ESTÓRIAS DO MÊS - COLECÇÃO DE LÂMINAS DE PEDRA

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ESTÓRIAS DO MÊS COLECÇÃO DE

LÂMINAS DE PEDRA

Inusitadamente, num caixote de madeira, junto à secretária do Presidente da Câmara Municipal, guardavam-se objectos de valor arqueológico… À primeira vista tratava-se de um amontoado de pequenas pedras escuras. No entanto, identificaramse como lâminas de machados e enxós de pedra polida, registos de um passado algo longínquo em que várias pessoas, e em diferentes períodos, pela perspicácia, gosto e preservação dos vestígios materiais dos seus antecessores fizeram oferta – crível que assim fosseà Autarquia, talvez com o intuito de um dia os poder apreciar, expostos, numa qualquer vitrina de um futuro Museu de Arqueologia na vila. “Considerada de origem sobrenatural e dotada de qualidades mágicas e protectoras do lar pelas populações rurais europeias até aos alvores do século XX (…), a lâmina de pedra polida teria chegado à terra, segundo essa mitologia, através do raio (pedra de raio), quando a divindade, irada, trovejava antes da grande oferenda de copiosas chuvas; convertia-se então em precioso “amuleto” contra o perigo que essas mesmas trovoadas representavam para os humanos”1 . Embora descontextualizados – avulsos e, com certeza, distintos quanto ao âmbito do seu achado – são, todavia, elementos materiais que “dizem” do porquê da área do actual concelho de Castelo de Vide ser tão comum este tipo de ferramentas utilizadas no Período Neolítico até ao início da Idade dos Metais

Esta observação advém do entendimento (discutível que todos esses elementos de machados e enxós foram encontrados na área geográfica do concelho. Concomitantemente,

é impossível avaliar se se tratam de objectos votivos (encontrados em monumentos sepulcrais, designados por dolmens ou antas) ou simplesmente com funções prácticas, ou seja, ferramentas de corte. Na análise das fichas individuais correspondentes ao inventário realizado pelo Grupo de Arqueologia de Castelo de Vide, há oito peças onde pudemos apurar registos / marcações em base da existência de papéis colados ou registos a carvão e tinta. Assim:

K4 (código/inventário) do machado, indicava: “Idade Neolítica em Castelo de Vide. Machado de pedra encontrado em 1955 na Tapada dos Lavradores e ofertado por João Vi(?) da Costa”; K5 registava: “Idade Neolítica em Castelo de Vide. Pedaço de machado de pedra (?), Fonte do Caramulo e ofertado por (?) do Pouso em 26-11-1915”; W61 a indicação: “1914 / 1915”; W72 a gravação: “1915”; W74 o registo: “25/11/1910”; W75 só é legível “1953”; W78 a data de “25-11-1917” e W79 com data de: “Abril de 1918” e “22-4-1918”.

Em base destes resultados quer-nos parecer que estas marcações correspondem às datas em que elas foram encontradas, tendo, posteriormente, integrado as colecções municipais.

Em Março de 1986, o sr. Carolino Tapadejo (nesta data assumindo a Presidência da Autarquia) indica aos membros do Grupo de Arqueologia para levarem os ditos materiais arqueológicos para a sede deste Grupo (actual

Tratamento artístico em base da fotografia de Mary Harrsch sobre a «Sculpture of Neolithic Man of Spiennes Belgium»

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Design: António Manso / fotos e desenhos: Secção de Arqueologia de Castelo de Vid e e colaboração de Patrícia Martins e Nuno Félix Fig.1

Biblioteca Municipal Laranjo Coelho), dado que o arquivo e as condições de segurança e preservação que vigoravam até essa altura não iam de encontro aos critérios estabelecidos por lei para o seu depósito e, nas palavras do Presidente “na certeza, de que ficam em boas mãos”. Teve, também, a deferência de indicar que o sr. Miguel dos Santos Soares, na qualidade de funcionário da Câmara Municipal de Castelo de Vide (1ª década do século XX), promovia a entrega e recebia diversos objectos arqueológicos. Provavelmente, algumas destas peças ter-lhe-ão sido entregues e tido a iniciativa da sua salvaguarda por esta entidade pública, tal como outras pessoas que antes ocuparam cargos de responsabilidade na Autarquia.

Embora já publicados na Carta Arqueológica do Concelho2, pensamos ser útil esta revisitação mormente pelos registos gráficos e fotográficos que agora se apresentam. Discordamos com a referência que a autora da obra antes indicada faz no que respeita à proveniência3 dos objectos. Não nos parece aceitável que toda esta colecção tenha por origem as sepulturas megalíticas do concelho pois a nossa experiência de campo diz-nos que, frequentemente, à superfície, se encontram este tipo de objectos sem relação aparente com sítios de povoamento ou sepulturas. Oportunidade para indicar que estes e muitos outros materiais arqueológicos encontram-se em depósito no Serviço

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Fig.3 Machado «W61” Fig.4 Pormenor do registo efectuado Fig.2 Colecção de machados e enxós de pedra polida

Municipal de Arqueologia, localizado no 1º. andar do Centro Municipal de Cultura e aos interessados é permitido o acesso / visualização aos mesmos: de segunda a sexta feira, entre as 9.00h e as 12.30h e as 13.30h as 17.00h.

Para efeitos de curiosidade, apresentamos a maior lâmina de machado de pedra polida (ou eventualmente, relha de arado!) em contraponto com o de menores dimensões que este Serviço Municipal possui em depósito. O primeiro (em base de uma gentil oferta do sr. Jorge Andrade) foi encontrado no quintal do Posto da G.N.R. local. Infelizmente, desconhecemos a origem e o contexto. O pequeno é proveniente do quintal da antiga cadeia, encontrado junto a um dos contrafortes do edifício do Antigo Paiol do Castelo e recuperado no âmbito das intervenções arqueológicas realizadas no local em 2004.

1 SOARES, Joaquina; FONSECA, Paulo; DUARTE, Susana (2020) - As primeiras sociedades camponesas e os instrumentos de pedra polida e bujardada do território de Alvalade. Revista “Setúbal Arqueológica”, vol . 19, 2020. p. 177.

2 RODRIGUES, Maria C. M. (1975) - Carta Arqueológica do Concelho de Castelo de Vide. Junta Distrital de Portalegre. Lisboa. pp.115 - 121.

3 Idem, p. 115.

Castelo de Vide, 22 de Dezembro de 2022. João F. A. Magusto (Secção de Arqueologia - Câmara Municipal de Castelo de Vide)

Fig.5 Desenhos (Fev. 1990 e Nov. 2022): Bica Penhasco e João Magusto (SA CMCV)

Fotografia (Nov. de 2022) e composição: João Magusto (SA CMCV)

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Fig.6 Desenhos (Fev. de 1990): Bica Penhasco e João Magusto (SA CMCV)

Fotografia (Nov. de 2022) e composição: João Magusto (SA CMCV)

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Fig.7 Desenhos (Fev. de 1992): Bica Penhasco e João Magusto (SA CMCV)

Fotografia (Nov. de 2022) e composição: João Magusto (SA CMCV)

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Fig.8 Imagem comparativa do maior (30,0 cm) e do menor (04,3cm) machado de pedra polida em depósito na Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide.

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Fig.9 Cópia das diversas páginas da Carta Arqueológica do concelho de Castelo de Vide (1975) onde se indicam os registos efectuados para cada peça arqueológica.

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