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Anna Bella R. A. Torres Camargo Vidas e Mortes

Fabiano voltou, havia encontrado um emprego, trabalhou por oito horas seguidas,empilhando tijolos em uma obra. Ao voltar, se deparou com Sinhá Vitória e o filho mais velho diante do corpo desacordado do filho mais novo, ele estava com febre e o rosto vermelho.

Fabiano saiu à procura de comida e cobertores, voltou e comeu a última refeição de sua vida, ao lado da sua família. No dia seguinte, Sinhá Vitória saiu à procura de emprego, enquanto o filho mais velho cuidava do mais novo.

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Ela voltou com uma merreca que ganhara, após lavar uns pratos de um restaurante no subúrbio, porém Fabiano não. Fabiano havia saído de manhã para trabalhar, era tarde da noite e este ainda não havia voltado. Fabiano havia morrido na obra, vítima de um acidente, como não carregava nenhum tipo de documentos, ninguém pode identificá-lo.

Sinha Vitória e as crianças dormiam à espera de Fabiano, e acordaram com batidas fortes na porta, ao abrirem se deparam com um homem alto, utilizando vestes muito formais. Ele expulsou- os da casa e ameaçou chamar a polícia, Sinhá Vitória carregou o filho mais novo nos braços desesperada, este não parava de tremer e soluçar, ela então seguiu em direção à Catedral. E lá sentiu a respiração do mais novo parar. Independente de seus esforços, o filho mais novo morreu, ninguém veio em seu socorro, e então Sinhá Vitória desmaiou, após ter perdido um filho na própria(?) Anna Bella Rodrigues Autran Torres Camargo

Vidas e Mortes

Enquanto a luz forte vinha da janela e o vento frio soprava seu rosto, Miguel abria os olhos castanhos e inchados. Fevereiro, o mês do carnaval, da festa, da alegria. Não havia nada de feliz naquela manhã. Talvez, por outro ponto de vista, outros olhos, que não fossem aqueles castanhos e inchados, poderia ser uma linda manhã. Mas o sofrido sentimento que seu corpo apontava, ao dormir abraçando o irmão menor, sentindo o cheiro de cigarro logo tão cedo, mas não tão forte, devido ao nariz entupido pelo frio cruel que a noite trazia, não o permitia acordar com um sorriso.

Miguel olhou para a janela, vendo uma árvore seca e sem folhas, pensou sobre os últimos acontecimentos. A despedida do nordeste e a entrada na cidade grande não foi fácil, mas na verdade nenhum lugar que havia ficado foi fácil. Claro, já passaram por situações mais desesperadoras, mas saber que teria que aprender a viver de uma maneira completamente diferente, abandonando seu eu passado e sua história de menino sertanejo para ter uma chance de viver bem, é assustadora também.

Ele sabia bem que poderia estar muito mais feliz, estava morando em uma casa de três cômodos: uma sala, onde tinha um sofá que dormiam os meninos, fogão e geladeira, um quarto, onde dormiam seus pais, ao chegarem exaustos em casa depois de passarem o dia inteiro fora, e um banheiro, com quase o necessário. Hoje seria seu primeiro dia de aula, finalmente poderia ter a chance de estudar para não ter o mesmo tipo de trabalho que seus pais, poderia estar tão animado quanto seu pequeno irmão! Mas não estava. Sentia falta de ficar perto de seus pais, mesmo sem falar nada, apenas observando e atrapalhando seus afazeres diários. Sentia falta de Baleia, ela com certeza estaria abanando o rabo, vendo todos esses lugares novos. Sentia falta da dor, da sua dor, da dor que estava acostumado a sentir, aquela dor seca, como a árvore em seu quintal.

Miguel e Gabriel vestiram seus chinelos esfarrapados, suas bermudas, camisas de manga comprida, cada um colocou um lápis e folhas soltas em uma sacola e saíram para a rua. Gabriel andava rindo e pulando, Miguel achava que nunca havia visto o irmão tão feliz, feliz de verdade. Ele gostaria de poder ver o mundo pelos olhos do pequeno, mas não dava. Talvez por ser o mais alto, sua vista alcançava certas coisas que doíam reparar. As pessoas os encaravam enquanto passavam, mas quando ele olhava de volta elas fingiam não estar vendo os dois. Elas seguravam sua bolsa com mais força, ou às vezes até iam para o outro lado da rua. Qual era o problema delas? Ou o problema era nele? Não, não deveria ser. O vento cortante daquela cidade cruel machucava sua pele, e ao tentar prestar atenção em outras coisas, só conseguia ver o céu cinza, as lojas fechadas, as construções cinzas, os rostos fechados.

Chegando na frente da escola, os irmãos combinaram de que, quando a aula acabasse, esperariam no portão até que o outro aparecesse, só voltando para casa juntos. Quando Miguel foi para sua sala, viu várias crianças sentadas em grupinhos, ignorando completamente sua existência. Durante o dia ele tentou conversar com elas, mas a única coisa que recebeu foi cochichos e risadinhas maldosas. Miguel lanchou um copo de leite com toddy, sentado sozinho no canto da quadra, torcendo para nenhuma bola o acertar e sujar a sua roupa mais quente. Na saída, ele e o irmão voltaram para casa em silêncio. Os dois pareciam angustiados, mas sem querer conversar sobre o que aconteceu.

O mesmo processo se repetia todos os dias, até que em uma certa noite uma grande mudança estava prestes a acontecer. Sua mãe decidiu lhe dar o antigo caderno na qual ela treinava a escrita, já que não tinha mais tempo para isso. Miguel ficou feliz como um raio de sol, foi para a escola determinado com um novo motivo para estudar, e respondeu a todas as perguntas da professora. Reparou o olhar frio de alguns meninos, mas não pensou que ao voltar do intervalo encontraria o caderno todo molhado, com as folhas rasgadas e desmanchando. Nesse dia o garoto saiu da escola mais cedo, cheio de ódio e rancor, nunca fez nada de mal para que todos o tratassem assim, mas agora queria fazer. Ele correu até uma rua estreita, onde encontrou um cachorro muito magro dormindo no chão. Baleia veio em sua memória, ele deitou-se ao lado do cão e chorou. Percebeu que o bicho estava morto, com um canivete na barriga,