8 minute read

SEGURANÇA A BORDO DOS NAVIOS

Next Article
COMM NATURA

COMM NATURA

ENTREVISTA A JOÃO JOSÉ DA ROCHA RAMOS

COMM. O processo de criação de um livro é sempre algo complexo porque envolve um pouco de arte, de muito conhecimento acerca da matéria e do público a que se destina. Como é que foi neste caso específico?

Advertisement

J. ROCHA RAMOS - Conceber e escrever qualquer livro é sempre uma tarefa difícil todavia, quando se trata de um livro técnico, o desafio torna-se ainda mais complexo pois a margem de manobra é extraordinariamente reduzida. Essa complexidade aumenta substancialmente, quando os conceitos expostos nesse trabalho são de uma abrangência internacional podendo aplicar-se aos tripulantes de navios de qualquer nacionalidade. É perfeitamente compreensível que esta tarefa implique muitos sacrifícios pessoais e familiares. Afinal foram mais de 3.500 horas, distribuídas por cerca de 18 meses dedicados à obra, em que me desliguei substancialmente do meu ambiente familiar e social. Quando me propus a escrever a 1. ª Edição, ainda os computadores não estavam vulgarizados e a net dava os primeiros passos razão pela qual essa edição foi ainda escrita à máquina de escrever e, só posteriormente, passada para suporte digital. O maior obstáculo com que então me confrontei foi qual estrutura que deveria utilizar, para cobrir a maioria dos riscos a bordo de um navio, sem cair em repetições sempre indesejáveis. Obviamente, que a primeira tentação foi a de dividir o navio nos seus diferentes departamentos: máquinas, convés, câmara e ponte. Contudo, rapidamente se constatou que havia riscos específicos e riscos comuns em qualquer dos setores pelo que fui obrigado a abandonar esta solução para evitar as referidas repetições indesejáveis.

COMM. Dada a complexidade e sofisticação com que os navios actualmente são construídos e equipados para as diferentes propostas de serviços, como abordar todas essas vertentes sem perder a visão do conjunto?

J.R.R. - Para tentar encontrar a solução mais adequada gastei muito tempo a investigar, primeiro documentalmente antes da chegada da net e, posteriormente, recorrendo ao computador quando a ele tive acesso, para encontrar o modelo que mais se adequasse aos meus objetivos. Assim, consultei documentação de muitos e diversos países, ligados ao transporte marítimo sobre segurança a bordo, tendo concluído que o modelo inglês era o que mais aproximava e adaptava ao que pretendia, razão pela qual o adotei para o livro elaborado em 1988 e que agora atualizo com o mesmo formato. É verdade que encontrei muitas semelhanças entre as diferentes matérias

tratadas avulso ou de forma mais sistematizada nos diferentes casos investigados a nível internacional. Rapidamente conclui que era inevitável que assim fosse pois, a fonte utilizada era comum a toda a comunidade marítima. Todos os documentos produzidos tinham como base as orientações emanadas pela SOLAS, OIT e CE através das suas Convenções, Códigos e Resoluções, etc. Assim, as diferenças encontradas resultavam, tão só, da experiência profissional e do estilo cada autor. Se no futuro alguém tentar produzir uma obra abrangente, a nível da segurança a bordo irá, por certo, ser confrontado com uma metodologia semelhante.

COMM - Foi mencionado que o número de horas investidas na investigação para preparação do material de escrita rapidamente ultrapassou a fasquia dos milhares, a obra surge como trabalho de uma equipa?

J.R.R. - Apesar de, do ponto de vista técnico esta obra ter sido fruto de um trabalho exclusivamente solitário sinto-me na obri-

gação de agradecer a todos os que me apoiaram nesta aventura. Destes destacaria os seguintes: • Mystic World Cruises que financiou a 2ª

Edição desta obra e disponibilizou a fotografia da

capa • COMM – Cube de Oficiais da Marinha

Mercante como Editor da Publicação; • Colaboradores na Revisão

Cte. Farinha de Sena

Cte. Alberto Fontes

Eng. João Barreto

• Apoio

Luís Patrício que ajudou a compor a contra capa Prof. Céu de Oliveira que disponibilizou a fotografia da contracapa Maria Isabel Montenegro Carvalhais Dra. Maria Graça Teles

COMM. - O tema da Segurança presente em todos os domínios da actividade económica nas nossas sociedades, ganha um peso maior no transporte marítimo?

J.R.R. - Como se sabe, o mar e as suas fronteiras terrestres são, tradicionalmente, ambientes propícios à ocorrência de acidentes pelo que só a prevenção pode contribuir para evitar sofrimento e perda de vidas humanas. Qualquer acidente é sempre um evento a lamentar contudo, quando este ocorre a bordo de uma qualquer embarcação, longe dos meios tradicionais de socorro, então as suas consequências podem revestir-se de gravidade acrescida ou mesmo trágica. Será bom ter sempre presente que, a bordo de um qualquer navio de carga ou

de pesca, não existe serviço de 112, não há médicos, não há enfermeiros, não há corporação de bombeiros, não há polícia nem outros recursos indispensáveis de ajuda urgente que em terra são vulgares e estão sempre disponíveis.

As estatísticas internacionais demonstram, sem margem para dúvida, que da totalidade dos acidentes que acontecem dentro e nas imediações do navio, mais de 80% são causados por erro/fator humano e, nestes casos, o homem do mar paga, na maior parte das vezes, um preço assaz elevado pelas falhas que comete. A IMO, a OIT as Diretivas Europeias e os próprios estados de bandeira, entre outras entidades, têm produzido bastante matéria sobre o assunto, através de Convenções, Códigos e legislação que foram entrando em vigor nos últimos anos abrangendo a formação, a segurança, a saúde e higiene dos marítimos, o tempo mínimo de descanso, etc. De todos os diplomas emanados destacase o Código Internacional de Gestão da Segurança, vulgarmente conhecido por Código ISM que vincula todo o universo marítimo a normas imperativas as quais se torna muito difícil ignorar. Mesmo com todas as regras estabelecidas e com as inspeções levadas a cabo a nível nacional e internacional verifica-se que os acidentes a bordo continuam a acontecer com uma frequência dramática e de forma silenciosa pois muito raramente têm interesse mediático.

COMM. – Podemos afirmar então que toda a regulamentação seria suficiente para mitigar e prevenir os incidentes. Porque é que as estatísticas não mostram uma diminuição dos números?

J.R.R. - Aparentemente, as principais razões poderão estar ligadas à pretensão de alguns operadores dos navios em fazerem reduzir os custos de exploração para maximizar os lucros, o que vão conseguindo com as políticas do “Just in Time ” e com a redução exagerada das tripulações, recrutadas em países sem tradição marítima, falando diferentes idiomas o que torna o navio numa espécie de Torre de Babel onde é praticamente impossível gerir qualquer crise. O registo dos navios nos Paraísos Fiscais/Bandeiras de Conveniência é outro fator muito importante para que o acidente aconteça. Deste conflito de interesses, nem sempre convergentes, começa a surgir a opinião generalizada de que o transporte marítimo está a tornar-se muito perigoso devido às muitas e diversas catástrofes que têm ocorrido. Para inverter esta ideia, parecerá inevitável que terão de ser tomadas medidas a curto prazo para que os acidentes, os naufrágios e as catástrofes ambientais sejam substancialmente reduzidos no mar. A acrescentar às causas referenciadas, parece estar a surgir um novo inimigo invisível que poderá afetar navegação. Estou a referir-me à Segurança Cibernética que pode pôr em risco todo o suporte eletrónico no qual se baseia o navio, incluindo os seus sistemas de posicionamento e de comunicação. Afinal os satélites nos quais se baseiam todos esses sistemas não estão assim tão longe que não possam ser neutralizados e ou alterados maliciosamente por pessoas ou entidades menos bem-intencionadas. Se ao perigo emergente associarmos a manifesta falta de prática dos atuais navegantes em utilizar os sistemas de navegação astronómica, conforme confirmei durante as minhas inspeções no PSC, então parece termos a mistura perfeita para que, mais tarde ou mais cedo, se instale mais um fator de risco.

COMM. – Com a evolução do ambiente tecnológico e uma maior digitalização da economia a ser transversal às diversas indústrias, de que forma este tema se reflecte na obra agora editada?

J.R.R. - Perante o cenário existente senti necessidade dar forma a esta 2. ª Edição que atualiza a primeira, consubstanciando um conjunto de orientações sistematizadas, visando a prevenção de acidentes a bordo dos navios a navegar e em porto incluindo as operações portuárias dentro dos seus limites. Com o intuito de adaptar o trabalho face às novas exigências internacionais e incluir atividades marítimas de perigosidade acrescida, também se considerou oportuno, acrescentar à edição anterior quatro novos capítulos:

1. Segurança/Security, no âmbito do Código ISPS –Código Internacional para a Segurança de Navios e Instalações Portuárias; 2. Pilotos de Barra e Portuários devido ao grande número de acidentes fatais que todos os anos acontecem, em todo o mundo marítimo, no âmbito da pilotagem; 3. Navios Polares em consequência da entrada em

vigor do Código Polar/Polar Code 4. Navios de Pesca em consequência da entrada em vigor, a nível da Comunidade Europeia, da Convenção Torre de Mollinos e seu Protocolo aplicados à pesca;

COMM. – Para finalizar esta nossa entrevista que aspectos, enquanto autor da obra, merecem uma nota final?

J.R.R. - Na compilação deste livro, constituiu preocupação fulcral a adoção de

uma linguagem muito explícita, clara e simples.

Foi assim que prevaleceu a intenção de tornar este documento acessível a todos os níveis de formação, tanto no aspeto da leitura como no da sua compreensão e motivar, dentro do possível, a sua con-

sulta. A tentativa para atingir esta finalidade, resultou, na prática, num texto não tão rico em termos literários como seria possível e desejável, mas este facto justifica-se por se ter querido fazer prevalecer a eficácia em prejuízo da estética.

Tem-se consciência que esta obra não esgota a matéria da segurança abordo dos navios. Nesta área, extremamente exigente e complexa, tentou-se dar continuidade à primeira edição que, foi publicada em 1998, e que, no futuro, por certo, outros irão aperfeiçoar e desenvolver. Gralhas, poderão encontrar algumas pois apesar da ajuda, a nível de revisão, dos colegas acima referidos não consegui encontrar nenhum revisor oficial para este tipo de trabalho técnico específico. Agradeço a todos os que lerem e/ou consultarem livro que me façam chegar as discrepâncias encontradas para as poder introduzir numa futura edição o que poderão fazer através do email: joaorramos@hotmail.com. Se através das recomendações transcritas nesta obra conseguir salvar uma vida ou, evitar um acidente, então já mereceu a pena todos os sacrifícios e trabalho necessários para lhe dar forma.

This article is from: