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Avaliação da Prescrição Médica 145

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Presbiopia Sidney Júlio de Faria e Sousa Milton Ruiz Alves

O termo presbiopia deriva da combinação de presbi (idoso) mais opia (visão); é a dificuldade de distinguir com nitidez objetos próximos, e está relacionada à idade. Manifesta-se quando a capacidade de focalização do olho se torna insuficiente para suprir a demanda visual para perto, e isso tende a ocorrer dos 38 aos 48 anos de idade.1 Os principais fatores desencadeantes da queixa são: idade, necessidade visual de perto e erro refrativo.

A idade é determinante porque tem influência direta sobre a capacidade de focalização do olho: quanto maior a idade, menor a capacidade acomodativa do cristalino. Como o esforço acomodativo é maior para alvos próximos, o primeiro elemento a ser prejudicado é a nitidez da visão de perto. Outro fator importante é a própria necessidade visual: o relojoeiro, por trabalhar com objetos muito próximos, poderá apresentar a presbiopia mais precocemente que um balconista.

Hipermetropes utilizam parte da acomodação para compensar o erro de refração. Quanto maior a hipermetropia, maior será a sobrecarga acomodativa e, consequentemente, maior a possibilidade de a presbiopia se instalar em torno dos 40 anos de idade. Os míopes exercem menos esforço acomodativo que hipermetropes e emetropes e, por isso, tendem a apresentar os sintomas da presbiopia em idades mais avançadas, ao redor dos 46 anos.

Fato interessante é que a temperatura ambiente parece influenciar o aparecimento da presbiopia: climas quentes tendem a acelerar e climas frios a retardar seu aparecimento.2

SINAIS E SINTOMAS

A principal queixa da presbiopia é a dificuldade de enxergar de perto. No início, o problema aparece no período da tarde e à noite; assim, quando a iluminação cai, a pupila dilata e a profundidade do campo diminui; a deficiência acomodativa é, então, desmascarada. Com o agravamento do problema, a falha visual passa a ser constante, levando à fadiga ocular, após breves períodos de uso da visão de perto.

Um sinal curioso do início da presbiopia é a utilização dos braços para a faci-

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litação da leitura. A pessoa vai progressivamente afastando o alvo de leitura para distinguir as palavras. Nos míopes, usuários de óculos, o início ou a progressão da miopia podem ser detectados pelo deslizamento do óculos para a ponta do nariz, o que subcorrige a miopia, facilitando a acomodação.3

ACOMODAÇÃO E PRESBIOPIA

A luz que penetra no olho deve ser focada na retina para fornecer imagens nítidas. Para tanto, o bulbo ocular é dotado de um sistema óptico constituído por duas lentes: a córnea e o cristalino. A córnea é a lente mais potente, mas com poder fixo (44 D). O cristalino é menos potente (16 D), porém tem a capacidade de variar a curvatura para se ajustar às necessidades de focalização do olho, processo conhecido como acomodação visual.

O cristalino é uma massa globular viscoelástica, transparente, envolta por uma cápsula, igualmente elástica e transparente. Ao redor de todo o equador da cápsula, partem delicadas fibras inelásticas, radiadas, que o prendem ao corpo ciliar. Este é uma estrutura anular contrátil, situada logo atrás da íris. Na posição relaxada, seu diâmetro anular é máximo, e, nessa situação, a tração exercida sobre o equador cristaliniano é também máxima. Sob tração intensa, o cristalino assume a forma lenticular e tem poder óptico mínimo, pela atenuação de suas curvaturas. À medida que o corpo ciliar se contrai, ocorre relaxamento progressivo das forças tensoras do cristalino. Com o alívio controlado das forças tensoras, o cristalino recobra paulatinamente a forma globosa, com aumento proporcional do poder óptico.

Quando nascemos, a memória elástica do cristalino é máxima e, por isso, a capacidade acomodativa é máxima. À medida que envelhecemos, a elasticidade varia em progressão inversa à da idade. A queda da capacidade acomodativa acompanha o enrijecimento do cristalino, até atingir-se uma idade quando a capacidade acomodativa não supre mais a demanda da visão de perto.4 Nessa situação, começam as queixas de perto que caracterizam a presbiopia.

É importante entender que, embora a queda da capacidade acomodativa seja sinal inevitável de envelhecimento, o sintoma “presbiopia” apenas se manifestará quando a pessoa estiver exercendo atividade crítica para perto.

Componentes biológicos da presbiopia

O aumento progressivo do tamanho e do volume lenticular com a idade, não só torna a elasticidade capsular menos efetiva como desloca anteriormente as fibras zonulares equatoriais.5 Esse deslocamento tende a reduzir o desempenho mecânico do sistema suspensório zonular, dificultando a acomodação. A despeito disso, o principal fator da perda acomodativa é a diminuição progressiva da elasticidade da cápsula e da substância lenticular com a idade.

A elasticidade zonular não se altera significativamente.5 A força do músculo ciliar permanece constante até os 45 anos de idade e, depois, sofre leve declínio até os 60 anos de idade.6 O sinal neuromotor

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acomodativo e as estruturas nervosas correlatas permanecem relativamente inalterados ao longo da vida.7 Consequentemente, nenhuma dessas variáveis pode ser implicada na perda fisiológica da capacidade acomodativa.

Teorias da presbiopia

Existem três teorias para a explicação da diminuição fisiológica da capacidade acomodativa: teoria de Helmholtz-HessGullstrand, teoria de Donders-Duane-Fincham e teoria da Schachar.

A primeira atribui a perda da acomodação à perda da elasticidade da cápsula e substância do cristalino.8 A segunda, ao enfraquecimento do músculo ciliar.8 A terceira, ao aumento do diâmetro equatorial do cristalino com consequente diminuição da distância de trabalho do músculo ciliar.9 Das três, somente a primeira mostrou-se compatível com os achados experimentais da atualidade.

FUNDAMENTOS DA CORREÇÃO ÓPTICA Demanda acomodativa

Demanda acomodativa é a quantidade de dioptrias que o olho tem de acomodar para focalizar a imagem na retina. No olhar para o infinito, a demanda acomodativa de um olho emetrope é zero: o cristalino fica relaxado. No olhar de perto, a demanda é igual ao inverso da distância de leitura, tomada em metros. Por exemplo, se a distância de leitura é 40 cm, a demanda será de 1/0,40 = +2,50 D. Os dados da Tabela 1 apresentam as zonas de trabalho de várias profissões e as respectivas demandas acomodativas, para pessoas de estatura mediana, sem vícios de refração. Pessoas de braços pequenos podem necessitar de distâncias mais curtas e pessoas de grande envergadura, de distâncias maiores. No primeiro caso, haverá sobrecarga e, no segundo, o alívio das demandas expressas na Tabela 1.10

A demanda de um olho hipermetrope com +2,00 D, para leitura a 40 cm, é 2,50 + 2,00 = +4,5 D. No olho míope, com a mesma graduação, a demanda será de +2,50 – 2,00 = 0,5 D.

Observa-se, então, que o hipermetrope está sempre com demanda excessiva, porque a acomodação é utilizada não só para perto, como também para a neutralização da ametropia. No míope, ocorre o oposto. Portanto, para a mesma distância de trabalho, a demanda acomodativa na miopia

Tabela 1 Demanda acomodativa de diferentes profissões

Profissão

Atividade doméstica Secretária Dentista Barbeiro Cirurgião Arquiteto

Zona de trabalho (cm)

40 a 80

40 a 70

30 a 60

35 a 55

35 a 60

35 a 75

Demanda acomodativa (D)

2,5 a 1,3 2,5 a 1,4 3,3 a 1,7 2,9 a 1,8 2,9 a 1,7 2,9 a 1,3

Fonte: Alves AA. Presbiopia. In: Alves AA (ed). Refração. 5a ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2008; 95-102.10

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é menor que na emetropia e, nesta, menor que na hipermetropia. É por isso que o míope tende a reclamar mais tardiamente de presbiopia. O hipermetrope, por sua vez, tende a apresentar, de modo mais precoce, os sintomas da presbiopia.

Na verdade, a demanda acomodativa depende não só do tipo de ametropia, como também da forma como é neutralizada. Hipermetropes corrigidos integralmente com óculos acomodam mais que os emetropes; míopes usando a correção total nos óculos acomodam menos que os emetropes.11 Isto se deve ao efeito óptico da camada de ar interposta entre os óculos e o olho.

Nas LC, não existindo ar entre elas e o olho, a demanda acomodativa da ametropia, integralmente corrigida, é próxima da do olho emetrope. Por isso, no início da presbiopia, a troca de óculos por LC e vice-versa pode gerar consequências agradáveis ou desagradáveis. Olhos míopes corrigidos com óculos acomodam menos que com LC. Portanto, a substituição dos óculos por LC pode desencadear súbita dificuldade de leitura pela sobrecarga acomodativa. De modo oposto, a mesma conduta pode pospor a presbiopia em hipermetropes, pois, quando corrigidos com LC, tendem a acomodar menos que quando corrigidos com óculos.

Quantificação da acomodação

No olhar para o infinito, a acomodação exercida pelo olho emetrope é zero. Aproximando-se o alvo de leitura até o limite de sua nitidez, chega-se ao ponto próximo de acomodação (PPA). Nesse ponto, onde a nitidez começa a falhar, o esforço acomodativo é máximo. O valor do PPA é quantificado pela distância que o separa do olho testado. O PPA serve, portanto, como medida da capacidade acomodativa. Para traduzir o PPA em dioptrias, que é a unidade de acomodação, basta tomar o inverso de seu valor em metros. Por exemplo, um PPA de 12,5 cm equivale a 8,0 D (1/0,12 m) de capacidade acomodativa. O PPA afasta-se progressivamente dos olhos com a idade, acompanhando a perda da elasticidade do cristalino.

Nas ametropias, a amplitude de acomodação é calculada somando-se o valor dióptrico do PPA ao vício de refração. Se o PPA de um hipermetrope de +2,00 D for 12,5 cm, sua capacidade acomodativa será 8,00 + 2,00 = 10,0 D. Em um míope de –2,00 D, com o mesmo PPA, a capacidade acomodativa será ao redor de 8,00 – 2,00 = 6,00 D. Portanto, o PPA só faz sentido quando se conhece o vício de refração. O problema com o PPA é que, à medida que o alvo de leitura se aproxima, o tamanho aparente das letras aumenta. Isto dificulta a identificação precisa do ponto de turvação, o que pode ser minimizado encorajando o paciente a dirigir sua atenção para letras progressivamente menores, conforme a distância encurta.

Outros métodos de determinação da acomodação são: a régua de Prince, que acompanha todo refrator manual, e o método da adição de esferas.

No método de adição de esferas, o paciente fixa monocularmente uma carta de acuidade de perto a 40 cm. Então, adicionam-se lentes positivas para relaxar a acomodação até que mencione a turvação da visão. Em seguida, adicionam-se lentes ne-

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gativas para estimular a acomodação até que os caracteres borrem novamente. A soma dos valores absolutos, do maior valor negativo com o maior valor positivo, expressa a amplitude de acomodação. Teoricamente, a amplitude de acomodação, medida dessa maneira deveria expressar a capacidade acomodativa. Talvez seja por isso que a literatura anglo-saxã use o termo “amplitude de acomodação” no lugar de “capacidade acomodativa”. Ocorre que, com frequência, as lentes positivas não conseguem relaxar suficientemente a acomodação para que essa equivalência se verifique.

A capacidade acomodativa é raramente desigual. Portanto, se, com os óculos em uso, o PPA for diferente nos dois olhos, o paciente estará, provavelmente, necessitando de prescrição com graduações mais equilibradas.

Métodos de determinação da adição

A acomodação é o aumento do poder convergencial do cristalino para suprir as necessidades de focalização dos olhos. Quando a acomodação é insuficiente, é necessário o uso de lentes convergentes diante do olho emetrope ou emetropizado para suprir a demanda visual para perto. Esse recurso óptico é chamado de adição pelo fato de ser adicionado ao valor dióptrico dos defeitos de refração existentes.

O valor da lente de perto, quando isolado, não informa sobre a real adição. Para tanto, é preciso conhecer o valor total do defeito de refração sob cicloplegia farmacológica. Por exemplo, se o paciente usa +4,00 D para perto mas tem +3,00 D de hipermetropia, a adição real é de apenas +1,00 D.

A adição aumenta o alcance da visão de perto, mas causa diminuição da visão intermediária e de longe, e esse fato é tão mais intenso quanto maior o valor da adição. No olho emetrope ou emetropizado, por exemplo, o campo de visão nítida vai do PPA ao infinito. Com a adição, o limite proximal de visão nítida melhora, tornando-se menor que o PPA; por outro lado, a visão de longe fica limitada pela distância focal da adição. Se a adição for +1,50 D, a distância mais longa de visão nítida será 0,67 (1/1,5) m; se for +3,50 D, ela recuará para 0,29 (1/3,5) m. Assim, à medida que se aumenta a adição, o paciente é forçado a ler em posições mais próximas, com visão intermediária mais turva. Como a visão intermediária é muito importante nas atividades corriqueiras, quanto maior a adição mais as chances de insatisfação com os óculos de perto. A regra geral de prescrição de adições é: prescrever a menor adição possível que proporcione boa visão e conforto visual ao paciente.

A idade do paciente pode ser utilizada como referência para a determinação da adição, desde que se tenha em mente que é apenas uma referência, pois a capacidade acomodativa varia muito entre as pessoas de mesma idade. Os dados da Tabela 2 apresentam as adições em função da idade para a distância de leitura de 40 cm.12

Na literatura oftalmológica, prevalece o conceito empírico de que o conforto visual é condicionado ao repouso de, pelo menos, entre 33 e 50% da capacidade

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Tabela 2 Dados de Hofstetter sobre as adições em função da idade

Faixa etária (anos) Capacidade acomodativa (dioptrias) Adição para 40 cm (dioptrias)

40 a 44 4,00 a 5,00 0,75 a 1,00 45 a 49 2,75 a 3,75 1,00 a 1,50 50 a 54 1,50 a 2,50 1,50 a 2,00 55 a 59 0,25 a 1,25 2,00 a 2,25 60 ou mais 0,00 2,25 a 2,50

Fonte: Hofstetter HW. A useful age-amplitude formula. Penn Optom, 1947; 7:5-8.12

acomodativa. Os métodos de determinação de adição apresentados a seguir trabalham com esse conceito. 1. Determine o PPA com o paciente usando a correção total da ametropia.

Converta-o em dioptrias para achar a capacidade acomodativa. Escolha a distância da leitura em função das necessidades do paciente. Converta-a em dioptrias para achar a demanda acomodativa. Tome a metade da capacidade acomodativa como reserva. Em seguida, some a demanda com a reserva e subtraia do resultado a capacidade acomodativa para achar a adição a ser prescrita. Por exemplo, uma pessoa emetrope, com PPA = 33 cm, costuma ler a 40 cm. Sua capacidade acomodativa é +3,00 D; a acomodação planejada para reserva será +1,50 D; sua demanda a 40 cm é +2,50 D. A adição será dada por: (2,50 +1,50) – 3,00 = +1,00 D. Resumindo, para manter +1,50 D em reserva, esse paciente precisa de adição de +1,00 D. 2. Com o paciente usando a correção total da ametropia, coloque a carta de leitura à distância de 40 cm. A demanda acomodativa torna-se +2,50 D. Adicione, em ambos os olhos, lentes positivas de graduações progressivamente maiores, até que o paciente informe visão nítida das menores letras da carta.

Subtraindo-se o valor da lente adicionada da demanda acomodativa, achase o esforço acomodativo exercido no teste. A adição, a ser prescrita, corresponderá ao valor da lente adicionada, somada a 33% do esforço acomodativo. Por exemplo, uma pessoa emetrope, testada a 40 cm, só identificou os menores caracteres da tabela com lente +1,00 D. Subtraindo esse valor da demanda acomodativa, verificamos que o esforço acomodativo é da ordem de +1,5 D. A adição deverá ser: +1,00 + (1,50/3) = +1,50 D. 3. Usando a melhor correção de longe no refrator e com a carta de teste colocada a 40 cm, acrescente lentes positivas até que o paciente consiga identificar nitidamente os menores caracteres. Anote o valor da lente adicionada (p. ex., adição de +1,5 D). Continue adicionando lentes positivas até que as letras fiquem turvas. Anote o novo valor da lente adicionada (p. ex., adição de +3,5 D).

A adição a ser prescrita será a média aritmética desses dois valores, ou seja, +2,5 D.

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4. Com a melhor correção de longe no refrator e com a carta de perto de Jaques, que apresenta riscos horizontais e verticais colocada a 40 cm, posicione os cilindros cruzados com os eixos dos cilindros negativos a 90° e acrescente lentes positivas até que o paciente consiga identificar nitidamente todos os riscos.

Anote o valor da lente adicionada (p. ex., adição de +2,25 D). Este será o valor da adição de perto. O presbita com a correção de longe identifica os riscos horizontais claros e os verticais borrados.

O problema desses métodos é que eles consideram apenas o cansaço visual. O principal problema do presbita é a turvação visual para perto ou a restrição da profundidade do campo visual, com o uso da adição. A queixa de cansaço tende a ser secundária, porque, nessa condição, ele instintivamente aumenta a distância de trabalho, diminuindo o esforço acomodativo. Só para os que trabalham por período prolongado, em uma distância fixa, como relojoeiros ou soldadores de componentes eletrônicos, é que esse sintoma tende a ser importante. Portanto, o objetivo primordial da adição é dar boa visão, com mínima interferência sobre a profundidade do campo. Como esses objetivos tendem a ser antagônicos, a prescrição do presbita é, no campo da Oftalmologia, a que mais se aproxima do conceito de arte. Um bom começo, no domínio dessa arte, é determinar o defeito de refração total do paciente, sob cicloplegia, e, em outra sessão, iniciando-se com a correção total, determinar a mínima graduação que dê visão máxima de perto. Sobre esse valor, podese colocar alguma graduação a mais, para o alívio do esforço acomodativo, mas com controle simultâneo do efeito sobre a amplitude do campo de visão de perto. Esse controle é feito com o afastamento e a aproximação da carta de optotipos em torno do plano de leitura.

Lentes oftálmicas para a presbiopia

Os sintomas da presbiopia podem ser atenuados com lentes monofocais, bifocais ou multifocais. Cada uma apresenta vantagens e desvantagens.

Lentes monofocais

As lentes monofocais têm foco único; quando são usadas na presbiopia, servem apenas para a visão de perto. Se a pessoa tiver algum defeito de refração, precisará de outro par de óculos para longe. Entretanto, têm a vantagem de fornecer ótima qualidade de imagem, justamente por serem de confecção simples. Outro benefício é permitir ao usuário a livre escolha da região da lente a ser utilizada. Se ele precisa trabalhar olhando para um painel acima da cabeça, basta elevar os olhos. Se o efeito prismático é diferente nas duas lentes, ele poderá usar os centros ópticos, onde não há efeito algum.

As lentes monofocais de perto devem ser montadas preferencialmente em meiaarmação, que é pequena e faculta o olhar por cima das lentes para alcançar distâncias intermediárias e de longe.

Lentes bifocais

As lentes bifocais têm um foco para a visão de perto e outro para longe. A vanta-

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gem sobre as lentes monofocais é fornecer visão de perto e longe, com um único par de óculos, e também terem preço acessível. Como desvantagem, podem dificultar a deambulação pela dificuldade de focalização do chão por meio do segmento inferior da lente.

Há grande variedade de bifocais que diferem, basicamente, na forma do segmento de adição. Os principais são: Flattop, Executivo, Kriptok, Ultex ou Ballux. Originalmente, os segmentos de adição eram colados em uma das superfícies da lente de longe, daí o nome adição. Atualmente, a maior parte dos bifocais é construída em peça única, com a superfície anterior apresentando curvatura para a visão de longe e outra para perto. Essa combinação de lentes distintas, em peça única, gera efeitos prismáticos indesejáveis, dos quais dois se destacam: o salto de imagem e o deslocamento vertical do campo visual.

Embora os bifocais sejam feitos com grande variedade de formas, cada tipo de segmento tem distância constante entre o topo e o centro óptico. Essa distância mais o poder da adição são os principais responsáveis pelo salto de imagem, quando a linha do olhar cruza o topo do segmento de adição ao se olhar para baixo. Os tipos de segmento cuja distância entre o topo e o centro óptico é grande (Ultex ou Kriptok) são os que produzem maior salto. Nos segmentos tipo flat-top, onde essa distância é pequena, o salto é pequeno. Nos bifocais Executivos, cujo topo coincide com o centro óptico, o salto é nulo.

A posição do centro óptico do segmento de adição é importante ainda por outra razão: influencia a magnitude do deslocamento da imagem vista por meio da adição. A maioria dos usuários de bifocais lê por meio de um ponto situado 10 mm abaixo do centro óptico da correção de longe. Se essa posição coincidir com o centro óptico da adição, como na maioria dos flattops, o segmento não gera nenhum efeito prismático. Se, por outro lado, o centro óptico do segmento estiver localizado muito abaixo da linha de leitura, como no Ultex, a adição poderá contribuir significativamente para o deslocamento vertical da zona de leitura, sendo muito desagradável. O desconforto dependerá da quantidade e do sentido do deslocamento, bem como das necessidades visuais e ocupacionais do paciente. Para minimizar esses problemas, foram criadas regras de prescrição de bifocais. São elas: 1. Use flat-top em todos os casos de miopia. 2. Use flat-top nas hipermetropias quando a graduação da adição é superior à das lentes de longe, no meridiano vertical. 3. Use Ultex ou Ballux nas hipermetropias quando a graduação da adição é inferior à das lentes de longe, no meridiano vertical. 4. Use Kriptok quando a graduação da adição é idêntica à das lentes de longe, no meridiano vertical. Esse segmento tem a vantagem de ser pouco aparente.

O bom senso sugere que, se o paciente estiver satisfeito com um tipo de bifocal, mesmo que não esteja conforme às regras anteriores, não é necessário trocá-lo. De-

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cida com o paciente as eventuais modificações.

A largura do segmento de adição é importante fator na prescrição de bifocais. Os segmentos largos facilitam o trabalho de quem necessita de campo visual amplo para perto. Mas, deve-se levar em conta que, se a visualização do objeto de perto exigir a excursão ocular maior que 15°, em geral a pessoa gira a cabeça no sentido desejado. Entretanto, se os óculos forem prescritos sobretudo para o uso de longe, o segmento pequeno poderá ser mais apropriado, interferindo menos no campo lateral.

A posição do topo do segmento dos bifocais é de suma importância para o conforto. O topo do segmento deve ficar alinhado com o limbo corneano inferior, cerca de 5 a 5,5 mm abaixo do centro pupilar. Entretanto, na prescrição dos primeiros bifocais, o topo do segmento pode ser colocado cerca de 1 a 2 mm mais baixo que o usual, para facilitar a deambulação. Porém, se os óculos forem utilizados, sobretudo para perto, a altura pode ser elevada 1 a 2 mm, o que ampliará a zona de trabalho. As alturas dos segmentos não precisam ser necessariamente simétricas em relação à armação. O importante é que sejam verticalmente alinhadas com os olhos. Se um olho é mais baixo que o outro, a altura dos segmentos deve acompanhar as posições reais dos olhos.

A descentralização nasal dos segmentos é outro fator a ser considerado, e é determinada por vários fatores: a distância interpupilar (DIP) e a distância de trabalho; quanto menor for essa distância, maior a convergência e, portanto, maior a descentralização exigida. O outro fator é o poder dióptrico da lente de longe no meridiano horizontal. A lente de longe induz efeito prismático todas as vezes que o paciente olha por fora dos centros ópticos das lentes, o que pode aumentar ou diminuir o esforço convergencial para perto. Por essa razão, os segmentos precisam ser descentralizados suficientemente. Uma vez que a maioria dos presbitas já tem exoforia na distância de leitura, a descentralização, sendo insuficiente, irá exigir maior esforço de um já sobrecarregado mecanismo de fusão.

A descentralização dos segmentos pode ser grosseiramente calculada com uma variante da fórmula de Lebensohn:13

DIP de longe (mm) × 25 ___________________ = descentralização

Distância de total (mm) leitura (mm) + 25 mm

Se a DIP = 64 mm e a distância de leitura escolhida for 40 cm, a descentralização nasal total em milímetros que deverá ser repartida entre os olhos, será: 64 x 25/ 400 + 25 = 3,76 mm.

Lentes multifocais

As lentes multifocais são lentes com mais de dois focos; incluem as trifocais, progressivas e semiprogressivas.

Muitos casos de falta de adaptação com bifocais são decorrentes da abrupta perda de visão nítida na zona intermediária. Por exemplo, com os óculos antigos, o pacien-

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te tinha visão nítida entre 40 e 100 cm, mas, com o aumento da adição para melhorar a leitura, essa amplitude caiu para 30 a 50 cm. Agora ele passa a ter queixas em atividades como fazer compras, trabalhar na cozinha ou digitar no computador. Esses pacientes são excelentes candidatos aos multifocais. As lentes trifocais são os mais antigos multifocais, que apresentam, além da lente de longe, uma adição intermediária e outra para perto. Embora muito boas, em termos de eficiência e conforto, não são esteticamente satisfatórias.

As lentes progressivas apresentam graduação para longe, outra para perto e uma zona entre elas, com graduações intermediárias que crescem de cima para baixo. São excelentes do ponto de vista estético, pois não apresentam linhas divisórias aparentes. A progressão, de longe para perto, é proporcionada pelo desenho da curvatura anterior. Uma vez que o desenho da área útil dessas lentes tem configuração de ampulheta, os campos visuais de longe e perto não são tão amplos quanto os dos bifocais. Por isso, parte da visão lateral é compensada com movimentos da cabeça, fato que exige treinamento.

No entanto, o maior problema está no afunilamento do campo de visão intermediário, correspondente ao “gargalo” da ampulheta. Esse túnel limita significativamente a visão lateral intermediária, e, fora dele, ela é distorcida e desagradável. Quando o olhar passa de longe para perto, os eixos visuais tendem a abaixar e convergir, simultaneamente. As lentes têm de ser montadas com grande cuidado, para que, em nenhum momento, o olhar saia do túnel. Isto as torna muito dependentes da condição de fabricação e dos cuidados de montagem, características de difícil conferência pelo médico.

As medidas de aferição que podem ser realizadas em consultório são: graduação de longe, graduação de perto, coincidência das cruzes de montagem com os centros pupilares, alinhamento horizontal das lentes e prismação vertical (de redução de espessura). Para tanto, o médico deve solicitar, em receituário, que as marcas de conferência, vindas de fábrica, sejam mantidas ou restauradas. A inclinação pantoscópica é particularmente importante para o conforto, mas deve ser titulada caso a caso.

Para a proteção do paciente e do próprio médico, a utilização de marcas pouco conhecidas e de montadoras inexperientes deve ser desencorajada. De modo geral, as lentes progressivas mais confortáveis são as que têm desenhos mais sofisticados, maior abertura de túnel, progressão suave e montagem sob medida.

As lentes regressivas ou semiprogressivas apresentam área lateral da visão de perto 3 vezes maior e área lateral de visão intermediária 15 vezes maior que a das lentes progressivas,14 sendo indicadas aos presbitas que trabalham com computador, pranchetas, escrivaninhas e leitura de partituras musicais. Para prescrição, basta fornecer a distância nasopupilar e a graduação de perto. A quantidade de regressão é aviada em função do valor da adição. As medidas passíveis de serem conferidas em consultório são: graduação de perto, coincidência do ponto de conferência com os centros pupilares e alinhamento horizontal.

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ESTUDOS DE CASOS

■ Paciente com 48 anos de idade, sexo feminino, bancária, há 5 anos fez o último exame de refração. Relata baixa visão para leitura. ● Óculos usados. ● OD: +1,25 AV = 1,0 e OE: +1,25 AV = 1,0; adição AO +1,00. ● Campo de visão: de 40 a 100 cm. ● Refração manifesta. ● OD: +1,25 AV = 1,0 e OE: +1,25 AV = 1,0; adição AO +2,00. ● Campo de visão: de 30 a 50 cm.

Comentários

Uma vez que não houve variação da hipermetropia, a paciente precisa apenas de um aumento na prescrição de perto. Por meio do segmento dos bifocais antigos, seu campo visual era de 40 a 100 cm. Com os óculos novos, antecipa-se um campo de 30 a 50 cm. É muito provável que a paciente reclame de perda da visão intermediária, que não consiga ver com nitidez as compras do supermercado. A solução óbvia é a prescrição de lentes progressivas para preservar o campo visual intermediário antigo. Uma alternativa é prescrever os novos bifocais para a distância da leitura e pedir à paciente que use os óculos antigos para as atividades diárias de visão intermediária, tais como cozinhar, limpar ou fazer compras. ■ Paciente com 40 anos de idade, sexo masculino, escriturário. Nunca usou óculos. Tem cefaleia e turvação visual com leitura prolongada. ● Refração manifesta. ● OD: +0,50 AV = 1,0 e OE: +0,50

AV = 1,0. ● Ponto próximo de acomodação:

OD: 37 cm ou 2,70 D e OE: 37 cm ou 2,70 D. ● A incongruência entre a baixa capacidade acomodativa e a idade levou à realização de refração sob cicloplegia. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: +2,00 AV = 1,0 e OE: +2,00

AV = 1,0. ● Visão com correção total, após recuperação da cicloplegia, era de 0,9 AO. ● Conduta: prescrito +1,25 AO para uso de perto. Foi-lhe dito que poderia também usar os óculos para assistir TV; se sentisse conforto, poderia usá-lo, indiferentemente, tanto para perto quanto para longe.

Comentários

Tecnicamente, esse paciente tem hipermetropia, e não presbiopia. O PPA não foi avaliado corretamente porque não se computou o vício de refração. Seu valor real é de +4,70 D (2,70 + 2,00). A refração sob cicloplegia foi fundamental para o diagnóstico correto do problema. Com a prescrição de +1,25 AO, ele só precisa usar 0,75 D da acomodação para neutralizar sua hipermetropia latente. Isto o deixa com reserva acomodativa de +3,95 D, plenamente satisfatória para o conforto visual. Como os óculos prescritos não se enquadram na definição de adição, eles não atrapalham a visão intermediária nem a de longe.

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■ Paciente com 68 anos de idade, sexo feminino, professora aposentada, quer trocar os óculos porque estão fracos para longe; não tem dificuldades para perto. Usa lentes progressivas; não troca os óculos há 5 anos. ● Óculos usados. ● OD: +3,00 D e OE: +3,00 D; adição AO +3,00 D. ● Visão de longe: OD e OE AV = 0,3 e perto OD e OE AV = 1,0. ● Refração manifesta. ● OD: +2,00 D e OE: +2,00 D; adição AO +3,00 D. ● Visão de longe OD e OE AV = 0,6 e perto (30 cm) OD e OE AV = 0,6. ● Biomicroscopia: catarata em AO.

Comentários

Alguns pacientes portadores de catarata nuclear têm redução da hipermetropia por causa da miopização decorrente do aumento do índice de refração do cristalino. Com os óculos antigos, a paciente está com +1,00 D em excesso, fato que lhe proporciona a aproximação do objeto de leitura para 25 cm. O aumento do ângulo visual, decorrente dessa aproximação, fornece-lhe acuidade 1, maior do que o 0,6 que obteria se focalizasse a 33 cm com os novos óculos. Como não há mais acomodação em jogo, a visão de perto é dada pela adição. É provável, portanto, que a paciente fique satisfeita com a visão de longe mas não aceite a nova prescrição, pelo fato de não mais enxergar tão bem para perto. Pode-se prescrever adição +3,50 D, mas isso não lhe devolve a visão de perto antiga. A solução é explicar o problema à paciente e decidir o que fazer com ela.

Uma possibilidade é prescrever os óculos novos com adição +3,50 D (adição máxima para multifocais) e perder um pouco da visão de perto. Outra é prescrever os óculos novos e um par de óculos com adição +4,00 D, só para perto ou explicar à paciente que continue usando os óculos antigos para trabalhos de perto que exijam melhor acuidade. ■ Paciente com 3 anos de idade, sexo feminino, há 1 mês passou a apresentar esotropia intermitente e alternante. ● Refração sob cicloplegia (ciclopentolato). ● OD: +3,00 D e OE: +3,00 D. ● Com a correção total, o teste do prisma-cobertura revelou: ● A 5 m 6 ∆ esoforia. ● A 35 cm 40 ∆ esotropia. ● A 35 cm com adição de +3,00 6 ∆ esoforia. ● Biomicroscopia e fundoscopia normais em ambos os olhos. ● Prescrito: OD: +3,00 D e OE: +3,00 D; adição de +3,00 D. ● Bifocal executivo.

Comentários

Trata-se de caso típico de esotropia acomodativa com relação à CA/A alta, ou seja, com excesso de convergência acomodativa; daí o desvio maior de perto que de longe. O bifocal executivo deve ser prescrito com o topo tangenciando o meio da pupila. Isto visa a garantir que o olhar de

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perto só aconteça por meio do segmento da adição. Por causa disso, o chão fica um pouco turvo e, no andar, a criança contorna esse problema abaixando o queixo, fato que pode perturbar os pais. Os multifocais convencionais não garantem essa condição, embora a paciente ainda não informe a visão; como se trata de esotropia de aparecimento recente, alternante e com todos os outros exames normais, ela provavelmente ainda não tem ambliopia. ■ Paciente com 44 anos de idade, sexo masculino, engenheiro, queixa-se de que lhe receitaram óculos com lentes progressivas, mas que não se adapta a elas. A sensação é que os olhos “puxam”. Com os óculos anteriores, monofocais, nunca teve problemas. Usa óculos desde criança. ● Óculos antigos: – OD: +1,00 D AV = 1,0 e OE: +5,00 D AV = 1,0. ● Óculos atuais: – OD: +1,00 D e OE = +5,00 D; adição de +1,50 D. – Visão de longe OD e OE AV = 1,0 e perto (40 cm) OD e OE AV = 1,0.

As lentes estão perfeitamente alinhadas à pupila e bem montadas na armação. O único fato estranho ocorre no lensômetro: na lente esquerda, observa-se um deslocamento inferior da mira, da ordem de 4 ∆.

Comentários

A anisometropia é o fato em destaque desse paciente. A consequente aniseiconia já deve ter sido superada pelos longos anos de uso de óculos. Entretanto, considerando-se que a focalização para perto ocorre cerca de 10 mm abaixo dos centros ópticos das lentes de longe, e que, no caso em pauta, as lentes são de diferentes graduações, entra em jogo aqui a disparidade do efeito prismático. Considerando-se apenas as lentes monofocais antigas, o efeito prismático será: OD= 1 ∆ (1 cm × +1,00 D) BS e OE = 5 ∆ (1 cm × +5,00 D) BS. A diferença prismática de 4 ∆ de base superior (porque as lentes são positivas) gera uma anisoforia vertical, ou seja, uma disparidade vertical dos eixos visuais neutralizada, constantemente, pela fusão. Como a amplitude fusional vertical é pequena, isto se torna fonte de desconforto visual, na forma da sensação de que os olhos estão sendo “puxados”. Com os óculos de visão simples, isso era contornado com o abaixamento do mento, olhando pelos centros ópticos, onde não exista efeito prismático. Com os bifocais ou multifocais, esse artifício deixa de funcionar porque o usuário é forçado a olhar pela zona inferior do segmento de adição, onde a graduação não é mais monofocal. Aí, o efeito prismático manifesta-se impiedosamente. Esse problema admite duas soluções: 1) prescrever prismas neutralizadores, de base inferior, tipo slab-off; 2) prescrever óculos separados, para longe e perto. ■ Paciente com 45 anos de idade, sexo masculino, contador, sempre usou óculos. Recentemente, receitaram-lhe bifocais, mas não consegue usá-los com conforto para a visão de perto, que não é confortável nem nítida. Refere cefaleia frontal no final do dia, o que nunca teve. ● Óculos antigos:

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● OD: –4,00 cil 180 AV = 1,0 e OE: –4,00 cil 180 AV = 1,0. ● Óculos atuais: ● OD: –4,00 cil 180 AV = 1,0 e OE: –4,00 cil 180 AV = 1,0; adição de +1,50 AV = 0,9 AO a 40 cm. ● Os óculos estão perfeitamente montados na armação; ambos os cilindros foram cunhados nas faces posteriores das lentes. Não há defeitos ópticos nas lentes. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: +0,50 × –4,00 cil 180 AV = 1,0 e OE: +0,50 × –4,00 cil 180 AV = 1,0. ● Teste pós-cicloplégico para perto. ● OD: +1,5 × –4,00 cil 165 AV = 1,0 a 40 cm. ● OE: +1,5 × –4,00 cil 15 AV = 1,0 a 40 cm.

Comentários

O problema desse paciente, provavelmente, deve-se à variação dos eixos corretores do astigmatismo, longe e perto. O eixo do cilindro é fixo nos óculos, mas a inclinação do erro astigmático varia com as excursões oculares. Por isso, há discrepância entre eles com a movimentação ocular, particularmente na convergência. A convergência acima do plano horizontal gera exciclotorção e, abaixo dele, inciclotorção. O desalinhamento entre o eixo do cilindro e a inclinação do astigmatismo tende a causar dois problemas: turvação das imagens e inclinação do campo visual. O cérebro do paciente procura atenuar esses problemas promovendo ciclotorção compensatória, que exige maior esforço muscular. A torção é tão maior quanto mais afastados os olhos estiverem dos centros ópticos da lente de longe. Entretanto, se, no olhar para baixo, o paciente, em vez de movimentar os olhos, abaixar a cabeça, mantendo a visão pelos centros ópticos dos óculos, a ciclotorção será mínima. Quando os óculos são de visão simples, essa estratégia é efetiva e usada com frequência de modo instintivo. Porém, com os bifocais ou multifocais, isso não é possível porque o paciente é obrigado a abaixar os olhos para alcançar a adição e pode vir a reclamar de desconforto visual e cefaleia. Nos astigmatismos maiores que ±2,50 D, se a variação longe-perto de eixo for maior que 10°, e o poder maior que ±0,75 D, existe potencial real de problemas, se o paciente for forçado a usar a correção astigmática de longe para a leitura, quer na forma de lentes simples, bifocal ou multifocal. O problema admite duas soluções: 1) explicar a situação ao paciente e, com sua colaboração, insistir no uso dos bifocais na esperança de que os sintomas desapareçam; 2) prescrever óculos distintos para longe e perto. ■ Paciente com 36 anos, sexo masculino, relojoeiro, reclama de dificuldade para enxergar a 25 cm de distância, exigidos pela sua profissão. Tem cansaço visual após curtos períodos de trabalho. Não usa óculos. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: +0,50 D AV = 1,0 e OE: +0,50 D AV = 1,0. ● PPA de 20 cm ou +5,00 D.

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● Demanda acomodativa a 25 cm de +4,00 D. ● Prescrição: +1,50 esf AO montada em meia-armação.

Comentários

O paciente é relativamente jovem, apresenta queixas típicas de presbiopia. Como sua capacidade acomodativa é normal para a idade (7,00 ± 2,00 D), ele não deve ser rotulado como presbita prematuro. Presbiopia prematura sugere processo não fisiológico. No presente caso, o paciente tem presbiopia típica por excesso de demanda acomodativa motivada por sua profissão. Somando-se metade da capacidade acomodativa com a demanda e subtraindo-se o resultado da capacidade acomodativa, obtém-se adição +2,50 + 4,00 – 5,00 = +1,5 D. Isto deve dar-lhe o conforto de que necessita para trabalhar. ■ Paciente com 38 anos de idade, sexo feminino, professora, tem grande dificuldade visual para perto. A prescrição de óculos para perto foi-lhe indicada sob a alegação de que estava com presbiopia. Não se conforma com o diagnóstico. Anda desanimada, sente-se lenta (sic). As pernas estão levemente inchadas, embora nunca tenha tido varizes. Em recente exame clínico geral, foram feitos exames hematológicos e de glicemia e nada foi encontrado. Um facultativo tomou o caso como depressão e prescreveu-lhe antidepressivo. Acha que a medicação mais atrapalha do que ajuda. ● Óculos atuais para perto. ● OD: +2,00 D AV = 1,0 a 40 cm e

OE: +2,00 D AV = 1,0 a 40 cm. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: +0,50 D AV = 1,0 e

OE: +0,50 D AV = 1,0. ● PPA de 80 cm ou +1,25 D. ● Demanda acomodativa = +2,50 D. ● PIO = 14 mmHg AO. ● Suspeitou-se de presbiopia precoce e solicitou-se avaliação clínica mais cuidadosa, com ênfase na pesquisa de enfermidades da tireoide ou neuropatias. O diagnóstico final foi hipotireoidismo.

Comentários

As queixas da paciente e a baixa capacidade acomodativa para a idade, sem motivo ocular aparente, foram “pistas” importantes para a suspeição de presbiopia prematura, não fisiológica. A presbiopia prematura deve ser considerada quando o problema surge em idade precoce e quando todas as outras causas de aumento da demanda acomodativa são excluídas. As seguintes condições podem ser causa de presbiopia precoce: 1) após encefalites, hipotireoidismo, anemia intensa, miastenia gravis, diabetes e glaucoma de ângulo aberto; e 2) ingestão de medicações parassimpatolíticas, cloroquina, fenotiazinas e tranquilizantes. A identificação do problema não resultou em mudança de correção óptica, mas ajudou na instituição de tratamento apropriado a sua real enfermidade. ■ Paciente com 47 anos, sexo feminino, faxineira, não enxerga suficientemen-

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te para perto para exercer a profissão. Embora não use óculos, acha que vai precisar de algum que lhe permita enxergar de longe e perto, sem tirá-lo do rosto. Deixou claro que não tem condições de gastar muito com o problema. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: +2,75 × –1,00 cil 90 AV = 1,0 e OE: +2,75 × –1,00 cil 90 AV = 1,0. ● Refração manifesta. ● OD: +2,00 × –0,50 cil 180 AV = 1,0 e OE: +2,00 × –0,50 cil 180 AV = 1,0. ● Adição de +1,50 D AO AV =1,0

AO a 40 cm. ● PPA de 31 cm ou +3,50 D. ● Demanda acomodativa com óculos +3,25 D. ● Prescrito bifocal Kriptok com a refração manifesta.

Comentários

Esse é basicamente um caso em que, por motivos econômicos, foram prescritos bifocais em vez de lente progressiva. Por outro lado, os bifocais também parecem ser a melhor opção funcional. Ela tem de usá-los com a cabeça nas mais diversas inclinações, muitas delas incompatíveis com as limitações de campo dos progressivos. O valor das lentes de longe, no meridiano vertical, é +1,50 D. Como a adição é idêntica a esse valor, a escolha correta é o Kriptok. O segmento desses bifocais tem a vantagem adicional de ser, entre todos, o de melhor estética, pois é quase invisível. ■ Paciente com 65 anos de idade, sexo masculino, aposentado. Interessado em participar de programa de alfabetização de idosos, fez exame refratométrico e foi-lhe prescrito uso de bifocais. Embora os óculos melhorem a visão, sente muito cansaço com os esforços visuais de perto e vê duplo intermitentemente. ● Óculos usados. ● OD: +0,75 × –0,50 cil 90 AV = 1,0 e OE: +0,75 × –0,50 cil 90 AV = 1,0. ● Adição de +2,5 D AV= 1,0 a 40 cm. ● Bifocal flat-top. Eixos visuais coincidentes com os centros ópticos das lentes de longe. Topo do segmento tangenciando a margem do limbo inferior. Ausência de assimetria de posição dos bulbos oculares. ● Teste do cover alternado com óculos: L exoforia –15 ∆ e P exoforia – 30 ∆. ● Amplitude de convergência para longe +20 ∆. ● Amplitude de convergência para perto +30 ∆. ● Refração sob cicloplegia. ● OD: + 0,75 × –0,50 cil 90 AV = 1,0 e OE: + 0,75 × –0,50 cil 90 AV = 1,0. ● Mantida a prescrição e indicados exercícios para melhorar a amplitude de convergência para perto.

Comentários

Parte da convergência dos eixos oculares está associada ao esforço acomodativo. A adição, aliviando esse esforço, pode

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piorar exodesvios latentes. Pacientes com presbiopia avançada tipicamente apresentam grandes exoforias para perto. Para a maioria desses pacientes, o aumento da exoforia não é acompanhado de nenhum sintoma, embora alguns possam reclamar de dificuldades fusionais, como diplopia e astenopia. Pelo fato de não poderem ficar privados da adição, podem necessitar de exercícios ortópticos ou de prescrição de prismas de base nasal para neutralizar a insuficiência de convergência. Quando os prismas são utilizados, procura-se prescrever a menor graduação prismática que dê ao paciente visão única e confortável para a leitura. No caso em discussão, apenas os exercícios com prismas de base nasal resolveram o problema.

SUMÁRIO

Presbiopia é a dificuldade, relacionada à idade, de distinguir com nitidez objetos próximos. Embora a queda da capacidade acomodativa seja sinal inevitável de envelhecimento, o sintoma “presbiopia” não segue necessariamente o mesmo curso. Se a pessoa não exerce nenhuma atividade crítica para perto, ela poderá passar a vida sem queixas e, portanto, sem presbiopia.

O principal problema do presbita é a turvação visual para perto ou a restrição da profundidade do campo visual, com o uso da adição. Portanto, o principal objetivo da adição é fornecer visão nítida, com a mínima interferência possível sobre a profundidade do campo visual. A prescrição de adição maior que a necessária é a principal causa de insatisfação com óculos. A queixa relaciona-se com o corte do campo visual intermediário.

“Adição” é a graduação adicionada à lente corretora do vício de refração para proporcionar visão nítida de perto. As adições gravadas nos progressivos são apenas nominais: só é possível quantificar a adição real com o conhecimento do valor total da ametropia. As adições podem ser prescritas sob várias formas: lentes simples, bifocais e multifocais. Cada uma delas apresenta vantagens e desvantagens. Cabe ao médico orientar a melhor opção para cada paciente, baseado na compreensão profunda das reais necessidades de cada usuário.

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