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Bernardo Saboya de Siqueira A seca da cidade

sombra perto da ferroviária.

Depois de alguns minutos em silêncio, Fabiano se levantou e voltou a conduzir a família, ao lado de Sinhá Vitória, dessa vez.

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Não era necessário falar nada, o trajeto já havia sido discutido antes de entrarem no trem. Iriam pegar a balsa com o pouco do dinheiro que havia sobrado do trabalho que Fabiano tinha conseguido arranjar de última hora.

Chegaram ao local e esperaram na fila. Quando chegou a vez da família comprar as passagens, Fabiano tirou do bolso todos os trocados e moedas que tinha. O homem olhou no fundo dos olhos do Fabiano com desconfiança. Ninguém mudou de reação nem nada do tipo. Estavam exaustos. Desistir não era uma opção. O homem deixou eles passarem sem nem questionar.

Fabiano pegou a mala do chão, entrou na balsa e imediatamente olhou para o céu. Fechou os olhos e respirou fundo, soltando seus pertences no chão.

Sinhá Vitória, Carlos e João Miguel se mantiveram atrás de Fabiano, apenas admirando a cena que estava acontecendo ali.

Fabiano virou para a mulher e os filhos, deu um sorriso simples, e abraçou os três ao mesmo tempo. Ali foi a primeira vez que todos estavam juntos, seguros, e felizes. Todo peso que podia ter nas costas de cada um, havia sido levado com brisa e som do mar.

Nenhum deles havia conseguido trabalho e nem escola, mas estavam completos, e sabiam que dessa vez, era para sempre. Bernardo Saboya de Siqueira

A seca da cidade

Depois de horas de viagem, Fabiano e sua família chegaram a São Paulo, onde passariam um tempo com uns parentes. Saindo da rodoviária, eles puderam ter as primeiras impressões da cidade. Não souberam descrever muito bem, todas as pessoas pareciam sérias e até mais frustradas e o melhor adjetivo que encontraram para descrever a cidade foi “cinza”.

Foi uma outra viagem até a casa do primo de Fabiano e foi tudo muito quieto. Ele e Sinhá Vitória pareciam preocupados, e os meninos pareciam surpresos com a vista, como se fosse a cidade onde eles passavam o natal, só que muito maior.

Ao chegar na casa de seu primo, foram-lhes apresentados os cômodos de cada um. Era uma casa bem simples, moravam apenas seu primo e sua esposa. Eles tinham a mesma idade que Fabiano. O que parecia engraçado para os meninos era a forma como eles falavam, como se fossem da TV, com um sotaque diferente. Tentando puxar assunto, Fabiano comentou que a viagem tinha sido tranquila, também comentou suas primeiras impressões da cidade para o seu primo, que pareceu não se importar muito. A

única coisa que ele deixou claro foi que para sua família poder se estabelecer teriam que pagar sua parte das contas e a comida do menino mais velho e também do mais novo, esta foi uma questão com a qual eles pareciam preocupados. A verdade é que era como se Fabiano estivesse alugando aquela casa por um tempo, e como seu primo também precisava de ajuda financeira, Fabiano se encaixou bem ali.

Passaram bem à noite e, por volta de meio-dia, Fabiano sozinho foi conhecer a região e partiu em busca de um emprego. Passeando pelo bairro, Fabiano observou um bar, e deu vontade de dar uma parada lá, viu um grupo de motoboys encostados ali. Então, viu uma oportunidade e decidiu conversar com eles. Fabiano percebeu que ele era motivo de piada por conta do sotaque, mas tudo bem, pois conseguiu a informação de que precisava e não queria arrumar confusões de bar novamente, com medo de que nessa cidade tivesse diversos soldados amarelos. Se dirigiu ao bar e conversou com o gerente. Fabiano depois de uma conversa longa, conseguiu o emprego, ele iria trabalhar 10 horas por dia fazendo entregas. Ele aceitou este trabalho, pois eles ofereciam a moto, então já estava imaginando quando poderia ensinar o menino mais velho.

Sempre que chegava em casa Fabiano sentia algo dentro dele, um remorso que nem ele conseguia explicar, sua maior vontade era cair em prantos. Essa figura de um homem que resolve tudo era uma grande mentira, Fabiano sentia-se como se tivesse sendo outra pessoa, e ele odiava isso, mesmo sabendo que era necessário. Ele sentia muita falta de sua terra e odiava aquele seu primo. Ele não sabia se expressar e se auto compreender, só sabia que havia um grande vazio morando nessa nova cidade.

Depois de vários dias de esforço e trabalho, Fabiano percebeu que essa era sua rotina. Ir para cidade grande não lhe trouxe a paz e a calmaria que esperava.. Ele nunca pensou que ia sentir tanta falta de sua cidade. Lembrava-se de Baleia, lembravase dos curtos momentos em que ele pode sorrir. Pensando apenas se em algum momento, ainda que pequeno, poderia ter esses sentimentos de novo, nessa situação tão fria e que havia se metido. Parece então que ao buscar paz e felicidade na cidade, ele descobriu que para ele e sua família esse luxo era inalcançável.