Clínica Veterinária n. 100

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Toxicologia Benito Soto-Blanco

Ivana Cristina Nunes Gadelha

Figura 2 - Veneno (setas) secretado pela glândula parotoide de sapo Rhinella jimi

dos sapos. Esses acidentes têm maior incidência no período noturno, após as chuvas e nas estações mais quentes e úmidas do ano, quando os sapos são mais ativos 31,34. Geralmente, a literatura cita poucos casos de óbito de cães intoxicados por veneno de sapo se tratados adequadamente, com mortalidade variando de 4% 35 a 5,3% 36; essa baixa mortalidade foi confirmada por trabalhos experimentais 32,37. A frequência com que ocorre a intoxicação em cães e sua consequente taxa de mortalidade são desconhecidas no Brasil. Um estudo realizado em Curitiba mostrou que 14% das ocorrências de animais intoxicados se devem a zootoxinas, sendo que 23% delas se dão por meio do veneno dos sapos 38. Este trabalho tem por objetivo apresentar uma revisão de literatura da intoxicação de cães por sapos do gênero Rhinella, descrevendo o mecanismo de ação das toxinas do veneno, a sintomatologia, o diagnóstico e o tratamento adequado.

Veneno dos sapos O veneno produzido pelos sapos tem elevada toxicidade, e sua composição química é bastante variada entre as espécies 39. No entanto, há dois grandes grupos de substâncias ativas: as aminas biogênicas e os derivados esteroides 25,40. As aminas biogênicas de importância toxicológica são: adrenalina, noradrenalina, serotonina, bufoteninas, di-hidrobufoteninas e bufotioninas. Dos derivados esteroides, destacam-se os bufodienolídeos e as bufotoxinas, que têm características similares aos digitálicos, causando a inibição da bomba de sódio e potássio das células da musculatura cardíaca 10,41. Com relação ao mecanismo de ação das aminas biogênicas, a adrenalina é um agonista do sistema nervoso autônomo simpático, atuando em receptores α1-adrenérgicos, causando vasoconstricção em pele e vísceras, em receptores β1adrenérgicos, aumentando a frequência cardíaca e elevando a força de contração do miocárdio, e em receptores β2-adrenérgicos, provocando vasodilatação na musculatura e nos brônquios. A noradrenalina atua nos receptores α1 e β1, promovendo os mesmos efeitos que a adrenalina. A serotonina, uma indolalquilamina, é um potente vasoconstrictor que age como um neurotransmissor em centros específicos do cérebro 48

Figura 3 - Sapo comendo a ração de um cão

e em alguns nervos periféricos. Seus efeitos podem afetar a termorregulação, os ciclos do sono e o controle motor dos músculos periféricos 24. A bufotenina, a di-hidrobufotenina e a bufotionina têm efeitos alucinógenos por ação no sistema nervoso central 10,26. Quando absorvidas em quantidade suficiente, podem causar diversos sintomas, como convulsões, depressão, tremores, hiperestesia, hipertermia, vômitos e diarreia 29,35,36,42. Na medicina humana, as bufoteninas são utilizadas para simular doenças psicóticas em determinados testes psiquiátricos 24. Dentre os derivados esteroides estão o colesterol, o ergosterol e o γ-sistosterol, que não apresentam toxicidade. Os derivados esteroides bufodienólides e bufotoxinas apresentam toxicidade relevante, com ação similar à dos digitálicos 22,43. O mecanismo de ação tóxico é a inibição da Na+/K+ ATPase das células dos músculos cardíacos, por meio da ligação a essa enzima 24. Desse modo, elevam a concentração intracelular de sódio, inibindo assim a entrada desse íon em troca da saída de íon cálcio, que tem sua concentração intracelular aumentada. O aumento da concentração de cálcio intracelular causa incremento na força de contração cardíaca, mas reduz a frequência de batimentos cardíacos por ação vagal reflexa. Entretanto, este último efeito tende a ser compensado pelas ações da adrenalina e da noradrenalina. Além disso, os bufodienólides e as bufotoxinas reduzem a velocidade de condução dos impulsos elétricos cardíacos, do nódulo sinusal ao nódulo atrioventricular, com disparo de estímulos ectópicos ventriculares e consequentes contrações ventriculares prematuras, podendo causar fibrilação ventricular 10,36,44,45. A dose oral letal do veneno de R. marina para cães de médio porte, estimada pela administração experimental de diferentes quantidades, é de 100mg, que é a quantidade média contida nas duas glândulas parotoides do sapo 32. Sinais clínicos da intoxicação Nas intoxicações de cães com venenos de sapos, os pacientes apresentam sinais clínicos que podem ser classificados de acordo com a gravidade como leves, moderados e graves. Os sinais leves mais característicos são a irritação da mucosa oral seguida de hipersalivação. Sinais clínicos como

Clínica Veterinária, Ano XVII, n. 100, setembro/outubro, 2012


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