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Pedro Henrique Dantas Sousa A seca: Um ciclo sem fim

o próximo?, dizia a si mesmo.

As férias se passaram e Sinhá Vitória voltou a receber, as vidas voltaram ao normal, mas mesmo assim os pensamentos de Fabiano ainda o assombravam, a todo o momento ele pensava que a família poderia voltar a morar na rua, ou voltar a passar fome. Foi então que aconteceu, Fabiano distraído passou por um cruzamento errado e deu de cara com um carro em alta velocidade, ele voou para o lado, não estava conseguindo se mover e foi levado por uma ambulância, os médicos pediram algum contato de emergência, mas ele não tinha nenhum, porque Sinhá Vitória não tinha telefone, então Fabiano deu o endereço para o doutor. Depois de algumas horas dois médicos foram dar as notícias, disseram que Fabiano estava em estado grave e que tinha quebrado vários ossos, Sinhá Vitória caiu em prantos, os filhos foram junto

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A notícia abalou a família, era difícil de aceitar. O menino mais novo dizia, primeiro a Baleia, depois meu pai, ele não conseguia entender porque não tinham uma vida normal, uma vida feliz. Quando eles chegaram ao hospital viram Fabiano, ele por sorte sobreviveu, mas não poderia andar por muito tempo, então também não poderia trabalhar. A família tinha caído em um poço novamente, mas desta vez era um do qual eles não conseguiriam voltar. Pedro Henrique Dantas Sousa

A seca: Um ciclo sem fim

Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos já tinham chegado à cidade. O percurso até este novo mundo, um mundo moderno, um mundo fora da seca, foi turbulento. Dias quentes e noites frias, e pelo menos duas semanas afora. Havia uma nova estrutura, um novo mundo à frente de todos, mas nas mesmas circunstâncias, eles continuaram nas ruas. Como não havia dinheiro para bancar uma moradia, a família se acomodou em uma casa abandonada, que estava suja e parecia que estava caindo aos pedaços, mas era o melhor que eles iriam conseguir .

A noite foi difícil. As duas crianças dormiram em um papelão sujo, sendo cobertos por outro, os pais dormiram no chão frio e molhado, por conta da chuva caindo do furo no telhado mas, no entanto, Fabiano madrugou observando as estrelas do lado de fora da casa, onde havia apenas um banco de concreto e grama velha. Deitado, percebendo que as estrelas na cidade pareciam mais sujas, Fabiano pensava se a decisão de se mudar para a grande metrópole foi a melhor. Apesar de toda a estrutura da cidade,

nenhum deles poderiam tirar proveito dela. Fabiano e Sinha Vitória não possuíam uma formação, e os trabalhos pagavam muito pouco para sustentar uma família de quatro pessoas, então os filhos teriam de trabalhar pela própria vida. A escola não parecia ser a melhor opção para os meninos, na visão de Fabiano, então eles teriam de trabalhar, como muitos dos jovens da cidade, e isso lhe cortava o coração.

A ideia de não poder proporcionar aos filhos as suas refeições, a educação… doía, mas não era uma dor qualquer, era uma dor de incompetência, uma dor que ele sentiu quando se comparou ao seu chefe, ele sentiu quando se identificou como um cabra, a mesma que ele sentiu quando teve de matar a cachorra Baleia. A cidade parecia promissora, mas apenas para aqueles que possuíam os recursos necessários para tirar proveito dela.

Sem ir para a escola e sem trabalho, Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos vagavam pelas grandes avenidas da metrópole implorando por dinheiro ou comida, em uma placa feita de papelão, a mesma que seria usada como cama para os dois filhos, onde estava escrito: “Nois ajuda, temo dois filho e moramo na chuva”, e naquele cenário, a única coisa que Fabiano esperava era o mínimo de sensibilidade vindo das pessoas de dentro dos carros, pessoas que, na mente de Fabiano, eram melhores que eles.

Aparentemente, a seca tinha ido embora ,mas ela jamais abandonaria o rumo da vida da família, não importa para onde eles fossem . Três meses se passaram, e eles ainda moravam na mesma casa, só que desta vez, sem telhado nenhum. Fabiano, como um homem orgulhoso, assim que percebeu que a maioria das pessoas dentro dos carros na avenida não iriam ao menos abaixar os vidros, desistiu de ao menos tentar, e a família passou por dias difíceis , os quais nunca teriam ao menos pensado que viveriam. Se houvesse ou não comida, era por causa do fluxo e da sorte da família. Enquanto os meninos e Sinha Vitória pediam no sinal, Fabiano buscava por emprego que, assim como seu antigo, bancasse uma casa para ele e sua família, sua alimentação… mas a vida na cidade grande era diferente. Os privilégios e requerimentos do interior eram diferentes, e naquele cenário, era cada um por si.

Em um dia, durante a noite, Fabiano reuniu todos no banco de concreto do lado de fora da casa:

—Estamos passando necessidade e fome. Não temos dinheiro para bancar uma vida de qualidade para os meus filhos, por isso, vocês irão se mudar para um orfanato até a minha vida e a de sua mãe se estabilizar.

Sinha Vitória não sabia do que Fabiano estava falando, então foi um choque para a mesma também. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ao mesmo tempo ela tentava não desabar, porque, mesmo sabendo que iria sentir falta de seus dois meninos, ela sabia que era o melhor para eles. Os meninos se sentiram perdidos. Não sabiam se deveriam se rebelar e não aceitar ir para o orfanato ou se deveriam desistir, a fim de uma vida com mais conforto, mas aquela decisão não cabia mais a eles. Fabiano pegou ambos pelo braço de uma maneira bruta, e os colocou para o lado de fora do portão:

caminho para o seu novo lar, e quando estabilizados, nós o encontraremos. Fiquem com Deus, meus filhos.

Fabiano respirou fundo e segurou a lágrima que estava na sua pálpebra prestes a cair, e fechou o portão. Os meninos ficaram confusos, e se perguntaram como Fabiano e Sinha Vitória iriam encontrá-los em uma cidade tão grande, mas a verdade era que eles simplesmente não iriam.

Fabiano poderia se mover da seca, mas a seca nunca se moveria dele, e isso parecia uma facada no coração de Fabiano. Ele voltou para o banco, e encontrou Sinha Vitória aos prantos, o xingando:

—Você acabou de estragar nossa família! Nós nunca vamos encontrá-los, e é tudo culpa sua! Se você não fosse… — E Sinha Vitória nunca chegou a terminar sua fala, porque Fabiano a matou antes dela ter essa oportunidade.

No momento em que Fabiano viu a dor nos olhos de Sinha Vitória, ele concluiu que ela e ele nao seriam fortes o suficiente para aguentar essa dor, uma dor comparada a da morte dos meninos, uma dor talvez pior da que eles sentiriam se os meninos tivessem morrido, uma dor sem conclusão, sem fechamento, uma dor infinita.

Fabiano pegou um pedaço de metal enferrujado, que deveria ser mais velho que ele, e percebeu a ponta afiada dele. Tomou sua decisão, e a decisão de Sinha Vitória em nome dela. Ele se aproximou de Sinhá enquanto ela chorava e gritava, e enfiou o bastão bem no seu peito, no suposto lugar do coração. sangue começou a escorrer da ferida. Fabiano removeu o metal do peito e o deixou sangrar, enquanto Sinhá teve uma morte dolorosa, mas silenciosa. Todas as emoções de Fabiano estavam abafadas pela dor de perder seus filhos e sua esposa no mesmo dia. Ele se ajoelhou no chão, olhou pro céu e repetiu para si mesmo enquanto o sangue de Sinha Vitória escorria até seus joelhos:

—Se você realmente existe, Deus, você terá de implorar pelo meu perdão.

E Fabiano posicionou o bastão sobre o lado esquerdo de seu peito, e enfiou a barra devagar, como se a dor que ele sentia agora fosse merecida, e por isso devesse ser prolongada. Havia sangue por toda parte, e não era mais possível identificar de quem era. Fabiano desabou no chão, ao lado de Sinha Vitória. Ele a observava, e ao mesmo tempo, observava as estrelas do céu, as mesmas às quais Fabiano admirava na primeira noite. Seus pensamentos eram cruéis. Será que a culpa foi dele? Será que se as crianças tivessem na escola tudo isso aconteceria? Será que se eles nunca tivessem se mudado da seca eles ainda estariam juntos? Nada disso importava mais, porque assim como Sinha Vitória e os meninos, seus destinos estavam traçados, e nada poderia mudar. A seca sempre estaria com Fabiano durante a sua vida, assombrando sua família. Pelo menos até antes de sua morte. Os meninos estavam livres, e Fabiano e Sinha Vitória também. Finalmente, a seca tinha acabado. De um jeito ou de outro.