feitos olhando-se para um alvo a 5 m e para a distância de leitura.

Para que a fusão motora seja confortável, aceita-se que a amplitude de fusão deva ser, no mínimo, um terço maior que a foria. Como as amplitudes fusionais, de divergência e vertical, tendem a ser modestas, tanto as esoforias quanto as forias verticais têm alta potencialidade de provocar desconforto visual. Consequentemente, no diagnóstico diferencial da astenopia, de origem não refratométrica, essas condições devem ser as primeiras a serem lembradas.

Origem das forias

Quando a pessoa é anestesiada e bloqueada com agentes curarizantes não despolarizantes, todo o influxo nervoso à musculatura extrínseca ocular é cortado. Os olhos assumem, então, a posição anatômica de repouso, que normalmente é de divergência.7 Essa posição depende da angulação das órbitas e do equilíbrio das forças elásticas e viscosas da conjuntiva, da musculatura, das fáscias e do conteúdo orbitário. Quando se recobra a consciência, entra em jogo um conjunto complexo de influxos nervosos tônicos sobre a musculatura extraocular. Da interação das forças ativas da musculatura com as passivas, da elasticidade e viscosidade dos tecidos perioculares, surge a posição funcional de repouso ocular, caracterizada por eixos visuais paralelos no olhar distante, com a cabeça ereta.

Se impedirmos a fusão com um artifício qualquer, como a oclusão de um dos olhos ou o uso de lentes de Maddox, os olhos assumem a posição livre de fusão.7 Em um sistema oculomotor ideal, os eixos visuais, ainda assim, se apresentariam perfeitamente paralelos, não sendo necessários movimentos fusionais para a efetivação da fusão sensorial. Na prática, a posição livre de fusão é imperfeita, porque admite pequenos desvios, na maior parte divergentes e, em uma minoria, conver-

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gentes. Esses desvios são as causas primárias das forias do olhar de longe, uma vez que têm de ser neutralizados pela fusão motora.

No olhar de perto, o alinhamento dos eixos visuais está intimamente associado à acomodação. O cérebro calcula as necessidades acomodativas em função da distância de fixação, guiado pela nitidez das imagens retinianas, e, baseado no esforço acomodativo, converge reflexamente os eixos visuais para o ponto de interesse. A quantidade de convergência reflexa, associada à acomodação, é uma constante de cada indivíduo, que varia com a idade. Ela é conhecida como relação CA/A. CA representa a convergência acomodativa e A, a acomodação. Quanto maior a relação, maior a convergência por unidade de acomodação.

Em um sistema oculomotor com relação CA/A perfeitamente ajustada, os eixos visuais tendem a se cruzar exatamente no sítio de interesse. Não há necessidade de movimentos fusionais para que a fusão sensorial se processe. A convergência acomodativa sozinha se encarrega do alinhamento. Entretanto, na maioria dos casos, o sistema não é perfeito, convergindo frequentemente menos e, algumas vezes, mais que o necessário. Na primeira situação, o problema é resolvido com convergência adicional e, na segunda, com divergência, ambas de origem fusional. De qualquer maneira, os desvios têm de ser compensados pela fusão, gerando as forias de perto.

Diagnóstico e medidas das forias

Como a fusão motora compensa as eventuais imperfeições do posicionamento binocular, conclui-se que a maneira mais simples de desvendar as forias é pela quebra da fusão binocular com a oclusão de um dos olhos. Se houver desvio latente, ele deve se manifestar atrás do oclusor. Então, bastaria olhar por trás do oclusor para verificar sua existência, sentido e magnitude. Na prática, isto não funciona, principalmente nos desvios pequenos, devido à relutância do cérebro de desistir da fusão e da dificuldade de ele ser percebido pelo examinador. Por isso, o modo mais efetivo de estudo das forias é pelo teste da cobertura alternante, que é feito da seguinte maneira: 1. Solicite ao paciente que olhe atentamente para um alvo. 2. Cubra um olho qualquer com um oclusor ocular. 3. Transfira o oclusor para o olho vizinho e olhe para o olho descoberto. 4. Verifique se o olho descoberto se movimenta e em que direção. 5. Alterne várias vezes o oclusor para quebrar a fusão, insistindo reiteradamente que não se retire a atenção do alvo. 6. Interpretação: na presença de foria, o olho descoberto, inicialmente desviado atrás do oclusor, terá de se movimentar para tomar a fixação. Ao se movimentar, denunciará o desvio — do nariz para a têmpora: esoforia; da têmpora para o nariz: exoforia; de cima para baixo ou de baixo para cima: foria vertical. Não havendo movimento de fixação, é porque ambos os olhos estão alinhados ao alvo, mesmo sob oclusão; não há foria (Figura 9).

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Figura 9 Teste da cobertura alternante para o diagnóstico das forias.

As forias devem ser medidas de longe e de perto, uma vez que tendem a variar com a distância de fixação. A magnitude da foria pode ser medida com prismas, colocados debaixo do oclusor, com ápices voltados para a posição do desvio: para o nariz, nas esoforias; para a têmpora, nas exoforias; para cima, nas hiperforias; e para baixo, nas hipoforias. Os prismas vão sendo aumentados e a oclusão alternada, até que o movimento de fixação cesse por completo. O valor do prisma, que anula o movimento, representa a foria.

Efeito da prescrição sobre as forias

A prescrição óptica para as correções das ametropias pode interferir favorável ou desfavoravelmente com as forias. As lentes positivas tendem a aliviar a acomodação, que, por sua vez, tende a desencorajar a convergência. Com elas, as esoforias tendem a diminuir e as exoforias, a aumentar. As lentes negativas tendem a aumentar o esforço acomodativo e, como consequência, o esforço convergencial. Com elas, exoforias tendem a diminuir e as esoforias a aumentar. Quanto maior a relação CA/A, maiores esses efeitos. Entretanto, não se deve esquecer que a melhora da nitidez das imagens, eventualmente associada à correção da ametropia, pode melhorar o controle das forias, pela facilitação da fusão sensorial.

Os óculos também podem interferir com o equilíbrio oculomotor por meio dos efeitos prismáticos. Qualquer situação indutora de efeitos prismáticos diferentes nos dois olhos deve ser considerada como fonte potencial de problemas. O exemplo clássico é o da correção da anisometropia, com óculos de graduações diferentes. Fora dos centros ópticos, os olhos estarão submetidos a efeitos prismáticos distintos, proporcionais à diferença de gra-

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duação entre as lentes e a magnitude da descentralização do olhar. As imagens do objeto de observação, inicialmente vistas em diplopia, são então fundidas à custa de um desalinhamento compensador dos eixos visuais. No teste da cobertura alternada serão notados movimentos fusionais de amplitudes diferentes, conforme o olho tapado. A literatura descreve o fenômeno como anisoforia, ou seja, uma foria diferente para cada olho. Na verdade, o nome é incorreto. Nas forias, os eixos visuais precisam se alinhar ao ponto de fixação; no caso em questão, eles precisam se divorciar do ponto de fixação, para se ajustarem à imagem dupla. São fenômenos opostos com um propósito comum: a fusão. O nome mais apropriado desse fenômeno é pseudoanisoforia.

As pseudoanisoforias são fontes importantes de astenopia, particularmente quando se é obrigado a olhar por fora dos centros ópticos, em um par de lentes de graduações distintas. Nas lentes de desenho simples, a pseudoanisoforia pode ser contornada com movimentos do queixo, que coloquem o olhar exatamente sobre os centros ópticos, onde não existe efeito prismático algum. É assim que os anisometropes com fusão bifoveal se defendem. Porém, se forem prescritos bifocais, não há como evitar os segmentos de adição e a consequente disparidade dos efeitos prismáticos entre olhos.

Tratamento das forias

Diante de uma foria sintomática, a preocupação inicial é cuidar para que as eventuais modificações na correção óptica sejam no sentido de aliviá-la, e não de acentuá-la. Para tanto é preciso, primeiro, caracterizar a foria determinando seu sentido, sua magnitude, se é diferente no olhar de longe e de perto e, em caso positivo, onde é maior. Em seguida, é preciso medir a amplitude fusional associada ao controle do desvio, tanto para longe quanto para perto. Por exemplo, nas exoforias, o importante é a amplitude de convergência e, nas esoforias, a amplitude de divergência.

Em termos de prescrição óptica, nos hipermetropes com exoforia sintomática, ela deve ser a mínima efetiva e, nas esoforias sintomáticas, a máxima encontrada. Nos míopes com exoforia sintomática, a prescrição deve ser total; nos míopes com esoforias, a prescrição deve atender às necessidades visuais, encorajando-se a retirada dos óculos na visão de perto, sempre que factível. Independentemente da ametropia e da idade, quando a esoforia só é sintomática para perto, pode ser útil o uso de bifocais que, aliviando a acomodação, relaxam a convergência.

As exoforias até 15 D tendem a ser assintomáticas por causa da grande amplitude fusional de convergência. Se a exoforia for sintomática e mais acentuada para longe, ela pode ser tratada com exercícios de amplitude de convergência com prismas. Se o desvio e os sintomas forem maiores de perto, eles podem ser beneficiados com exercícios simples de convergência. Nas esoforias sintomáticas, os exercícios de amplitude de divergência com prismas não costumam ser tão eficientes. Muitas vezes, a única opção realista é a tentativa de solução do problema com os óculos.

Os exercícios de amplitude de fusão são feitos com prismas de valores cres-

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centes colocados diante de um dos olhos. À medida que os prismas são trocados, o paciente é encorajado a fundir as imagens diplópicas geradas. O exame pode ser realizado, tanto para longe quanto para perto, utilizando-se como alvo uma lâmpada de pequeno porte.

Como último recurso clínico, as forias podem ser tratadas com prismas. Entretanto, estes tendem a transformar o desvio latente em manifesto, perpetuando a posição viciosa do olho.

TROPIAS OU ESTRABISMOS

Quando os desvios do alinhamento ocular não podem ser anulados pela fusão motora, eles se tornam manifestos. Dizemos que existe estrabismo ou tropia. Da mesma maneira que nas forias, teremos: exotropia, esotropia, hipertropia e hipotropia.

Aparentemente, para diagnosticar uma tropia, bastaria observar o alinhamento dos olhos. Isto é válido para os estrabismos grandes. Entretanto, se o desvio é pequeno, ele pode ser imperceptível. Além disso, certas condições dão a falsa impressão de estrabismo. Os exemplos típicos são os epicantos, que dão a impressão de esotropia, e os telecantos, que simulam exotropias (Figura 10).

O exame do alinhamento ocular com uma lanterna, baseado na centralização dos reflexos corneanos sobre a pupila, também pode ser enganoso. Os reflexos podem estar descentralizados quando os eixos visuais simplesmente não coincidem com os centros pupilares. Portanto, é preciso um teste objetivo de detecção das tropias. Esse teste é o da cobertura simples. Ele é feito da seguinte maneira: 1. Solicita-se ao paciente que olhe atentamente para um alvo acomodativo interessante. 2. Oclui-se o olho direito com um oclusor ocular e observa-se o olho esquerdo. 3. Interpretação: se o olho esquerdo se movimenta, para tomar a fixação, é porque estava desviado. Terminado o exame, se não se movimentou, é porque não estava desviado. Vai-se, então, para o passo seguinte.

Figura 10 Criança com epicanto simulando esotropia.

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Figura 11 Teste da cobertura simples para o diagnóstico de tropias.

4. Descobrem-se ambos os olhos e solicita-se, novamente, atenção ao alvo. 5. Oclui-se o olho esquerdo com um oclusor ocular e observa-se o olho direito. 6. Interpretação: se o olho direito se movimenta, para tomar a fixação, é porque estava desviado. Se não se movimentou, é porque não estava desviado.

Nenhum dos olhos é estrábico.

O teste da cobertura simples pode ser feito nas nove posições diagnósticas do olhar, tanto para longe quanto para perto. Admite também variações para a detecção dos estrabismos alternantes. Entretanto, é preciso lembrar que ele falha completamente na ausência de atenção. Outras causas de falha são: microtropias, ausência de fixação foveal no olho desviado.

As crianças de colo se sentem muito atraídas pelo tilintar de um molho de chaves apresentado a uns 20 cm dos olhos. Nelas, o teste da cobertura pode ser feito com o polegar do examinador, usando a testa como apoio da mão.

Adaptações sensoriais das tropias

As tropias criam um cenário de conflito sensorial. Por causa do desvio ocular, cada fóvea recebe estímulo de um objeto diferente, o que gera a falsa impressão de que ambos se encontram superpostos diante do observador. Isto se chama confusão foveal. O cérebro defende-se desse problema descartando a informação da fóvea do olho desviado, em um processo denominado supressão foveal. O objeto de fixação, por sua vez, estimula simultaneamente a fóvea do olho fixador e uma região extrafovel do olho desviado. Surgem, então, duas imagens para um mesmo objeto: uma foveal, com projeção em frente, e outra extrafovel, com

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projeção lateral. O cérebro elimina a diplopia, inibindo a região do olho desviado, responsável pela imagem extrafoveal, em um processo igualmente denominado de supressão. Paralelamente, os valores espaciais do campo visual do olho desviado são reprogramados de modo a se corresponderem aos do olho fixador. A mudança adaptativa das projeções espaciais do olho desviado é conhecida como correspondência retiniana anômala. Tanto a supressão quanto a correspondência retiniana anômala são fenômenos exclusivamente binoculares. Elas deixam de existir se um dos olhos for tapado. Nos desvios alternados, elas trocam de lado com a mudança do olho fixador.

Entretanto, se, durante toda a fase de maturação ocular, um olho ficar constantemente desviado, a supressão da fóvea leva fatalmente à diminuição da visão central, fenômeno conhecido como ambliopia estrábica.8 A supressão extrafoveal do sítio da imagem dupla gera um escotoma permanente, detectável à campimetria monocular.

Vale lembrar que todos os fenômenos sensoriais anteriormente descritos só são possíveis durante o período de maturação visual, que vai do nascimento aos 9 anos de idade. Depois disso, o cérebro perde a capacidade de se adaptar sensorialmente ao estrabismo. A diplopia passa a ser permanente. Em contraposição, deixa de existir o risco da ambliopia. Nos estrabismos após os 9 anos de idade, a visão dupla não pode ser suprimida. A maioria dos portadores aprende a conviver com ela, simplesmente esquecendo-se da imagem diplópica.

Influência da prescrição sobre as tropias

Entre os vários tipos de estrabismos, provavelmente o mais influenciável pela correção da ametropia é o estrabismo acomodativo. Ele surge entre 2 e 4 anos de idade. Por curto período, apresenta-se como uma esotropia intermitente. Logo se torna constante e presente em todas as posições do olhar. Três são as condições associadas ao seu aparecimento: alta hipermetropia, alta relação CA/A ou a combinação de ambas.

Nas altas hipermetropias, a alta demanda acomodativa tende a gerar excessiva convergência reflexa, difícil de ser compensada pela fusão motora. Como resultado, pode surgir uma esotropia, relativamente simétrica, em todas as posições do olhar. Estrabismos desse tipo são classificados como esotropias acomodativas de origem refracional.

Mesmo nas hipermetropias baixas pode haver desvio acomodativo, quando a quantidade de convergência, por unidade de acomodação, é excessiva. Esse outro tipo de estrabismo é denominado de esotropia acomodativa associada à alta relação CA/A. A tropia tende a ser maior para perto, refletindo a maior demanda acomodativa dessa posição. A esotropia acomodativa é dita mista quando combina alta hipermetropia com alta CA/A.

O tratamento da esotropia acomodativa refrativa consiste na prescrição de óculos, com o total da hipermetropia obtida sob cicloplegia com ciclopentolato. As esotropias com alta relação CA/A são tratadas da mesma maneira, acrescido de correção de perto, na forma de bifocais. A adição é que neutraliza o desvio de perto.

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Ela é paulatinamente diminuída no início, até ser retirada no fim da adolescência. As esotropias acomodativas mistas são tratadas do mesmo modo. Os bifocais devem ser do tipo executivo, e o topo da adição passar pelo meio da pupila, para obrigar o usuário a olhar para perto através da adição. A altura excessiva do topo da adição dificulta a deambulação, mas evita o risco do não uso da adição. Se houver demora no tratamento da esotropia acomodativa, ela se torna refratária aos óculos, em função das deformidades mecânicas dos tecidos perioculares.

As exotropias, quando intermitentes, tendem a ser beneficiadas pela prescrição de lentes negativas, pelo aumento da demanda acomodativa e a consequente facilitação da convergência. Se o paciente for simultaneamente míope, a prescrição tem a vantagem adicional de facilitar o controle fusional, pela melhora da qualidade das imagens fornecidas ao cérebro. Se for hipermetrope, as lentes negativas ainda podem ser prescritas, mas judiciosamente, para não gerar astenopia.

ESTUDOS DE CASOS

■ Paciente com 35 anos de idade, sexo feminino, secretária. Queixava-se de cansaço visual aos esforços de perto.

Tinha exoforia de 20 ∆. A amplitude de fusão de convergência era de 27 ∆.

A refração manifesta, em ambos os olhos, era de + 0,75 D em AO e a refração, sob cicloplegia, de +3,50 D em

AO. Foi então prescrito +0,75 D em

AO para uso de perto e os sintomas desapareceram.

Comentários

Como a amplitude de fusão de convergência, que é a responsável pelo controle da exoforia, neutraliza o desvio e ainda fornece 1/3 de reserva, conclui-se que a queixa se deva ao esforço acomodativo, e não à foria. Se a paciente não tivesse foria tão pronunciada, a tendência seria a de prescrever cerca de +1,50 D em AO, para que a correção óptica fosse simultaneamente efetiva e duradoura. Ocorre que as lentes positivas, diminuindo o esforço acomodativo, tendem a piorar a foria, tornando-a sintomática. Optou-se, então, pela menor prescrição que aliviasse os sintomas sem criar outros, relacionados à exoforia. ■ Paciente com 25 anos de idade, sexo feminino, queixava-se de que o olho esquerdo desviava para fora, de vez em quando. Apresentava exotropia intermitente do olho esquerdo de 20 ∆, para longe. A refração sob cicloplegia era: OD= +4,00 × –3,00 cil 180 e OE= + 3,50 × – 2,75 cil 45. Prescreveu-se o total cilíndrico de ambos os olhos. Ficou satisfeita, alegando que as amigas não notavam mais o desvio.

Comentários

Nesse caso foi prescrito somente o astigmatismo para melhorar a visão e, indiretamente, facilitar a fusão. A hipermetropia não foi tocada para manter o esforço acomodativo que ajudava no controle da tropia. ■ Pais notaram que o filho de 3 anos de idade estava desviando o olho direito. Ao teste da cobertura, encontrouse esotropia intermitente de 30 ∆, para longe e perto. A refração com ciclo-

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pentolato a 1% revelou OD = +6,00 D × –1 cil 180 e OE= +5,50 × –0,75 × 15. Fundo de olhos normais. Prescreveu-se correção total da ametropia. Com ela, o teste da cobertura simples mostrou ortotropia para longe e perto. Solicitou-se que os óculos tivessem tamanho mínimo compatível com a face da criança e que as hastes fossem do tipo araminho maleável, que dão voltas nas orelhas.

Comentários

Esse é caso típico de estrabismo acomodativo refracional. O desvio aparece entre 2 e 4 anos de idade, associado a uma hipermetropia alta. A grande demanda acomodativa não é compensada por uma relação CA/A adequada, e o desvio aparece. Ele tende a ser igual para longe e perto, e é neutralizado pela prescrição total da hipermetropia. A refração deve ser repetida em 3 meses. Se for achada mais hipermetropia, devido ao relaxamento provocado pelos óculos, ela deve ser corrigida novamente. ■ A avó notou que a neta de 2 anos e meio de idade estava desviando o olho esquerdo para dentro. Ao exame, diagnosticou-se esotropia do olho esquerdo, de 25 ∆ no olhar de longe e 45 ∆, no de perto. A refração total sob cicloplegia com ciclopentolato a 1% era: OD= +3,00 × –0,50 cil 15 e

OE = +3,00 × –0,75 cil 15. A fundoscopia era normal em AO. Prescreveuse a correção total da ametropia. Com os novos óculos, apresentou ortotropia para longe, mas, para nossa frustração, 25 ∆ para perto. Com adição de +3,00 D, o desvio de perto foi neutralizado. Imediatamente, prescreveram-se novos óculos com a correção total de longe e adição de +3,00 D, na forma de bifocal executivo, com o topo da adição passando pelo meio da pupila.

Comentários

Esse caso configura um estrabismo acomodativo com alta CA/A. Como a hipermetropia é normal para a idade, o responsável pela tropia é a alta relação CA/A, aproximadamente igual a 8. A prescrição total da hipermetropia resolveu o problema de longe, mas o esforço acomodativo de perto manteve o desvio. Os bifocais executivos com o topo da adição passando pelo meio da pupila obriga a criança a olhar para perto, através da adição. Felizmente, já havíamos avisado que, se sobrasse desvio residual para perto, seria necessária a troca imediata dos óculos. ■ Paciente com 30 anos de idade, sexo feminino, bancária. Reclamava de dificuldade visual para a leitura. Tinha dificuldade de focar as letras; elas ficavam duplas com frequência. O exame da cobertura simples de longe revelou ortoforia. De perto, havia um desvio de 25 ∆, por vezes foria, por vezes tropia.

O ponto próximo de convergência era de 25 cm. O exame de refração sob cicloplegia revelou hipermetropia de +0,75 D em ambos os olhos. Diagnosticou-se insuficiência de convergência e prescreveram-se exercícios caseiros de convergência, em três sessões diárias de 5 min, por 15 dias. A paciente voltou com um PPC de 5 cm, explicando que os sintomas de astenopia e di-

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plopia haviam desaparecido por completo.

Comentários

A insuficiência de convergência caracteriza-se por um grande exodesvio de perto, por vezes foria, por vezes tropia, na presença de pequena ou nenhuma foria de longe. A grande melhora, com uns poucos exercícios de convergência, sugere que o problema seja mais uma manifestação de ansiedade do que um problema oculomotor real. O exercício de PPC pode ser feito com o auxílio de dois lápis. Um deles é posicionado a 40 cm do nariz. O outro é colocado 10 cm mais próximo e progressivamente aproximado do nariz até que sua ponta seja vista em diplopia. Então, ele é afastado discretamente para reaver a visão simples. Em seguida, é reaproximado até que surja nova diplopia, e assim por diante. O objetivo é encostá-lo no nariz, com os dois olhos alinhados à ponta do lápis. O problema desse teste é a supressão de um dos olhos durante o exercício. A pessoa imagina que está olhando para a ponta do lápis com os dois olhos, quando, na verdade, um deles está desviado e suprimido. Para isso é que existe o lápis de trás. Durante todo o exercício, ele deve ser visto em diplopia. Se isso não acontecer, é porque um dos olhos está sendo supresso. ■ Paciente com 38 anos de idade, sexo feminino. Após recente cirurgia refrativa, quando teve suas –5,00 D de miopia totalmente corrigidas, passou a apresentar cefaleia, cansaço visual e, por vezes, diplopia, tanto à leitura quanto no uso do computador e, até mesmo, da televisão. Ao exame sob cicloplegia, apresentava OD= –0,25 cil 15 e OE= – 0,25 × 15. Visão 1,0, em ambos os olhos, tanto para longe quanto para perto. Ao exame da cobertura alternada, apresentava esoforia de 5 ∆ para longe e 10 ∆ para perto. A amplitude de divergência era de 10 ∆ longe e perto. Com lente de + 0,75 D, a foria caía para 6 PD e a paciente sentia-se confortável. Decidiu-se, então, prescrever óculos de +0,75 D para a visão intermediária e de perto de uso facultativo, segundo as necessidades, fato que resolveu os seus sintomas.

Comentários

A paciente provavelmente apresentava esoforia antes da cirurgia. Com a correção da miopia, a demanda acomodativa aumentou, uma vez que o míope, com óculos, acomoda menos que o emetrope. A esoforia aumentou com o aumento da acomodação associado à emetropização, consumindo toda reserva fusional de divergência, de perto. O terço de reserva fusional, necessário para o controle confortável da esoforia, foi recuperado com a prescrição da lente positiva. ■ Adolescente com 15 anos de idade, sexo masculino. Os amigos notavam que, repentinamente, seu olho esquerdo desviava para fora; até levavam susto. Sob cicloplegia, apresentava refração de: OD = –1,50 × –1,00 cil 45 e

OE = –1,50 × –1,50 cil 135. Não usa óculos porque os detesta; dão náuseas. Ao teste da cobertura, apresentava no OE exotropia intermitente 20 ∆ para longe e exoforia de 10 ∆ para perto. Optou-se pela prescrição de lentes

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de contato rígidas, que foram imediatamente aceitas. Nunca mais os amigos perceberam o desvio.

Comentários

O uso das lentes negativas, aumentando o esforço acomodativo e melhorando a visão, contribuiu para o controle da tropia intermitente. Se o paciente não tivesse o problema oculomotor, poderia continuar sem óculos, indefinidamente, até que surgissem queixas. ■ Criança com 3 anos de idade, sexo masculino. Pais reclamam que o desvio só apareceu após o uso dos óculos, recentemente prescritos por facultativo. Refração sob cicloplegia: OD= +8,00 × –0,5 cil 15 em AO. O teste da cobertura com óculos de +3,00 × –0,5 cil 15 em AO revelou esodesvio de 40 ∆, tanto para longe quanto para perto. Foram prescritos, então, novos óculos com o total da ametropia. Os olhos alinharamse deixando uma esoforia de 2 ∆.

Comentários

A criança não enxergava bem, nem de longe, nem de perto. O esforço acomodativo era tão grande que ela simplesmente desistia de acomodar e, por isso, não tinha desvio algum. A prescrição de +3,00 × –0,5 cil 15 aliviou a demanda, estimulando o uso da acomodação. Como, com óculos, o esforço ainda era grande, os olhos desviaram. O erro básico foi o desconto prescricional excessivo, de cerca de +5,00 D. Se o desconto fosse de +2,00 D, provavelmente não teria ocorrido desvio. Como ocorreu desvio, passou a ser necessária a prescrição total da hipermetropia. ■ Paciente com 17 anos de idade, sexo masculino. Depois que começou a trabalhar diariamente no computador, em seu novo emprego, os olhos passaram a cansar e a cabeça a doer diariamente. O exame de refração, sob cicloplegia, revelou hipermetropia de +1,50

D em AO. Ao teste da cobertura alternada, diagnosticou-se esoforia de 8 ∆ tanto para longe quanto para perto. A amplitude de divergência era de 10 ∆.

Decidiu-se prescrever o total da hipermetropia, para uso de perto no trabalho. Com o uso da correção, os sintomas desapareceram.

Comentários

Aos 17 anos de idade, a capacidade acomodativa consegue neutralizar facilmente uma acomodação de 1,50 D. Os sintomas não eram explicáveis pela ametropia. A causa estava na esoforia, uma vez que a amplitude de divergência não era suficiente para controlar o desvio com conforto. Decidiu-se, então, pela prescrição do total da hipermetropia para aliviar a acomodação e, com ela, a esoforia. Exercícios para o aumento da amplitude de divergência não costumam ter muito sucesso. ■ Paciente com 70 anos de idade, sexo masculino. Reclamava de visão dupla após cirurgia de catarata do olho direito. Tinha catarata total nesse olho e demorou 3 anos para submeter-se à cirurgia. Correção atual OD= +1,00 × – 0,75 cil 90 e OE= 1,00 D com adição de +2,50 D. Acuidade visual 1,0, em ambos os olhos, longe e perto. Ao exa-

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me da cobertura, apresentava hipertropia do olho direito de 8 ∆, ou seja, D/ E= 8 ∆. Como o desvio era igual em todas as posições do olhar, optou-se pela prescrição de prisma 6 ∆, dividido entre os dois olhos. OD = 2 ∆ base inferior e OE= 4 ∆ base superior.

Comentários

Esse problema não é raro nos operados de catarata que ficam por tempo prolongado sem visão em um dos olhos. Aparentemente, esse paciente já tinha hiperforia, que se transformou em hipertropia, pelo longo tempo sem o exercício da fusão, motivado pela baixa visão do olho direito. Os prismas ajudaram na recuperação do alinhamento visual, uma vez que o paciente tinha bom potencial de fusão bifoveal. Colocou-se maior prismação no olho com prisma de base superior, por motivos estéticos.

REFERÊNCIAS

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Vol. VI. London: Henry Kimpton, 1973; 96-109. 8. Duke-Elder S, Wybar K. The Visual Characteristics of Strabismic Ambliopia. In: Ocular motility and strabismus. Vol. VI. London: Henry Kimpton, 1973; 301-4.