Como ler um livro-imagem?

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COMO LER UM LIVRO-IMAGEM? SÉRIE COLECIONÁVEIS A TABA

DENISE GUILHERME (A TABA)

E LUÍSA SETTON (INSTITUTO VERA CRUZ)


APRESENTAÇÃO Neste mês, acompanhando uma seleção muito especial de livros-imagem, o quarto guia da série Colecionáveis se propõe a discutir o papel da leitura dessas publicações na formação de leitores desde a infância. Como ler esse tipo de obra? Se não há palavras, o leitor tem ou não liberdade para construir a sua história? Existe uma gramática própria para compreender essas publicações? Para conversar sobre essas e outras questões que se apresentam a muitos adultos mediadores de leitura, convidamos Luísa Setton, especialista em Teoria, mediação e crítica de livros infantis, pelo Instituto Vera Cruz.

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Junto com Denise Guilherme, Luísa compartilhará suas investigações sobre o tema, trazendo várias reflexões sobre a leitura e a mediação de livros-imagem. Esperamos que as ideias apresentadas neste guia possam inspirar leitores e leitoras a se aventurarem por esse universo, descobrindo ou redescobrindo o prazer de ler muito além das palavras.

A TABA

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INTRODUÇÃO Quem nunca sentiu algum estranhamento ao ler uma narrativa contada por meio de imagens que atire o primeiro livro!

Em uma sociedade acostumada à leitura de palavras, essas obras, muitas vezes, representam um grande desafio. Um dos comentários mais comuns que surgem quando iniciamos a leitura de livros-imagem diz respeito à própria percepção da história e de seu significado: “Ah, o livro não tem palavras... Então é aquele tipo de livro em que podemos inventar a história!...”. É claro que a leitura de livros-imagem proporciona ao leitor certa autonomia e liberdade na elaboração dos significados da narrativa. No entanto, é sempre importante ter em mente o fato de que é completamente possível perceber a narrativa apenas pela leitura das imagens. Já existe uma história, imaginada e ilustrada pelo autor-ilustrador, e não precisaremos inventá-la ao gosto de nossa imaginação. Aos poucos, conforme o repertórioleitor de cada criança é construído, a percepção de que é preciso inventar quando não há palavras se desfaz justamente pelo fato de a criança perceber, 4

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em diferentes experiências de leitura, que foi possível desvendar a narrativa proposta apenas pela leitura das imagens. Dessa forma, pouco a pouco, ao experienciar a leitura desses livros, as crianças parecem se convencer de que há muito para ser percebido e menos para ser inventado.

ESTRANHAR E DESVELAR Muitas vezes, logo no início da leitura, o leitor percebe que, naquele momento, algo diferente do comum está proposto: um novo acordo, uma nova possibilidade de leitura! E, geralmente, essa novidade causa certo estranhamento e dúvida, inclusive nos adultos.

Porém, se insistirmos um pouco mais, acolhendo a percepção da peculiaridade que o livro coloca diante de nós, sem aumentar sua exceção, sua forma não convencional, logo é possível perceber que o estranhamento inicial causado pela ausência de palavras é também um convite a uma leitura diferente. Um certo ar de desafio se instaura, como se o leitor percebesse que ali, naquele momento, sua COMO LER UM LIVRO-IMAGEM?

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voz e sua interpretação são fundamentais para o desvendamento da narrativa. O livro-imagem convoca para participações ativas, e as crianças rapidamente percebem esse convite. Assim, aquele estranhamento inicial é seguido por uma convocação que se traduz, sobretudo, em um convite à fala. Esse bonito movimento que acontece entre o estranhar e o desvelar talvez seja o movimento mais precioso dos encontros de leitura. Perceber as expressões de dúvida e desconfiança e depois escutar as inúmeras hipóteses e contribuições diante do texto - seja ele escrito ou composto por imagens - é das oportunidade mais valiosas que se revelam ao mediador.

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PERGUNTE AO LEITOR: O QUE AS IMAGENS NOS DIZEM?

Uma importante ferramenta à disposição do mediador, que pode encorajar as crianças a perceberem a narrativa a partir das imagens, é o movimento de sempre relacionar as falas às imagens.

Isso pode ser feito solicitando às crianças que indiquem quais elementos enxergaram nas imagens que as fizeram chegar a determinada conclusão, voltandose para as imagens como o porto-seguro da história, confiando a elas a possibilidade do desvendamento. Perguntas como: “Mas por que você acha isso? Que parte da ilustração te fez pensar nisso?” ou “Como está o menino? O que ele parece estar sentindo?” ajudam a direcionar o olhar para o que é possível enxergar na ilustração e deduzir a partir dela. A tarefa de falar sobre a leitura, como se sabe, não é simples, e é papel do mediador auxiliar a criança nesse processo, dando a ela elementos para que possa aprender a argumentar e justificar suas percepções sobre a história. No caso dos livros-imagem, a referência direta às ilustrações é com certeza um caminho para a construção dessa apreciação mais consciente e consistente por parte das crianças. COMO LER UM LIVRO-IMAGEM?

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Uma estratégia que as faz perceber pela prática — e não só porque alguém contou a elas — que é possível desvendar a história pela leitura das imagens.

O RECURSO DA COR A maneira como os autores-ilustradores utilizam as cores para compor as imagens do livro é algo que deve ser levado em conta nos momentos de leitura de livros ilustrados e também nos livros-imagem.

Todo o olhar ativo e atento para o livro é capaz de contemplar o conjunto formado pelas imagens e pela edição do projeto gráfico, de forma geral. Muitas vezes, há uma intencionalidade bastante definida no uso das cores para composição da narrativa ilustrada. Mesmo assim, sabemos que atentar para o uso das cores em busca dos caminhos para se compreender a obra nem sempre ocorre naturalmente. Por isso, caso não seja uma percepção que a criança revele de forma espontânea, é interessante que o mediador possa questioná-la sobre o papel das cores naquela narrativa, ajudando-a, assim, a perceber esse recurso 8

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da imagem como mais uma ferramenta para a compreensão da história.. É importante lembrar que há diversos livros em que a composição de cores das ilustrações contribui com os sentidos e significados da narrativa e que esse não é um recurso exclusivo dos livros-imagem, mas, sim, de obras em que à ilustração e ao projeto gráfico seja reservado certo destaque.

AS VIRADAS DE PÁGINA E O JOGO DO ADIVINHA Em relação ao ritmo da leitura, os livrosimagem parecem propor, pela sua própria constituição, um tempo outro para o olhar e para o leitor.

A sequência de imagens e a maneira como estão dispostas nas páginas do livro instauram um tempo de leitura e de reconhecimento entre leitor e obra que se diferencia em relação aos tempos de leitura dedicados a outros tipos de livro: um tempo que seja suficiente para o leitor apreender tudo o que puder nas imagens em busca da construção do

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sentido na narrativa, um tempo que instaura um ritmo próximo aos ritmos propostos pelos jogos de adivinha em que, mesmo sem ter certeza da resposta, é preciso arriscar um palpite. O mesmo acontece com a leitura dos livros-imagem, em que, mesmo sem ter desvendado o todo, o leitor se vê convidado a jogar o jogo do desvendamento. As imagens de uma página ou de um par delas compõem sempre um pedaço da narrativa e, muitas vezes, é preciso jogar com o que se tem, sugerindo interpretações que serão confirmadas ou rechaçadas sempre no momento seguinte, quando virarmos a página. Cecilia Bajour, falando sobre a leitura dos livrosimagem, convida-nos a pensar sobre certa transgressão do livro imagem em relação à tendência à certeza que muitas vezes permeia as produções – sejam elas livros, desenhos ou animações – dedicadas ao público infantil: “A verdade que cada imagem postula é interrompida na próxima e assim por diante. A provisoriedade do conhecimento é verificada a cada volta de página. Nada é o que parece ser: as hipóteses de leitura se colocam em questão a cada passo e convidam a um estado lúdico de expectativa crescente.” (BAJOUR, 2016, p. 41)1. 1. Do livro: La orfebrería del silencio: la construcción de lo no dicho en los libros-álbum. Córdoba: Comunicarte, 2016.

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Essa composição de tempo, ritmo e jogo pede também certa demora no olhar que busca primeiro perceber para depois falar, escutar e esperar a próxima página. Muitas vezes, é preciso voltar às páginas já vistas para confirmar ou analisar melhor alguma imagem, testar as hipóteses e seguir com o desvendamento. Portanto, lembre-se: sempre que preciso, volte às páginas e observe as imagens quantas vezes forem necessárias!

CAPA! Observe a capa: nela estarão, provavelmente, as únicas palavras presentes em toda a narrativa de um livro-imagem.

É interessante que o leitor e o mediador possam se demorar um pouco na capa, e isso não é exclusividade dos livros-imagem. Pergunte-se: o que podemos imaginar sobre a história deste livro a partir da capa? Muitas vezes, ela traz sugestões e contribuições surpreendentes sobre a história. E é interessante perceber como, muitas vezes, o título funciona também como uma das primeiras chaves de leitura que o leitor acessa para poder mergulhar na história partindo de um ponto mais definido. COMO LER UM LIVRO-IMAGEM?

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No entanto, atenção! Há também alguns livrosimagem em que o título apenas retoma o que será proposto pelas ilustrações, sem trazer novas chaves de leitura, e, nesses casos, não é preciso dar tanta atenção à capa e ao título.

LIVROS UNIVERSAIS Outra característica importante dos livros-imagem diz respeito à sua universalidade. Diferentemente da língua escrita, a linguagem das imagens pode ser lida por qualquer pessoa – adulto ou criança – de qualquer país ou cultura.

É claro que o título tem um papel importante na história (e, como já apontamos, é muito mais interessante quando encontramos títulos que compõem o significado da narrativa em conjunto com as imagens), mas, mesmo assim, os livrosimagem nos possibilitam leituras de obras do mundo todo sem que seja preciso esperar por traduções ou edições nacionais.

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ESPAÇO PARA ESCUTA E

CONSTRUÇÃO CONJUNTA

DO SIGNIFICADO

Em todas as leituras que fazemos com crianças, é preciso ter em mente esse espaço de escuta e construção conjunta dos significados. Assim, o mediador deve sempre estar atento para acolher as falas e hipóteses de leitura das crianças, estimulando que falem e se sintam confortáveis nesse lugar de desvendamento.

No caso dos livros-imagem, esse acolhimento ganha algum destaque, pois, muitas vezes, a percepção da criança em relação à imagem é bastante diferente da percepção do adulto, e é importante acolhê-la no sentido de reforçar a ideia de que a criança pode, de fato, entender o sentido da narrativa sem que um adulto mediador tenha que explicar a ela. Mesmo quando a interpretação da criança parecer muito distante daquela provocada pelo autorilustrador, é importante que o adulto procure não corrigi-la, confiando na sequência de imagens que virá e que poderá trazer outros elementos para a percepção da narrativa ali proposta.

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AH! É SEMPRE IMPORTANTE LEMBRAR QUE UM BOM LIVRO

É SEMPRE UM BOM LIVRO...

É importante ter em mente na hora de escolher um livro-imagem que um bom livro é sempre um bom livro, independentemente da presença, ou não, de palavras.

Assim, nem todos os livros constituídos apenas por imagens trazem a abertura e os convites suficientes à reflexão que procuramos nos livros como um todo. Portanto, é preciso relembrar os critérios que norteiam nossas escolhas ao procurar livros em livrarias e prateleiras de bibliotecas também quando buscamos esse tipo específico e especial de publicação. No site da Taba (www.ataba.com.br), você encontrará muitas dicas de livros-imagem para leitores de todas as idades, além de bate-papos com especialistas e dicas de obras que ajudam a aprofundar o estudo sobre o tema.

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APROVEITE TODO ESSE CONTEÚDO PARA CONHECER PUBLICAÇÕES INCRÍVEIS E BOAS LEITURAS!

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A Taba e Luisa Setton são detentoras dos direitos autorais de todo o conteúdo deste guia. Todo o conteúdo deste guia não pode ser reproduzido total ou parcialmente sem autorização expressa de A Taba e de Luisa Setton www.ataba.com.br e @luisasetton

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