O feminino nas literaturas africanas em língua portuguesa

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Amarino Oliveira de Queiroz

já remetem o leitor, informal e sinestesicamente, ao inspirado universo criativo de ambas as autoras: Querida Detinha: Venho falar-te da doçura das mangas, as mãos das nossas mães, aromas: os que sobem dos esburacados tectos das cozinhas, a caminho das nuvens. Venho falar-te da justeza e da generosidade dos frutos. Amo os sofisticados cheiros e sabores da Guiné. Amo o chabéu que é vermelho, sem ser sangue, soufflé e dendém. Amo o aroma da cafriela, os pedaços de frango corados em manteiga, de volta ao molho de limão e fartas rodelas de cebola. (Lima, 2009, s.p.)

Desdobrando-se numa prosa abertamente poética, que reúne a um só tempo procedimentos formais do gênero carta como o vocativo e a intencionalidade persuasiva, e do gênero crônica, ao privilegiar a vida cotidiana, a brevidade, o lirismo, o humor, a leveza e a sensibilidade no contato com a realidade, o comentário inicial se distende de maneira generosa e cúmplice em direção a outros referentes culturais do continente africano, inter-relacionando os países de língua oficial portuguesa: Volta e meia, ensaio o meu próprio caldo de mancarra, caril de amendoim para os moçambicanos, moamba de jinguba para os angolanos. Na sua sisudez, a mancarra não se apaga na versatilidade dos nomes, cumpre o destino de ser alimento. (Lima, 2009, s.p.)

A carta-crônica encarrega-se de introduzir elementos lexicais característicos dos contextos linguísticos da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe em especial, esmerando-se na descrição de seus respectivos ambientes culturais através da experiência gastronômica. Delineia-se, então, através de uma memória afetiva individual eivada de breves juízos valorativos, a ativação de uma memória comum que se pretende

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