Manuel Jardim Memória de um Percurso Inacabado

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MANUEL JARDIM Memória de um percurso inacabado 1884-1923

II.3. Esboço de uma carreira e regresso a Portugal A partir de 1912, as notícias sobre a vida de Manuel Jardim começam a diminuir, o que torna mais difícil reconstituir o seu percurso. Nesta altura, a vida do casal transcorria com alguma normalidade, procurando a elegante Letícia adaptar-se à escala e ao ambiente da grande e movimentada metrópole. Vivendo agora um pouco mais tranquilos – num apartamento situado no Boulevard Pereire, nº 178/2º –, o pintor prosseguia a sua carreira, após o relativo êxito alcançado pelo seu quadro no Salon do ano anterior, enquanto a esposa procurava ajudálo de várias formas. Antes de mais nada, elegeu-a como seu modelo predilecto, situação que se manteria até ao fim dos seus dias. Depois, de forma a contribuir para as despesas mensais, iniciou uma carreira como manequim passando peças de vestuário de alguns costureiros parisienses. (102)

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Nesta época era director da revista portuguesa Serões o historiador António Sérgio, desejando Manuel Jardim estabelecer uma colaboração com essa publicação que nunca chegou a efectivar-se, apesar dos contactos formais estabelecidos. No entanto, ele não desanimava e procurava com afinco novos contactos, de modo a conseguir vender parte da sua produção e assim poder continuar a desenvolver as suas pesquisas artísticas. Entretanto, Henrique de Vilhena visita o casal em Paris contando no seu livro um episódio divertido passado com ele e com o seu primo, acerca de um mal-entendido com a expressão fauves (feras) e bêtes féroces (animais ferozes). Com efeito, enquanto Henrique de Vilhena procurava observar animais selvagens de verdade nos locais sugeridos pelo primo, este simplesmente aludia a uma corrente de arte moderna (fauvismo), dando origem a uma brincadeira entre ambos: [...]. Quer no jardim de Aclimatação, quer no das plantas não vimos tigres, [...]. Em casa, com o Manuel e a esposa, contando-lhes o sucedido, dissemos-lhes, gracejando, que os franceses tinham medo de animais ferozes. O Manuel, surpreendido, perguntou-nos como nos tínhamos informado sobre esse lugar em que as feras, ou particularmente os tigres, se encontrariam. Explicámos. Riram-se muito. Não era isso, les Bêtes féroces, mas sim les fauves. [...] (103) (102) – Maria da Graça Athayde, Uma vida qualquer, Vol. I, Braga: Editora Pax, 1981, p. 235 (103) – Henrique de Vilhena, Op. cit., Vol. II, p. 92


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