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Roberta Palomo Kruschewsky Mudança para a cidade

Roberta Palomo Kruschewsky

Mudança para a cidade

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O sol quente do deserto fazia o chapéu de Fabiano esquentar, a família estava toda acabada, não aguentavam mais andar em direção a grande São Paulo. Estão viajando a pouco mais de dois meses, o sol escaldante queimou a pele dos filhos, e Sinhá Vitória parecia cozinhar debaixo de suas roupas quentes e abafadas.

O menino mais velho se manteve em silêncio durante grande parte da viagem, enquanto o mais novo perguntava quanto tempo faltava e reclamava se seus pés doiam ou se sentia fome etc

Pela posição do sol, Fabiano deduziu que era meio dia, tinham que achar um lugar pra ficar antes do pôr do sol. O tempo ia passando, e o sol aos poucos ficava mais fraco. O dia estava muito seco, Fabiano sentia sua garganta arder mesmo tendo ficado em silêncio grande parte da viagem

-Acho que teremos que dormir por aqui mesmo. - diz Sinhá Vitória apreensiva - não vejo nenhuma cidadezinha por aqui - completa

A família já não comia a dois dias, e mal bebiam água. O menino mais novo não para de se queixar de sede e fome, e o mais velho vez ou outra pede por um descanso. Estão exaustos mas ainda é possível caminhar mais um pouco

Andando em passos arrastados, a família procurava algum lugar para ficar mesmo já tendo aceitado que dormiriam novamente a céu aberto. Porém o menino mais novo não aguenta e desmaia de sono, possivelmente de fome também.

A família decidiu ficar no local pela noite, Sinhá Vitória se ajeitou em um canto e observava Fabiano montar uma fogueira com os galhos ressecados que estavam ao redor, demorou para ascender, mas funcionou. Os meninos deitaram em um bolo de folhas secas, desconfortável mas melhor que o chão puro.

O sol raiava no horizonte, era hora de partir. A família se ajeitou e seguiu em linha reta, estavam famintos e com muita sede, então nenhuma palavra era ouvida, nem mesmo do irmão mais novo

Depois de horas andando chegaram em um morro cheio de casas mal estruturadas, crianças correndo e uma mulher se aproximava deles

-Olá, vocês são novos aqui?

-Acabamos de chegar- diz Sinhá Vitória

-Legal! Sejam bem-vindos a Favela Por do Sol!

A moça de idade acompanhou a família e mostrou uma casa de um morador que se foi a pouco, não era a melhor casa do mundo mas para quem não tem nada, séria tudo

Fabiano e Sinhá Vitória acertaram negócios com a senhorinha que deu um prazo de 1 mês para que o aluguel fosse pago

O ruivo saiu para tentar arrumar emprego e Sinhá Vitória foi procurar uma escola pública para cadastrar

seus filhos.

Fabiano saiu andando meio receoso, estava em um ambiente que nunca tinha presenciado, mesmo já tendo ouvido falar. Descendo as escadas de paredes pintadas, finalmente chegou no portão e agora se encontrava sozinho em um bairro desconhecido.

Fabiano andou por vários lugares da cidade, ofereceu trabalho a muitos, mas eram poucos os que se quer olharam na cara dele. Fabiano derrotado seguia seu caminho de volta para casa.

Andando pelas ruas cheias da cidade que nunca dorme, o ruivo vê uma garrafa de cerveja esquecida em um canto perto da parede, mesmo não sendo a coisa mais saudável e segura de se fazer, o vaqueiro pegou a bebida e deu um gole. Sua garganta estava completamente seca desde antes da noite anterior, foi um alívio poder desfrutar de qualquer tipo de líquido depois de tanta caminhada, continuou a beber enquanto andava pelas ruas de SP.

Fabiano, agora um pouco bêbado, passeava olhando o mar de prédios que dominavam a cidade, a alta tecnologia, de nada entendia mas gostava desse “mundo”. Luzes coloridas de propagandas em grandes telões iluminaram seu caminho até alguns prédios residenciais, depois disso seu caminho começou a ser iluminado por postes que nem sempre estavam funcionando perfeitamente.

Surpreendentemente chegou em casa sem se perder, o vaqueiro tinha um senso bom de direção até embriagado. Dentro de sua pequena casa, Fabiano se senta na cadeira do antigo morador, os móveis ainda não foram removidos e provavelmente não seriam. Sinhá Vitória o olhava preocupada, do outro lado do cômodo, parecia tentar perguntar com o olhar se ele tinha conseguido emprego, mas só de olhar para Fabiano a resposta já é óbvia.

Infelizmente, Sinhá Vitória também não conseguiu bons resultados. Ela tentou explicar sua situação para os responsáveis das várias escolas que visitou, mas sem identidade é impossível. O irmão mais velho, que espiava do cômodo ao lado, estava aflito. O sentimento de novamente ter que fugir de um local o aterrorizava e dessa vez não tinha a cachorra Baleia para o ouvir. O garoto estava gostando das novidades, era um lugar muito diferente de qualquer outro que ele já foi na vida.

O mês foi passando e todas as noites Fabiano voltava, chapado devido a falha, novamente discutia com o soldado amarelo imaginário colocando a culpa de todos os seus problemas nele, ou brigava com sua mulher por qualquer motivo que viesse na cabeça. Os meninos sabiam que não ficariam naquele lugar por tanto tempo, e isso os entristecia muito, pois fizeram amizade com algumas crianças e jovens da comunidade e também conseguiam comer e beber na maior parte dos dias, seria difícil se desprender desse novo ambiente.

Chegou o último dia antes do pagamento, Fabiano não tinha o dinheiro, se despediram dos amigos que fizeram e de cabeça baixa saíram novamente, dessa vez sem rumo. Os meninos estavam arrasados com a situação, e Sinhá Vitória também se despediu das amigas que tinha feito. Novamente estavam indo embora, novamente estavam de mudança.