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Arquivo Histórico Municipal entrevista

«Sei que dei o meu máximo»

NuNo Alves

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São duas décadas dedicadas ao atletismo, sempre a correr acompanhado. No currículo apresenta 22 medalhas conquistas em nove campeonatos europeus, nove campeonatos do mundo e quatro Jogos Paralímpicos. Nuno Alves é atleta paralímpico (invisual), do Clube Pedro Pessoa Escola de Atletismo, na Sobreda.

«Quando comecei a correr foi mesmo para me sentir bem»

Quando é que surgiu o atletismo na vida do Nuno Alves? Tudo aconteceu aos 17 anos, após o acidente com uma arma de fogo que me deixou cego. Nessa altura eu deixei Tourém (concelho de Montalegre), onde nasci, e vim viver para a zona de Lisboa. Foi nessa altura que descobri que havia desporto para pessoas com deficiência. Como precisava de atividade física porque não andava a dormir bem, passei a praticar desporto. Foram várias modalidades e só depois optei pelo atletismo. O desporto ajudou-o a superar esta fase menos boa da sua vida? Foi o segredo que me ajudou a dar a volta à situação.

Na altura não pensava sequer que uns anos mais tarde viria a ter um percurso de sucesso no atletismo? De maneira nenhuma. Quando comecei a correr foi mesmo para me sentir bem. Mais tarde, as pessoas que treinavam comigo, inclusive o meu treinador, começaram a dizerme que tinha potencial e foi aí que os treinos passaram a ser diários para ir ao Campeonato

Nuno Alves foi um dos atletas convidados para participar na «Corrida Família Paralímpica», realizada no Parque da Paz, no âmbito do Dia Paralímpico 2015 celebrado em Almada, a 23 de maio

da Europa de 1997, onde ganhei a medalha de bronze nos 1500 metros.

E quais são as distâncias que o Nuno Alves corre agora? Em termos competitivos, a minha prova principal são os 5000 metros.

eu corro sempre com um atLeta Guia

Existe alguma diferença entre o treino do Nuno Alves, atleta paralímpico, e o treino de um outro atleta olímpico? Quando se fala em carga de treino, e porque já tenho muitos quilómetros nas pernas, não existem diferenças. A única diferença, no meu escalão, é que eu corro sempre com um atleta guia. Isso pode trazer algumas limitações porque o atleta guia tem de estar a um nível superior ao meu, o que no meu caso, como já tenho um nível muito elevado, é difícil. Se uma prova não correr bem, a culpa pode ser do Nuno Alves ou do atleta guia? Na minha longa carreira já aconteceu, não muitas vezes, as duas situações. Mas para evitar que isso aconteça é que trabalhamos muito para estarmos, os dois, no melhor da nossa forma.

Em 2007 conquistou a sua primeira medalha de ouro no Campeonato do Mundo. Lembra-se dessa prova? Nessa competição eu tinha conquistado a medalha de prata nos 5000 metros e decidi participar nos 1500 metros para dar a volta por cima. Na final estive a 100%, vim de trás para a frente e, na última volta, «arrumei» o resto da concorrência. Acabei por cair mas já depois da meta… mas foi uma queda saborosa.

A última grande competição onde participou foi, este ano, no Campeonato do Mundo, no Qatar, que não correu muito bem… Uns dias antes da prova lesionei-me e

Na edição 2015 do Corta-mato Escolar Concelhio de Almada, Nuno Alves foi um dos padrinhos desta prova que reúne, todos os anos, milhares crianças e jovens almadenses

correu mesmo mal. Foi, talvez, a minha pior participação em campeonatos internacionais.

Aquilo que fez e conquistou enquanto atleta de competição deixa-o satisfeito? Tenho já 22 medalhas e sei que poderia ter feito melhor se tivesse tido condições profissionais, como os meus adversários. Mas sei que dei o meu máximo para atingir o melhor possível.

Integra o Programa de Preparação Paralímpica Rio 2016. O próximo grande objetivo é preparar-se bem para estar ao melhor nível nos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro em 2016? Em junho tenho os Campeonatos da Europa e quero confirmar os mínimos para estar bem posicionado em termos de ranking e, depois, ir aos Jogos Paralímpicos mostrar aos brasileiros como é que se corre (risos).

o Que acaba por ficar para trÁs É a famÍLia

Um dos locais de treino é a Pista Municipal de Atletismo, na Sobreda, mas também corre no Parque da Paz e na Mata dos Medos? Em termos de treino específico, quatro vezes por semana, vou à Pista Municipal. Nos treinos mais longos, interessa fazê-lo em zonas com mais areia e terra para evitar lesões. Como também treino ao final do dia o Parque da Paz é ótimo porque apresenta boas condições para fazer um bom treino.

O Nuno Alves trabalha na Fundação para a Ciência e Tecnologia. Como é que se concilia a atividade profissional com o atletismo? Não é fácil… treino duas vezes por dia, de manhã e ao final da tarde… mas tem havido alguma compreensão dos meus chefes. Tem que se tentar fazer tudo mas o que acaba por ficar para trás é a família.

A Pista Municipal de Atletismo, na Sobreda, é um dos locais de treino. Nuno Alves (à dta.) acompanhado pelo atleta guia Ricardo Abreu (à esq.)

Como é que a família encara estas ausências? A família compreende e apoia-me sempre… mas eu sei que eles acabam por ser os mais sacrificados.

O Nuno recebeu o Prémio de Mérito Desportivo atribuído pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude. Esta distinção deixou-o contente? Uma pessoa fica sempre contente. É o resultado do meu trabalho e é para isso que treino todos os dias.

nÃo É Justo Que nÓs nÃo tenHamos as mesmas condiÇÕes

A bolsa de alto rendimento que um atleta paralímpico recebe difere, para menos, da de um atleta olímpico. Podemos falar de injustiça? É algo que vai ter mesmo de mudar e, pessoalmente, tenho-me envolvido nesta questão. Não tem sido fácil mas é inevitável… é o caminho que se segue internacionalmente. Não é justo que nós não tenhamos as mesmas condições dos nossos adversários. Mas é também por isso que os resultados alcançados pelos atletas paralímpicos têm vindo a piorar… em Atenas foram 12 medalhas conquistadas, em Pequim seis e em Londres apenas duas. Não vai ser para a minha geração mas sei que os atletas que aí virão vão ter melhores condições, quer ao nível de treinos, quer a nível de prémios monetários.

A prática a atividade física é importante? Fazer desporto é essencial para toda a gente. Mesmo no caso das pessoas com deficiência, o desporto pode ajudá-las, incluindo a sua integração na sociedade.

Em Almada existem vários equipamentos para a prática desportiva. Isto é importante? Esta política seguida pela Câmara de Almada é muito importante e pode

Nuno Alves treina duas vezes por dia, ao início da manhã e ao final da tarde

fazer toda a diferença. Agora, é preciso fazer chegar às escolas e às famílias a informação de que estas infraestruturas existem. Espero, por exemplo, que esta minha entrevista ajude as pessoas com deficiência a perceberem que é possível fazer desporto e que existem espaços para tal no concelho. O Nuno Alves já sabe quando vai parar de correr em termos competitivos? Poderá ser após os Jogos Paralímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. É uma questão que ainda tenho de analisar. Em cima da mesa estão duas hipóteses… parar de correr ou optar pela maratona.

parar de correr ou optar peLa maratona

Almada é candidata a «Cidade Europeia do Desporto» em 2018. Como atleta e conhecedor da realidade desportiva no concelho, acredita que Almada tem condições para ser reconhecida como tal? Claro que sim. No concelho existem todas as condições ao nível das infraestruturas e mesmo em meios humanos para que isso aconteça. Basta ver o número crescente de atletas e pessoas que vemos a fazer desporto em Almada.