BEM-ESTAR ANIMAL
O cavalo como detector de emoções Situação O catador C. A. J., 45 anos, declara: “Tenho mais compromisso com a minha família agora”. J. conta que: “A coisa mais importante é que as pessoas agora tratam a gente beleza”. E, para os catadores da Asmare a, nada satisfaz mais que a conquista da cidadania, pois eles, antes, eram marginais e mendigos para a maioria da população, e hoje, representam uma categoria de trabalho 1. Na contramão dessa evolução social, temos o uso de tração animal. Cavalos de tração enfrentam intenso e diário sofrimento, com sérias implicações para o seu bem-estar do ponto de vista físico, mental e comportamental 2. Os motivos para que esses animais vivam em tal situação são diversos: a) sua força de trabalho é utilizada pela camada mais pobre da população, sem recursos para atender às suas necessidades básicas, inclusive alimentares e de assistência veterinária, e sem acesso à orientação devida; b) boa parte da população não é sensível em relação aos animais nem consciente de seu dever para com eles, principalmente no caso de animais explorados para o trabalho; c) em localidades onde as pessoas sobrevivem com recursos muito precários, em condições onde prevalece a injustiça social e a ausência de atendimento às próprias necessidades básicas humanas, tratar os animais da forma descrita pode parecer uma conduta natural; d) as autoridades responsáveis por preservar a vida e o bem-estar desses animais são omissas e não tomam as medidas que lhes compete regulando e fiscalizando a atividade 2. a) Asmare (Associação dos Catadores de Papelão e Material Reaproveitável), em Belo Horizonte, MG. b) Chicote, símbolo máximo de poder e incompetência. c) Cruel vem do latim crudelis e significa “aquele que se compraz fazendo sofrer aos demais”. Seus componentes léxicos são crudus (“que sangra”) mais o sufixo -alis (“relativo a”). A palavra “crueldade” vem do latim crudelitas, -tatis, de mesmo significado. Deriva do adjetivo crudelis com um sentido originário de “divertir-se com sangue” 31. Provém do francês antigo crualté (século 12), do latim crudelis, "rude, sem sentimentos, coração-duro", etimologicamente relacionado a crudus, “o que contém sangue, sangrento, ensanguentado, cru, encruado e não cozido”. Etimologicamente ambos os termos provêm do proto-indo-europeu *kreue- "carne crua" 32. O indivíduo cruel é aquele que se compraz em fazer o mal, em atormentar ou prejudicar 33. d) Perverso vem do latim perversus e significa “muito mau, totalmente voltado contra as normas da sociedade”. Seus componentes léxicos são: o prefixo per- (”através de, por completo") e versus (“dando voltas”). O prefixo “per-“ expressa “fazer algo desde o princípio até o fim, por completo” e é encontrado nas palavras “percutir, perpétuo, perspicaz”. A palavra latina versus se associa à raíz indo-europeia *wer- (“dar voltas, dobrar), que dá origem a uma série de verbos latinos (vertere, versare, vergere) e aos substantivos vermis (“verme”) e verber, que significa “vara, látego”.
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Crueldade A combinação deletéria de cavalo + carroça + condutor e seu auxiliar repete com nuances de desdém a arcaica necessidade de transferir o trabalho ingrato para a mão de obra gratuita. Neste caso, o componente escravo é um solípede, podendo ser um cavalo, jumento ou muar, que trabalha para um feitor de escravos que se mimetiza de carroceiro. São comuns castigos desumanos, a qualquer pretexto, eventualmente por completa ignorância de que o cavalo sente, da mesma e idêntica forma que o ser humano, fome, sede, dor e emoções. Cavalos trabalham doentes, fracos, extenuados. Se caem ao peso da carga, são açoitados b sem dó. Cavalos são cegados do olho esquerdo, porque se assustam com o fluxo do trânsito em direção contrária. São feridos pelos arreios mal conservados, mal ajustados, ou deliberadamente por ação de chicotes, paus, pás, martelos, foices e machados. Têm pregos cravados no corpo... Têm arremedos de ferradura pregados aos cascos com pregos de carpintaria. São chicoteados no pênis ereto. São penetrados no ânus e vulva com objetos rombos de grande calibre com fins didáticos, para o animal aprender quem está no controle. Têm o corpo perfurado por aguilhões. Têm sua língua amarrada na boca com fios de aço, arame ou fios elétricos, para que não tentem empurrar o freio. Isto causa cortes e amputações de língua, que impedem o animal de se alimentar apropriadamente. Têm a boca e os ossos nasais feridos profundamente pelo uso de embocaduras, autênticos aparelhos de subjugação. Destes, os piores tipos são os freios de uso externo, conhecidos como professora ou breque. Passam fome e sede como castigo por “mau comportamento”. Têm o esmalte dos seus dentes brutalmente limados para adulterar a idade. Ao fim da vida, caso não sejam abatidos para consumo, são abandonados em via pública doentes, feridos, extenuados ou mutilados, para que morram de morte lenta e torpe, se de fome, ou muito dolorosa, atropelados por veículo automotor. Seu condutor, quando instado pela população ou pela polícia, foge ou não assume a propriedade 3. e) “Incólume” (adj.) significa “sem dano, sadio, sem lesão”, e vem do latim incolumis, adjetivo de mesmo significado. Tem a mesma raiz que calamidade (do latim calamitas, calamitatis, que significa “dano, golpe ou perda”. Procede de uma raíz indo-européia kel- que significa “cortar” e “bater” e que também deu em latim a palavra gladius (“espada”), de onde provém também “gladiador”. Esta raiz indo-europeia se manifesta no verbo grego κλαω (“romper”), que nos dá alguns compostos técnicos como iconoclasta (“destruidor de imagens”) ou osteoclastia (“ruptura provocada de um osso”), assim como o vocábulo κολαφος (“bofetada”), que foi emprestado ao latim na forma colaphus e deformada no latim vulgar com a forma colupus, que gerou a palavra “golpe” 31.
Clínica Veterinária, Ano XXI, n. 124, setembro/outubro, 2016